RESUMO
Na relação estética, as experiências mediadas e a fusão de nossas vivências com a de outros corpos, sejam eles humanos, não humanos ou linguísticos, geram novos processos de sentidos e impactam em como agimos em nossos contextos relacionais. Este artigo apresenta um estudo de como as experiências mediadas por atividades artísticas participam do desenvolvimento e demonstra que essas formas de vivenciar o artefato artístico trazem reflexões importantes e necessárias sobre a compreensão da educação estética para crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social de uma ONG.
Palavras-chave Crianças; Adolescentes; Artefatos artísticos; Educação estética
ABSTRACT
In the aesthetic relationship, mediated experiences, and the fusion of our experiences with those of other bodies, whether human, non-human or linguistic, generate new processes of meaning and impact how we act in our relational contexts. This article presents a study of how experiences mediated by artistic activities participate in development and demonstrates that these ways of experiencing the artistic artifact bring important and necessary reflections on the understanding of aesthetic education for children and adolescents in situations of social vulnerability in an NGO.
Keywords Children; Teenagers; Artistic artifacts; Aesthetic education
Introdução
As diversas expressões artísticas são formas importantes para a constituição de significados, porque nos proporcionam a intensificação da relação com a vida cotidiana. Para isto, compreendemos nesta pesquisa as experiências das atividades artísticas desenvolvidas em uma Organização Não Governamental (ONG) que trabalhava com crianças e adolescentes no contraturno escolar, possibilitando o desencadear de posicionamentos éticos e estéticos e, portanto, de uma educação estética. Consideramos a perspectiva teórica da Ppsicologia cultural, com autores como Jerome Bruner (1997), Jaan Valsiner (2012) e da abordagem dialógica, na perspectiva bakhtiniana (Bakhtin, 2011, 2013, 2017) como base teórica para esta pesquisa. Utilizamos a psicologia cultural por considerarmos que esses aportes teóricos possibilitam a sustentação do nosso estudo, uma vez que as supracitadas perspectivas teóricas estão relacionadas à constituição da pessoa a partir das interações sociais e culturais (Rosa, 2000; Valsiner; Rosa, 2007; Vigotski, 2007). Essas interações são dialógicas (Bakhtin, 2016) enquanto comunicação discursiva e fundantes para o desenvolvimento humano, pois articulam a relação do eu e do outro, em um processo semiótico de produção cultural que produz um mundo e o significa (Bruner, 1997).
Nesse sentido, consideramos que crianças e adolescentes se encontram no processo de transição e de construção de campos afetivo-semióticos, que podem ser compreendidos por meio de narrativas, gestos e ações, ou seja, pela forma como se posicionam. Sua expressividade diz acerca da construção de valores que os norteiam para futuras ações, dado que os valores, vistos como signos generalizantes, são a cultura em que a pessoa está inserida.
Na relação estética, as experiências mediadas e a fusão de nossas vivências com outros corpos, sejam eles humanos, não humanos ou linguísticos, geram novos contextos de sentidos. Os artefatos artísticos dão sentido e se tornam imprescindíveis para refletirmos sobre os objetivos da forma como agimos em nossos contextos relacionais (Nunes; Castro-Tejerina; Barbato, 2010).
De início, a palavra experiência nos remete a pensar vários tipos de acontecimentos, tais como: as situações que se constituem a partir de ações mecânicas e rotineiras e aquelas que revelam continuidades e significâncias. O desenvolvimento de uma experiência denominada estética está relacionado aos sentidos e à cognição, e pode ocorrer em meio a lutas e conflitos; por sua vez, o percurso, mesmo que seja doloroso, serve para alavancar nossas vivências.
Nesta pesquisa, assumimos, conforme Bakhtin (2017), a experiência estética como sendo o resultado da absorção da pessoa e de seu nível de assimilação das coisas que vê, ouve, sente e vive. Cada pessoa possui uma receptividade estética própria, que ocorre conforme as relações que possui com o que está ao seu redor, e é neste horizonte axiológico que o ato estético opera e cria outros sistemas de valores. Dessa forma, a pessoa faz diferentes assimilações do contexto circundante e posiciona-se axiologicamente (Bakhtin, 2017). Esses posicionamentos, que são permeados por vozes ideológicas (Bakhtin, 2011; Volóchinov, 2017), interferem nas distintas experiências de vida. Além disso, a experiência estética põe em jogo a imaginação, por meio de elementos carregados de expressividade e significado (Sánchez, 2010). Discorrer sobre este assunto é abordar o quanto as pessoas são impactadas pelo outro e pelo meio, a partir dos significados compartilhados e pelos sentidos dados a esses significados.
Toda experiência estética é construída a partir da mediação com outros processos, pois para que ela ocorra são necessários os artifícios da cultura e da memória. Quando a pessoa vivencia/passa por tal experiência, significa que a forma representada percorre caminhos que dão sentido ao emaranhado de sua vida. Por isso, ter uma experiência estética vai além de uma vivência artística, é uma invasão geral da vida da pessoa , pois há um vínculo emocional e valorativo desta com o mundo.
A experiência estética proporciona espaço para que outras relações sejam construídas com base na produção de novos significados e sentidos (Reis, 2011; Vigotski, 2018), seja entre as pessoas ou entre estas e suas escolhas. Portanto, para que aconteça tal, é necessário que a pessoa assuma uma atitude estética, que esteja disposta a ter uma abertura perante o mundo, que se deixe impactar pelos efeitos produzidos por objetos e acontecimentos (Pereira, 2012). Assim, é da relação, tanto social quanto individual, entre o humano e o objeto ou acontecimento que resulta algo novo perante o que está sendo visto e vivido.
Os contextos socioculturais mediados por expressões artísticas favorecem vivências e experiências que superam os aspectos corriqueiros do cotidiano (Vigotski, 2018; Zanella, 2007). O sentido estético ocupa, portanto, um lugar social constituído em um espaço simbólico significado culturalmente (Brito; Zanella, 2017; Schlindwein, 2015; Vigotski, 2001). Ademais, a arte possibilita uma ação educativa e estética que aguça a percepção da pessoa em todos os sentidos, como seres singulares, autores de suas experiências.
Método
Este relato faz parte de uma pesquisa maior cujo intuito foi analisar como as atividades artísticas – neste caso, desenvolvidas por uma ONG que atende a crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social – se relacionam com as variadas experiências dos participantes.
Adotamos o paradigma qualitativo, um modelo que nos possibilita compreender gradualmente o fenômeno social, por nos colocar no contexto dos participantes, por permitir contemplar os fenômenos sociais de maneira abrangente (Bauer; Gaskell, 2015; Creswell, 2014).
Desta forma, criamos um espaço em que as crianças e adolescentes se sentissem à vontade para se posicionarem. Os procedimentos metodológicos da pesquisa foram pensados de modo que as vozes e olhares dessas/desses participantes fossem contemplados por meio de rodas de conversa mediadas por desenhos, poesias e filmes.
No geral, foram realizados sete encontros com as crianças e adolescentes em formato de rodas de conversa. E neste trabalho apresentaremos os resultados obtidos no quarto e sexto encontros.
O quarto encontro, denominado “Dialogando sobre atividade artística”, nos oportunizou discutir temas como desenho e poesia, que se tornaram parte da análise deste manuscrito. Os desenhos apresentados foram realizados livremente na aula de desenho e pintura da ONG e serviram como mediadores para a roda de conversa a partir de um contato prévio com o material produzido. O tema “Sobre poesia” e o seu delineamento surgiu ao final do encontro, quando fomos conversar sobre as oportunidades oferecidas pela “Casa” e sobre os participantes fazerem uma poesia.
O objetivo para o sexto encontro foi que as crianças e adolescentes conversassem sobre as experiências adquiridas em virtude da inserção na instituição, com o intuito de que os participantes fizessem um feedback sobre as experiências na “Casa”. Assim, o poema apresentado foi feito por um dos participantes na aula de atividade artística e recitada, a pedido do participante, ao final do encontro.
Participantes
Participaram da pesquisa oito crianças e adolescentes, identificados por codinomes escolhidos pelos próprios participantes após mediação da pesquisadora,
tendo como base os nomes de algumas turmas da instituição, tais como apresentado na Tabela 1 a seguir:
Todos os participantes frequentavam, no contraturno escolar, a ONG que oferecia atividades relacionadas com arte. A construção dos dados ocorreu por meio de roda de conversa mediada por desenhos e poesias, atividades artísticas construídas pelos participantes. Essa proposta metodológica de comunicação dinâmica e produtiva possibilitou que os participantes estabelecessem espaços de diálogo e a construção de informações para análise. Desta forma, a roda de conversa permitiu que o pesquisador participasse da conversa, partilhasse experiências e fosse parte da produção de dados para a discussão, decorrendo uma maior interação entre o pesquisador e os participantes da pesquisa. As narrativas e conversações propiciaram sentidos, significados e elementos afetivos.
Contexto da pesquisa
A instituição em que foi realizada a pesquisa foi criada por um núcleo familiar, que tinha como objetivo dar assistência a crianças e adolescentes até a sua inserção na universidade. O projeto foi se expandindo e hoje é uma ONG, inaugurada em agosto de 2012, no sudoeste goiano. Atendia, na época da pesquisa, cerca de 200 crianças e adolescentes, com idades entre 6 e 17 anos, no contraturno escolar. Para participar dos projetos oferecidos pela instituição, a criança ou adolescente deveria estar matriculado e frequentando escola pública, ser de família de baixa renda e estar vulnerável socialmente. Os participantes denominavam esta ONG de “a Casa”, termo que passaremos a adotar nos resultados e na discussão.
Resultados e discussão
Dialogando sobre atividade artística
Para entender como a mediação estética propicia o desenvolvimento humano, levamos alguns desenhos realizados pelos participantes para mediar a roda de conversa. Entendemos aqui a mediação estética como um processo cuja mediação foi feita por um objeto estético ou mesmo pela própria atividade na produção de um produto estético – no caso desta pesquisa, envolveu desenhos (Fig. 1) e poesias.
A proposta foi de que cada participante descrevesse suas experiências durante a criação e fruição estética e, a partir de uma roda, tivemos a oportunidade de contextualizá-los com base em cada uma das narrativas.
Os desenhos foram identificados e nomeados, conforme as experiências de cada participante. Eduardo Kobra nomeou o desenho de Cora Coralina como “namorados se beijando”. Esse tema sobre namorados, beijo, é algo que permeia a realidade de alguns participantes, seja pelas mídias sociais, TVs ou pelo início de suas experiências amorosas, pois eles se encontram no início da adolescência – uma etapa em que há novas descobertas, desejos e posicionamentos que se diferem do ser criança.
Outros desenhos foram apresentados ao grupo, como “a floresta” de Ruth Rocha, o “avô” de Shakespeare e a narrativa sentimental sobre a saudade que sente de seu avô que é falecido. Quando apresentamos o desenho “os dois homens”, Steve Jobs logo afirmou ser de Van Gogh, o qual negou e depois consentiu e acrescentou que ficou feio. A negação e avaliação antecipada geralmente acontecem devido à insegurança sobre o que o grupo vai dizer, pois os posicionamentos são diferentes e muitas vezes ocorrem em contraposição ao outro, a depender dos sentidos existentes em cada pessoa (Valsiner, 2012; Zittoun; Gillespie, 2015).
O desenho de Ana Botafogo retrata bem as experiências dela na “Casa”: “clave de sol” representa o seu gosto pela música, por cantar, e o prazer que ela sente por experienciar as atividades que são propostas. Chiquinha Gonzaga fez o desenho de um coração, e sua fala é representativa sobre alegria e tristeza, como podemos ver no fragmento a seguir:
Sua explicação nos remete a compreender que temos vários corações, ou seja,
experiências que deixam as pessoas fechadas – tristes – e outras que nos tornam abertas – alegres.
De todos os desenhos, o que mais proporcionou interatividade no grupo foi o de Eduardo Kobra, nomeado de “bem/mal”, como podemos ver a seguir:
Culturalmente, alguns assuntos tornam-se tabus. Falar sobre as características do humano a partir da perspectiva do bem e do mal, representado pelo desenho de Eduardo Kobra, causou momentos de euforia entre os participantes do estudo e possibilitou negociação de significados, como o momento em que Shakespeare vê a criatividade do amigo e expressa seu pensamento, um ato responsável e responsivo na interação ali estabelecida. Este fragmento revelou um ir além do esperado, de jogar com as normas e regras que são impostas em nosso contexto social, histórico e cultural (Vigotski, 2001), como visto no posicionamento de Ruth Rocha.
O desenho de Eduardo Kobra e suas narrativas apontam a tensão em que ele vive e que nutre seus campos afetivo-semióticos e influem em suas relações consigo e com os outros, bem como um posicionamento ético, como sugere Bakhtin (2011), pois quando ele fala “a gente”, ele está se vendo a partir do outro e fornecendo significados para a compreensão do desenvolvimento humano.
Discorrer sobre as atividades artísticas realizadas na “Casa” nos favoreceu analisar questões mais amplas relacionadas a gênero e à educação sexista a partir do tema “sobre poesia”.
Sobre poesia
Este tema – “Sobre poesia” – e o seu delineamento surgiu quando fomos conversar sobre as oportunidades oferecidas pela “Casa” e sobre os participantes fazerem uma poesia, como apresentado a seguir:
A possibilidade de escreverem uma poesia ao final do encontro nos favoreceu a identificação de vários posicionamentos (Harré; Van Langenhove, 2003), incluindo posicionamento éticos. A denominação de poesia como coisa de menina, de romance, e as interações possibilitaram a compreensão sobre o quanto, ainda, está amalgamado em nosso contexto social a distinção e as atribuições das ações entre meninos e meninas. Eduardo Kobra se orienta a partir de signos constituídos em meio a contextos em que há uma diferenciação na forma de lidar com meninas e meninos a partir de uma educação sexista, tendo como aliado Shakespeare. São nos contextos culturais vivenciados que estabelecemos particularidades em função do gênero masculino e feminino. Houve uma tentativa, sem sucesso, de Van Gogh, Steve Jobs e Ruth Rocha de negociar tais significados com Eduardo Kobra, em relação à concepção de que as atividades domésticas não são para meninos.
Nesse embate contra posicionamentos sexistas, percebemos, nas interações, que a maioria dos participantes pensa em uma atuação igualitária entre meninos e meninas, que as atividades podem ser realizadas por ambos. Porém, Eduardo Kobra transcende por meio da imaginação a realidade vivida, uma realidade pautada pela desigualdade social, de pobreza, que o deixa em uma situação de vulnerabilidade, pois muitas vezes falta o necessário para suprir suas necessidades básicas. Ainda assim, por meio da imaginação, ele foi além, dizendo “Eu vou pro hotel, que é muito melhor”, mas Van Gogh não considera a possibilidade imaginada por Eduardo Kobra e faz um questionamento, projetado para o futuro, mas representando o presente: “E se você não tiver dinheiro.” Eduardo Kobra responde com um “Aí eu vou morar na rua, melhor que lavar vasilha”. Neste trecho, percebemos que para ele a rua significa liberdade, o não aprisionamento, uma alternativa de “escape” de realizar atividades que não gosta ou pensa serem inadequadas para meninos. Na continuidade de sua narrativa, há ambivalência entre o que Eduardo Kobra pensa acerca de atividades domésticas para meninos versus o que acontece em sua casa no dia a dia.
Os pais de Eduardo são separados, e ele é o filho mais velho. Isso deixa subentendido que, no momento vivido, ele “assume”, juntamente com a mãe, as responsabilidades da casa. Para conseguir êxito às ordens dadas aos irmãos, ele propõe uma “gambira”, expressão largamente utilizada em Goiás que significa troca, permuta, que nada mais é que um posicionamento de autoridade – “obediência x castigo” –, considerado por ele como constitutivo de bondade e de ajuda para a mãe conforme as peculiaridades encontradas no seu contexto.
A maioria das meninas não desconsidera que há contribuição dos meninos nas tarefas, portanto acreditam que a carga de atividade maior ainda fica centrada nas meninas, e este argumento tem o consentimento de Shakespeare.
A percepção das meninas em relação à conciliação entre o trabalho doméstico e outras atividades desenvolvidas pelas mulheres reflete uma constatação histórica e cultural, visto que, em nossa sociedade machista, é comum a sobrecarga das atividades domésticas sobre as mulheres, independentemente da idade (Sousa; Guedes, 2016). As brincadeiras e os brinquedos de meninas estão relacionados às atividades consideradas para meninas, logo, é comum encontrarmos brinquedos como vassoura, rodo, panelinhas, lavadora de louça. Enquanto aos meninos são dadas oportunidades de brincadeiras relacionadas à prática de esportes com bolas, além de carros e armas (Nascimento; Trindade, 2010), reforçando ainda mais os significados que distinguem atividades de meninas e meninos.
Assim, alguns desfechos nos propiciaram melhores condições de análises. Entendemos que Eduardo Kobra atuou como protagonista com posicionamentos relevantes para identificarmos determinadas estruturas a partir de suas condições sócio-históricas em suas especificidades e diversidades (Bakhtin, 2017). Seu desenho “Bem/Mal” arquitetonicamente é um conjunto de relações axiológicas da realidade relacional que se materializou no artefato (Faraco, 2011). Assim, não é possível pensar os desenhos afastados do espaço das relações dialógicas em que tanto Eduardo Kobra quanto os outros participantes se encontravam.
No tema “Sobre poesia”, Eduardo Kobra se posicionou, ou seja, assumiu, por meio de sua narrativa, o que pensa sobre poesia e trabalho doméstico, e é nesse sentido que os posicionamentos revelam ideologias a partir da dialogia (Harré; Van Langenhove, 2003). Com base em suas narrativas, podemos perceber que, em nosso contexto, por mais lutas que existam contra a desigualdade entre homens e mulheres, ainda estamos cerceados por uma educação sexista. Compreendemos que um programa de educação não sexista deve ser efetivado para que crianças e jovens se inquietem – como vimos principalmente nos posicionamentos de Van Gogh –, mediante significações cristalizadas, e sejam capazes de gerar novas zonas de possibilidades para que as diferenças não perpetuem valores de desigualdade e injustiça.
Significado da “Casa”
No transcorrer das atividades, pedimos aos participantes que expusessem sobre a representatividade da “Casa”, e foi unânime a concordância do quanto eles aprenderam a fazer muitas atividades artísticas. Em uma perspectiva semiótica (Vigotski, 2001) o conceito de “casa” pode vir permeado tanto de suas experiências ontogenéticas como de uma aproximação com a cultura. A seguir, apresentamos o poema escrito por Van Gogh para embasar o significado da “Casa” para eles.
A “Casa” é Um Lugar especial, Os alunos que estudam, Aqui são legais e especiais, Pois tem vontade de aprender, E os professores vontade de ensinar. O carinho que tem aqui, Vale mais que uma rosa Poderosa que solta pétalas, De amor e felicidade e combina com Amor e Arte. A “Casa” ensina Respeitar as outras pessoas, E, também, ensina respeitar as outras crianças que aqui estão, trazendo dentro do coração A alegria, a esperança e a gratidão.Este contexto diferenciado impulsionou Van Gogh a ser autor, a ter um posicionamento emotivo-volitivo que faz referência a um lugar especial, com pessoas
legais, onde tem carinho, amor, felicidade e respeito. Esses enunciados foram expressos por meio de um poema sobre a “Casa”, que se configuram como uma disposição ativamente responsável (Bakhtin, 2017) em relação ao todo da vivência de Van Gogh no contexto da instituição.
Considerações finais
O estudo sobre a relação entre as atividades mediadas pela arte e o desencadear de posicionamentos éticos e estéticos possibilitou dar ênfase na contribuição da arte para o desenvolvimento humano em uma educação estética. Podemos identificar que, na relação estética, as experiências que as pessoas adquirem consigo, com os outros e com o mundo são mediadas por elementos que propiciam sentidos e significados a partir de particularidades que favorecem novas percepções, que puderam ser vistas por meio de narrativas (Mendes; Marinho-Araújo, 2016; Zanella et al., 2006).
As narrativas se apresentaram articuladas às normas – regras existentes em seus distintos meios sociais e culturais – e à “Casa”, com todas as atividades desenvolvidas e poder institucional, em um processo de produção ideológica mediada pelas narrativas organizadas na interação verbal dos participantes da pesquisa (Bakhtin, 2011). Consideramos que a roda de conversa favoreceu a compreensão de que os posicionamentos (Harré; Van Langenhove, 2003) dos(as) participantes da pesquisa não ocorreram desarticulados dos processos ideológicos presentes em seus contextos sociais (Bakhtin, 2013; Volóchinov, 2017).
Por meio da atividade artística, em vários momentos, os participantes atribuíram novos sentidos e significados às suas experiências, em um movimento de ir além, confirmando uma qualidade da arte, que é de favorecer a liberdade de situações limitantes do cotidiano (Bernardino, 2010) e a expansão da experiência.
O estético permitiu um desdobramento no olhar (Borges, 2008) pelo distanciamento, ou seja, de um ponto de vista exotópico da pessoa em um espaço limítrofe, que possibilita a ela produzir novos significados para suas experiências (Pajéu; Miotello, 2018). Essas experiências constituídas de sentidos se tornam imprescindíveis para reflexões sobre as ações e suas ocorrências nos vários contextos relacionais (Nunes, Castro-Tejerina; Barbato, 2010).
Vimos que o contato com atividades artísticas de crianças e adolescentes na “Casa” favoreceu outras percepções e a compreensão de regras e normas, bem como possibilitou questionamentos de padrões, valores e concepções, configurando um processo de educação estética. A arte e as narrativas sobre atividades artísticas permitem à pessoa a percepção da sua realidade circundante, de uma maneira diferente da corriqueira. Assim, consideramos a arte não como um fim, mas como uma mediadora estética que contribui para que a criança e o adolescente em vulnerabilidade social tenham a possibilidade de se posicionar eticamente por meio de situações que os participantes consideram relevantes para a vida deles e dos outros.
Agradecimentos
Agradecemos à Universidade de Brasília, à Casa da Criança “Amor e Artes” e às crianças e adolescentes que se dispuseram a participar da pesquisa.
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Número temático organizado por: Lavínia Lopes Salomão Magiolino https://orcid.org/0000-0001-8716-4208, Daniele Nunes Henrique Silva https://orcid.org/0000-0002-8174-2967 e Kátia Maheirie https://orcid.org/0000-0001-5226-0734
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Financiamento
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e TecnológicoProjeto Nº: 141544/2017-1Coordenação de Aperfeicoamento de Pessoal de Nível SuperiorProcesso Nº: 88881.189148/2018-01.
Disponibilidade de dados de pesquisa
Os dados estão disponíveis em: http://www.realp.unb.br/jspui/handle/10482/38143
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Editoras Associadas:
Lucia Reily https://orcid.org/0000-0002-2792-8664 e Maria Silvia P. M. Librandi da Rocha https://orcid.org/0000-0002-6001-1292
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
22 Nov 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
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Recebido
06 Fev 2024 -
Aceito
15 Set 2024