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Editorial

Editorial

Em seqüência ao editorial do número anterior dos Cadernos Ebape gostaria de, antes de introduzir os artigos que compõem este número, apresentar algumas reflexões sobre as universidades e o desenvolvimento local. As universidades são organizações que deveriam ter, como já tiveram no passado, forte influência no desenvolvimento local. Elas produzem o conhecimento que será aplicado no local, gerando desenvolvimento em suas várias dimensões: cultural, humano, sustentável, econômico.

A caracterização das universidades como instituições sociais e loci da produção científica e tecnológica encontra na sociologia das organizações justificativas importantes e esclarecedoras. Para argumentar que as organizações têm papel determinante no processo de desenvolvimento, recupero o conceito de instituição formulado por Philip Selznick, particularmente o caráter específico e a competência distinta que as organizações adquirem porque são produto de pressões e de necessidades sociais.

Entretanto, ao se reconhecer que a produção científica constitui um campo específico no espaço social, vê-se que o caráter universal do conhecimento sofre restrições; pois, esse campo é o espaço de uma luta, onde o que está em disputa é o monopólio da autoridade científica definida, conforme Pierre Bourdieu, como capacidade técnica e poder social.

Tratar da produção acadêmica, de qualquer país, instituição ou grupo é, então, referir-se a um campo próprio, que se regula por critérios e valores próprios, construídos e reconstruídos por meio de lutas e disputas pelo capital do campo - a autoridade científica. Dessa forma, ter-se o contexto internacional como referência se justifica porque é neste âmbito que ocorre a disputa e porque o espaço de construção da legitimidade é composto por atores internacionais, isto é, de diferentes nações. A referência pressupõe, então, a presença no campo e a capacidade para a disputa. Entretanto, o conceito de "contexto de referência",da teoria institucional, não é apropriado aos países periféricos quando este conduz a uma práxis imobilizadora, ou seja, quando dificulta o desenvolvimento de uma ciência e tecnologia apropriadas, no sentido utilizado por Guerreiro Ramos, impossibilitando a disputa por espaço no campo de poder. A produção de ciência e tecnologia pode tornar-se, assim, uma mera reprodução do que se realiza nos países centrais. O contexto fica, então, reduzido ao que já chamei em outra ocasião de wallpaper, ou seja, a aplicação do conceito de "contexto de referência" de maneira pseudo-objetiva contribui, na verdade, para a manutenção da posição de supremacia do centro na relação centro-periferia.

Com isso, pretende-se não ignorar as diferentes condições de agentes e instituições presentes no campo científico, pois a estrutura de distribuição do capital define as disposições entre dominantes e dominados. Também não se requer para o campo científico a autonomia ou a neutralidade, preconizadas por abordagens positivistas da sociologia da ciência. Também se reconhece que as definições no campo não cabem exclusivamente a especialistas - cientistas/pesquisadores - e que tampouco é inócuo o que se produz ou se legitima naquele campo.

Em tempos de globalização, onde a ciência e a tecnologia se tornaram elementos fundamentais, a disputa amplia-se enormemente, com conseqüências para todo o conjunto da sociedade e da própria organização do sistema mundial. Portanto, há que recuperar as noções da estrutura centro-periferia do sistema mundial e das peculiaridades do subdesenvolvimento.

Não se pode ignorar que, em razão de capitais acumulados, de todos os tipos, há forte tendência de dominância dos países centrais no campo científico e, por via de conseqüência, que a legitimidade ali construída corresponda a seus interesses. Sob esse ângulo, a divisão internacional do trabalho agora se dá entre aqueles que produzem conhecimento e aqueles que o consomem, reproduzindo-o mimeticamente.

Isto, para nós, não é nada bom. Reproduzimos, apesar de toda a nossa tradição, o que é dado como legítimo por quem domina o campo (os países centrais, nomeadamente, EUA e países europeus). Ao reproduzirmos não inovamos. Ao imitarmos seremos sempre jogadores de reserva ou, talvez, até mesmo a bola no jogo e não jogadores.

Este número dos Cadernos Ebape é composto por um conjunto interessante de artigos, que tratam de temas bastante diversificados. No primeiro artigo Eduardo Ayrosa, Bill Pereira e Sayuri Ojima estudam o consumo entre gays na cidade do Rio de Janeiro como forma de compreender identidade. Julio César Gonçalves e Cristina Carvalho, no segundo artigo, discutem a mercantilização do futebol brasileiro. No terceiro artigo, Leonardo Cárdenas e Fernando Lopes analisam as possibilidades teóricas de compreensão de alianças estratégicas a partir das teorias dos custos de transação e da dependência de recursos. No quarto artigo, o conhecimento e o ensino de Administração são discutidos por Sérgio Proença Leitão e Luiz Carlos Gesualdi Junior. No quinto trabalho Ósia Alexandrina, Carlos Milani e Vicente Aguiar (re)definem a sustentabilidade no contexto da gestão social com base em dois estudos de caso realizados na Bahia. O sexto artigo é um ensaio teórico de Euripedes Falcão Vieira sobre a sociedade cibernética. Dando seqüência ao tema da tecnologia da informação, Luciano Toledo e Carlos Augusto Loures discutem teoricamente no sétimo artigo o surgimento e a estrutura das organizações virtuais. No oitavo artigo Paulo Vilarinho analisa a trajetória do aprendizado tecnológico no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a partir dos censos demográficos no Brasil. O artigo que encerra esta série é de autoria de Luiz Eduardo Motta, Marco Aurélio Ruediger e Vicente Riccio. Os autores discutem o acesso à justiça como objeto de política pública a partir de um estudo de caso na Defensoria Pública do Rio de Janeiro.

Este número dos Cadernos Ebape traz ainda dois working papers e duas resenhas. No primeiro working paper Tânia Keinert apresenta reflexões sobre a Administração como ciência. No segundo, Roberto Xavier analisa o caso do insulamento burocrático na Comissão nacional de Energia Nuclear (CNEN). A primeira resenha é de Rafael Oliveira sobre a obra Cultura Neoliberal, de Cristiane Olivieri e a segunda é de autoria de João Paulo Gomes sobre o livro, ainda bastante atual, de Max Pagès e colaboradores, "O Poder das Organizações".

Desejo a todos ótima leitura!

Marcelo Milano Falcão Vieira

Editor

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Jul 2012
  • Data do Fascículo
    Jun 2006
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