Pesquisa em aprendizagem empreendedora: uma tradição positivista?

Resumo

O objetivo deste artigo foi revisar sistematicamente a literatura sobre Aprendizagem Empreendedora, analisando os elementos dos estudos publicados sobre o tema ao longo do tempo, com ênfase especial nas abordagens metodológicas empregadas na pesquisa empírica. O estudo foi motivado devido ser um campo da literatura ainda fragmentado. Além disso, as revisões anteriores sobre o tema não lançaram luz suficiente sobre os aspectos metodológicos das pesquisas. Os dados foram obtidos por meio da base de dados Scopus e 356 artigos foram mapeados com o apoio do software VOSviewer, revelando a evolução no número de publicações, redes de relação entre países e de cocitação, entre outras métricas. A análise aprofundada de 38 artigos publicados nos cinco principais periódicos revelou a predominância de estudos realizados no contexto europeu, com empreendedores de empresas tecnológicas e no nível individual de análise. Além disso, identificou-se uma tradição de estudos positivistas.

Palavras-chave:
Aprendizagem Empreendedora; Revisão Sistemática; Abordagem Metodológica

Abstract

This article aims to systematically review the literature on Entrepreneurial Learning, analyzing the elements of studies published on the subject over time, with special emphasis on methodological approaches employed in empirical research. The motivation of the study is that this literature field is still fragmented. Moreover, previous reviews on the theme have not shed sufficient light on the methodological aspects of the research. Data were obtained through the Scopus database, and 356 articles were mapped with the support of VOSviewer software, revealing the evolution in the number of publications, cross-country relationships, and co-citation networks, among other metrics. An in-depth analysis of 38 articles published in the top five journals revealed the predominance of studies carried out in the European context, with entrepreneurs of technological companies, and at the individual level of analysis. Furthermore, a tradition of positivist studies was identified.

Keywords:
Entrepreneurial Learning; Systematic Review; Methodological Approach

Resumen

El objetivo de este artículo fue revisar sistemáticamente la literatura sobre aprendizaje empresarial, analizando los elementos de los estudios publicados sobre el tema, con especial énfasis en los enfoques metodológicos empleados en la investigación empírica. La motivación del estudio es que ese campo de la literatura aún está fragmentado. Además, las revisiones anteriores sobre el tema no han arrojado suficiente luz sobre los aspectos metodológicos de las investigaciones. Los datos se obtuvieron a través de la base Scopus y se mapearon 356 artículos con el apoyo del software VOSviewer, lo que reveló la evolución en el número de publicaciones, redes de relación entre países y cocitación, entre otras métricas. El análisis en profundidad de 38 artículos publicados en las cinco principales revistas reveló el predominio de estudios realizados en el contexto europeo, con emprendedores de empresas tecnológicas y a nivel individual de análisis. Asimismo, se identificó una tradición de estudios positivistas.

Palabras clave:
Aprendizaje empresarial; Revisión sistemática; Enfoque metodológico

INTRODUÇÃO

A Aprendizagem do Empreendedorismo (AE) se desenvolve na fase de concepção e crescimento do novo negócio, à medida que o empreendedor adquire experiência por meio da prática (Cope, 2005; Politis, 2005), ou através da análise de experiências passadas (Deakins & Freel, 1998; Rae, 2005). Alguns autores, por sua vez, depositam a ênfase na aprendizagem a partir dos erros cometidos no passado, nos incidentes críticos e nos sinais do ambiente (Cope & Watts, 2000; Gibb, 1997). Independentemente da abordagem, o que parece ser consenso na literatura sobre o tema é o fato de a AE consistir em um processo experiencial contínuo e evolutivo, perpassando diferentes momentos da vida do empreendedor (Cope, 2005; Politis, 2005; Rae, 2005).

Embora existam diferentes modelos explicativos sobre a AE (Man, 2012; Politis, 2005; Rae, 2005; Zampier & Takahashi, 2011) e pesquisas sobre o tema continuem a ser desenvolvidas, inclusive revisões sistemáticas da literatura (RSL) (Lattacher & Wdowiak, 2020; Nogueira, 2019; Wang & Chugh, 2014), falta uma articulação clara da AE como conceito (Nogueira, 2019).

Além disso, não foram identificados estudos que indicassem redes de relacionamento cross-country ou redes de coautoria e cocitação, técnicas de mapeamento científico consideradas importantes para apresentar a estrutura bibliométrica e intelectual do campo de pesquisa (Donthu, Kumar, Mukherjee, Pandey, & Lim, 2021). Ademais, há uma ausência de pesquisas que analisem as principais abordagens metodológicas empregadas nas investigações empíricas em AE, indicando mais detalhes sobre as filosofias de pesquisa, além da classificação quali/quantitativa.

Assim, com o objetivo de fornecer subsídios para o avanço da teoria sobre AE e sua articulação como conceito, com base nos princípios da bibliometria e RSL (Donthu et al., 2021; Williams, L. A. Clark, W. R. Clark, & Raffo, 2021), duas questões de pesquisa foram levantadas neste estudo:

QP1: Qual é o panorama histórico das pesquisas publicadas sobre aprendizagem do empreendedorismo (quantidade de artigos publicados ao longo do tempo, redes de relacionamento cross-country, principais autores, redes de coautoria, principais periódicos, artigos mais citados, principais termos utilizados, rede de cocitação e acoplamento bibliográfico)?

QP2: Quais são as abordagens metodológicas em estudos empíricos sobre aprendizagem do empreendedorismo?

O objetivo geral deste artigo foi revisar sistematicamente a literatura sobre AE, analisando os elementos dos estudos publicados sobre o tema ao longo do tempo, com ênfase especial nas abordagens metodológicas empregadas na pesquisa empírica. A próxima seção traz uma breve discussão teórica, indicando os limites conceituais adotados neste artigo.

APRENDIZAGEM DO EMPREENDEDORISMO

Alguns dos primeiros estudos sobre AE (Deakins & Freel, 1998; McKelvey, 1998) já consideravam o processo como decorrente da experiência prévia do empreendedor e do compartilhamento de conhecimentos. Embora seja inerente à trajetória do empreendedor, tal aprendizagem seria mais intensa na fase nascente do empreendimento e, por isso, estaria atrelada especialmente ao contexto de micro e pequenas empresas (Jones & Giordano, 2021; Lans, Biemans, Verstegen, & Mulder, 2008).

Nesse sentido, as teorias de aprendizagem organizacional tendem a ser consideradas inadequadas para explicar esse processo, pois geralmente partem da perspectiva das grandes organizações e propõem modelos que não são aplicáveis ​​às micro e pequenas empresas (Deakins & Freel, 1998). No entanto, estudos baseados no cognitivismo sobre a aprendizagem no contexto das organizações trazem propostas que são consideradas mais adequadas à pesquisa em AE (Deakins & Freel, 1998). Destacam-se os tipos de aprendizagem propostos por Argyris e Schön (Malloch, Cairns, Evans, & O’Connor, 2011), a saber: Aprendizagem de Circuito Simples, Aprendizagem de Circuito Duplo e Deutero Aprendizagem. Para o terceiro tipo, destacam-se aspectos relacionados à adaptação, contexto e relacionamentos.

Na abordagem sociológica do processo empreendedor, as interações do empreendedor com diferentes grupos sociais em um determinado ambiente, bem como suas experiências passadas, são consideradas como tendo potencial para influenciar o desenvolvimento do negócio (Jones & Giordano, 2020). Algo semelhante é encontrado em relação às teorias sobre AE, visto ser ela derivada não somente da experiência passada do empreendedor, mas também das interações coletivas (El-Awad, Gabrielsson, & Politis, 2017; Jones & Giordano, 2020).

Alguns autores consideram que a AE ocorre à medida que os empreendedores ganham experiência através da prática nas fases de desenho e crescimento do novo negócio (Cope, 2005; Jones & Giordano, 2020; Politis, 2005; Rae, 2017). Outros autores, por sua vez, dão especial atenção à influência das experiências passadas na aprendizagem (Deakins & Freel, 1998; Rae, 2005), enquanto outros investigam a AE a partir de fracassos passados (Cope & Watts, 2000; Lattacher & Wdowiak, 2020).

Em meio a diferentes posições, há um consenso na literatura de que a AE é experiencial, ou seja, resulta de aprendizagem formal e informal, resolução de problemas, processos empreendedores prévios, independente de sucesso ou fracasso. Além disso, é um processo contínuo e evolutivo que reflete diferentes momentos da vida do empreendedor (Cope, 2005; El-Awad et al., 2017; Man, 2012; Politis, 2005; Rae, 2005, 2017; Thompson & Illes, 2021).

Pode-se inferir que a AE se constitui ao mesmo tempo como potencializadora e resultado dos capitais humano e social. Esses capitais tendem a ser influenciados pelo contexto em que o empreendimento é estabelecido e desenvolvido (Lans et al., 2008). Essa afirmação está relacionada à perspectiva sociocultural baseada no construtivismo, segundo a qual o compartilhamento do conhecimento está condicionado à interação social, participação, formação de identidade e influência do contexto (Ribas & Moura, 2006).

Portanto, ao considerar o aspecto social da AE, assume-se que as pesquisas na área partem de uma filosofia interpretativista (Kempster & Cope, 2010), adotando uma ontologia da realidade como socialmente construída. Além do aspecto social, o campo de pesquisa da AE também pode envolver aspectos cognitivos (Politis, 2005) e emocionais (Cope, 2005; Huxtable-Thomas, Hannon, & Thomas, 2016), que também podem estar relacionados ao construtivismo e à epistemologia que considera os fenômenos sociais e seus significados subjetivos. No entanto, outros aspectos inerentes à filosofia de pesquisa positivista também podem ser considerados, como os comportamentais (Man, 2012; Tipu & Arain, 2011).

Como a literatura sobre o assunto ainda está em evolução e carece de teoria consolidada (El-Awad et al., 2017; Jones & Giordano, 2020; Lattacher & Wdowiak, 2020; Nogueira, 2019; Thompson & Illes, 2021), questiona-se quais as principais abordagens metodológicas empregadas nos estudos publicados sobre o assunto até o momento. Esta RSL pretende responder essa pergunta.

METODOLOGIA

Considerando os princípios da RSL e da pesquisa bibliométrica em Administração (Donthu et al., 2021; Williams et al., 2021), foi conduzida uma RSL em AE. Optou-se por realizar uma análise bibliométrica (AB) conjuntamente à SLR, considerando que a AB baseada em técnicas quantitativas pode mitigar o viés da análise qualitativa inerente à RSL, apoiando a seleção criteriosa dos textos (Donthu et al., 2021). Por sua vez, a análise qualitativa ajuda a evitar a seleção de pesquisas não relacionadas ao tema de interesse (Williams et al., 2021).

A primeira etapa consistiu em uma busca na base de dados Scopus da Elsevier^©. A Scopus é um dos mais completos repositórios de artigos científicos, com especial ênfase nas áreas de Negócios e Gestão, quando comparada à base de dados Web of Science da Clarivate^© (Aksnes & Sivertsen, 2019). A estratégia de busca para obtenção da amostra inicial baseou-se nas palavras-chave entrepreneurial e learning, consideradas suficientemente inclusivas. Vale ressaltar que o tema em questão não se refere a pesquisas voltadas para o processo educacional, ou seja, o ensino formal do empreendedorismo. O interesse aqui reside no processo prático, o métier, do empreendedorismo.

Desta forma, foram utilizados os seguintes descritores: entrepreneur*, learn* e education, os quais foram combinados por meio do uso de operadores Booleanos: entrepreneur* AND learn* NOT education. O uso dos radicais (entrepreneur* e learn*) possibilitou obter resultados mais abrangentes, pois incluem, além do radical original, suas variações. Os descritores foram inseridos para busca, considerando-se o campo “title, abstract e keywords” da base Scopus. Não foi delimitado período temporal para a pesquisa. A busca inicial retornou 5.419 itens. Posteriormente, aplicou-se alguns filtros selecionando-se apenas: a) artigos; b) no idioma inglês; c) na área de Business, Management and Accounting; d) publicados em periódicos; e e) com as palavras-chaves entrepreneruship, entrepreneur, learning, entrepreneurial learning. Restaram 709 artigos, que tiveram seus títulos e resumos lidos, a fim de identificar se a AE era objeto de pesquisa.

Após essa etapa, restaram 356 artigos, que compuseram a amostra para a AB. A plataforma Scopus permitiu pré-analisar alguns resultados, identificando a evolução das publicações ao longo dos anos, principais autores e principais revistas científicas. Em seguida, foi criado um arquivo “.csv” (banco de dados), contendo informações detalhadas sobre os estudos publicados, que foram analisados ​​com o apoio do VOSviewer versão 1.6.16.

Para a análise aprofundada, foram selecionados os cinco principais periódicos objetivando a revisão das metodologias empregadas nos estudos publicados, totalizando 73 artigos. Os estudos foram analisados ​​na íntegra, levando à exclusão de 35 por não serem pesquisas empíricas ou por não apresentarem a AE como tema principal. Assim, 38 artigos foram incluídos na amostra final (Figura 1).

A etapa final, a análise em profundidade, seguiu o pressuposto da RSL, “sintetizar trabalhos anteriores e agrupá-los em uma base de conhecimento fundamentada em evidências de pesquisas anteriores de maneira objetiva e imparcial” (Williams et al., 2021, p. 524, tradução nossa). Os artigos foram lidos na íntegra e tiveram seus objetivos e questões de pesquisa (sempre que enunciados) considerados para a análise dos aspectos metodológicos. As seções metodológicas foram analisadas em termos de (Saunders, Lewis, & Thornhill, 2009): a) filosofia de pesquisa; b) estratégia de pesquisa; c) tipo de pesquisa; d) horizonte temporal; e) duração da pesquisa em anos; f) tipo e número de técnicas de coleta de dados empregadas; g) tipo de entrevista, quando as entrevistas foram realizadas; h) triangulação de dados (sim ou não); i) técnica de análise de dados; j) país de origem do periódico; k) contexto de pesquisa; l) nível de análise; e m) grupo pesquisado. Vale ressaltar que a análise se restringiu à declaração dos autores dos artigos sobre os métodos de pesquisa utilizados e as evidências apresentadas nos resultados.

Figura 1
Etapas metodológicas

RESULTADOS DA ANÁLISE BIBLIOMÉTRICA

Esta seção apresenta os principais resultados obtidos por meio da AB, realizada com dados obtidos na base da Scopus e com o apoio do software VOSviewer, considerando os 356 artigos selecionados.

Evolução do número de publicações

De acordo com os resultados da pesquisa, o primeiro artigo publicado sobre o tema data de 1991. Desde então, embora possam ser observadas oscilações, é notável a evolução do número de publicações ao longo dos anos, com 64% dos estudos (227) publicados nos últimos 10 anos. Conforme mostrado no Gráfico 1, havia 34 artigos publicados em 2020, e até 2021 um total de 25 artigos haviam sido publicados nos primeiros seis meses.

Gráfico 1
Evolução das publicações sobre aprendizagem do empreendorismo ao longo do tempo

Acredita-se que os picos de publicações em alguns anos se devem a edições especiais de alguns periódicos, como a “Entrepreneurial learning dynamics in knowledge-intensive enterprises” do International Journal of Entrepreneurial Behavior & Research, em 2017, e a “Entrepreneurial learning: new insights” da Organization Learning, em 2019. No entanto, para os demais picos, não foram identificadas edições especiais ou relação direta de artigos com eventos científicos anteriores, o que pode indicar um aumento do interesse pela área de pesquisa em AE, resultando em um crescimento natural da quantidade de publicações.

Redes de relacionamento entre países

O estudo encontrou 62 países de origem dos autores. Os resultados revelam a prevalência de uma rede de relacionamentos de coautoria de artigos de alguns países, enquanto outros aparecem como “satélites”, sem relação direta com os principais países (Figura 2).

Figura 2
Redes de relacionamento entre países

Aproximando-se a imagem, percebe-se que, quanto à autoria dos artigos (Figura 3), destacam-se o Reino Unido (89 documentos) e os Estados Unidos (77 documentos), seguidos pela Suécia (29 documentos). Este resultado está de acordo com a RSL realizada por Wang e Chugh (2014, p.29, tradução nossa) , revelando a “pesquisa norte-americana e europeia em dois campos em termos de origem de publicação”.

Figura 3
Países com rede de coautoria

Principais autores

Um total de 756 autores foi identificado. David Deakins destacou-se como principal autor sobre o tema AE com seis artigos, seguido por Jason Cope e Oswald Jones, com cinco artigos cada. Os demais da lista dos dez principais autores publicaram três artigos cada, conforme mostra o Gráfico 2.

Gráfico 2
Principais autores

Embora um dos textos de Deakins co-escrito com Mark Freel (Deakins & Freel, 1998) não tenha sido o primeiro a ser publicado sobre o assunto, como apontam os resultados da pesquisa, é um dos primeiros a aprofundar a discussão sobre fatores que influenciam a AE em pequenas e médias empresas.

A falta de uma forte rede de coautoria entre pesquisadores, com a rede principal composta por apenas 12 autores (Figura 4), também chama a atenção.

Figura 4
Rede principal de coautoriaFonte: Elaborada pelas autoras via VOSviewer.

Principais periódicos

O Gráfico 3 indica que o periódico com maior número de artigos publicados sobre AE foi o International Journal of Entrepreneurial Behavior and Research (IJEBR), com 21 publicações ao longo dos anos. Seguem na sequência os periódicos: Entrepreneurship and Regional Development, com 15 publicações; International Journal of Entrepreneurship and Small Business (IJESB), com 13 artigos publicados; seguido pelo Journal of Small Business and Enterprise Development e pelo Small Business Economics (SBEJ) com 12 publicações cada.

Gráfico 3
Principais periódicos

As primeiras quatro revistas são produzidas por organizações de pesquisa localizadas no Reino Unido e a última na Holanda. Isso revela não apenas a predominância de autores do Reino Unido (Figuras 2 e 3), mas também de periódicos científicos que publicam sobre AE. O ano de 2017 se destaca com 11 artigos publicados, o que é explicado pela edição especial do IJEBR “Entrepreneurial learning dynamics in knowledge-intensive enterprises”.

Artigos mais citados

O autor mais citado em AE é Jason Cope (Quadro 1), totalizando 758 citações sobre duas de suas obras individuais: Entrepreneurial learning from failure: An interpretative phenomenological analysis (Cope, 2011) e Entrepreneurial Learning and Critical Reflection: Discontinuous Events as Triggers for ‘Higher-level’ Learning (Cope, 2003). David Deakins aparece como o autor que mais publicou sobre o assunto (Gráfico 2). Sua obra Entrepreneurial learning and the growth process in SMEs, em coautoria com Mark Freel (Deakins & Freel, 1998), é a quarta mais citada (279).

Quadro 1
Artigos mais citados

Rede de relacionamento entre as palavras principais

Por meio da contagem binária, ou seja, considerando apenas a presença ou ausência da palavra em cada artigo, foram identificados os termos mais relevantes utilizados nos títulos e resumos - que apareceram pelo menos 5 vezes. Como mostra a Figura 5, os cinco principais termos foram: empreendedorismo, aprendizagem, aprendizagem empreendedora, empreendedor, inovação e PME (pequena e média empresa).

Ao analisar a rede que se conecta ao termo “aprendizagem empreendedora”, algumas palavras como “empreendedorismo social”, “capacidades dinâmicas”, “marketing”, “desenvolvimento regional”, “networking” e “sustentabilidade” não se conectam diretamente a ela, o que pode indicar potencial para pesquisas futuras.

Figura 5
Rede de relacionamento com o termo “aprendizagem empreendedora” - destaque para palavras que não se relacionam diretamente com ele

Rede de cocitação

A rede de cocitação mede a citação conjunta de dois artigos por um terceiro. Foram selecionados apenas artigos citados pelo menos nove vezes pelos demais artigos da amostra. A Figura 6 mostra quatro clusters principais: vermelho (13 artigos), verde (9 artigos), azul (8 artigos) e amarelo (1 artigo). Cada agrupamento indica que os trabalhos costumam ser citados juntos nos estudos sobre o tema, provavelmente pela potencial ligação entre seus conteúdos ou linhas de pensamento/pesquisa.

Vale ressaltar o fato de que o cluster vermelho é composto por dois artigos de Eisenhardt, renomada autora cujos artigos são utilizados para fundamentar metodologias de pesquisa que realizam estudos de caso e desenvolvem teorias a partir deles. A presença desses trabalhos pode indicar a prevalência de artigos na amostra que realizaram estudos de caso, partindo de uma abordagem positivista.

O cluster amarelo, por sua vez, revela a presença única do trabalho de Davidsson e Honig (2003), que investigaram o papel do capital social e humano entre empreendedores nascentes. Isso pode ser uma indicação de potencial para estudos relacionando capital social, capital humano e AE.

Figura 6
Rede de cocitação

Rede de acoplamento bibliográfico

A rede de acoplamento bibliográfico, método desenvolvido por Michael Kessler, mede a relação entre dois artigos com base no número de referências comuns citadas por ambos (Kessler, 1963). Selecionando apenas os artigos da amostra que foram citados pelo menos 30 vezes, obteve-se a imagem mostrado na Figura 7.

Figura 7
Rede de acoplamento bibliográfico

Existem cinco clusters diferentes, sendo que o cluster vermelho possui o maior número de estudos (28). Esses agrupamentos sugerem diferentes linhas de estudos e possíveis diferentes perspectivas adotadas. Analisando a rede que se conecta diretamente com o artigo mais citado sobre o tema (Cope, 2011), pesquisa com viés fenomenológico, há fortes relações entre os ensaios, ou seja, um número elevado de artigos comumente citados pelos estudos. Isso pode indicar fontes relevantes para estudos baseados na fenomenologia, como o de Jason Cope (Figura 8).

Figura 8
Rede de acoplamento bibliográfico com o estudo de Jason Cope, artigo mais citado

RESULTADOS DA ANÁLISE DAS ABORDAGENS METODOLÓGICAS

Para responder à segunda questão desta pesquisa (QP2), foram analisadas as metodologias dos 38 artigos incluídos na etapa final do estudo (Figura 1). A revisão revelou a presença de apenas seis pesquisas (16%) que utilizaram métodos quantitativos, e apenas três delas foram publicadas nos últimos cinco anos (Cannavacciuolo, Iandoli, Ponsiglione, & Zollo, 2017; Politis, 2008; Robert, El Shoubaki, Lasch, & Dana, 2017; Scarmozzino, Corvello, & Grimaldi, 2017; Van Gelderen, Van de Sluis, & Jansen, 2005; Yusuf, 2012). Outros três trabalhos de pesquisa (8%) aplicaram métodos mistos em suas investigações empíricas (Ceci & Prencipe, 2019; V. Lefebvre, M. R. Lefebvre, & Simon, 2015; Stokes & Blackburn, 2002). Destes, apenas um foi publicado no último quinquênio. Percebe-se, portanto, a predominância de estudos qualitativos (29 estudos, 76%) nas pesquisas sobre AE (Gráfico 4).

Gráfico 4
Tipo de método adotado pelos estudos da amostra

Comparativamente à RSL realizada por Wang e Chugh (2014), houve um aumento em relação às pesquisas qualitativas. Por outro lado, os estudos que aplicaram métodos mistos mantiveram percentual semelhante.

Para melhor compreender as metodologias de pesquisa, é apresentada uma visão geral dos contextos de pesquisa (Quadro 2). A maioria dos estudos (65%) foi realizada em países da Europa Ocidental ou Nórdica. Nove por cento escolheram o contexto norte-americano (Estados Unidos ou México) e 5% o contexto asiático (Paquistão ou China). Outros 5% realizaram a pesquisa em contexto internacional - físico ou virtual. Os outros dezesseis por cento não informaram o contexto escolhido para a análise.

Quadro 2
Contexto das pesquisas

Portanto, destaca-se o potencial que outros contextos apresentam para a pesquisa em AE. Há potencial também em relação aos grupos estudados, com destaque para pesquisas com empreendedores, nascentes ou não, no contexto de alta tecnologia (39%). Apenas três estudos abordaram o contexto da empresa familiar (Clinton et al., 2020; Jones & Li, 2017; Markowska & Wiklund, 2020) e apenas um investigou a AE por mulheres (Ettl & Welter, 2010) e outro por refugiados (Thompson & Illes, 2021). Além disso, há predominância do nível individual de análise (74% dos estudos), conforme será apresentado nas próximas seções.

Estratégias de pesquisa e horizonte temporal

Dentre os estudos quantitativos, a survey (5 artigos) foi a principal estratégia de pesquisa empregada, seguida da aplicação de testes estatísticos (2 artigos) e experimento do tipo simulação (1 artigo). Com relação aos estudos mistos, não foi encontrada uma estratégia de pesquisa predominante, sendo empregadas estratégias de levantamento (survey) e estudos de casos múltiplos (Ceci & Prencipe, 2019; V. Lefebvre et al., 2015; Stokes & Blackburn, 2002).

A maioria das pesquisas qualitativas (17 artigos, 65%), aplicou a estratégia de estudo de caso (único ou múltiplo). Também foram empregadas as seguintes estratégias: teoria fundamentada - grounded theory; a técnica de elicitação de metáforas de Zaltman (ZMET); etnografia; análise estética de poemas; análise de casos; e análise de protocolo verbal (uma técnica que envolve os entrevistados “pensando em voz alta” enquanto realizam uma tarefa específica).

Estudos transversais foram realizados por 50% dos artigos da amostra (19). Outros 17 trabalhos conduziram investigações considerando um horizonte de tempo mais longo. Em outras palavras, eles realizaram estudos longitudinais, sendo 10 anos o período mais longo considerado (Walsh & Cunningham, 2017), e um ano o mais curto (Schou et al., 2021). O horizonte temporal não pôde ser identificado em dois dos artigos publicados (Stokes & Blackburn, 2002; Scarmozzino et al., 2017).

Coleta e análise de dados

Cerca de 60% dos estudos (22 artigos) aplicaram mais de uma técnica na coleta de dados, prevalecendo o uso de entrevistas, principalmente as semiestruturadas, observação (participante e não participante) e coleta documental. Isso ocorreu principalmente em investigações qualitativas. Nos estudos quantitativos e mistos, foram utilizados principalmente questionários e bases de dados secundários. No entanto, apenas 11 estudos relataram explicitamente a aplicação da triangulação na análise dos dados.

Técnicas de coleta de dados inusitadas em estudos sobre AE foram encontradas em alguns artigos: grupos focais (V. Lefebvre et al., 2015); mapas de redes de relacionamento desenhados pelos entrevistados (Soetanto, 2017), e gravações em vídeo (Thompson & Illes, 2021), sendo este o único estudo etnográfico da amostra.

No que se refere à análise dos dados, a maioria dos estudos que utilizaram técnicas qualitativas elegeu a análise temática, ou seja, a análise apoiada na definição de categorias baseadas na teoria ou em dados empíricos. Em seguida, a análise de conteúdo e a discussão reflexiva foram as técnicas mais utilizadas. A análise etnográfica foi restrita a apenas um estudo (Thompson & Illes, 2021).

Os estudos quantitativos, por sua vez, utilizam os testes Qui-Quadrado, Kolmogorov-Smirnov, T e Mann-Whitney U (Politis, 2008); o método Politômico Hierárquico, K-médias e regressão logística (Robert et al., 2017); regressão hierárquica (Scarmozzino et al., 2017; Van Gelderen et al., 2005); análise de cluster (Yusuf, 2012); e modelagem baseada em agente (Cannavacciuolo et al., 2017).

Já os estudos mistos adotaram o método de regressão por mínimos quadrados parciais, estatística descritiva e análise temática (Ceci & Prencipe, 2019; V. Lefebvre et al., 2015; Stokes & Blackburn, 2002).

Filosofias de pesquisa

No que diz respeito às filosofias de pesquisa, seis estudos fundamentaram-se no construtivismo (Karataş-Özkan, 2011; O’Shea & Buckley, 2010; Schou et al., 2021; Smith, 2015; Soetanto, 2017; Watson et al., 2017), cinco trabalhos partiram de premissas fenomenológicas (Deakins et al, 2002; Kempster & Cope, 2010; Mahmoud-Jouini et al., 2017; Mansoori, 2017; Walsh & Cunningham, 2017); outros quatro basearam-se no interpretativismo (Hydle & Billington, 2021; Jones & Li, 2017; Perez Nuñez & Musteen, 2020; Thompson & Illes, 2021); e um estudo na etnometodologia (Atherton & Price, 2008).

Por outro lado, houve presença significativa de estudos positivistas na amostra (18 artigos, 47%), seja positivismo qualitativo, quantitativo ou misto. Independentemente do tipo, o objetivo da pesquisa positivista é a explicação científica baseada em eventos observáveis (Saunders et al., 2009). Baseia-se em observações empíricas para confirmar relações causais e prever padrões de comportamento humano (Antwi & Hamza, 2015). Esse tipo de pesquisa se preocupa com a confiabilidade, validade e generalização dos resultados (Saunders et al., 2009).

A ênfase do positivismo quantitativo recai em observações quantificáveis, úteis para análises estatísticas, às vezes fundamentadas em hipóteses. A pesquisa que adota essa filosofia procura explicar em termos quantitativos como as variáveis interagem, formam eventos e produzem resultados. Portanto, ela tende a usar grandes bancos de dados ou amostras significativas (Saunders et al., 2009; Antwi & Hamza, 2015). As próximas seções detalham os artigos positivistas da amostra.

Vale ressaltar que a filosofia de pesquisa de dois dos estudos (Brett, O’Neill, & O’Gorman, 2014; Ettl & Welter, 2010) não pôde ser identificada. Embora a pesquisa de Ettl e Welter (2010) tenha aplicado o método de estudo de caso, não há menção a autores que fundamentaram a escolha do método ou outras evidências na filosofia de pesquisa adotada. O mesmo ocorre com o estudo de Brett et al. (2014), onde nenhuma evidência foi fornecida sobre a filosofia de pesquisa.

Dois outros artigos aplicaram a teoria fundamentada como estratégia de pesquisa. No entanto, a descrição metodológica em ambos não permitiu identificar a filosofia adotada (Haneberg & Aaboen, 2022; Huxtable-Thomas et al., 2016). A pesquisa de Haneberg e Aaboen (2022) aplicou a técnica de elicitação de metáforas de Zaltman. Este método desenvolvido pelo professor de Harvard Gerald Zaltman foi originalmente usado na pesquisa de Marketing.

Essa técnica busca compreender o comportamento humano identificando um amplo conjunto de significados, em vários níveis de experiência, por meio de imagens e metáforas. Os resultados, embora baseados em um pequeno número de entrevistas, são considerados representativos de uma grande população (Harvard University, 2022). O estudo de Huxtable-Thomas et al. (2016) baseia sua metodologia em perspectivas de diferentes campos (pedagogia, educação, psicologia cognitiva, administração e ciências sociais), e não enfatiza um posicionamento epistemológico.

Positivismo quantitativo

Os artigos da amostra que adotaram abordagem quantitativa positivista (6 artigos) apresentam seções metodológicas estruturadas para facilitar a replicação da pesquisa, técnicas estatísticas aplicadas na coleta e análise dos dados e os resultados generalizáveis para as respectivas populações representadas (Quadro 3).

Quadro 3
Pesquisas positivistas quantitativas na amostra

Positivismo Qualitativo

O positivismo qualitativo também se caracteriza epistemologicamente pela busca de relações causais e generalização dos achados, ainda que não aborde um grande número de casos ou conte com o uso de métodos quantitativos (Bonache, 2020). Eisenhardt e Yin são dois dos metodologistas positivistas mais influentes no universo da investigação qualitativa (Bonache, 2021; Piekkari & Welch, 2018). Os pesquisadores dificilmente deixam de referenciar esses autores para justificar suas escolhas metodológicas, referindo-se a estudos de caso, mesmo que afirmem se basear em filosofias de pesquisa não positivistas (Bonache, 2021; Piekkari & Welch, 2018).

Os resultados da análise sugerem a presença do positivismo qualitativo em nove documentos (Quadro 4). Entre esses artigos, oito adotaram a estratégia de estudo de caso, dos quais sete foram baseados principalmente em pressupostos propostos por Eisenhardt e Yin (Clinton et al., 2020; Huovinen & Tihula, 2008; Markowska & Wiklund, 2020; Pugh et al., 2021; Secundo et al., 2017; Tipu & Arain, 2011; Wang et al., 2014). Isso apoia os resultados da análise mostrados na Figura 6, ou seja, a predominância potencial de estudos de caso com base nas suposições de Eisenhardt. Embora o artigo de Motoyama e Knowlton (2016) não mencione Eisenhardt ou Yin na fundamentação do estudo de caso, apresenta análises do tipo causa e efeito. Harrison et al. (2015) aplicaram a análise do protocolo verbal, mostrando preocupações com a confiabilidade, validade e generalização dos resultados.

Quadro 4
Pesquisa positivista qualitativa na amostra

Quadro 4
continuação

Positivismo misto e visão geral

Três artigos corresponderam às premissas do positivismo qualitativo e quantitativo, conforme ilustrado no Quadro 5.

Quadro 5
Pesquisas positivas mistas na amostra

O Quadro 6 apresenta uma visão geral da aplicação das filosofias de pesquisa em meio aos estudos sobre AE na amostra da pesquisa. Em particular, observa-se diversificação em relação às filosofias no ano de 2017, e tendência constante de estudos positivistas qualitativos a partir do ano de 2008.

Quadro 6
Filosofias de pesquisa nos artigos da amostra por ano

CONCLUSÃO

O objetivo geral deste artigo foi revisar sistematicamente a literatura sobre AE, levando em conta seus avanços, e analisar os elementos dos estudos publicados sobre o tema ao longo do tempo, com ênfase especial sobre as abordagens metodológicas. Para tanto, assumiu-se algumas orientações sobre AE presentes na literatura. Acerca da QP1, os resultados da pesquisa revelaram a evolução do número de publicações ao longo dos anos e a prevalência de uma rede de relacionamentos e coautoria de artigos de autores do Reino Unido e Estados Unidos. Embora 756 autores tenham escrito os artigos da amostra, foi constatada a falta de uma forte rede de coautoria entre os pesquisadores. Além disso, a rede de cocitação revelou potencial para estudos relacionando capital social, capital humano e AE, devido à presença nos clusters de apenas um artigo que investigou o impacto desses capitais na AE.

A revisão das abordagens metodológicas (QP2) evidenciou a predominância de estudos qualitativos, pesquisas que adotaram uma filosofia positivista e um equilíbrio entre investigações transversais e longitudinais. Os resultados também indicaram uma predominância do nível individual de análise e que a pesquisa em AE ainda está evoluindo com grandes oportunidades, como a realização de estudos em outros contextos como o Sul-Americano, Africano e Oceânico. Assim como a pesquisa de mulheres empreendedoras e imigrantes/refugiados.

Apesar das limitações - consulta a um único repositório de artigos, análise restrita a cinco periódicos principais e falta de detalhamento de algumas metodologias consultadas - a análise das abordagens metodológicas empregadas revelou não uma hegemonia, mas uma forte tradição positivista na área de pesquisa em AE. Considerando que o positivismo se baseia em observações empíricas para confirmar relações causais e prever padrões de comportamento humano, recomenda-se que estudos com foco nos aspectos cognitivos da AE, aliados às interações sociais e influenciados pelo contexto, adotem abordagens que se afastem do positivismo e busquem lentes metodológicas com maior potencial para desvendar os fenômenos subjacentes a esse tipo de aprendizagem.

Tal distanciamento se faz necessário para que o fenômeno seja compreendido a partir de outras vertentes filosóficas. Abordagens como a fenomenologia e o interpretativismo, por exemplo, vão além da descrição e possibilitam relatos interpretativos que não descartam o uso de orientação teórica ou arcabouço conceitual. Isso é demonstrado por Jason Cope em seu trabalho que se tornou o mais citado na área (Cope, 2011). É, portanto, uma escolha mais adequada ao estudo da realidade social (Bonache, 2021). Assim como as premissas da estratégia de estudo de caso estão sendo revisitadas e redescobertas, desafiando as dicotomias existentes (por exemplo, positivismo versus fenomenologia) (Piekkari & Welch, 2018), a recompensa por ir além do legado positivista dos estudos de AE pode ser o desenvolvimento de teorias inovadoras.

Este artigo também revela o potencial de aplicação de métodos mistos e outros incomuns na pesquisa em administração, como a análise estética, análise de protocolo verbal e técnica de elicitação de metáforas de Zaltman. Recomenda-se fortemente que pesquisadores que desejem investigar a AE busquem recursos metodológicos complementares na interdisciplinaridade. A aplicação da triangulação também apresenta um bom potencial. Além disso, recomenda-se que estudos futuros investiguem se pesquisas locais escritas em outros idiomas também apresentam tradição positivista na área de AE.

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• [Versão traduzida]

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  13 Jan 2023
• Data do Fascículo
  Nov-Dec 2022

Histórico

• Recebido
  12 Jan 2022
• Aceito
  11 Abr 2022