Nos últimos anos, o campo da Inteligência Artificial (IA) tem avançado consideravelmente. Mais recentemente, o grande objeto de discussão na academia tem sido o ChatGPT (Marcus, Davis, & Aaronson, 2022; Rossoni & ChatGPT, 2023).
Esta ferramenta pública desenvolvida pela OpenAI (Brockman et al., 2016), baseada no modelo de linguagem Generative Pre-Trained Transformer (GPT), é um chatbot capaz de atender a uma gama de solicitações de seus usuários (Kirmani, 2022).
Como leigos, podemos nos perguntar: o que é chatbot? O que é GPT?
Por definição, chatbot é um programa de computador projetado para simular conversas com usuários humanos, especialmente pela Internet (King, 2023). GPT é um modelo de aprendizado artificial, que usa técnicas de aprendizado não supervisionado e supervisionado para entender e gerar linguagem semelhante à humana (Radford, Narasimhan, Salimans, & Sutskever, 2018).
O ChatGPT é capaz de responder desde perguntas simples a escrever textos mais complexos (Liu et al., 2021), em uma linguagem quase indistinguível da linguagem humana natural (Dale, 2021). Este é um dos fatores que justifica sua rápida popularização (Mollman, 2022).
Todavia o ChatGPT tem suas limitações, pois, por ser construído com base estatística, a qual se vale de padrões definidos por um grande conjunto de dados de texto, apresenta a possibilidade de que preconceitos e estereótipos presentes nos dados sejam replicados (Dale, 2017; Lucy & Bamman, 2021); ou seja, a redação final pode conter fragmentos textuais ofensivos ou preconceituosos.
Ademais, os modelos GPT não são capazes de entender completamente o contexto e o significado do texto (Strubell, Ganesh, & McCallum, 2019), dado que estes são, invariavelmente, socialmente construídos (Berger & Luckmann, 2014). Outro ponto a ser considerado são os custos operacionais: de energia para processar esses algoritmos e armazenar os dados gerados (Zhou, Chen, Jin, & Wang, 2021) e, também, referentes aos recursos computacionais (Lund & Wang, 2023).
Desse modo, quais oportunidades e desafios o uso do ChatGPT oferece a professores, pesquisadores, revisores e editores?
Por um lado, argumenta-se que o uso desta ferramenta otimiza o tempo e o esforço na produção, revisão e editoração de textos, pois é capaz de formatar e organizar o texto eficientemente. Por outro lado, Lund e Wang (2023) argumentam que há a possibilidade de que o uso dessas ferramentas comprometa a integridade científica dos artigos, na medida em que, embora os algoritmos de IA sejam projetados para serem objetivos, ainda podem ser influenciados pelos dados usados para treiná-los ou pelos preconceitos dos humanos que os projetam.
Como pesquisadores, revisores e editores, gostaríamos de aprofundar esta discussão. Um grande equívoco é tomar o referencial teórico como uma grande sequência de citações, o chamado “name dropping”. A rigor, nesta seção, o autor deve não apenas revisitar a literatura, mas promover um debate entre os autores escolhidos, seus olhares ontológicos e, em que medida, seus pontos de vista são congruentes ou divergentes.
Da mesma forma, numa pesquisa empírica, a apresentação do percurso metodológico é totalmente autoral e reflexiva; portanto, não há como ser artificialmente produzida.
Finalmente, o mesmo se pode dizer dos resultados da pesquisa, bem como de sua discussão e da proposta de uma agenda de pesquisa. Estas seções demandam reflexão e a imersão do pesquisador no objeto de estudo.
Podemos ainda fazer um exercício mental. Imaginem que, em uma chamada de artigos, cinco autores usassem o ChatGPT para produzir um artigo sobre o mesmo tema. Há grande possibilidade de que todos os textos guardassem grande similaridade. Assim, o sistema antiplágio identificaria a falta de marca autoral e, por consequência, os artigos seriam recusados.
Defendemos que o uso indevido de ferramentas de IA, nomeadamente para manipular ou distorcer os registros científicos, seja penalizado com rigor. Infelizmente, nos Estados Unidos, já houve casos de pesquisadores usando ferramentas de IA para gerar documentos falsos ou manipular os resultados de experimentos (Lund & Wang, 2023).
Essa discussão também deve ser levada para as nossas salas de aula, desde a graduação (no caso das instituições de ensino superior), uma vez que nossa missão é formar profissionais que sejam capazes de pensar criticamente, identificar oportunidades e desafios para as organizações, sociedade e governos, bem como elaborar soluções para problemas complexos. Nesse caso, a simples digitação de uma pergunta em um computador não os fará desenvolver tais competências.
No limite, para a academia, o uso da IA é um museu de grandes novidades, que remonta ao uso dos diversos tipos de plágio (Irigaray, 2020). Ainda assim, ele nos possibilita enveredar por novos caminhos emocionantes, eticamente desafiadores e cheios de armadilhas.
Enquanto este futuro não chega, que tal revisitarmos o passado?
Como em todo primeiro editorial do ano, gostamos de apresentar os dados consolidados do ano anterior.
Em 2022, foram submetidos 318 artigos à nossa revista, dos quais 46 foram redigidos em inglês e cinco em espanhol. Destes, 166 foram aceitos (52%), 142 rejeitados (45%) e 10 arquivados (3%).
No ano passado, publicamos 66 artigos ao longo de seis edições. Representando instituições nacionais, tivemos 165 autores; e de sete instituições internacionais, contamos com oito autores estrangeiros.
Um dos maiores desafios para nós, editores, é reduzir o tempo médio entre a submissão, o desk review, a decisão editorial final e a publicação. Por trabalharmos com desk review contínuo, os autores têm recebido a primeira resposta em até uma semana após a submissão. Graças ao nosso time de avaliadores, a quem agradecemos mais uma vez, o tempo médio entre a submissão e a decisão editorial final foi reduzido para três meses e entre a submissão e a publicação, para dez meses.
Gostaríamos ainda de ressaltar nossa predisposição de participar na divulgação da produção acadêmica nacional, por meio de fast tracks, principalmente com a linha de Gestão de Pessoas e Relações do Trabalho da EnANPAD, do EnANGRAD e ENGEMA. Reiteramos nossa disponibilidade para firmarmos outras parcerias.
Em 2022, houve cinco chamadas de trabalho. A primeira, nomeada “Gerenciamento de projetos e infraestrutura nos países em desenvolvimento e economias emergentes”, recebeu 17 resumos, oito manuscritos, dos quais quatro foram aceitos para publicação.
Na segunda, “Debatendo a escravidão negra nos Estudos em Gestão e Organização a partir de perspectivas decoloniais e afrodiaspóricas”, recebemos 18 manuscritos, dos quais sete foram aceitos para publicação e dois ainda estão em avaliação.
Na terceira chamada, “Trabalho, migrações e mobilidade: um diálogo lusófono”, recebemos 13 manuscritos, dos quais três ainda estão em avaliação.
Na quarta chamada, “Liderança: revisitando e reformulando as grandes questões da teoria e da prática”, 27 manuscritos foram recebidos, dos quais sete ainda estão em avaliação.
Finalmente, na quinta e última chamada, “Pensamento crítico versus pensamento organizacional”, recebemos 29 manuscritos, dos quais 18 ainda estão em avaliação.
Para 2023, temos ainda duas chamadas de trabalho: “Economia social e solidária na organização do trabalho decente: interpretações sociológicas”, cuja data de encerramento foi 31/01/2023, e “Perspectivas decolonizadoras e pluriversalidade decolonial na prática de gestão e pesquisa”, com prazo para submissão de artigos até 15/03/2023.
Neste próximo quadriênio, o Cadernos EBAPE.BR permanece com a classificação A2. Somando-se a isso, o ano de 2023, particularmente, é muito especial para nós: além de nossa revista estar completando 20 anos, passará a adotar publicação contínua, Ciência Aberta (Open Science), e o sistema de especificação Contributor Roles Taxonomy (CRediT).
Abrimos esta primeira edição com o artigo “Fake news e storytelling: dois lados da mesma moeda ou duas moedas com lados iguais?” Trata-se de um ensaio teórico que propõe, em sua essência, que tanto as narrativas que compõem as fake news, quanto as que compõem o storytelling são duas moedas iguais, por guardarem similaridades nos processos de confecção, reprodução e, principalmente, nas suas motivações ulteriores, cujo objetivo final é a manutenção ou obtenção de capital econômico, social ou político.
Em “O papel das relações raciais no mercado de trabalho brasileiro: processos de recrutamento e seleção em foco”, Cláudia Aparecida Avelar Ferreira, Simone Costa Nunes e Jair Nascimento Santos analisam como as relações raciais presentes na sociedade brasileira interseccionam gênero e classe social e têm influência na inserção no mercado de trabalho formal de mulheres negras e brancas, por meio dos discursos de estudantes e de recrutadores brasileiros que atuam por suas próprias empresas ou por outras, nacionais e internacionais.
No terceiro artigo, “A relação entre autoeficácia e reputação organizacional em organizações cooperativas”, Vanessa Christofoli e Alex Sandro Quadros Weymer buscam identificar a relação entre autoeficácia e reputação organizacional, tendo por base a contribuição dos egressos de um mestrado profissional em suas respectivas cooperativas.
Em “A flexibilização do trabalho como regra no capitalismo: conceituação e proposições teórico-analíticas”, Geraldo Tessarini Junior, Patrícia Saltorato e Kaio Lucas da Silva Rosa exploram a temática da flexibilização do trabalho no contexto do capitalismo flexível, com vistas a propor um modelo teórico-analítico relacionado às diferentes classificações desse fenômeno.
Rosana da Rosa Portella Tondolo, Vilmar Antonio Gonçalves Tondolo, Cláudia Cristina Bitencourt e Ely Laureano Paiva têm como objetivo, em “Efeito da transparência e do capital social na intenção de mobilizar recursos”, analisar o efeito da transparência e o efeito moderador do capital social na intenção dos gestores de Organizações da Sociedade Civil (OSCs) quanto à mobilização de recursos.
Em seguida, Francisco Cláudio Freitas Silva, Sérgio Fernando Loureiro Rezende e Ramon Silva Leite promovem, em “Institucionalizando mercados: uma proposta de agenda de pesquisa”, um diálogo entre teoria institucional e marketing. Para isso, apresentam um tema de pesquisa ascendente: a institucionalização de mercados. Com base nele, propõem uma agenda de pesquisa com questões relativas aos pilares de legitimidade, às lógicas institucionais, aos mercados contestados e à espacialidade de mercados.
No sétimo artigo, intitulado “Controle e vigilância no capitalismo digital: uma análise da tecnologia blockchain e sua implementação empresarial”, Pablo Emanuel Romero Almada e Elizardo Scarpati Costa discutem, por meio de um estudo de caso, como as Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTICs) se inter-relacionam com o controle e a vigilância dos sistemas.
Na sequência, Gabriele Girardi elabora um ensaio teórico, “Capacidades dinâmicas baseadas em conhecimento e transformação nos modelos de negócios no cenário 4.0”, no qual busca explorar as teorias relacionadas com modelos de negócios, bem como as capacidades dinâmicas baseadas em conhecimento no cenário de transformação digital.
Em “Análise socioclínica do contexto do trabalho e sua relação com o adoecimento mental de policiais militares do Distrito Federal”, Cledinaldo Aparecido Dias, Marcus Vinicius Soares Siqueira e Leonardo Borges Ferreira analisam, por meio da Sociologia Clínica e da Análise de Discurso Crítica, o contexto do trabalho da Polícia Militar do Distrito Federal e sua relação com o adoecimento mental dos policiais. Essa investigação foi realizada por intermédio do estudo etnográfico.
O décimo artigo, “Autismo nas organizações: percepções e ações para inclusão do ponto de vista de gestores”, escrito por Ana Teresa Oliveira da Silva Basto e Vanessa Martines Cepellos, tem como propósito identificar quais são as percepções e ações para inclusão, do ponto de vista de gestores, de pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) nas organizações que empregam esses profissionais no Brasil.
“Quem somos nós e quem são eles? Transformações históricas da violência na relação homem-animal à luz de expressões artísticas”, escrito por Renata Frota e Leticia Moreira Casotti, traz a investigação sobre o percurso das transformações da violência presente na relação homem-animal em múltiplos períodos do tempo, recorrendo a expressões artísticas, de forma a trazer contribuições para esta temática.
Já o caso “Trinks.com - plataforma digital a serviço da beleza”, escrito por Bruno Fernandes e Victor Manoel Cunha de Almeida, relata o dilema enfrentado por Marcel Gewerc, cofundador e CEO da Trinks.com, empresa que oferecia uma solução digital para facilitar a gestão interna dos salões de beleza e permitir o agendamento on-line dos serviços.
Desejamos-lhes uma boa leitura.
Prof. Dr. Hélio Arthur Reis Irigaray
Editor-chefe
Prof. Dr. Fabricio Stoker
Editor Adjunto
REFERÊNCIAS
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
13 Mar 2023 -
Data do Fascículo
Jan-Feb 2023