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Debatendo a escravidão negra nos estudos em gestão e organização a partir de perspectivas decoloniais e afrodiaspóricas

Resumo

Esta edição especial, generosamente aceita e publicada pelo Cadernos EBAPE.BR, surge das lutas diárias pela preservação da vida no Brasil e em outras partes do Sul Global e contra a radicalização da invisibilidade das opressões coloniais e raciais em um momento de dupla pandemia, a da COVID-19 e da supremacia branca. Essa coleção de artigos que temos o prazer de compartilhar com você, incorpora nossa resposta decolonizadora e desracializadora a uma normalização da necropolítica, de decidir quem pode viver e quem deve morrer. Essa normalização pode ser vista, por exemplo, na falsa ideia de impunidade de agentes da aplicação da lei, como o policial de Mineápolis que matou George Floyd nos EUA. É importante destacar que o assassinato de George Floyd teria sido apenas mais uma estatística se não fosse a coragem e determinação da adolescente negra de 17 anos que filmou aquela ocorrência ordinária com seu celular. Inspirados pela coragem negra, reunimos oito artigos provocativos e perspicazes que nos ajudarão a refletir sobre as lutas enfrentadas por comunidades marginalizadas e o impacto da perspectiva eurocêntrica na compreensão das práticas de gestão e dinâmicas organizacionais. Esses artigos abordam temas como o papel da Contabilidade no sistema escravagista, formas contemporâneas de escravidão no Brasil e as experiências interseccionais das mulheres negras na exploração trabalhista. Nosso objetivo é desafiar narrativas existentes e, ao iluminar histórias ocultas sobre a escravidão negra por meio de perspectivas decoloniais e afrodiaspóricas, contribuir para decolonização e desracialização dentro e fora do campo da Gestão e dos Estudos Organizacionais.

Palavras-chave:
Escravidão negra; Decolonização; Gestão e estudos organizacionais; Perspectiva afrodiaspórica

Abstract

This special issue, generously accepted and published by Cadernos EBAPE.BR, emerges from the daily life-preserving struggles in Brazil and other parts of the Global South against the radical invisibility of colonial and racial oppressions at a time of the double pandemic of COVID-19 and white supremacy. This collection of articles that we have the pleasure to share with you embodies our decolonizing and deracializing response to normalization of necropolitics, of deciding who may live and who must die. This normalization can be seen in the false idea of impunity of law enforcement officials, such as the Minneapolis police officer who killed George Floyd in the USA. It is important to highlight that George Floyd’s death would have been yet another mere statistic if not for the courage and determination of the 17-year-old Black teenager who filmed it with her cell phone. Inspired by the attitude of this Black girl, we brought together eight provocative and insightful articles which will help us to reflect on the struggles faced by marginalized communities and the impact of the domain of Eurocentric perspective on the understanding of management practices and organizations’ dynamics. These papers cover topics such as the role of accounting in the slave-owning system, contemporary forms of slavery in Brazil, and the intersectional experiences of Black women in labor exploitation. Our goal is to challenge existing narratives and shed light on hidden histories to contribute to the decolonization and deracialization within and outside the field of Management and Organizational Studies.

Keywords:
Black slavery; Decolonization; Management and organizational studies; Afro-diasporic perspective

Resumen

Este número especial, generosamente aceptado y publicado por Cadernos EBAPE.BR, surge de las luchas diarias por preservar la vida en Brasil y otras partes del Sur Global y contra la invisibilidad radical de las opresiones coloniales y raciales en tiempos de doble pandemia, la de COVID-19 y la de la supremacía blanca. Esta colección de artículos que tenemos el placer de compartir con usted encarna nuestra respuesta descolonizadora y desracializadora a una normalización de la necropolítica, de decidir quién puede vivir y quién debe morir. Esa normalización se puede ver, en la falsa idea de impunidad de los agentes del orden, como el policía de Minneapolis que mató a George Floyd en EE.UU. Cabe resaltar que la muerte de George Floyd hubiera sido una mera estadística más si no fuera por el coraje y determinación de la adolescente negra de 17 años que lo filmó con su celular. Inspirados por el coraje negro, reunimos ocho artículos provocativos y perspicaces que nos ayudarán a reflexionar sobre las luchas que enfrentan las comunidades marginadas y el impacto del dominio de la perspectiva eurocéntrica en la comprensión de las prácticas de gestión y la dinámica de las organizaciones. Estos artículos abordan temas como el papel de la Contabilidad en el sistema esclavista, formas contemporáneas de esclavitud en Brasil y las experiencias interseccionales de mujeres negras en la explotación laboral. Nuestro objetivo es desafiar las narrativas existentes y, al iluminar las historias ocultas sobre la esclavitud negra a través de perspectivas decoloniales y afrodiaspóricas, contribuir a la descolonización y la desracialización tanto dentro como fuera del campo de los Estudios de Gestión y Organización.

Palabras clave:
Esclavitud negra; Descolonización; Estudios de gestión y organización; Perspectiva afrodiaspórica

POSICIONANDO ESTA EDIÇÃO ESPECIAL

Nos últimos dois anos, vivenciamos essa edição especial do Cadernos EBAPE.BR como um despertar. Um projeto de preservação da vida incentivado pelas lutas coletivas globais para respirar, lutas que buscam nos levar além das pandemias socioepistêmicas eurocêntricas iniciadas por Cristóvão Colombo quando ele desembarcou nas Bahamas em 1492 e liberou doenças biológicas da Europa que infectaram essa parte do mundo, um momento genocida na duradoura doutrina da descoberta (Gordon, 2022Gordon, L. (2022). Fear of Black Consciousness. New York, NY: Farrar, Strauss and Giroux.).

Isolados uns dos outros e sufocados pelas paredes digitais da morte epistêmica, através das quais um número crescente de acadêmicos trabalha atualmente como escravos digitais, esta edição especial tem como objetivo debater a escravidão negra dentro de nosso campo a partir de perspectivas decoloniais e afrodiaspóricas. Ele também incorpora nosso engajamento com os muitos ‘outros’ que continuam sua luta incansável para preservar/proteger vidas em condições de (im)possibilidade, o que poderia levar a uma nova humanidade idealizada por Frantz Fanon (Fanon, 1965Fanon, F. (1965). Equality, diversity and inclusion: an international journal. New York, NY: Grove Press .).

Esses outros, que permanecem excluídos dos sistemas neoliberais de ensino superior em todo o mundo, nos encorajaram a nos juntar a outros colegas acadêmicos que continuam a resistir de dentro e fora de um sistema de ensino predominantemente antinegro/indígena (Nkomo, 2020Nkomo, S. M. (2020). Intersecting viruses: A clarion call for a new direction in diversity theorizing. Equality, Diversity and Inclusion: An International Journal, 39(7), 811-821. Retrieved from https://doi.org/10.1108/EDI-07-2020-0192
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), e a nos posicionar como estudiosos/ativistas que buscam a reumanização decolonial, contra a disseminação acelerada da pandemia da COVID-19 como uma arma letal contra a vida de pessoas negras e indígenas, principalmente no Brasil (Faustino, 2021aFaustino, D. M. (2021a). The wretched of COVID-19 in Brazil: colonial spectres of an announced crisis. Agrarian South: Journal of Political Economy, 10(1), 173-183. Retrieved from https://doi.org/10.1177/22779760211003531
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).

A PANDEMIA NO BRASIL

Na maior nação negra fora da África, que encarna o mito da democracia racial e da colonização benevolente (Gonzalez, 2020Gonzalez, L. (2020). Por um feminismo afro-latino-americano. São Paulo, SP: Companhia das Letras .; Moura, 2020Moura, C. (2020). Rebeliões da Senzala(6a ed.). São Paulo, SP: Anita Garibaldi.) e que foi substituída por um projeto contestado de afro-nacionalismo inaugurado no início dos anos 2000 (Smith, 2016Smith, C. (2016). Afro-paradise: blackness, violence, and performance in Brazil. Chicago, IL: University of Illinois Press.), mobilizamos este projeto acadêmico como um meio de expressar de forma negra nossa raiva libertadora (Lorde, 2012Lorde, A. (2012). Sister outsider: essays and speeches. Berkeley, CA: Crossing Press.) em relação ao amplo apoio popular dado no Brasil à reinstalação estatal de um regime de pandemia duradouro de extermínio e escravidão. Em outras palavras, este projeto incorpora e dá continuidade a múltiplas lutas cotidianas, dentro e fora da academia, contra o apoio antidemocrático dado a um projeto populista fascista que celebrou a matriz eurocêntrica colonial de poder, ser e conhecimento denunciados no início dos anos 2000 por teóricos decoloniais da América Latina (Dussel, 2000Dussel, E. (2000). Europe, modernity, and eurocentrism. Nepantla: Views from South, 1(3), 465-478. Retrieved from https://muse.jhu.edu/article/23901
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; Mignolo & Ennis, 2001Mignolo, W. D., & Ennis, M. (2001). Coloniality at large: the western hemisphere in the colonial horizon of modernity. CR: The New Centennial Review, 1(2), 19-54. Retrieved from https://www.jstor.org/stable/41949278
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; Quijano, 2000Quijano, A. (2000). Coloniality of power and eurocentrism in Latin America. International Sociology, 15(2), 215-232. Retrieved from https://doi.org/10.1177/0268580900015002005
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).

A dupla pandemia da COVID-19 e supremacia branca no Brasil ocorreu dentro de uma longue durée da configuração do país ao longo da violência racializada, patriarcal e heteronormativa (Bento, 2022Bento, C. (2022). O Pacto da branquitude. São Paulo, SP: Companhia das Letras.). Isso obrigou nossos corpos não brancos, heterogeneamente privilegiados e ameaçados, a sempre terem em mente que o projeto eurocêntrico da modernidade, que apagou e apropriou todos os outros universos (Krenak, 2019Krenak, A. (2019). Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo, SP: Companhia das Letras .) e nos dividiu em humanos e não humanos (Maldonado-Torres, 2007Maldonado-Torres, N. (2007). On the coloniality of being: Contributions to the development of a concept. Cultural Studies, 21(2-3), 240-270. Retrieved from https://doi.org/10.1080/09502380601162548
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), é “uma guerra interminável contra a vida [...] e está longe de terminar” (Mbembe & Shread, 2021Mbembe, A., & Shread, C. (2021). The universal right to breathe. Critical Inquiry, 47(S2), S58-S62. Retrieved from https://doi.org/10.1086/711437
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). Como profissionais acadêmicos, uma vez que internalizamos esse projeto, nossos corpos questionadores nos obrigaram a lembrar constantemente de Franz Fanon, que argumentou no calor das lutas diárias de descolonização na Argélia contra a pandemia eurocêntrica da racialidade/colonialidade que o “bem-estar e o progresso da Europa foram construídos com o suor e os corpos mortos de negros, árabes, indianos e raças amarelas” (Fanon, 1963bFanon, F. (1963b). The wretched of the Earth. New York, NY: Grove Weidenfeld., p. 96) e que o principal desejo dos colonizados (inclusive os que decolonizam) é ocupar a posição do colonizador europeu.

Este projeto acadêmico não é apenas uma edição especial sobre a escravidão negra. É um projeto de preservação da vida que pode nos fazer lembrar o tempo todo e em todos os lugares que as questões que importam para as pessoas cujas vidas não importam, não têm o direito de existir dentro dos modos segregacionistas de operação inaugurados pelo sistema de ‘plantations’ e reproduzidos pelas universidades ocidentalizadas (Dear, 2018Dear, L. (2018). The university as branch plant industry. In J. Cupples, & R. Grosfoguel (Eds.), Unsettling Eurocentrism in the Westernized University(pp. 23-41). New York, NY: Routledge.) e revistas acadêmicas (Barros & Alcadipani, 2022Barros, A., & Alcadipani, R. (2022). Decolonizing journals in management and organizations? Epistemological colonial encounters and the double translation. Management Learning. Retrieved from https://doi.org/10.1177/13505076221083204
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). Encorajado pelas forças de resistência e reexistência decolonizantes mobilizadas pelos miseráveis libertadores da terra, este projeto de preservação da vida nos reuniu, nós, os coeditores, uns com os outros e com você, leitor e todos os não leitores que compartilham o desejo de (re)criar possibilidades, em condições de impossibilidade, para a construção de um campo de Estudos de Gestão e Organização (EGO) reumanizador. Essas forças atravessaram nossos corpos e nos ajudaram a rememorar as agendas de decolonização e estudos antirracismo (Bernardino & Grosfoguel, 2016Bernardino-Costa, J., & Grosfoguel, R. (2016). Decolonialidade e perspectiva negra. Sociedade e Estado, 31(1), 15-24. Retrieved from https://doi.org/10.1590/S0102-69922016000100002
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; Bernardino-Costa et al., 2018Bernardino-Costa, J., Maldonado-Torres, N., & Grosfoguel, R. (2018). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico. São Paulo, SP: Autêntica.) sistematicamente desmembradas, esquecidas, distorcidas, cooptadas e hierarquizadas pelos sistemas existentes de conhecimento antinegritude e anti-indigenismo (Wynter, 2003Wynter, S. (2003). Unsettling the coloniality of being/power/truth/freedom: Towards the human, after man, its overrepresentation - An argument. CR: The New Centennial Review, 3(3), 257-337. Retrieved from https://doi.org/10.1353/ncr.2004.0015
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).

Os estudos brasileiros em Gestão e Organizações têm seguido as tendências historicamente dominantes e globais do campo, ou seja, ignorando a diferença racial como um tópico significativo de estudo e prática organizacional. Ao mesmo tempo, as poucas oportunidades oferecidas para lidar com a diferença racial, quando disponíveis dentro de EGO, podem incentivar formas afirmativas de assimilação racial que não mudam de forma crível as bases desiguais da política racial do corpo. Apesar desses silêncios, o Brasil continua a oferecer uma oportunidade única para estudar as diferenças raciais e comparar a diferença racial africana em vários contextos, nos contextos interconectados da América Latina (Carrillo, 2021Carrillo, I. (2021). Racialized organizations and color-blind racial ideology in Brazil. Sociology of Race and Ethnicity, 7(1), 56-70. Retrieved from https://doi.org/10.1177/2332649220943223
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; Telles, 2014Telles, E. (2014). Pigmentocracies: ethnicity, race, and color in Latin America. Chapel Hill, NC: University of North Carolina Press.) e da Afro-América Latina (Gonzalez, 2020Gonzalez, L. (2020). Por um feminismo afro-latino-americano. São Paulo, SP: Companhia das Letras .). Afinal, é um país com uma longa história de diferenciação racial, moldada pela adoção precoce e persistência da escravidão/escravatura (o Brasil foi o último país nas Américas a abolir a escravidão negra, embora esse ato formal tenha sido seguido por diferentes formas de tráfico e escravização humana).

Mais particularmente e correspondentemente, esta edição especial nos permitiu resistir à destruição da vida causada pela eleição de um governo conservador de extrema-direita no Brasil, que aproveitou a pandemia da COVID-19 como uma oportunidade para reforçar ainda mais a face colonial do capitalismo racializado e desmantelar os direitos sociais e políticos anteriormente obtidos pelos miseráveis indesejados que não conseguiam respirar (Faustino, 2021aFaustino, D. M. (2021a). The wretched of COVID-19 in Brazil: colonial spectres of an announced crisis. Agrarian South: Journal of Political Economy, 10(1), 173-183. Retrieved from https://doi.org/10.1177/22779760211003531
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). Foram os miseráveis que ressurgiram dessa dupla pandemia (Faustino, 2021bFaustino, D. M. (2021b) The wretched by COVID-19 and the colonial faces of black genocide in Brasil. In N. Gibson (Ed.), Fanon Today (pp. 490-506). Québec, Canada: Daraja Press.) que nos encorajaram a resistir, reimaginando possibilidades reumanizadoras além do imaginário colonial que, como acadêmicos críticos profissionais, também internalizamos (Ortega, 2017Ortega, M. (2017). Decolonial woes and practices of un-knowing. Journal of Speculative Philosophy, 31(3), 504-516. Retrieved from https://doi.org/10.5325/jspecphil.31.3.0504
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). Eles nos incentivaram a decolonizar nossas mentes encarnadas deste imaginário colonial por meio de um engajamento preservador da vida com legados libertadores da escravidão negra que foram esquecidos, silenciados e desmembrados (Davis, 2016Davis, A. (2016). Mulheres, Raça e Classe. São Paulo, SP: Boitempo.; Gomes, 2015Gomes, F. (2015). Mocambos e quilombos: uma história do campesinato negro no Brasil. São Paulo, SP: Companhia das Letras .; Gonzalez, 2020Gonzalez, L. (2020). Por um feminismo afro-latino-americano. São Paulo, SP: Companhia das Letras .; Moura, 2021Moura, C. (2021). O negro: de bom escravo a mau cidadão?São Paulo, SP: Dandara Editora., 2020New, S. J. (2015). Modern slavery and the supply chain: the limits of corporate social responsibility?Supply Chain Management: An International Journal, 20(6), 697-707. Retrieved from https://doi.org/10.1108/SCM-06-2015-0201
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).

ENGAJANDO OS LEGADOS DA ESCRAVIDÃO NEGRA

Durante esses anos de dupla pandemia, testemunhamos uma crescente preocupação com os “riscos” para o sistema mundial moderno de acumulação capitalista por meio do despojamento e extração contra as vidas da maioria em todo o mundo, gerada pela expansão da “escravidão moderna”, principalmente no lado sul das cadeias globais de valor (Stringer & Michailova, 2018Stringer, C., & Michailova, S. (2018). Why modern slavery thrives in multinational corporations’ global value chains. Multinational Business Review, 26(3), 194-206. Retrieved from https://doi.org/10.1108/MBR-04-2018-0032
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). Essas preocupações têm sido publicamente defendidas por acadêmicos e instituições de um Norte Global cada vez mais desigual, heterogêneo e discriminatório (Mignolo & Walsh, 2018Mignolo, W. D., & Walsh, C. E. (2018). On decoloniality: concepts, analytics, praxis. Durham, NC: Duke University Press .), que, após a queda das torres gêmeas em Nova Iorque, passou a se autodefinir como uma civilização “sob cerco” (Hage, 2016Hage, G. (2016). État de siège: A dying domesticating colonialism?American Ethnologist, 43(1), 38-49. Retrieved from https://doi.org/10.1111/amet.12261
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).

A unidirecionalidade Norte-Sul das cadeias globais de valor narcisistas lideradas por corporações capitalistas monopolistas (Trautrims et al., 2020Trautrims, A., Schleper, M. C., Cakir, M. S., & Gold, S. (2020). Survival at the expense of the weakest? Managing modern slavery risks in supply chains during COVID-19. Journal of Risk Research, 23(7-8), 1067-1072. Retrieved from https://doi.org/10.1080/13669877.2020.1772347
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) e há muito estruturadas pelo sistema mundial capitalista moderno, que incorpora a colonialidade e a racialidade (Suwandi & Foster, 2022Suwandi, I., & Foster, J. B. (2022). COVID-19 and imperial value: Commodity chains, global monopolies, and catastrophe capitalism. International Critical Thought, 12(3), 426-447. Retrieved from https://doi.org/10.1080/21598282.2022.2093772
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), tem sido cada vez mais transformada e reformulada por potências ascendentes do Sul (Horner & Nadvi, 2018Horner, R., & Nadvi, K. (2018). Global value chains and the rise of the Global South: unpacking twenty-first century polycentric trade. Global Networks, 18(2), 207-237. Retrieved from https://doi.org/10.1111/glob.12180
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), que são sistematicamente retratadas como grandes ameaças ao futuro da História humana e da civilização global (Pieterse, 2011Pieterse, J. N. (2011). Global rebalancing: crisis and the East-South turn. Development and Change, 42(1), 22-48. Retrieved from https://doi.org/10.1111/j.1467-7660.2010.01686.x
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). Durante a elaboração desta edição especial, nós, como acadêmicos do Sul não brancos, passamos a nos ver como membros “problemáticos” da cadeia global de valor do conhecimento em gestão estruturada pela mesma matriz de racialidade/colonialidade capitalista (Ibarra-Colado, 2006Ibarra-Colado, E. (2006). Organization studies and epistemic coloniality in Latin America: thinking otherness from the margins.Organization,13(4), 463-488. Retrieved from https://doi.org/10.1177/1350508406065851
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) comandada por um sistema racista de orientação à diversidade reproduzido por escolas de negócios (Dar et al., 2020; Nkomo, 2020Nkomo, S. M. (2020). Intersecting viruses: A clarion call for a new direction in diversity theorizing. Equality, Diversity and Inclusion: An International Journal, 39(7), 811-821. Retrieved from https://doi.org/10.1108/EDI-07-2020-0192
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), cada vez mais “ameaçado” por seus próprios mecanismos benevolentes de inclusão de outros mais escuros ao longo da linha Norte-Sul (Jammulamadaka & Faria, 2023Jammulamadaka, N., & Faria, A. (2023). Decolonizing inclusion in performing academia: Trans-inclusion as phronetic border thinking/doing praxis. Gender, Work & Organization, 30(2), 431-456. Retrieved from https://doi.org/10.1111/gwao.12955
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).

Convidamos você, leitor, a ver esta edição especial como um diálogo, coproduzido e publicado por membros do Sul Global que buscam ser ouvidos e atendidos, incluindo aqueles que vivem no lado mais sombrio das cadeias globais de valor (Stovall, 2022Stovall, D. (2020). On knowing: Willingness, fugitivity and abolition in precarious times. Journal of Language and Literacy Education, 16(1), 1-7. Retrieved from http://jolle.coe.uga.edu/wp-content/uploads/2020/05/Stovall_JoLLE2020.pdf
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), onde a escravidão do passado retornou. Instituições do Norte relataram na década de 2010 que mais de 30 milhões de pessoas no sistema mundial moderno podem ser descritas como escravizadas (International Labour Organisation [ILO], 2012International Labour Organisation. (2012). ILO global estimate of forced labour: results and methodology. Geneva, Switzerland: Author.). Estimativas recentes sugerem que existem mais de 40 milhões de pessoas, principalmente do Sul Global, em alguma forma de escravidão, e as Nações Unidas se comprometeram a acabar com esse problema até 2030 (Landman & Silverman, 2019Landman, T., & Silverman, B. W. (2019). Globalization and modern slavery. Politics and Governance, 7(4), 275-290. Retrieved from https://doi.org/10.17645/pag.v7i4.2233
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). Esses corpos do Norte reafirmam a negação duradoura das estruturas globais de racialidade, colonialidade e dependência vivenciadas, resistidas e transformadas pelos povos mais escuros do Sul que lutam por uma nova humanidade para todas(os).

No entanto, acadêmicos que argumentam que esse número aumentou drasticamente com a atual pandemia da COVID-19 promovem uma renovação da teorização gerencial da escravidão moderna que, em última análise, silencia as teorias-práticas enunciadas e corporificadas por povos mais escuros do Sul Global. Em oposição aos legados libertadores do Sul para a abolição e desmantelamento da matriz capitalista de colonialidade, racialidade e dependência, uma literatura em ascensão reproduz e expande um consenso crescente de que a escravidão moderna, com suas vítimas, exploradores, grandes corporações e consumidores, tem sido, é, e provavelmente continuará sendo um negócio (Phung & Crane, 2018Phung, K., & Crane, A. (2018). The business of modern slavery: Management and organizational perspectives. In J. B. Clark & S. Poucki (Eds.), The SAGE handbook of human trafficking and modern day slavery (pp. 177-197). Thousand Oaks, CA: Sage.). A escravidão moderna inclui escravidão, tráfico de pessoas, trabalho forçado, trabalho em regime de servidão e outras formas de exploração que supostamente precisam ser solucionadas de forma responsável pelas principais instituições do capitalismo moderno ocidental (Kara, 2017Kara, S. (2017). Modern slavery: A global perspective. New York, NY: Columbia University.).

Enquanto escrevemos este editorial, uma população crescente de pessoas mais escuras não está vivenciando uma “escravidão moderna” a ser superada por uma modernidade eurocêntrica autogerada e autocorrigida (Habermas, 1996Habermas, J. (1996). Modernity: an unfinished project. In M. D’Entreves, & S. Benhabib (Eds.), Habermas and the unfinished project of modernity: critical essays on the philosophical discourse of modernity(pp. 38-58). Cambridge, UK: Polity Press.), mas sim, a radicalização de uma estrutura capitalista duradoura de exterminação, escravização e aprisionamento anti-negros/indígenas (Gonzalez, 2020Gonzalez, L. (2020). Por um feminismo afro-latino-americano. São Paulo, SP: Companhia das Letras .) que viabiliza a catástrofe planetária inaugurada em 1492 (Krenak, 2020). Com o apoio contestado dos sistemas existentes de conhecimento anti-negritude/indígenas (Wynter, 2003Wynter, S. (2003). Unsettling the coloniality of being/power/truth/freedom: Towards the human, after man, its overrepresentation - An argument. CR: The New Centennial Review, 3(3), 257-337. Retrieved from https://doi.org/10.1353/ncr.2004.0015
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), essa visão de “escravidão” que nega a permanência das diferenças coloniais e raciais dentro e além da linha Norte-Sul de re-desumanização está sendo institucionalizada pelo Norte global como um desafio emergente da humanidade a ser superado pelo capitalismo moderno (Bales, 2005Bales, K. (2005). Understanding global slavery: a reader. Berkeley, CA: University of California Press.).

Uma literatura crescente em Estudos de Gestão e Organização (EGO) descreve e teoriza a escravidão moderna como um “tema global” que se manifesta de forma heterogênea no Sul Global (Crane, 2013Crane, A. (2013). Modern slavery as a management practice: exploring the conditions and capabilities for human exploitation. Academy of Management Review, 38(1), 49-69. Retrieved from https://doi.org/10.5465/amr.2011.0145
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; Phung & Crane, 2018Phung, K., & Crane, A. (2018). The business of modern slavery: Management and organizational perspectives. In J. B. Clark & S. Poucki (Eds.), The SAGE handbook of human trafficking and modern day slavery (pp. 177-197). Thousand Oaks, CA: Sage.), com o apoio de uma agenda nortista fundamentada nas noções contestadas de desenvolvimento sustentável e direitos humanos (Voss et al., 2019Voss, H., Davis, M., Sumner, M., Waite, L., Ras, I. A., Singhal, D. I. V. Y. A., … Jog, D. (2019). International supply chains: compliance and engagement with the Modern Slavery Act. Journal of the British Academy, 7(S1), 61-76. Retrieved from https://doi.org/10.5871/jba/007s1.061
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). Essa distorção narcisística reafirma o epistemicídio de teorias-práticas sulistas indesejáveis, tais como Teoria Crítica da Raça, e a ideia dominante nos Estados Unidos e em outros países do Ocidente (Baptist, 2016Baptist, E. E. (2016). The half has never been told: slavery and the making of American capitalism. New York, NY: Basic Books.) de que a escravidão negra é uma questão do passado colonial, que permanece nas partes irreparavelmente atrasadas do Sul Global mais escuro.

Desde janeiro de 2021, os estados republicanos dos Estados Unidos promulgaram 137 leis que basicamente censuram o ensino nas escolas, especialmente em assuntos relacionados à escravidão e leis segregacionistas. [...] Elas proíbem os professores de discutir tópicos na sala de aula, como raça, racismo e Teoria Crítica da Raça (TCR) (Melo, 2022Melo, J. O. (2022, April 03). Estados republicanos dos EUA aprovam leis que censuram o ensino. Consultor Jurídico. Retrieved from https://www.conjur.com.br/2022-abr-03/estados-republicanos-eua-aprovam-leis-censuram-ensino
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).

Esses autores enquadram a escravidão moderna como um problema gerencial para organizações e cadeias de suprimentos desencadeado pela globalização do capitalismo moderno em crise (Gold, Trautrims, & Trodd, 2015Gold, S., Trautrims, A., & Trodd, Z. (2015). Modern slavery challenges to supply chain management. Supply Chain Management: An International Journal, 20(5), 485-494. Retrieved from https://doi.org/10.1108/SCM-02-2015-0046
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; New, 2015New, S. J. (2015). Modern slavery and the supply chain: the limits of corporate social responsibility?Supply Chain Management: An International Journal, 20(6), 697-707. Retrieved from https://doi.org/10.1108/SCM-06-2015-0201
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). Essa agenda gerencialista incorpora reivindicações contestadas de superioridade civilizacional do Ocidente/Norte em relação ao “resto do mundo” (Davis, 2011Davis, A. Y. (2011). Women, race, & class. New York, NY: Vintage Books.; Gonzalez, 2020Gonzalez, L. (2020). Por um feminismo afro-latino-americano. São Paulo, SP: Companhia das Letras .; Wynter, 2003Wynter, S. (2003). Unsettling the coloniality of being/power/truth/freedom: Towards the human, after man, its overrepresentation - An argument. CR: The New Centennial Review, 3(3), 257-337. Retrieved from https://doi.org/10.1353/ncr.2004.0015
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).

NOSSA RESPOSTA DE REUMANIZAÇÃO DIANTE DO DESESPERO DA PANDEMIA

Para a reumanização do campo de EGO em condições de (im)possibilidade, nossa edição especial convidou acadêmicos do Sul e do Norte a adotarem perspectivas decoloniais e afrodiaspóricas. Essas contribuições epistêmicas racializadas, que incorporam legados libertadores da escravidão negra e cosmologias pluriversais, poderiam reenquadrar a expansão contemporânea da “escravidão moderna” e outras formas de exclusão e extermínio destrutivas à vida em escala global (Dussel, 2013Dussel, E. (2000). Europe, modernity, and eurocentrism. Nepantla: Views from South, 1(3), 465-478. Retrieved from https://muse.jhu.edu/article/23901
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) como uma continuação da longue durée da colonial/racial/patriarcal escravidão capitalista inaugurada no século XVI com a “descoberta” das Américas pelos conquistadores eurocêntricos (Marable, 2015Marable, M. (2015). How capitalism underdeveloped Black America: problems in race, political economy, and society. Chicago, IL: Haymarket Books.; Mignolo, 2011Mignolo, W. D. (2011). The darker side of western modernity: global futures, decolonial options. Durham, NC: Duke University Press.).

Convidamos colegas ao redor do mundo a considerarem a escravidão moderna como um projeto capitalista desencadeado pelo ressurgimento dos movimentos de desocidentalização, decolonização e desracialização em escala global. A negação da escravidão ou escravização anti-negro/indígena como uma dimensão constitutiva da gestão moderna, das organizações capitalistas e da academia tem sido destacada por autores críticos (Cooke, 2003Cooke, B. (2003). The denial of slavery in management studies. Journal of Management Studies, 40(8), 1895-1918. Retrieved from https://doi.org/10.1046/j.1467-6486.2003.00405.x
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), vozes afrodiaspóricas em geral (Nkomo, 1992Nkomo, S. M. (1992). The emperor has no clothes: rewriting “race in organizations”. Academy of Management Review, 17(3), 487-513. Retrieved from https://psycnet.apa.org/doi/10.2307/258720
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) e, em particular, autores decoloniais do Sul engajados na coconstrução de uma nova humanidade que reformula a racialidade e a colonialidade como dimensões constitutivas do capitalismo moderno e da EGO eurocêntrica (Abdalla & Faria, 2017Abdalla, M. M., & Faria, A. (2017). Em defesa da opção decolonial em administração/gestão. Cadernos EBAPE.BR, 15(4), 914-929. Retrieved from https://doi.org/10.1590/1679-395155249
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; Ibarra-Colado, 2006Ibarra-Colado, E. (2006). Organization studies and epistemic coloniality in Latin America: thinking otherness from the margins.Organization,13(4), 463-488. Retrieved from https://doi.org/10.1177/1350508406065851
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).

Em nossa visão, esse fenômeno renovado de “escravidão moderna” coloca em risco uma população crescente, heterogênea e desigual de pessoas escravizadas no planeta, ao negar a relação constitutiva entre o capitalismo e a escravidão negra destacada pela literatura decolonial e afrodiaspórica. Afinal, é mera coincidência que na América Latina “as pessoas que descendem, parcial ou totalmente, das populações colonizadas pelos europeus sejam, em sua grande maioria, dominadas e discriminadas onde quer que vivam?” (Quijano, 1993Quijano, A. (1993). América Latina en la coyuntura mundial. Problemas Del Desarrollo, 24(95), 43-59. Retrieved from https://doi.org/10.22201/iiec.20078951e.1993.95.32381
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, p. 205).

Propomos que ao negar tanto a longa duração da escravidão negra quanto as contribuições de epistemes decoloniais e afrodiaspóricas e formas de ser/viver/conhecer para a justiça social em geral, a academia tende a perpetuar EGO e escolas de negócios racistas, colonialistas e patriarcais tanto no Sul quanto no Norte (Abdalla & Faria, 2017Abdalla, M. M., & Faria, A. (2017). Em defesa da opção decolonial em administração/gestão. Cadernos EBAPE.BR, 15(4), 914-929. Retrieved from https://doi.org/10.1590/1679-395155249
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; Dar et al., 2020Dar, S; Liu, H; Dy, A. M; & Brewis, D. N. (2021). The business school is racist: Act up!Organization, 28(4), 695-706. Retrieved from https://doi.org/10.1177/1350508420928521
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; Jaime, Barreto, & Oliveira, 2018Jaime, P., Barreto, P., & Oliveira, C. (2018). Lest we forget! Presentation of the Special Issue “Racial dimensions in the corporate world”. Organizações & Sociedade, 25(87), 542-550. Retrieved from https://doi.org/10.1590/1984-9250870
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; Rosa, 2014Rosa, A. R. (2014). Relações raciais e estudos organizacionais no Brasil. RAC - Revista de Administração Contemporânea, 18(3), 240-260. Retrieved from https://doi.org/10.1590/1982-7849rac20141085
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). Esperamos que esta edição especial promova diálogos com outros movimentos, dentro e fora da EGO, engajados nas transformações cotidianas por uma nova humanidade em um mundo pluriversal, onde diferentes mundos coexistem. Esperamos a participação de acadêmicos, profissionais e “público em geral” para recuperar e coconstruir possibilidades que continuam a ser negadas e apropriadas por sistemas de escravidão que reafirmam diferenças coloniais e raciais.

DIFERENÇA RACIAL

Como a diferença racial interage com as práticas de Gestão e seu estudo? E quais são as formas pelas quais a diferença racial é um ponto de engajamento nos estudos de Gestão brasileiros? Esta edição especial aborda estas questões ao apresentar um conjunto de artigos que consideram a diferença racial e sua interação com as práticas de gestão nos ambientes de trabalho brasileiros.

RAÇA COMO SIGNIFICANTE FLUTUANTE

Embora seja tentador definir raça em termos de uma essência imutável e não reconhecida, tal visão corre o risco de legitimar visões que apoiam a desigualdade racial ao naturalizar essa desigualdade. No entanto, e no mesmo espírito, visões críticas podem afirmar de forma simplista, como alternativa, formas tokenistas de assimilação racial, como por meio de treinamentos de diversidade (Mayorga-Gallo, 2019Mayorga-Gallo, S. (2019). The white-centering logic of diversity ideology. American Behavioral Scientist, 63(13), 1789-1809. Retrieved from https://doi.org/10.1177/0002764219842619
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).

Como um atributo das interações sociais, raça é corretamente entendida como diferença racial que é profundamente moldada por sua natureza relacional. Stuart Hall (2017Hall, S. (2017). The fateful triangle: race, ethnicity, nation. Cambridge, MA: Harvard University Press.), teórico britânico-caribenho, descreveu a raça como um significante deslizante ou flutuante. Ao usar essa frase, ele apontou para as qualidades socialmente construídas da diferença racial e evitou qualquer esforço para essencializar a identidade racial. O que estava em questão para Hall era como a diferença racial é construída e quais propósitos são servidos por essa diferença. Da mesma forma, o que está em questão para nós nesta edição especial é como a diferença racial continua a ser constituída nos locais de trabalho e os propósitos materiais e ideológicos servidos por essa diferença constituída.

RAÇA NA HISTÓRIA DA GESTÃO

A questão em discussão são as práticas organizacionais e estruturas sociais que perpetuam a desigualdade racial no Brasil. Essas práticas organizacionais foram amplamente influenciadas pela presença da desigualdade racial nas histórias das quais o conhecimento de Gestão se originou. No entanto, essa é uma presença que raramente é reconhecida. Historicamente, os conceitos de Gestão surgiram a partir de práticas em uma variedade de espaços de trabalho organizacionais. Embora isso incluísse locais conhecidos, como empresas multinacionais, usinas siderúrgicas e exércitos, também incluía locais de crueldade extrema e opressão direta, como as plantações e casas de engenho que escravizavam negros. Em um ensaio notável, Cooke (2003Cooke, B. (2003). The denial of slavery in management studies. Journal of Management Studies, 40(8), 1895-1918. Retrieved from https://doi.org/10.1046/j.1467-6486.2003.00405.x
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) questionou a tendência dominante de traçar os conceitos de Gestão aos locais de trabalho industrial, sem mencionar, também, o que estes conceitos herdaram das experiências de trabalho nas plantações e casas de engenho. Como observou Cooke, essas experiências incluíam a descrição de práticas de trabalho por Taylor nas usinas siderúrgicas, permeadas por palavras derivadas do trabalho nas plantações, como “soldiering” (a atitude de evitar o trabalho árduo).

Os enormes lucros na Europa e na América do Norte que dependiam de modelos de negócios, organizações de trabalho e os conceitos de Gestão subjacentes a eles também, por sua vez, dependiam da diferença racial. A diferença racial era a base para a apropriação de valor crescente; de forma simples, a cor da pele se tornou um motivo para justificar formas mais severas de exploração do trabalho. O trabalho servil vindo do subcontinente indiano, que se espalhou lentamente pelo Caribe e Guiana, se misturou com os africanos trazidos anteriormente, e cada um mostrava maneiras de impor privação em nome de maiores lucros e produtividade.

No entanto, não se tratava apenas de obter lucros por meio da exploração racial. Também se tratava de como esses lucros eram obtidos. Caitlin Rosenthal (2016Rosenthal, C. (2016). Slavery’s scientific management: Masters and managers. In S. Beckert, & S. Rockman(Eds.), Slavery’s capitalists: towards a new history of American economic development (pp. 62-86). Philadelphia, PA: University of Pennsylvania Press.) rastreou como os livros contábeis nos Estados Unidos logo padronizaram maneiras de valorizar o trabalho. Essa padronização também facilitou o cálculo das recompensas e penalidades necessárias para aumentar a produtividade. Ela mostra que os gerentes rapidamente aprenderam a elevar os padrões de produção por meio da combinação certa de recompensas e penalidades. Essa calibração envolvia decidir por quanto tempo chicotear um escravo, qual escravo recompensar por atingir uma meta, como aumentar essas metas. Essas práticas contábeis, as maneiras pelas quais o trabalho era valorizado monetariamente, a necessidade de incentivos negativos e positivos, tudo isso foi moldado pelas vidas de trabalho dos escravos nas plantações.

A diferença racial não funcionava apenas como um mero significante silencioso nos estudos de Gestão. Também servia como um meio de afirmar a diferença hierárquica nos primeiros locais de trabalho nos Estados Unidos. Takaki (2000Takaki, R. T. (2000). Iron cages: race and culture in 19th-century America. Oxford, UK: Oxford University Press .) descreveu isso em termos de uma matriz racial, e uma que desempenhava um importante papel ideológico ao estabelecer categorias de trabalho racialmente coesas na força de trabalho, ao mesmo tempo em que afirmava, de forma enganosa, que o uso dessas categorias tinha um efeito significativo na qualidade do trabalho realizado. Como Roediger e Esch (2012Roediger, D. R., & Esch, E. D. (2012). The production of difference: race and the management of labor in US history. Oxford, UK: Oxford University Press.) mostram, os grupos de trabalho eram definidos por origem nacional e estimulados a competir entre si com base no orgulho étnico. Nessas matrizes, o trabalho dos afro-americanos, hispânicos e asiático-americanos ocupava os escalões mais baixos, enquanto os migrantes europeus disputavam uns com os outros e com as classes brancas estabelecidas pelos escalões médios e superiores. Essa competição racializada dominava os primeiros locais de trabalho industrial e sua gestão. Esses grupos de trabalho, estimulados a superar uns aos outros, eram motivados a competir por meio da ameaça de desprezo racial - quanto pior se saíssem, mais perto ficariam do fundo da matriz, chegando perigosamente perto daqueles que ocupavam a base.

RAÇA E EXTRAÇÃO DE VALOR

Hall (2017Hall, S. (2017). The fateful triangle: race, ethnicity, nation. Cambridge, MA: Harvard University Press., p. 119) observou que “é a exploração da diferença - aproveitando as disparidades, e não a padronização das variáveis econômicas - que impulsiona impiedosamente a história da modernidade capitalista [...] as diferenças têm sido marcadas por gênero, sexualidade e classe, além de serem étnicas e raciais, como condição para o funcionamento do mercado mundial”. E de fato, foram os trabalhadores chineses e mexicanos que construíram as ferrovias nos Estados Unidos, assim como os trabalhadores japoneses foram a espinha dorsal da indústria cafeeira do Brasil, expandindo dramaticamente a riqueza nesses países. Enquanto isso, os sul-asiáticos viveram lado a lado com os africanos, trabalhando em plantações em todo o Caribe.

Hoje em dia, consideramos esse período como passado, sem importância. Mas as diferenças salariais com base na cor da pele ainda estão presentes nos locais de trabalho. Essas formas de exploração laboral nos lembram que a diferença racial continua sendo um vetor crucial para extrair valor do trabalho. Ao fazer isso, os estudos de Gestão ainda dependem de técnicas históricas moldadas pelas plantações de escravos onde foram aperfeiçoadas, extraindo mais valor por meio de coerção, ameaças e outras formas de violência simbólica.

Chegou a hora de questionarmos de forma mais bem-sucedida as ideias fundamentais nos estudos de Gestão. Ao fazer isso, também reposicionamos esses conceitos centrais para que eles falem de forma mais clara sobre o mundo desigual, injusto e frágil em que vivemos atualmente, um mundo de divisões políticas acentuadas e desigualdades massivas. Somente ao fazer com que as ideias de Gestão falem de forma mais clara sobre nosso mundo racialmente dividido, podemos começar a fazer a pergunta difícil: como podemos criar conceitos de Gestão que não perpetuem a exploração racial, que gerem justiça racial? Porque, em última análise, como disse o pensador político A. Sivanandan, “o negro não é apenas a cor da nossa pele. É a cor da nossa política” (Asian Dub Foundation, 2000Asian Dub Foundation. (2000). Colour Line (Album Community Music). London: UK: Full Frequency Range Recordings.).

APRESENTANDO OS ARTIGOS DESTA CHAMADA ESPECIAL

Como já mencionado anteriormente, esta edição especial discute o legado dos regimes coloniais e escravistas subestimados (e muitas vezes silenciados) na EGO atual. Oito pesquisadores contribuem para esse debate, fornecendo artigos provocativos e perspicazes que se engajam com a EGO.

O artigo “Registros contábeis e escravatura no Brasil oitocentista: uma abordagem histórica” abre nosso número especial e apresenta uma análise do papel da Contabilidade no sistema escravista no Brasil. Jacira Pontinha Vaz Monteiro e Victoria Puntriano Zuniga de Melo realizaram um estudo exploratório e qualitativo minucioso. Elas analisaram os registros de compra e venda, bem como o inventário do comércio de escravos armazenados no banco de dados Slave Voyages e no Instituto Histórico e Geográfico de Pernambuco. Uma das descobertas mais marcantes deste artigo é como o processo “burocrático” da contabilidade contribuiu para naturalizar a escravização de corpos negros, beneficiando os principais interessados no sistema econômico colonial e escravocrata, como fazendeiros e traficantes de escravos. Este artigo representa um avanço nos estudos sobre o papel da Contabilidade na manutenção do sistema escravista no Brasil, uma vez que a maioria dos trabalhos sobre o assunto concentrou-se na realidade do sistema escravista dos Estados Unidos (Araújo & Carneiro, 2020Araújo, C. C. S., & Carneiro, E. Jr. (2020). A bibliometric analysis of the intellectual structure of studies on slavery in the 21st century. International Journal of Professional Business Review, 5(1), 105-127. Retrieved from https://doi.org/10.26668/businessreview/2020.v5i1.175
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). Além disso, a perspectiva crítica de Jacira e Victoria nos ajuda a refletir sobre como as práticas de Gestão podem ser usadas para legitimar práticas ilegais, antiéticas e desumanas.

O segundo artigo, de autoria de Fernanda Cavalcante Gama, Priscila Thayane de Carvalho Silva, Fabiane Maia Garcia e Audriele Santos de Jesus, intitulado “Trabalhos análogos à escravidão: uma análise de indivíduos escravizados no século XXI no Brasil”, oferece-nos a oportunidade de refletir sobre o emprego de trabalho semelhante à escravidão para maximização de lucros. As autoras descrevem relatos recorrentes e processos trabalhistas contra várias empresas e indivíduos brasileiros, como o caso de Madalena Santiago da Silva (TV Bahia & G1 BA, 2022TV Bahia, & G1 BA. (2022, May 2). Ex-patroa diz que não pagava salário de doméstica resgatada de trabalho análogo à escravidão porque a considerava da família. G1. Retrieved from https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2022/05/02/ex-patroa-diz-que-nao-pagava-salario-de-domestica-resgatada-de-trabalho-analogo-a-escravidao-porque-a-considerava-da-familia.ghtml
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), que foi resgatada em 2021 após trabalhar por 54 anos para uma família de classe média alta em Salvador, bem como a flagrante dependência do trabalho análogo à escravidão por algumas das empresas mais tradicionais e renomadas da indústria vitivinícola brasileira, as vinícolas Salton, Aurora e Garibaldi (Hailer, 2023Hailer, M. (2023, March 10). Trabalho escravo: Salton, Aurora e Garibaldi fecham acordo e pagarão indenização aos trabalhadores resgatados. Revista Fórum. Retrieved from https://revistaforum.com.br/brasil/sul/2023/3/10/trabalho-escravo-salton-aurora-garibaldi-fecham-acordo-pagaro-indenizao-aos-trabalhadores-resgatados-132554.html
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). Neste último caso, graças aos relatos de três trabalhadores que fugiram, uma ação conjunta entre a Polícia Rodoviária Federal (PRF), Polícia Federal (PF) e o Ministério do Trabalho e Emprego resgatou 206 pessoas que trabalhavam em condições degradantes nas vinícolas das empresas em Bento Gonçalves (RS). Em sua pesquisa qualitativa, as autoras adotam uma abordagem materialista histórico-dialética, na qual realizam uma análise bibliográfica e documental de relatos de trabalho análogo à escravidão registrados de 1995 a 2022 no banco de dados do Ministério do Trabalho e Previdência Social, bem como em reportagens. De acordo com as autoras, algumas das causas da persistente utilização dessa prática empresarial desumana e retrógrada incluem a ineficácia das políticas públicas e a fragilidade da legislação penal brasileira.

O terceiro artigo também discute a persistência do uso da escravidão nas práticas empresariais contemporâneas. Neste artigo de pesquisa qualitativa, Rodrigo Martins Baptista, Maria Tereza Saraiva de Souza, Mariana Lima Bandeira e José Ricardo Baptista propõem “A roda da escravidão moderna: uma nova abordagem teórica” que sistematiza os fatores institucionais que sustentam a escravidão moderna. Esses fatores são: condições institucionalmente favoráveis, recorrência, aliciamento e o “sistema de gato” no qual os trabalhadores estão presos a um emprego devido à uma suposta dívida. À medida que nos aproximamos do prazo para o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU para 2030 (Organização das Nações Unidas [ONU], 2015), a “Roda da Escravidão Moderna” oferece uma contribuição perspicaz para os estudos e práticas de Gestão, pois resume as principais dinâmicas organizacionais e institucionais que precisam ser redesenhadas para erradicar o

O quarto artigo, intitulado “Interseccionalidades da escravidão contemporânea da mulher negra à luz do pensamento decolonial: trabalho, determinantes e desigualdades sociais”, aborda a escravidão contemporânea, mas através da perspectiva da interseccionalidade, focando na sobreposição de opressão social que naturaliza a exploração do trabalho de mulheres negras, tornando seu sofrimento invisível. As contribuições de Ibarra-Colado e Maria Lugones inspiram o trabalho de Cássius Guimarães Chai, Vitor Hugo Souza Moraes, Karine Sandes de Souza e Fernanda Franklin de Costa Ramos no qual realizam um estudo teórico em que concluem que, para combater a escravidão moderna, é imperativo abordar a natureza singular das condições de trabalho brasileiras, especificamente a posição social das mulheres negras trabalhadoras, cujo status social é reflexo de um sistema patriarcal brasileiro retrógrado. De fato, elas compõem a maior parte do contingente de trabalho doméstico (Vilela, 2022Vilela, P. R. (2022, April 27). Mulheres negras são 65% das trabalhadoras domésticas no país. Agência Brasil. Retrieved from https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2022-04/mulheres-negras-sao-65-das-trabalhadoras-domesticas-no-pais
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) e permanecem à margem dos empregos mais promissores no mundo digital do século XXI, representando apenas 11% dos profissionais de tecnologia (Lacerda, 2022Lacerda, N. (2022, March 16). Mulheres pretas ocupam 11% das vagas no setor de tecnologia, | Geral. Brasil de Fato. Retrieved from https://www.brasildefato.com.br/2022/03/16/mulheres-pretas-ocupam-11-das-vagas-no-setor-de-tecnologia-mostra-relatorio
https://www.brasildefato.com.br/2022/03/...
). Esses números corroboram a importância do trabalho de Cássius e colegas, e sua contribuição para um movimento mais amplo de avanço da igualdade racial e de gênero.

Bill Cooke (2003Cooke, B. (2003). The denial of slavery in management studies. Journal of Management Studies, 40(8), 1895-1918. Retrieved from https://doi.org/10.1046/j.1467-6486.2003.00405.x
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) aponta para uma negação contundente da escravidão negra nas narrativas sobre a evolução histórica das práticas de Administração e Gestão. Por exemplo, ao estudarmos a Teoria Geral da Administração nas escolas de negócios e nos cursos de Administração, vemos as teorias de Frederick Winslow Taylor e Henry Ford como um marco histórico no surgimento da sistematização e padronização da supervisão do trabalho, o que ignora o fato de que os capatazes nas plantações americanas foram os primeiros gerentes assalariados, atuando em um papel muito semelhante ao desempenhado pelos supervisores das fábricas estruturadas sob o paradigma taylorista-fordista (Cooke, 2003). Felizmente, o quinto artigo desta chamada, “Precisamos falar sobre Taylor: indícios de racismo na administração científica?”, escrito por Geruza de Fátima Tomé Sabino e Daniel Calbino Pinheiro, vai contra a narrativa dominante do Norte Global no ensino da Administração, apresentando uma análise crítica das teorias de Gestão. Após realizar uma análise da obra de Taylor, os autores argumentam que a teoria científica da Administração foi concebida com base racista na organização do trabalho, uma vez que foi desenvolvida em um contexto histórico marcado por elementos eugenistas, aparentemente ignorados em suas obras. Este artigo convida os praticantes e estudiosos a analisarem as teorias administrativas de uma perspectiva mais crítica e holística, considerando o papel das práticas de Gestão na reprodução do racismo e de outras mazelas herdadas do período colonial da escravidão.

As manifestações racistas estão sendo combatidas de forma mais significativa pela sociedade, especialmente em tempos em que, felizmente, existem mais mecanismos de denúncia e as pessoas podem usar seus celulares para denunciar atos de discriminação e violência. Quase toda semana, vemos notícias de pessoas que postam vídeos na Internet para se defender (ou defender outros) contra atos racistas, como fez a professora Samantha Vitena, uma mulher negra que foi expulsa de um voo da Gol por supostamente se recusar a despachar uma bagagem de mão (Souza, 2023Souza, J. (2023, April 29). Advogado de mulher expulsa de voo vê racismo estrutural e diz que ela está muito abalada. G1. Retrieved from https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2023/04/29/advogado-de-mulher-expulsa-de-voo-ve-racismo-estrutural-e-diz-que-ela-esta-muito-abalada.ghtml
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). No entanto, como mostram os autores Ana Flávia Rezende e Luiz Fernando Silva Andrade no artigo intitulado “Racismo, sexismo e resquícios do escravismo em anúncios de empregos”, é muito comum encontrar anúncios de emprego com elementos racistas, camuflados por eufemismos narrativos como “boa aparência” e “boa higiene”, uma prática que perpetua o racismo estrutural no mercado de trabalho brasileiro. De uma perspectiva decolonial, os autores analisaram 285 anúncios de emprego extraídos de quatro sites de classificados e programas de ação afirmativa para pessoas negras publicados no LinkedIn. Seu trabalho indica que o ideal branco ainda está enraizado no mercado de trabalho, especificamente no trabalho doméstico, o que dificulta a inserção e ascensão de homens e mulheres negros no mercado de trabalho.

Em 2012, foi promulgada a Lei de Cotas (Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012. (2012). Dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá outras providências. Brasília, DF. Retrieved from https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2012/lei-12711-29-agosto-2012-774113-normaatualizada-pl.html
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei...
) com o objetivo de proporcionar o acesso de estudantes de escolas públicas ao ensino superior em universidades federais. Essa lei tem sido objeto de acalorados debates na opinião pública, especialmente durante o governo de Jair Messias Bolsonaro (2019-2022), quando as críticas sobre a legitimidade da lei se intensificaram, trazendo à tona a disputa em torno das narrativas sobre igualdade racial e reparações históricas às populações escravizadas durante o período colonial (negros/pardos e indígenas). Embora o decreto dessa lei simbolize avanços nos movimentos de direitos civis e negro, vários políticos, estudiosos e membros da sociedade civil têm defendido o aprimoramento das políticas públicas de ação afirmativa, com base na fragilidade dos processos de fiscalização e validação para prevenção de fraudes nas declarações étnico-raciais, na dificuldade de manter os estudantes cotistas e na baixa representatividade de pessoas negras em concursos públicos, especialmente em cargos mais bem remunerados (Dias, 2022Dias, L. (2022, May 17). As mudanças na Lei de Cotas em disputa na Câmara. BBC Brasil. Retrieved from https://www.bbc.com/portuguese/brasil-61474992
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-61...
). Esse último aspecto também é apontado no artigo “Racismo estrutural e cotas nas carreiras jurídicas: a perspectiva decolonial”, de Amanda Carolino Santos, Fátima Bayma de Oliveira, Gustavo Guimarães Marchisotti e Ana Celano, que analisa os efeitos das cotas raciais nas carreiras jurídicas. Sob uma perspectiva decolonial, os autores realizaram uma pesquisa qualitativa, na qual analisaram editais e resultados de concursos e entrevistaram onze profissionais negros que ocupam posições hierárquicas de destaque no setor jurídico - promotor, juiz e defensor público. Suas descobertas indicam que o estabelecimento das cotas por si só não tem sido eficiente em aumentar a representatividade de negros em cargos de poder no Judiciário, conforme apontado por outros estudiosos sobre o assunto.

O artigo que encerra nossa edição especial traz uma análise profunda e provocativa do trabalho de Clóvis Moura (1925-2003), um sociólogo, jornalista, historiador e escritor brasileiro que, apoiado no trabalho de Karl Marx (1818-1883), analisou o sistema escravista sob uma perspectiva crítica e combativa, questionando a visão de Gilberto Freyre sobre a estrutura da sociedade brasileira e sua relação com sua história colonial e escravista. Em seu artigo “As contribuições da interpretação de Clóvis Moura sobre a escravidão no Brasil e seus possíveis diálogos com os Estudos Organizacionais”, Ricardo Mello Duarte relaciona as principais contribuições do trabalho de Moura para os Estudos Organizacionais. Segundo Duarte (2023Duarte, R. M. (2023). The contributions of Clóvis Moura’s interpretation of slavery in Brazil and the possible dialogues with organization studies. Cadernos EBAPE.BR, 21(3), e2022-0052. Retrieved from https://doi.org/10.1590/1679-395120220052x
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), o trabalho de Moura pode contribuir para a decolonização dos Estudos Organizacionais ao fornecer uma visão menos passiva das iniciativas para implementação da diversidade e inclusão nas organizações. Sob essa perspectiva menos passiva de EGO em diálogo com perspectivas decoloniais e afrodiaspóricas, as práticas de ação afirmativa podem se inspirar no movimento revolucionário conhecido como quilombagem para resistir à reprodução do racismo estrutural e à superexploração do trabalho das minorias nas organizações.

CONCLUSÃO

Esta edição especial trouxe uma contribuição substancial para nossa compreensão do legado duradouro do colonialismo e da escravidão, que continua a moldar nossa sociedade nos dias atuais. Através de uma coleção de artigos instigantes, esta edição trouxe à tona as manifestações históricas e contemporâneas da escravidão, enfatizando seu impacto em diversos aspectos da sociedade.

Além disso, esta edição explora o persistente racismo estrutural dentro do mercado de trabalho e defende políticas de ação afirmativa para corrigir desigualdades históricas. Ao reconhecer o progresso alcançado por meio de iniciativas como cotas, os artigos destacam os desafios de implementação, prevenção de fraudes e a sub-representação de indivíduos negros em cargos de poder. Essas descobertas ressaltam a importância dos esforços contínuos para melhorar as políticas de ação afirmativa e promover oportunidades iguais para grupos marginalizados.

No geral, esta edição especial proporcionou uma exploração abrangente e multifacetada do legado da escravidão, do colonialismo e de seu impacto contínuo na sociedade contemporânea. Ela serve como um poderoso lembrete das lutas contínuas por justiça, igualdade e erradicação da escravidão moderna. Ao amplificar perspectivas diversas e estimular a reflexão crítica, esta edição pretende contribuir significativamente para lutas históricas por uma nova humanidade e para esforços coletivos ficados na criação de um mundo reumanizante mais inclusivo e equitativo em que diversos mundos coexistem, colidem e coalescem.

Em conclusão, estamos orgulhosos dos resultados significativos alcançados por esta edição especial ao mesmo tempo em que estamos conscientes de que esta edição especial reproduz a matriz capitalista de colonialidade/racialidade que internalizamos nessa “guerra interminável contra a vida”. Ela não apenas aborda a falta de estudos sobre a escravidão dentro da academia brasileira de EGO, mas também oferece uma plataforma para vozes e perspectivas que muitas vezes são silenciadas, abordando questões tabu de forma direta. Ao aprofundar áreas negligenciadas, desafiar narrativas predominantes e expandir os limites acadêmicos, esta edição tenta manter caminhos abertos para uma compreensão mais inclusiva e abrangente de nossa história, ainda que sob uma perspectiva insuficiente de decolonização e desracialização para a maioria radicalmente excluída pelos sistemas existentes de conhecimento.

A incorporação de teorias do contestado campo de EGO em busca de libertações decoloniais em condições de (im)possibilidade (Ibarra-Colado, 2006Ibarra-Colado, E. (2006). Organization studies and epistemic coloniality in Latin America: thinking otherness from the margins.Organization,13(4), 463-488. Retrieved from https://doi.org/10.1177/1350508406065851
https://doi.org/10.1177/1350508406065851...
) enraizadas na complexidade e diversa realidade do Sul Global transcende as limitações geográficas. Ao adotar uma perspectiva global e ampliar vozes marginalizadas, ainda que reproduzindo estruturas coloniais de exclusão de corpos racializados que ficaram ainda mais radicais no contexto da pandemia dupla, esta edição oferece insights inovadores e estruturas alternativas que contribuem para uma compreensão suficientemente abrangente e transformacional de dinâmicas organizacionais e acadêmicas predominantemente desumanizantes.

Conscientes de seu potencial uso para renovação de retaliações anti-vida neste contexto da pandemia dupla, esperamos sinceramente que esta edição se torne um recurso valioso para acadêmicos, profissionais e formuladores de políticas, fornecendo uma base sólida para pesquisas futuras, análises críticas e ações na busca reumanizante, incessável e solidária por justiça social, dignidade, igualdade e múltiplas libertações.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos a prestativa e sempre presente equipe editorial do CADERNOS EBAPE.BR, Fabiana Braga Leal e Jackelyne Oliveira da Silva.

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  • [Versão traduzida]

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    23 Maio 2023
  • Aceito
    01 Jun 2023
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