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Condutores de íons oxigênio: uma breve revisão

Oxygen-ion conductors: a brief review

Resumos

São descritas e comparadas as principais características relacionadas com as propriedades de transporte de alguns condutores de íons oxigênio. Os materiais abordados compreendem as soluções sólidas à base de zircônia e de céria, compostos com estrutura pirocloro e perovsquita, além das duas famílias de condutores iônicos conhecidos mais recentemente: aqueles com estrutura da apatita e os derivados do La2Mo2O9. São enfatizados resultados mais recentes da literatura e o principal objetivo é fornecer elementos para uma análise, ainda que parcial, do potencial de aplicação desses eletrólitos sólidos cerâmicos.

eletrólitos sólidos; condutores de íons oxigênio; condutividade elétrica


The main characteristics related to transport properties of oxygen ion conductors are described in detail. The materials focused are those based on zirconia and ceria solid solutions, compounds with pyrochlore and perovskite-type structures, and the most recently reported ionic conductors based on apatite structure and those derived from La2Mo2O9 composition. Particular emphasis will be paid on recent results. The main purpose of this review is to summarize the most relevant aspects related to transport properties, allowing for a critical analysis of the potential of application of these ceramic solid electrolytes.

solid electrolytes; oxygen ion conductors; electrical conductivity


Condutores de íons oxigênio - uma breve revisão

Oxygen-ion conductors - a brief review

E. N. S. Muccillo

Centro Multidisciplinar para o Desenvolvimento de Materiais Cerâmicos, CCTM, Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares, R. do Matão, Travessa R 400, Cidade Universitária, S. Paulo, SP 05508-000, enavarro@usp.br

RESUMO

São descritas e comparadas as principais características relacionadas com as propriedades de transporte de alguns condutores de íons oxigênio. Os materiais abordados compreendem as soluções sólidas à base de zircônia e de céria, compostos com estrutura pirocloro e perovsquita, além das duas famílias de condutores iônicos conhecidos mais recentemente: aqueles com estrutura da apatita e os derivados do La2Mo2O9. São enfatizados resultados mais recentes da literatura e o principal objetivo é fornecer elementos para uma análise, ainda que parcial, do potencial de aplicação desses eletrólitos sólidos cerâmicos.

Palavras-chave: eletrólitos sólidos, condutores de íons oxigênio, condutividade elétrica.

ABSTRACT

The main characteristics related to transport properties of oxygen ion conductors are described in detail. The materials focused are those based on zirconia and ceria solid solutions, compounds with pyrochlore and perovskite-type structures, and the most recently reported ionic conductors based on apatite structure and those derived from La2Mo2O9 composition. Particular emphasis will be paid on recent results. The main purpose of this review is to summarize the most relevant aspects related to transport properties, allowing for a critical analysis of the potential of application of these ceramic solid electrolytes.

Keywords: solid electrolytes, oxygen ion conductors, electrical conductivity.

INTRODUÇÃO

Condutores de íons oxigênio formam uma classe de materiais funcionais com aplicações tecnológicas em diversas áreas incluindo sensores de espécies químicas, bombas de oxigênio, membranas permeáveis ao oxigênio e células a combustível para produção de energia [1-3]. Para essas aplicações, uma de suas propriedades mais importantes é a condutividade elétrica, que é influenciada por fatores, como pureza dos materiais de partida e parâmetros de processamento tais como introdução de aditivos, moagem e tratamentos térmicos (calcinação, sinterização e envelhecimento), que definem a microestrutura do material sinterizado.

Idealmente um eletrólito sólido é condutor de uma única espécie química e um isolante eletrônico. Isto significa que a concentração de defeitos iônicos deve ser muito superior à de defeitos eletrônicos.

A dependência da condutividade elétrica com a temperatura é expressa por uma equação do tipo Arrhenius:

na qual σo, E, k e T são, respectivamente, o fator pré-exponencial da condutividade, a energia de ativação do processo de condução, a constante de Boltzmann e a temperatura absoluta.

Para a grande maioria dos condutores de íons oxigênio a condução se dá por meio de sucessivos saltos dos íons oxigênio em posições vacantes na estrutura cristalina. Assim, um dos parâmetros mais importantes para a obtenção de alta condutividade é a concentração de vacâncias de oxigênio. Estas podem ser nativas (condutores intrínsecos) ou podem ser introduzidas por meio de substituições parciais convenientes (condutores extrínsecos).

Nos condutores intrínsecos as vacâncias de oxigênio se encontram ordenadas na estrutura cristalina a baixas temperaturas e, portanto, são praticamente imóveis. Nesse caso, a condutividade iônica intrínseca é baixa a temperaturas não muito elevadas. Porém, com o aumento da temperatura, as vacâncias adquirem mobilidade suficiente para passar para um estado desordenado na sub-rede aniônica. Essa transição do estado ordenado para desordenado se dá por meio de uma transformação estrutural de fase, sendo que a fase de alta temperatura e alta condutividade é também a de mais alta simetria cristalina. Dessa forma, as aplicações de um condutor intrínseco estão primariamente relacionadas com a temperatura de transição de fase, com a estabilidade da fase estrutural responsável pela alta condutividade para o íon oxigênio, e com a magnitude relativa da condução iônica a uma temperatura específica.

Os condutores extrínsecos são aqueles nos quais as vacâncias aniônicas são geradas por meio da substituição parcial do cátion da matriz (hospedeiro) por outro de valência diferente (aliovalente). No caso de óxidos com deficiência de oxigênio o cátion aliovalente deve possuir valência inferior ao da matriz para a criação de vacâncias de oxigênio como defeito complementar. Nesses materiais os aspectos mais importantes são: a distribuição homogênea do aditivo, além do tipo e teor relativo.

Poucos são os óxidos que apresentam altos valores de condutividade para o íon oxigênio. O íon oxigênio possui um tamanho consideravelmente grande (r = 0,138 nm [4]), é duplamente carregado e capaz de interagir fortemente com o cátion hospedeiro. Por isso, muitos desses materiais têm aplicações tecnológicas reduzidas àquelas para as quais não se necessita de alta densidade de corrente, que é o caso dos sensores de oxigênio. A alta mobilidade iônica, necessária para a obtenção de altos valores de condutividade, só é encontrada em óxidos com estruturas cristalinas especificas. Por isso, nesta revisão os condutores de íons oxigênio serão agrupados por sua estrutura cristalina. Além disso, por questão de brevidade, serão enfatizados apenas alguns materiais condutores. Na literatura científica de ampla divulgação podem ser encontrados diversos artigos contendo também detalhes sobre propriedades mecânicas e térmicas além das propriedades de transporte nesses materiais [5-13]. Nesta revisão, além das propriedades elétricas e das características estruturais, serão mencionados aspectos relacionados com a preparação das soluções sólidas. Serão citadas apenas algumas referências que sirvam para ilustrar o fenômeno ou aspecto sendo discutido, uma vez que o número de trabalhos neste tema é muito elevado. Para exemplificar basta mencionar o trabalho revisão de Etsell e Flengas de 1970 [14] no qual o número de citações é superior a 650.

Fluorita

Nesta família de materiais podem ser encontrados aqueles que vêm sendo estudados há mais tempo, como a zircônia e a céria contendo aditivos.

A zircônia, ZrO2, nominalmente pura é um condutor extrínseco de baixa condutividade para o íon oxigênio, devido às impurezas provenientes do processo de síntese. A substituição parcial do Zr4+ por Y3+, Ca2+, Mg2+, Sc3+ e terras raras trivalentes introduz um número substancial de vacâncias de oxigênio, aumentando a condutividade iônica por algumas ordens de grandeza. Dependendo do teor do aditivo, o óxido resultante poderá apresentar uma ou mais estruturas cristalinas. Por exemplo, a introdução de Y2O3 em teores de até 3% em mol promove a estabilização da fase tetragonal, enquanto que para teores superiores a 7% em mol, a fase cúbica (grupo espacial Fm3m) é obtida à temperatura ambiente. Em teores intermediários é comum obter uma mistura de fases tetragonal e cúbica [15]. As estruturas tetragonal e cúbica na zircônia-ítria apresentam condutividades muito próximas em temperaturas em torno de 400 ºC, como mostram os gráficos de Arrhenius da condutividade iônica para monocristais na Fig. 1.


Para temperaturas inferiores a ~ 400 ºC a zircônia tetragonal possui maior valor de condutividade iônica. Esta característica se inverte para temperaturas mais elevadas. Assim, para aplicações a altas temperaturas a zircônia totalmente estabilizada na fase cúbica é o material de maior interesse.

A zircônia totalmente estabilizada na fase cúbica apresenta degradação da condutividade elétrica a altas temperaturas, que foi atribuída ao ordenamento de cátions na matriz de zircônia. Foi mostrado [16-18] que durante o envelhecimento térmico da zircônia-ítria ocorre difusão dos cátions em altas temperaturas. Em baixas temperaturas, a difusão de vacâncias aniônicas favorece o ordenamento a curto alcance destas ao redor dos cátions Zr4+, enquanto que, em temperaturas intermediárias, ambos os fenômenos devem ser importantes. A razão para o ordenamento a curto alcance das vacâncias de oxigênio é que isto provoca uma relaxação na distorção anisotrópica da rede cristalina causada pela substituição do Y3+ que possui um raio (r = 0,1019 nm [4]) bem maior que o do Zr4+ (r = 0,084 nm [4]).

Como mencionado acima, a condutividade iônica depende da concentração de vacâncias de oxigênio. Esse comportamento, entretanto, não é linear. A condutividade isotérmica atinge um valor máximo para um teor específico do aditivo, em geral, igual ou próximo ao mínimo necessário para a estabilização da fase cúbica e equivalente a 4 a 6% de vacâncias aniônicas [19, 20]. Para teores mais elevados, a condutividade iônica diminui e isto é acompanhado de aumento no valor da energia de ativação para a condução. A diminuição da condutividade, com o aumento na concentração de vacâncias de oxigênio, foi atribuída à formação de fases ordenadas (Zr3Y4O12 na zircônia-ítria e CaZr4O9 na zircônia–cálcia [20]) ou de microdomínios de fases ordenadas (Mg2Zr5O12 na zircônia-magnésia [21]), reduzindo a mobilidade das vacâncias aniônicas.

A dependência da condutividade elétrica com a pressão parcial de oxigênio é mostrada na Fig. 2, para soluções sólidas de zircônia-ítria [22, 23].


Como pode ser visto, a magnitude da condutividade iônica na zircônia-ítria é função do teor do aditivo e, portanto, da concentração de vacâncias aniônicas, mas, independe da pressão parcial de oxigênio, indicando que o número de transporte iônico é igual a 1.

Na tabela I são mostrados valores de condutividade iônica a 1000 ºC para algumas soluções sólidas à base de zircônia, juntamente com os valores de energia de ativação aparente do processo de condução.

A zircônia-escândia apresenta condutividade elétrica 2,5x maior que a da zircônia-ítria e, apesar do custo do óxido de escândio, esta solução sólida vem sendo gradativamente mais estudada para aplicações que requeiram altas temperaturas como, por exemplo, em células a combustível de óxido sólido. Isto porque seu uso como eletrólito sólido possibilitaria diminuir a temperatura de operação do dispositivo com significante redução no custo total.

Analogamente à zircônia-ítria, a condutividade é máxima na zircônia-escândia em torno de 9% em mol de Sc2O3. O teor de escândio é um parâmetro muito importante para este sistema. Para teores mais elevados a fase cúbica se transforma numa fase romboédrica, que possui menor condutividade elétrica [24]. Para teores mais baixos a degradação térmica é mais relevante, sendo menos severa com o aumento no teor de Sc2O3 [25].

A síntese das soluções sólidas à base de zircônia pode ser feita por diferentes técnicas envolvendo as três fases: por reações em fase sólida, ou em fase líquida ou ainda em fase vapor [26]. Apesar das particularidades de cada técnica, na maioria dos casos é possível obter pós finos (tamanho médio de partículas < 100 nm) e reativos, que densificam (> 95% da densidade teórica) a baixas temperaturas (< 2/3 da temperatura de fusão). Os pós obtidos normalmente apresentam homogeneidade química e estrutural. Quando produzido em escala laboratorial, o principal problema encontrado está relacionado com a aglomeração que espontaneamente ocorre em conseqüência do tamanho nanométrico das partículas. Na impossibilidade de evitar a aglomeração, procedimentos de beneficiamento, como moagem e dispersão ultrassônica, podem ser utilizados para desintegrar boa parte dos aglomerados já formados [27]. Quando a solução sólida é preparada por técnica de solução, alternativas bastante convenientes são o uso de solventes alcoólicos e/ou lavagem em meio alcoólico, que atuam na superfície das partículas evitando a formação de aglomerados sólidos [28, 29]. A adsorção de ânions na superfície das partículas da zircônia exerce forte influência na sinterização [30, 31]. Assim, por exemplo, a presença de ânions sulfato residuais provenientes da decomposição do sulfato básico de zircônio promove a formação de aglomerados sólidos prejudicando a densificação dos compactos [31]. Os grandes produtores de zircônia nominalmente pura ou estabilizada utilizam o mesmo método para a síntese: a fusão alcalina, seguida da co-precipitação dos hidróxidos. Devido ao grande volume de produção, a aglomeração é controlada com a etapa de atomização, dando origem a grânulos com formato e distribuição de tamanho controlados. Os materiais sinterizados além de atingirem alta densificação em temperaturas de ~ 1400 ºC possuem estequiometria controlada. Para a zircônia totalmente estabilizada na fase cúbica o tamanho médio de grãos, em geral >1 µm, é superior àqueles da zircônia tetragonal ou monoclínica [32].

Na zircônia estabilizada com ítria pode ocorrer a segregação do aditivo nos contornos de grão da cerâmica sinterizada [33]. Na maioria dos casos foi também observada a formação de uma fase intergranular rica em Si, proveniente dos materiais precursores [32, 34]. A introdução de um segundo aditivo, a alumina, em pequenas quantidades exerce um efeito de "limpeza" dos contornos de grão, conhecido como efeito "scavenger" [35], que consiste no confinamento da maior parte da sílica nas junções triplas e/ou formação de fases cristalinas nos contornos de grão. Em ambos os casos, a sílica não produz alterações na condutividade iônica da zircônia, ou seja, há um aumento na condutividade iônica em relação ao material sem a alumina. Esses efeitos indesejáveis não impedem, contudo, que a zircônia-ítria continue sendo o material preferido para uso como eletrólito sólido em células a combustível de óxido sólido, aplicação esta com requisitos bastante restritivos [11, 36].

O dióxido de cério, CeO2, apresenta à temperatura ambiente a estrutura cúbica de faces centradas, tipo fluorita. Neste caso, a adição de óxidos de terras raras, que são altamente solúveis na céria, tem apenas a finalidade de alterar uma de suas propriedades mais importantes, a condutividade elétrica. A céria nominalmente pura é um condutor eletrônico, enquanto que o processo de condução na céria contendo aditivos é predominantemente iônico.

Uma diferença do óxido de cério quando comparado ao óxido de zircônio é que o cério pode assumir duas valências (Ce4+ e Ce3+) e que o Ce3+ é mais estável na estrutura cúbica tipo fluorita do que o Zr3+. Como conseqüência disto, é observada uma comparativamente alta condutividade eletrônica na céria contendo aditivos em atmosferas de baixa pressão parcial de oxigênio (pO2). A diferença entre os raios iônicos do Ce4+ (r = 0,097 nm [4]) e do Ce3+ (r = 0,1140 nm [4]) produz uma expansão volumétrica, durante o processo de redução da céria, causando instabilidade mecânica. Com relação à diferença nos raios iônicos do Ce4+ e do Zr4+, quando íons de terras raras são introduzidos na estrutura cristalina da zircônia, as vacâncias aniônicas criadas para compensação de carga se localizam preferencialmente próximas aos íons Zr4+. Esta é uma das causas principais da forte estabilização termodinâmica da zircônia contendo aditivos. Por outro lado, na céria as vacâncias aniônicas tendem a ficar próximas do íon substituinte (aditivo) [37, 38].

O movimento iônico nas soluções sólidas com estrutura fluorita, como aquelas à base de zircônia e céria, é caracterizado pela migração do íon oxigênio para uma posição vacante vizinha (Fig. 3). Considerando as energias envolvidas durante a migração do íon oxigênio, a trajetória de menor energia acontece ao longo do vértice do cubo formado pelos sítios do oxigênio.


A condutividade isotérmica na céria contendo aditivos (Fig. 4) tem um comportamento similar ao das soluções sólidas à base de zircônia [39, 40]. A partir de resultados experimentais e de cálculos teóricos foi comprovado que este efeito está relacionado com o posicionamento das vacâncias aniônicas próximas ao cátion substituinte. Isto levou alguns pesquisadores a propor que a interação coulombiana entre a vacância de oxigênio e o cátion substituinte, originando um defeito que atua como um dipolo elétrico e elástico, também conhecido como par impureza-vacância, e que aprisiona a vacância ao cátion do aditivo, é responsável pela diminuição da condutividade para altos teores do aditivo. Esta hipótese, contudo, se verdadeira, deveria dar origem à mesma magnitude da condutividade iônica para todos os cátions substituintes de igual valência, o que não acontece [39, 40] (Fig. 4).


Os resultados de simulação atomística revelaram que a maior interação entre esses defeitos puntiformes ocorre por meio da deformação elástica produzida na rede cristalina da céria, devido à diferença nos raios iônicos do Ce4+ e dos cátions dos aditivos. Esta hipótese é corroborada pelos resultados experimentais, como mostra a Fig. 5, tal que os valores mais elevados de condutividade iônica na céria são obtidos para os cátions substituintes com raio catiônico mais próximo ao do Ce4+, que são o Sm3+ e o Gd3+ [41].


De forma análoga às zircônias estabilizadas, as soluções sólidas à base de céria podem ser sintetizadas com relativa facilidade por diversas técnicas. A similaridade das estruturas cristalinas da céria e dos aditivos de terras raras (estrutura cúbica tipo C) garante uma alta solubilidade entre estes, facilitando a obtenção da solução sólida. Em geral, não é difícil obter pós com diâmetro médio de partículas inferior a 10 nm e valores de área de superfície específica superiores a 100 m2.g-1. O método mais utilizado para a preparação das soluções sólidas à base de céria é a precipitação dos oxalatos ou hidróxidos metálicos [42]. A distribuição de tamanho e a forma das partículas dependem dos parâmetros específicos usados na síntese. Assim, por exemplo, a co-precipitação usando o hidróxido de amônio como precipitante produz partículas com forma esferoidal, enquanto que a precipitação na forma de oxalato dá origem a uma estrutura laminar [43]. Entretanto, as propriedades de transporte na céria contendo aditivos são, dentro das limitações experimentais, insensíveis às características específicas dos métodos de síntese. Outros métodos citados na literatura envolvem técnicas de solução tais como combustão, sol-gel, acrilamida, precursores poliméricos, complexação de cátions e processo hidrotérmico [44-50].

Diferentemente das zircônias estabilizadas, as soluções sólidas à base de céria necessitam de temperaturas relativamente elevadas (> 1400 ºC) para atingir alta densificação (> 95% da densidade teórica), mesmo quando preparadas por métodos químicos. Pelo método convencional de mistura de óxidos, temperaturas igual ou superiores a 1600 ºC são utilizadas para a sinterização da céria contendo aditivos [51]. Os valores de tamanho médio de grãos, em geral, variam entre 1 e ~ 7 µm.

No início da década de 90 foi sugerido o uso da técnica da precipitação homogênea para a produção de cerâmicas de céria com alta sinterabilidade [52]. Esta técnica foi também utilizada na síntese de algumas soluções sólidas de céria [53-55]. A temperatura mínima para obtenção de céria com alta densidade foi assim reduzida para 1200 a 1300 ºC. Mais recentemente, foi sugerido o uso do carbonato de amônio como precipitante, o que permitiu a obtenção de pós reativos e com alta sinterabilidade, que atingem 99% da densidade teórica a 1200 ºC com tamanho médio de grãos de aproximadamente 230 nm [56]. À despeito da relativa facilidade em obter pós ultrafinos de céria e céria contendo aditivos, a obtenção de cerâmicas nanofásicas (tamanho de grãos < 100 nm e distribuição de tamanho em torno deste valor) não é trivial. Poucos trabalhos foram publicados relatando estudos em cerâmicas nanofásicas à base de céria. Em todos os casos foi necessário utilizar um procedimento não-convencional nas etapas de compactação e sinterização pelo uso de pressões relativamente altas (~ 600 MPa) seguida de sinterização rápida [57] ou modificação da técnica de sinterização ativada por campo ("spark plasma") pela simultânea aplicação de alta pressão [58].

Com o advento dos materiais nanofásicos, diversas tentativas foram feitas para sintetizar soluções sólidas à base de zircônia e de céria que permitissem obter cerâmicas com tamanho de grãos inferiores a 100 nm. Isto porque, com base nas melhorias obtidas nas propriedades ópticas, mecânicas e magnéticas das cerâmicas nessa escala de tamanho, seria esperado, e até desejado, que as propriedades elétricas fossem também otimizadas em relação àquelas de materiais com tamanho de grãos sub-micrométricos ou micrométricos. Em geral, os resultados relatados, até o momento, mostraram pouca influência do tamanho de grãos na condutividade elétrica total tanto em cerâmicas de zircônia quanto à base de céria.

δ-Bi2O3

A fase de alta temperatura do Bi2O3 (fase δ) apresenta, a 800 ºC, o valor de condutividade iônica (~ 2,3 S.cm-1) mais elevado dentre os condutores de íon oxigênio conhecidos. Porém este só é estável numa faixa relativamente estreita de temperatura, entre 730 e 804 ºC, quando ocorre a fusão. O δ-Bi2O3 possui uma estrutura tipo fluorita deficiente de oxigênio, na qual os íons Bi ocupam posições cúbicas de faces centradas. Na sub-rede aniônica aproximadamente 25% dos sítios estão desocupados. À temperatura ambiente a fase mais estável (fase α) contém vacâncias ordenadas e o material se torna condutor predominantemente eletrônico. A fase condutora é produzida por uma transformação de fase tipo ordem-desordem em ~ 729 ºC. A fase condutora de alta temperatura pode ser estabilizada à temperatura ambiente com a substituição parcial do Bi por Y, cátions de terras raras, Nb, Ta, e W [59-61]. Porém, em alguns casos, a substituição resultou em decréscimo da condutividade. O valor mais elevado de condutividade iônica foi obtido para a composição Bi0,8Er0,2O1,5. Os eletrólitos sólidos à base de Bi2O3 apresentam efeito de deterioração da condutividade com a temperatura ("aging"). A causa deste efeito é a mudança de estrutura cristalina, de cúbica para romboédrica, sendo que esta última contém vacâncias ordenadas.

As propriedades de várias soluções sólidas à base de Bi2O3 foram reportadas em [8], e muitas dentre elas apresentam valores de condutividade iônica superiores ao da zircônia estabilizada com ítria. Um exemplo típico é a família de composições conhecida como BIMEVOX (BI = Bi, ME = cátion substituinte, V = vanádio, O = oxigênio e X = teor de oxigênio). Valores elevados de condutividade iônica foram obtidos para a composição Bi2Cu0,1V0,9O5,35 que contém o menor teor de Cu no qual a estrutura cristalina é tetragonal à temperatura ambiente [62]. Esse condutor iônico sofre redução a partir de 500 ºC em atmosferas redutoras (pO2 < 10-2 atm). Outra composição com alta condutividade iônica (4 x 10-4 S.cm-1 a 227 ºC [63]) é o Bi2Ti0,15V0,85O5,425. A condutividade é direcional, sendo duas ordens de magnitude superior àquela do plano c [64].

Comparativamente às soluções sólidas de zircônia e de céria, os sistemas à base de Bi2O3 são muito menos estáveis em atmosferas redutoras, e desenvolvem uma condutividade eletrônica que é várias ordens de grandeza superior àquelas das soluções sólidas de céria contendo terras raras.

A síntese deste tipo de eletrólito sólido requer cuidados especiais, uma vez que desvios de estequiometria podem facilmente ocorrer devido à perda de Bi. De forma geral, os trabalhos mostram que o método de síntese pode exercer influência nas propriedades da cerâmica sinterizada. A síntese por fusão dos componentes resultou em amostras densas com alta condutividade elétrica [65]. Foi também constatada que a condutividade varia de forma inversamente proporcional com o tamanho de cristalito, em cerâmicas confeccionadas com pós preparados por métodos químicos [66].

Pirocloro

Óxidos que adotam a estrutura pirocloro (grupo espacial Fd3m) são descritos por uma fórmula geral A2B2O7 formando uma superestrutura com parâmetro de rede igual a 2x aquele dos íons na estrutura fluorita. Os cátions A3+ têm raio iônico comparativamente grande, como os elementos de terras raras, enquanto que os cátions B4+ têm raio pequeno (por exemplo: Sn4+, Ti4+ e Zr4+). Cerâmicas que exibem este tipo de estrutura cristalina apresentam uma variedade de propriedades e aplicações, dentre elas podem ser citadas: atividade catalítica, comportamento piezoelétrico e eletro-óptico, ferromagnetismo, magnetoresistência gigante, comportamento semicondutor, metálico ou iônico, dependendo da composição, dos aditivos e da pressão parcial de oxigênio [67]. A condutividade iônica pode atingir 10-2 S.cm-1 a 1000 ºC em algumas composições. Dependendo da relação entre os raios dos cátions A e B, os íons oxigênio, distribuídos em três posições distintas em 64 sítios cristalográficos dos quais 56 são efetivamente ocupados, podem formar um arranjo desordenado (rA/rB = 1) ou ordenado (rA/rB = 1,8). Assim, quanto menor for a razão rA/rB menor deverá ser a temperatura de transição ordem-desordem. Para as composições Gd2Zr2O7 e Nd2Zr2O7, por exemplo, a temperatura de transição de fase é 1530 ºC e 2300 ºC, respectivamente [68].

Resultados de medidas elétricas mostraram que o número de transporte iônico é igual a 1 para o Gd2Zr2O7, apesar dos baixos valores de condutividade iônica. Por outro lado, para o Tb2Zr2O7+x o número de transporte iônico é apenas 0,4 a 800 ºC, mostrando ser um condutor misto [69]. O equilíbrio Tb3+ Tb4+ + e- determina a contribuição eletrônica. Em conseqüência disto, o teor de oxigênio muda de 7 para 7+x. A energia de ativação do processo de condução depende do tipo de cátion que ocupa a posição A, além do grau de desordem estrutural, que é determinado pela razão entre os raios dos cátions A e B. Tanto a energia de ativação quanto o fator pré-exponencial assumem valores mínimos nas composições que têm maior ordenamento, ou seja, com mais alta temperatura de transição de fase [70]. Considerando que os raios dos cátions e a razão entre os raios dos cátions A e B controlam a formação da estrutura pirocloro e a sua transição para um estado desordenado, diversas composições com substituição progressiva de cátions nessas posições foram estudadas [71-77].

As principais técnicas empregadas na síntese das composições com estrutura pirocloro, além do método convencional de mistura dos óxidos e/ou carbonatos metálicos, são aquelas que asseguram controle da estequiometria quando diversos componentes são envolvidos. Dentre as mais utilizadas está o método proposto inicialmente por Pechini [78], e variações deste método.

As dificuldades encontradas na manipulação da transição de fase para obtenção de altos valores de condutividade iônica a temperaturas não muito elevadas, fizeram com que pouca atenção tenha sido dispensada, mais recentemente, aos compostos com este tipo de estrutura cristalina.

Perovsquita

Na busca de novos condutores iônicos com altos valores de condutividade e estruturas cristalinas alternativas, um grupo de pesquisadores deu início a estudos sistemáticos em compostos com estrutura perovsquita [79].

Uma estrutura perovsquita típica é geralmente descrita pela fórmula geral ABO3, onde A representa um cátion divalente ou trivalente com raio iônico comparativamente grande, e B representa um cátion trivalente ou tetravalente com raio iônico pequeno. A formação de vacâncias aniônicas nesta estrutura se dá pela substituição parcial de A e/ou de B por cátions de menor valência. Os primeiros estudos conhecidos com este tipo de estrutura cristalina envolveram os compostos: La1-xCaxAlO3-δ, CaTi1-xAlxO3-δ e CaTi1-xMgxO3-δ, nos quais δ é a concentração de vacâncias de oxigênio [79]. Entretanto, medidas da condutividade elétrica em função da pressão parcial de oxigênio, e do número de transporte iônico revelaram que a condução puramente iônica só acontece em atmosferas redutoras. Para a composição CaTi0,7Al0,3O3-δ, por exemplo, à pressão ambiente (pO2= 0,21 atm) o número de transporte iônico é ~ 0,9 embora a condutividade iônica seja superior à da zircônia estabilizada.

Estudos intensivos adotando a estratégia de substituição parcial tanto nos sítios A quanto B, levou à descoberta do La1-xSrxGa1-yMgyO3- δ [δ = (x+y)/2], conhecido pela sigla LSGM, que apresenta alta condutividade iônica em amplas faixas de temperatura e pressão parcial de oxigênio [80]. A 800 ºC, por exemplo, o número de transporte iônico é praticamente igual a 1 na faixa de pO2 que vai de 0,4 até 10-20 atm, que é maior que aquela da zircônia estabilizada com ítria na mesma temperatura [80-82]. As composições que apresentam elevada condutividade iônica estão dentro dos limites: 0,1 < x, y < 0,2. A maior parte dos pesquisadores concorda que a composição La0,8Sr0,2Ga0,83Mg0,17O2,815 é a de maior condutividade iônica (0,17 S.cm-1 a 800 ºC), embora boa parte dos trabalhos experimentais tenha sido feita utilizando a composição La0,9Sr0,1Ga0,8Mg0,2O2,85 e, mais recentemente, La0,8Sr0,2Ga0,85Mg0,15O2,825 e La0,9Sr0,1Ga0,85Mg0,15O2,875 [83]. Recentemente foi publicado o resultado de uma investigação em 27 composições mostrando que, dentre estas, aquelas de maior condutividade iônica a 800 ºC são: La0,85Sr0,15Ga0,8Mg0,2O3-δ e La0,8Sr0,2Ga0,85Mg0,15O3-δ [84]. Até poucos anos atrás se acreditava que as solubilidades do Sr e do Mg no LaGaO3 eram similares (x = y≈ 0,16) [85]. Estudos mais recentes são contraditórios em relação a esse aspecto. Segundo alguns autores [86] a solubilidade do Sr no LaGaO3 é de 10% at., enquanto que outros [87] afirmam que somente 2% at. é solúvel a 1400 ºC, e que a solubilidade do Mg é 14% at. Ambos concordam, porém, que a solubilidade do Sr aumenta para 20% at. com a adição de Mg, por causa da expansão ocasionada por este último na estrutura cristalina.

Materiais com estrutura tipo perovsquita podem apresentar alta condutividade iônica desde que possuam alta concentração de vacâncias aniônicas. Este requisito vem da estrutura cristalina (Fig. 6a) relativamente fechada quando comparada com a estrutura fluorita (Fig. 3). Na estrutura perovsquita a migração do íon oxigênio é similar àquela na estrutura fluorita, mas a trajetória por onde a migração ocorre é diferente. Neste caso, a trajetória de menor energia é através do triângulo imaginário formado por dois cátions nos sítios A e um cátion pequeno no sítio B, como mostrado na Fig. 6a [88]. O círculo definido por esse triângulo tem um raio crítico que define a trajetória do íon oxigênio (Fig. 6b). A trajetória real depende não somente dos raios catiônicos, mas também da polarizabilidade dos cátions nos sítios A e B, e do efeito de relaxação da rede a partir das posições iônicas ideais.



A condutividade iônica nos condutores de íon oxigênio é diretamente proporcional à concentração de vacâncias de oxigênio, sendo também função da difusividade do oxigênio. Ambos exercem influência no fator pré-exponencial (s0) da condutividade, e a energia de ativação para a condução depende fundamentalmente da mobilidade do íon oxigênio. Dessa forma, apesar da composição La0,8Sr0,2Ga0,9Mg0,1O3-δ não ser aquela que apresenta maior condutividade iônica, é a que possui o menor valor de energia aparente de ativação para a condução.

Com o objetivo de aumentar a condutividade iônica, substituições parciais adicionais têm sido relatadas, principalmente relacionadas com a introdução de metais de transição [89-92] ou In no sítio B [93]. A substituição parcial de Ga por In levou à diminuição da condutividade iônica. Adições simultâneas de Ni e Mg ou Fe e Mg no sítio B produziram aumento do componente eletrônico da condutividade em altas temperaturas. Em baixas temperaturas, a alta estabilidade química do Fe favoreceu a estabilização da perovsquita cúbica, que é a estrutura ideal para a obtenção de altos valores de condutividade iônica [90]. A dupla substituição de Ga por Mg e Ti ou Cr (cátions de maior valência) produziu diminuição na magnitude da condutividade iônica [92]. Substituição de La por Ba no sítio A também produziu composições com altos valores de condutividade, especificamente La0,9Ba0,1Ga0,8Mg0,2O3-δ com σ = 0,114 S.cm-1 a 800 ºC [94].

Os métodos de síntese, correntemente empregados para a preparação das soluções sólidas com estrutura fluorita, não são os mais adequados para o LSGM devido à complexidade das composições de interesse. Os métodos mais convenientes para a preparação destes materiais são aqueles que empregam matrizes poliméricas, gelatinosas ou amorfas, onde as taxas de difusão são minimizadas evitando a segregação. Um dos métodos mais citados na literatura é a mistura dos reagentes na forma de óxidos e/ou carbonatos [85, 86, 90-93]. Outros métodos bastante utilizados são o da combustão [95-98] e aquele proposto por Pechini e suas variações [81, 87, 98]. A despeito das várias tentativas, utilizando diferentes métodos de síntese para obtenção de fase única, diversas fases espúrias são sempre detectadas. As mais frequentemente citadas são: LaSrGa3O7 e LaSrGaO4. A fase LaSrGa3O7 é pouco condutora e diminui consideravelmente a condutividade dos contornos de grão.

Após os primeiros estudos realizados, a formação de fases espúrias foi creditada ao excesso (x + y > 0,35) de aditivos. Estas fases possuem estrutura tetragonal e condutividade iônica inferior àquelas mencionadas acima. Foi mostrado também que a fase única é muitas vezes obtida apenas na superfície externa das amostras [99], o que pode explicar resultados contraditórios. Mais recentemente os esforços estão concentrados no desenvolvimento de um método de síntese, ou no aprimoramento dos métodos usuais, tal que seja possível obter cerâmicas de LSGM livres de fases espúrias [100, 101]. Entretanto, análise da morfologia de filmes finos por microscopia eletrônica revelou que para a composição La0,9Sr0,1Ga0,85Mg0,15O2,875 houve precipitação de MgO na superfície dos grãos [101]. Isto mostra que uma análise convencional pode não ser suficiente para revelar a presença de fases espúrias. Um dos melhores resultados obtidos até o momento mostrou a possibilidade de obtenção de até 99% de fase majoritária para a composição La0,9Sr0,1Ga0,8Mg0,2O2,85 em amostras sinterizadas a 1120 ºC [102].

A sinterização do LSGM também requer atenção especial. Para materiais preparados pelo método convencional de mistura de óxidos, é necessário utilizar temperaturas superiores a 1400 ºC para obtenção de alta densificação. Por outro lado tempos prolongados de sinterização a altas temperaturas, por exemplo, 1500 ºC por 6 h, acelera a formação de fases secundárias. A atmosfera de sinterização também exerce influência no produto, uma vez que a quantidade de fases espúrias formadas em atmosferas redutoras é muito maior do que em atmosfera oxidante. Em atmosferas redutoras a 1000 ºC o LSGM é instável pela perda (sublimação) de Ga na forma de Ga2O, e pela formação de La2O3, La(OH)3 e LaSrGaO4 [103]. Porém a temperaturas de 750 ºC ou inferiores, esses problemas não foram detectados.

Valores de condutividade iônica para algumas das composições mencionadas são mostrados na Tabela II.

Brownmillerita

Óxidos com estrutura relacionada ou derivada da perovsquita também podem apresentar altos valores de condutividade iônica. Um exemplo típico é o óxido misto Ba2In2O5, com estrutura tipo brownmillerita, que apresenta interessantes propriedades de transporte [104-107].

O primeiro trabalho que trata da condutividade elétrica do Ba2In2O5 foi publicado no início da década de 90 [104]. Os experimentos mostraram que a condutividade elétrica estava diretamente relacionada com a estrutura cristalina. Por isso, foram necessários estudos sistemáticos sobre a estrutura deste material. Os principais resultados revelaram que, na temperatura ambiente, a estrutura cristalina é ortorrômbica contendo vacâncias de oxigênio ordenadas (Fig. 7a, b). Os resultados de condutividade elétrica mostraram que a partir da temperatura ambiente até ~300 ºC a condução é protônica. Com o aumento da temperatura o tipo de condução é misto com predominância da condução eletrônica tipo p em altas pressões parciais de oxigênio. Em torno de 700 ºC a condução iônica é preponderante, mas o número de transporte iônico só atinge valor próximo a 1 acima de 920 ºC, quando a magnitude da condutividade dá um salto brusco. Este salto revelou a existência de uma transição de fase tipo ordem-desordem nesta temperatura. Estudos subseqüentes revelaram a existência de outra transição de fase, de segunda ordem, a 1070 ºC, quando os íons oxigênio atingem um estado totalmente desordenado [108]. A estrutura cristalina acima de 920 ºC é tetragonal (Fig. 7c), e após a segunda transição de fase transforma-se em cúbica (Fig. 7d).


A substituição parcial do In por Zr resultou numa composição Ba3In2ZrO8 onde a desordem aniônica é obtida a temperaturas relativamente baixas. Entretanto, valores de condutividade iônica a 400 ºC reportados por diferentes pesquisadores [104,109] diferem por 2 ordens de grandeza.

Um dos problemas deste óxido misto é a baixa densificação, que ocorre principalmente em decorrência do pequeno intervalo de temperatura para a sinterização. Em temperaturas altas pode também acontecer perda de Ba. A atmosfera de sinterização também deve ser escolhida adequadamente para evitar redução do In3+ para In+. Além da dificuldade de obter amostras densas, fases indesejadas, que apresentam baixos valores de condutividade, podem ser facilmente formadas [110].

Outro problema associado a este óxido misto é sua alta reatividade com a atmosfera ambiente. Mesmo após a sinterização, a cerâmica reage com vapor de água produzindo perda da composição e degradação de suas propriedades. Por isso, o material deve ser armazenado em ambiente adequado, fator este que limita suas possíveis aplicações.

A estabilização da fase condutora de alta temperatura foi obtida pela substituição parcial do Ba por La [111]. Para valores de x no (Ba1-xLax)2In2O5+x entre 0,2 e 0,6 a descontinuidade no gráfico da condutividade elétrica foi suprimida. A magnitude da condutividade iônica demonstrou ser dependente do teor de La, enquanto que este não exerceu nenhuma influência no valor da energia de ativação para a condução. Para x = 1 a estrutura cristalina é ainda brownmillerita, mas no intervalo 0,1 < x < 0,5 a estrutura cristalina é perovsquita cúbica [112].

Na tentativa de estabilizar a fase condutora, diversas substituições tanto para o Ba quanto para o In foram estudadas [113-119], porém nenhuma forneceu resultados tão satisfatórios quanto o La. Em alguns casos houve supressão da transição de fase, mas a magnitude da condutividade foi reduzida [104, 113, 119].

LAMOX

Dentre as descobertas mais recentes de condutores de íons oxigênio se encontram os compostos à base de molibdato de lantânio, mais especificamente, o La2Mo2O9, que deu origem a uma nova família conhecida como LAMOX. A composição base apresenta, em altas temperaturas, valor de condutividade iônica pouco superior ao da zircônia estabilizada com ítria. A 800 ºC, por exemplo, a condutividade iônica atinge 0,06 S. cm-1. Este óxido misto é conhecido desde 1970 [120], mas a descoberta sobre a condutividade iônica foi noticiada apenas em 2000 [121].

O La2Mo2O9 é um condutor intrínseco e, portanto, apresenta uma transição de fase cristalina a ~ 580 ºC. A fase de baixa temperatura (α-La2Mo2O9) teve sua estrutura cristalina recentemente indexada [122] como sendo monoclínica. Em temperaturas acima daquela de transição de fase a condutividade iônica é cerca de duas ordens de grandeza superior à de baixa temperatura. A fase de alta temperatura (β-La2Mo2O9) cristaliza com estrutura cúbica (grupo espacial P213) e foi indexada com o auxílio de medidas de difração de raios X e de nêutrons. A Fig. 8 mostra a estrutura cristalina da fase de alta simetria. Nesta estrutura existem três sítios para o oxigênio, O1, O2 e O3, sendo que somente as posições O1 são totalmente ocupadas. As outras posições são parcialmente ocupadas na proporção 2/3 para a posição O2 e 1/3 para a posição O3, aspecto importante para as propriedades de transporte. Cada átomo de La está coordenado com nove átomos de oxigênio, distribuídos nas quinze posições disponíveis, enquanto que cada átomo de molibdênio se coordena com quatro átomos de oxigênio distribuídos em sete posições disponíveis.


Com o objetivo de interpretar o mecanismo de condução iônica no La2Mo2O9 foi feita uma analogia com a estrutura do β-Sn2WO4, no qual o par isolado ("lone pair") de elétrons 5s2 nos íons Sn2+ foi projetado em duas vacâncias aniônicas por fórmula unitária, e blindam eletrostaticamente os íons Sn2+ um do outro [123]. No La2Mo2O9 uma das duas vacâncias é ocupada por um íon O2- de forma ordenada na fase de baixa temperatura, mas os íons O2- da matriz se tornam desordenados na fase condutora de alta temperatura.

Como a ocupação dos sítios destinados ao oxigênio é parcial e também as distâncias de ligação entre as posições do oxigênio são pequenas, as posições dos íons O2- estão próximas às vacâncias aniônicas presentes na estrutura. Assim, o processo de condução ocorre por toda a estrutura de forma tridimensional. A 800 ºC a condutividade elétrica independe da pressão parcial de oxigênio numa faixa que se estende desde 1 até 10-22 atm [124].

A mesma estratégia adotada para outros condutores iônicos foi também repetida, neste caso, com a substituição parcial tanto do La quanto do Mo, com a finalidade de estabilizar na temperatura ambiente a fase condutora [125-132]. Neste caso, também, além da substituição parcial dos cátions, alguns trabalhos apresentam tentativas de substituição do oxigênio, especificamente por flúor e enxofre [133, 134].

A substituição do oxigênio por outros ânions foi prejudicial à condutividade iônica. No caso do flúor, por exemplo, foi observada diminuição na temperatura de transição de fase, mas, houve também redução na magnitude da condutividade em relação à composição de base [133]. Isto aconteceu porque a substituição levou à ocupação das vacâncias pelo F-, consequentemente diminuindo a concentração de vacâncias aniônicas disponíveis para a condução.

Diversas substituições permitiram reduzir a temperatura de transição de fase e, em alguns casos, suprimi-la. Entretanto, poucas foram as substituições que não causaram diminuição na magnitude da condutividade iônica. A adição de CaO em teores superiores a 4% em mol resultou na formação da fase CaMoO4 que contribuiu para aumento da condução eletrônica [127].

Um dos resultados mais expressivos foi a substituição parcial do Mo por W [133] que aumentou a estabilidade do La2Mo2O9, tornando-o menos vulnerável à perda de oxigênio devido à mudança de valência do Mo, principalmente em atmosferas redutoras.

A maior parte dos trabalhos fez uso do método convencional de reações em estado sólido para a preparação de composições com e sem substituições. Neste caso, foi sugerido que o tratamento térmico de calcinação da mistura dos óxidos de La e Mo deve ser realizado por longo tempo para evitar a perda de estequiometria [121]. Outras técnicas utilizadas para a obtenção de compostos na família LAMOX foram: moagem de alta energia [135], complexação de cátions [136], precursores poliméricos [137], sol-gel [129, 138], precipitação seguida de liofilização [139], combustão [129], método da poliacrilamida [124] e mistura dos nitratos [140]. De forma geral, os métodos químicos produziram melhora nas características dos pós produzidos. Um dos resultados comuns a essas técnicas é a possibilidade de obtenção da fase condutora a baixas temperaturas, na composição sem aditivos. Mesmo quando o mecanismo de formação da fase é por reação em estado sólido, o uso de precursores com tamanho de partícula relativamente pequeno permitiu reduzir a temperatura de transição de fase, como mostrado na Fig. 9 [140].


A sinterização do La2Mo2O9 foi pouco estudada. Em pós cerâmicos preparados pelo método dos precursores poliméricos, a sinterização a 950 ºC por 3 h resultou em supressão da transição de fase e diminuição da magnitude da condutividade iônica [141]. Este material sinterizado à mesma temperatura por 24 h apresenta a transição de fase α β e a condutividade iônica em altas temperaturas corresponde àquela da fase condutora (Fig. 10) [142].


Não foi encontrada uma explicação satisfatória para esses resultados. Uma das causas prováveis para isso é a dificuldade de análise da estrutura cristalina pela técnica convencional de difração de raios X. Muitos trabalhos encontrados na literatura exibem picos de difração espúrios. Além disso, a diferença na posição angular das reflexões das fases α e β é devida a pequenos deslocamentos atômicos que só podem ser resolvidos sem ambigüidade por meio de medidas em alta resolução. Outra questão importante é que os diferentes métodos de síntese dão origem a microestruturas com características particulares, influenciando as propriedades de transporte [143].

Apatita

Cerâmicas com estrutura cristalina da apatita, principalmente à base de silicatos ou germanatos de lantânio, podem apresentar elevada condutividade iônica. Os estudos iniciais nesses materiais com composição A10-x(MO4)6O2-δ com M = Si ou Ge e A = cátions de terras raras ou terras alcalinas mostraram altos valores de condutividade iônica a temperaturas intermediárias e baixos valores de energia de ativação para a condução [144]. A condutividade iônica aumentou com o raio do cátion no sítio A. Assim, o La nesta posição resultou em composições com os valores mais elevados de condutividade iônica. Estes condutores de íons oxigênio possuem, contudo, um mecanismo de condução diferente dos demais condutores conhecidos.

A Fig. 11 mostra a estrutura cristalina típica da apatita, na qual os íons La ocupam sítios com coordenação igual a 7 (6h) e 9 (4f). Dois íons oxigênio estão localizados na trajetória de condução ao longo do eixo c. Assim, a condução iônica nesta estrutura cristalina é anisotrópica. O Si forma tetraedros SiO4 isolados. A composição La9,33Si6O26 (grupo espacial P63/m) contém 6,7% de vacâncias catiônicas [145]. Se essas vacâncias extras forem preenchidas com La, íons oxigênio extras existirão na trajetória de condução, dando origem a composição La10Si6O27. Foi mostrado experimentalmente que esta última (La10Si6O27) apresenta mais alta condutividade iônica em relação àquela originalmente estudada (La9,33Si6O26) [146]. Comparando as fórmulas químicas pode ser concluído que os sítios A têm excesso de carga positiva que é balanceada, neste caso, por um excesso de oxigênio. Como todos os sítios normais da rede cristalina estão ocupados, o oxigênio em excesso deve ocupar uma posição intersticial. Assim, foi proposto que a condução iônica nas apatitas ocorre por um mecanismo intersticial [147]. Resultados de difração de nêutrons indicaram que os íons oxigênio extras ocupam posições intersticiais próximas à direção [001].


Diversos estudos posteriores empregando difração de nêutrons, ressonância magnética nuclear, além dos resultados de modelamento teórico por simulação atomística, confirmaram o mecanismo de condução como sendo devido à migração de íons oxigênio em posições intersticiais [148-151]. Os resultados de simulação atomística sugeriram duas trajetórias de condução: linear ao longo do eixo c e outra do tipo senoidal ao longo do mesmo canal hexagonal de condução [150]. Resultados combinados de difração de nêutrons e de raios X indicaram a trajetória senoidal como sendo a mais adequada para descrever o comportamento observado [148]. A simulação atomística não apenas sugeriu que as posições intersticiais são energeticamente favoráveis, mas também que a deficiência em La é importante para a formação de íons oxigênio em posições intersticiais. Dessa forma, condutores iônicos com estrutura da apatita que apresentam altos valores de condutividade iônica são aqueles que contêm mais de 26 átomos de oxigênio por cela unitária, ou que apresentam deficiência de La em relação à composição estequiométrica.

A substituição do Si por Ge, que possui maior raio catiônico, no sítio B, resultou em maior condutividade, mas também, maior valor para a energia de ativação aparente do processo de condução [152].

Substituições parciais tanto do Si quanto do Ge podem contribuir para aumentar a condutividade iônica. A composição La9SrGe6O27, por exemplo, possui condutividade iônica igual a 0,14 S.cm-1 a 950 ºC, e a baixas temperaturas, é superior à da zircônia estabilizada com ítria. A condutividade é predominantemente iônica na faixa de pO2 que vai de 1 até 10-21 atm [152]. A substituição de Si por Mg [153] ou por Al [154] também resultou em aumento da condutividade iônica. O domínio eletrolítico para o silicato de lantânio contendo Al foi determinado mostrando que além da condução predominantemente iônica, este material exibe condução tipo p e a energia de ativação para o componente iônico varia de ~ 0,6 a ~ 0,7 eV [155].

Uma das dificuldades encontradas no estudo das apatitas condutoras é a necessidade do emprego de altas temperaturas na sinterização (igual ou superior a 1700 ºC) para obter alta densificação. Este aspecto é muito prejudicial principalmente no caso dos germanatos de lantânio, devido à volatilização do Ge. Tanto as composições contendo Si quanto Ge podem apresentar fases espúrias, tais como: La2SiO5, e La2GeO5. A primeira é facilmente encontrada, juntamente com La2O3, após a calcinação, não reagindo nem a temperaturas de 1000 ºC. A última é comumente formada como conseqüência das altas temperaturas de sinterização, que favorecem a volatilização do Ge.

O método convencional de mistura dos óxidos e posterior reação em estado sólido tem sido o mais utilizado, embora as etapas de processamento (calcinações seguidas de moagem ou granulação, ou sinterização em mais de uma temperatura de patamar, etc) difiram, nos diversos trabalhos publicados. A síntese utilizando o método sol-gel não foi suficiente para reduzir a temperatura de sinterização (1750 ºC) [156]. Em amostras preparadas pela hidrólise de alcóxidos, a densificação foi obtida a 1400 ºC por 10 h [157].

As dificuldades enfrentadas na síntese e na sinterização das apatitas são apontadas como as principais causas para as discrepâncias nos valores reportados de condutividade iônica [12]. No caso do La10Si6O27, por exemplo, valores de condutividade iônica entre 4,3.10-3 até 8,4.10-5 S. cm-1 a 500 ºC, podem ser encontrados [146, 147, 158].

Finalizando esta revisão, a Fig. 12 mostra, para fins comparativos, a dependência da condutividade iônica com a temperatura, para alguns dos condutores iônicos mencionados [36].


COMENTÁRIOS FINAIS

O estudo dos condutores de íons oxigênio, principalmente nos últimos 50 anos, teve uma evolução considerável. Duas questões merecem destaque com relação ao estudo futuro desses eletrólitos sólidos. A primeira está relacionada com a possibilidade de melhoria nas propriedades de transporte dos condutores conhecidos, o que faz pressupor investigações nas áreas de síntese e processamento desses materiais. Esse desenvolvimento é necessário por causa dos requisitos cada vez maiores, para uso desses materiais em dispositivos. Um exemplo disto é a aplicação desses condutores como eletrólito sólido em células a combustível de óxido sólido. Cerâmicas que densifiquem a temperaturas relativamente baixas (< 1200 ºC) são importantes para a sinterização simultânea ("co-firing") do eletrólito sólido e do anodo, reduzindo o custo de fabricação do dispositivo. A segunda é baseada na expectativa ainda existente de que a produção de cerâmicas com propriedades elétricas especiais pode ser conseguida com redução no tamanho de grãos. Neste caso, já está claro pelos resultados obtidos até o momento, que não basta obter um tamanho médio de grão em torno de 100 nm, e que talvez seja necessário reduzi-lo drasticamente, para obter uma melhoria substancial na condutividade iônica. Finalmente, é importante lembrar que há uma busca contínua por novos materiais que apresentem alta condutividade para o íon oxigênio. Assim, é provável que composições gradativamente mais complexas sejam estudadas. Estes fatores levam à conclusão que nos próximos anos deverá ocorrer intenso estudo e desenvolvimento na área de síntese. Outra área na qual são esperados desenvolvimentos importantes é a de caracterização, isto por causa das dificuldades encontradas na caracterização de materiais com composições complexas e em escala nanométrica.

AGRADECIMENTOS

À FAPESP, ao CNPq e à CNEN pelo apoio financeiro.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Ago 2008
  • Data do Fascículo
    Jun 2008

Histórico

  • Aceito
    26 Out 2007
  • Recebido
    20 Set 2007
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