Resumo
Esta pesquisa analisa o processo de internacionalização do International Master Program for Managers (IMPM) por meio de uma parceria estabelecida com uma Instituição de Ensino Superior brasileira. O IMPM foi concebido por Henry Mintzberg, em 1996, como um programa forte o suficiente para desafiar os programas tradicionais de MBA da América do Norte, uma vez que Mintzberg propõe que os “Managers, Not MBAs” devem prevalecer. É adotada uma perspectiva crítica para investigar se o IMPM privilegia o ponto de vista anglo-saxão ou não. A fim de atingir esse objetivo, foi utilizada uma abordagem qualitativa, com noventa e seis entrevistas em profundidade com docentes e diretores de ambas as instituições responsáveis pelo estabelecimento da parceria e pela realização do módulo Brasil do programa, neste artigo, nós abordamos oito dessas. O professor Henry Mintzberg está entre os entrevistados. Os resultados mostram que, apesar de todos os esforços para preservar as culturas locais, a lógica anglo-saxônica prevalece e existe um desequilíbrio entre a proposição inicial e os resultados. Há muitas questões inexploradas a serem resolvidas considerando essa estrutura e isso sugere que estudos futuros considerem e proponham o reconhecimento da produção local de conhecimento e da diversidade cultural como elementos-chave para o sucesso de parcerias internacionais
Palavras-chave:
MBA; Henry Mintzberg; Brasil; Conhecimento local; Educação em administração
Abstract
This research analyzes the International Master’s Program for Managers (IMPM) internationalization process through a partnership established with a Brazilian Higher Education Institution. IMPM was conceived by Henry Mintzberg in 1996 as a program strong enough to challenge traditional American MBA programs since Mintzberg proposes that “managers not MBAs” should prevail. A critical perspective is adopted here to investigate whether the IMPM privileges an Anglo-Saxon point of view or not. We used a qualitative approach involving ninety-six in-depth interviews with faculty members and directors from both institutions responsible for establishing this partnership and carrying out the Brazilian module of the program, eight of which are addressed in this paper. Professor Henry Mintzberg was one of the interviewees. The findings show that despite all the efforts to preserve local culture, an Anglo-Saxon logic prevails, and there is an imbalance between the initial proposition and the results. There are a lot of unexplored issues to solve considering this framework, and future studies should consider and propose the recognition of the local production of knowledge and cultural diversity as key elements for the success of international partnerships.
Keywords:
MBAs; Henry Mintzberg; Brazil; Local knowledge; Education in Administration
Resumen
Esta investigación analiza el proceso de internacionalización del International Master Program for Managers (IMPM), a través de una asociación establecida con una institución brasileña de educación superior. El IMPM fue concebido por Henry Mintzberg, en 1996, para ser un programa suficientemente fuerte como para desafiar a los programas tradicionales de MBA de América del Norte, ya que Mintzberg propone que prevalezcan los “Gerentes, no los MBA”. Se adoptó una perspectiva crítica para investigar si el IMPM privilegia el punto de vista anglosajón o no. Para lograr este objetivo, se utilizó un enfoque cualitativo, con ocho entrevistas en profundidad con docentes y directores de las dos instituciones responsables de establecer la asociación y llevar a cabo el módulo del programa realizado en Brasil. El propio profesor Henry Mintzberg es uno de los entrevistados. Los resultados muestran que, a pesar de todos los esfuerzos por preservar las culturas locales, prevalece la lógica anglosajona y existe un desequilibrio entre la propuesta inicial y los resultados. Hay muchas problemas inexplorados por resolver teniendo esta estructura en cuestión y esto sugiere que los estudios futuros consideren y propongan el reconocimiento de la producción local de conocimiento y la diversidad cultural como elementos clave para el éxito de las asociaciones internacionales.
Palabras clave:
MBA; Henry Mintzberg; Brasil; Conocimiento local; Educación en administración
INTRODUÇÃO
Assimetrias na produção e disseminação de conhecimento em gestão e organização (CGO) têm sido objeto de investigação entre pesquisadores do centro (como Cummings & Bridgman, 2006; Murphy & Zhu, 2012Murphy, J., & Zhu, J. (2012). Neo-colonialism in the academy? Anglo-American domination in management journals. Organization, 19(6), 915-927.), assim como de pesquisadores da periferia (Alcadipani, 2017Alcadipani, R. (2017). Reclaiming sociological reduction: Analysing the circulation of management education in the periphery. Management Learning, 48(5), 535-551.; Wanderley & Barros, 2018Wanderley, S., & Barros, A. (2018). Decoloniality, geopolitics of knowledge and historic turn: towards a Latin American agenda. Management & Organizational History, 14(4), 1-19). Ambos os lados concordam que a produção e disseminação de CGO tende a privilegiar o mundo anglo-saxão acima de todas as outras geografias.
Logo, é necessário notar um crescente fenômeno em termos de estabelecimento de parcerias internacionais entre instituições de ensino superior (IES) em ambos os lados da divisão centro-periferia (Alcapadiani & Rosa, 2011). O atual mercado global de ensino superior aparentemente demanda mais trocas dinâmicas e interações entre os lados desta divisão. Então, IES de países centrais têm buscado parcerias com instituições similares de países emergentes ou periféricos (Mignolo, 2011Mignolo, W. D. (2011). The Global South and World Dis/Order. Journal of Anthropological Research, 67(2), 165-88.).
De acordo com Banerjee e Linstead (2004Banerjee, S., & Linstead, S. (2004). Masking subversion: neocolonial embeddedness in anthropological accounts of indigenous management. Human Relations, 57(2), 221-247.), nós estamos conhecendo, na verdade, uma era cada vez mais global e informada, mas que ao mesmo tempo é modelada por um pensamento econômico neoliberal. Desta forma, a definição de quem ou o que constitui “o outro internacional” depende de quem está perguntando as questões e, frequentemente, essas questões estão perdidas nas pesquisas de gestão internacional, especialmente quando não são consideradas as relações caracterizadas por assimetrias de poder presentes no contexto internacional (Alcadipani & Faria, 2014Alcadipani, R., & Faria, A. (2014). Fighting Latin American marginality in “international” business. Critical Perspectives on International Business, 10(1/2), 107-117.; Mir & Mir, 2013Mir, R., & Mir, A. (2013). The colony writes back: Organization as an early champion of non-Western organizational theory. Organization, 20(1), 91-101.).
Ainda que exista a percepção que o pensamento neoliberal permaneça vivo nas relações entre nações, organizações e pessoas, o esgotamento do formato de interação sustentado por esse modelo vem sendo enfatizado por Mignolo (2017Mignolo, W. D. (2017). Coloniality is far from over, and so must be decoloniality.Afterall: A Journal of Art, Context and Enquiry,43(1), 38-45.). A ocidentalização do mundo não pode mais se dar ao passo em que indivíduos começam a resistir aos padrões de tempo e trabalho das empresas contemporâneas. Da mesma forma, isto é um claro alerta a questões de excessiva submissão de indivíduos e que buscam recuperar sua autonomia de tomada de decisões por si mesmos (Mignolo, 2017).
Dentro da perspectiva desta pesquisa, globalização, modernidade, colonialidade e dominação sempre parecem estar entrelaçadas e transversais uma vez que esses conceitos se conectam de forma indistinta. Em termos do conceito de dominação, uma grande parte de teorias de poder tratam este processo como a forma que atores estabelecem influência através da construção de valores ideológicos que se tornam hegemônicos (ou dominantes). Fleming e Spicer (2007Fleming, P., & Spicer, A. (2007). Contesting the corporation: Struggle, power and resistance in organizations. Cambridge, UK: Cambridge University Press., 2014) defendem que existe pouca coerção ou manipulação ocorrendo abertamente nesta face do poder. Por sua vez, dominação como uma dimensão de poder “modela nossas próprias preferências políticas, atitudes e perspectivas” (Fleming & Spicer, 2007, p. 19). Essa ideia é baseada em Lukes (2005Lukes, S. (2005). Power and the Battle for Hearts and Minds. Millennium, 33(3), 477-493.), conhecido por sua “visão radical” de poder, o qual considera ser uma atividade política que define a base em que atores políticos entendem a própria situação dentro do sistema mundial.
Essa perspectiva informa como lidamos neste trabalho com o fenômeno do estabelecimento de parcerias entre IES de cada lado da divisão centro-periferia. O objetivo deste estudo é verificar como se dá o processo de estabelecimento de uma parceria internacional. Tal parceria se consolidou em 2012 entre o International Master’s Program for Managers (IMPM), um curso de mestrado criado em 1995 e dirigido por Henry Mintzberg, com uma IES brasileira. Foi instituída uma parceria acadêmica que envolvia a realização anual de um de seus cinco módulos durante um programa de duas semanas na cidade do Rio de Janeiro, sob a corresponsabilidade da IES local.
Para alcançar este objetivo, foi usada uma abordagem qualitativa, através de oito entrevistas em profundidade com os membros da instituição e diretores da Fundação Getúlio Vargas/ EBAPE e University of Lancaster, instituições responsáveis por estabelecer a parceria e conduzir o módulo brasileiro do programa. O professor Henry Mintzberg está entre os entrevistados.
A relevância desta pesquisa é baseada em uma discussão entre diversos autores sobre os processos de internacionalização de programas de educação em gestão (Celano & Guedes, 2013; Cunliffe & Linstead, 2009Cunliffe, A., & Linstead, S. (2009). Introduction: teaching from critical perspectives. Management Learning, 40(1), 5-9.; Mintzberg & Gosling, 2002Mintzberg, H., & Gosling, J. (2002). Educating Managers beyond borders. Academy of Management Learning and Education, 1(1), 64-76.; Zajda, 2005Zajda, J. (2005). Globalization, education and policy: changing paradigms. In J. Zajda (Ed.), International Handbook on Globalization, Education and Policy Research. Global Pedagogies. Amsterdam, The Netherlands: Springer .). Os relatos indicam, de forma recorrente, a existência de uma rota para países emergentes, principalmente Brasil, Índia e China, e assimetrias entre países periféricos e centrais dentro de um processo mais amplo de educação gerencial (Alcapadiani, 2017). Disto isto, é necessário compreender mais proximamente as dinâmicas que envolvem especificamente esses países, dentro do contexto de um novo modelo global, em relação ao deslocamento de conhecimento em gestão dentro da configuração do mundo atual (Hurrell, 2010Hurrell, A. (2010, January). Brazil and the Global Order. Current History, 109(724), 60-66. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1525/curh.2010.109.724.60
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).
O IMPM de Mintzberg desde 1996
Henry Mintzberg e Jonathan Gosling propuseram e criaram o IMPM em 1996, com o compromisso de considerar não apenas consumo, mas também a existência de expertise local em um cenário global. Sua concepção pode ser considerada pioneira quando comparada com outros programas internacionais de gestão, uma vez que foi um dos primeiros a atuar no campo internacional, estabelecendo parcerias com IES em diversos países (Mintzberg, 2005).
Assim, o IMPM é um programa de mestrado internacional para executivos experientes, que adotou um modelo de curso que tem se adaptado a configurações mundiais por vinte anos. Esse fato pode ser observado pela mudança de suas parcerias com o tempo, e atualmente opera em cinco países, três dos quais são emergentes: Índia (desde o início do programa em 1996), China (desde 2011) e Brasil (desde 2012).
Os cinco países que participaram do primeiro ciclo do programa foram: Canadá, Reino Unido, Índia, Japão e França¹. Desde o princípio, o IMPM foi criado com a proposta de trabalhar de forma equilibrada com outras instituições parceiras: Indian Institute of Management em Bangalore (IIMB); INSEAD em Fontainebleau, França; University of Lancaster Faculty of Management no Reino Unido; McGill University’s Faculty of Management em Montreal, Canadá, e no Japão, um grupo de professores de três instituições: Hitsosubashi University, Kobe University e o Japanese Advanced Institute of Science and Technology (mais tarde também South Korea Development Institute em Seoul).
O programa funciona baseado em períodos chamados ciclos. Cada ciclo dura dezoito meses e possui duas semanas de aulas presenciais em cada um dos países parceiros em intervalos de três meses. Após esses dezoito meses, os participantes podem escolher escrever uma dissertação de mestrado para obter seu título de mestre. Esse título deve ser creditado pelas universidades de McGill e Lancaster, ou apenas por uma delas.
O período do programa em cada país é chamado de módulo e um “mindset”, ou modelo mental, é atribuído a cada um deles, o que tem por objetivo relacionar conceitos locais do país com o aprendizado em gestão. Desde o início do programa em 1996, os mindsets permanecem inalterados e atualmente se relacionam com os países parceiros da seguinte forma: Reino Unido/reflexão, Canadá/análise, Índia/visão de mundo, China/colaboração, Brasil/ação.
Globalização, países emergentes e o novo cenário global
A globalização parece ser experenciada em muitos lugares como uma força discriminatória e opressiva influenciando países em muitas frentes, incluindo os campos de gestão e educação (Banerjje, 2017; Faria, 2011Faria, A. (2011). Repensando redes estratégicas. Revista de Administração Contemporânea, 15(1), 84-102.; Soudien, 2005Soudien, C. (2005). Inside but below: The puzzle of education in the global order. In J. Zajda (Ed.), International Handbook on Globalization, Education and Policy Research. Global Pedagogies. Amsterdam, The Netherlands: Springer.). A ascensão de economias emergentes - como Brasil, Rússia, China e Índia - teve implicações para a produção, disseminação e consumo de conhecimento (Hurrell, 2010Hurrell, A. (2010, January). Brazil and the Global Order. Current History, 109(724), 60-66. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1525/curh.2010.109.724.60
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; Soudien, 2005).
Esse cenário ressalta a necessidade de entender os mecanismos envolvidos em relações de poder assimétricas. Desta forma, houve muitas tentativas de mapear as diferentes formas que o poder assume nas organizações (Clegg et al., 2006Clegg, S., Barrett, M., Clarke, T., Dwyer, L., Gray, J., Kemp, S. E., … Marceau, J. (2006). Management Knowledge for the Future: Innovation, Embryos and new Pardigms. In S. Clegg, G. Palmer (Eds.). The Politics of Management Knowledge (pp. 190-236). London, UK: Sage.; Pfeffer, 2004Pfeffer, J. (2004) Managers not MBAs: A hard look at the soft practice of managing and management development. Administrative Science Quarterly, 49(3), 476-479.). Uma das mais notáveis distinções na literatura refere-se às teorias de poder episódicas (o exercício direto do poder) e formas sistemáticas de influência (poder que é congelado em estruturas institucionais mais duradouras) (Clegg, 1989).
Neste caso, a dominação representa uma das faces do poder que, desta perspectiva, pode ser considerada sistêmica, na medida em que mobiliza recursos institucionais, ideológicos e discursivos ao influenciar a atividade organizacional. Assim sendo, atua menos como uma face visível e mais em termos de atos explícitos de poder (Fleming & Spicer, 2014Fleming, P., & Spicer, A. (2014). Power in management and organization science.The Academy of Management Annals, 8(1), 237-298.).
Uma parte das teorias de poder organizacional trata os processos de dominação ao considerar a forma pela qual os atores se sustentam para estabelecer influência através da construção de valores ideológicos que se tornam hegemônicos. Fleming e Spicer (2007Fleming, P., & Spicer, A. (2007). Contesting the corporation: Struggle, power and resistance in organizations. Cambridge, UK: Cambridge University Press., 2014) alegam que existe pouca coerção ou manipulação ocorrendo abertamente em termos de poder. Alternativamente, a dominação como uma dimensão do poder tende a formatar supostas preferências, atitudes e até perspectivas políticas (Fleming & Spicer, 2007).
Lukes (2005Lukes, S. (2005). Power and the Battle for Hearts and Minds. Millennium, 33(3), 477-493.) também entende o poder como uma atividade política capaz de definir o terreno no qual os atores envolvidos no jogo de poder compreendem a sua situação organizacional:
Não é o exercício supremo e insidioso de poder que pode impedir as pessoas, em qualquer grau, de ter queixas e moldar suas percepções, cognições e preferências de tal forma que aceitem seu papel na ordem das coisas existentes, para ver ou imaginar alternativa para eles, ou vê-lo como natural e imutável? “ (Lukes, 2005Lukes, S. (2005). Power and the Battle for Hearts and Minds. Millennium, 33(3), 477-493., p. 24).
Essa abordagem do poder levanta a seguinte questão: como as relações hierárquicas arbitrárias são construídas para que pareçam inevitáveis, naturais e, portanto, inquestionáveis?
Assim, segundo Tikly (1999Tikly, L. (1999). Post-colonialism and comparative education. In: C. Soudien, P. Kallaway, & M. Breier(Eds.), Education, Equity and Transformation (pp. 603-621). Dordrecht, The Netherlands: Dordrecht Kluwer Academic Publishers.), em termos de organizações do setor educacional, existe uma perspectiva dominante a ser adotada, que tem forçado sutilmente a obediência geral aos seus critérios e aos padrões desenvolvidos nos países centrais. Portanto, há um reforço do problema da dominação no campo da gestão, com países menos desenvolvidos ou periféricos, como os emergentes.
Globalização e educação em gestão
O estudo do fenômeno das parcerias entre IES internacionais, de ambos os lados da divisão centro-periferia, no contexto dos cursos de pós-graduação em administração, deve considerar que um programa como o IMPM, que tem um propósito globalizado e multicultural, precisa ser inserido no que Santos (2006Santos, B. S. (2006). Globalizations. Theory Culture Society, 23(2-3), 393-399.) identificou como a necessidade de ação global, mas que, de fato, se dá por meio da produção local ou localizada.
Nesse sentido, Santos (2006Santos, B. S. (2006). Globalizations. Theory Culture Society, 23(2-3), 393-399.) faz uma distinção entre as duas principais formas de produção da globalização. Localismo globalizado é o processo pelo qual um determinado fenômeno é globalizado com sucesso, seja a atividade mundial de uma multinacional, a transformação da língua inglesa em uma língua franca, a globalização do fast food americano ou da música popular, a adoção de programas como MBAs com relação à educação em gestão internacional ou à adoção mundial das mesmas leis de propriedade intelectual, patente ou telecomunicações promovidas agressivamente pelos Estados Unidos e outros países centrais. Nessa forma de produção da globalização, o que é globalizado é o vencedor de uma luta pela apropriação ou valorização de recursos ou pelo reconhecimento das diferenças hegemônicas, culturais, raciais, sexuais, étnicas, religiosas ou regionais. Essa vitória se traduz na capacidade de ditar os termos de integração, competição e inclusão (Santos, 2006).
O segundo processo de globalização, denominado globalismo localizado, consiste em um impacto específico sobre as condições locais que é produzido por práticas transnacionais e imperativos decorrentes dos localismos globalizados. Para responder a esses imperativos transnacionais, as condições locais são desintegradas, oprimidas, excluídas, desorganizadas e, por fim, reestruturadas como inclusão subalterna. Esses globalismos localizados incluem a eliminação do comércio tradicional e da agricultura de subsistência, a criação de enclaves ou zonas de livre comércio e a destruição maciça e o desmatamento de recursos naturais para pagar a dívida externa. Nesse sentido, grande parte desse assunto se refere às diferentes nuances de subalternidade a que os países periféricos estarão sujeitos no âmbito de um programa internacional de educação em gestão (Santos, 2006Santos, B. S. (2006). Globalizations. Theory Culture Society, 23(2-3), 393-399.).
Da mesma forma, na discussão da relação entre países periféricos e centrais, Alcadipani (2017Alcadipani, R. (2017). Reclaiming sociological reduction: Analysing the circulation of management education in the periphery. Management Learning, 48(5), 535-551.) defende a necessidade de resgate do conceito de redução sociológica, criado pelo sociólogo brasileiro Guerreiro Ramos na década de 1950. No conceito de redução sociológica, há uma atitude crítica e até anticolonial que defende que o conhecimento do centro é antes de tudo considerado subsidiário e, como tal, deve ser repensado nas formas locais antes de ser assimilado (Ramos, 1984).
Com base nesse argumento, Ramos (1984Ramos, A. G. (1984). A redução sociológica(4th ed.). Rio de Janeiro, RJ: Tempo Brasileiro.) postula que todo o desenvolvimento brasileiro se deu sob a égide da subordinação colonial, o que não seria diferente em relação às questões de gestão. Nesse caso, a criação do conhecimento se dá nos países centrais (EUA e Reino Unido) e, mais especificamente, na língua anglo-saxônica, sendo, então, disseminado para os países periféricos (Alcadipani, 2017Alcadipani, R. (2017). Reclaiming sociological reduction: Analysing the circulation of management education in the periphery. Management Learning, 48(5), 535-551.) por meio de um movimento de ‘imperialismo cultural’.
A redução sociológica, em sua última versão (Ramos, 1984Ramos, A. G. (1984). A redução sociológica(4th ed.). Rio de Janeiro, RJ: Tempo Brasileiro.), significava, de forma resumida, a visão de: (1) um método de assimilação do pensamento social estrangeiro no Brasil; (2) uma atitude que permite às pessoas superar limitações que obstruem sua liberdade e autonomia; (3) uma forma de suplantar o lugar de um país periférico ou colonizado no que diz respeito ao pensamento de gestão acadêmica.
Quando se trata da relação que se estabelece entre o IMPM e a IES brasileira, analisada sob as lentes da redução sociológica, é preciso indagar se ela será acompanhada por uma transformação social, e se será amparada por um sistema de ensino próprio. Esse sistema deve ser capaz de criar seus próprios padrões, não apenas importando os padrões estabelecidos há muito tempo pelos países centrais. Para tanto, é importante refletir sobre as seguintes questões: os países periféricos, agora integrados a programas internacionais de educação em gestão, devem optar por participar de tal programa? Ou ainda, sempre foram “escolhidos”? Ou qual foi a relação envolvida no estabelecimento da parceria na perspectiva dos envolvidos? Estas são as questões que nortearam nossa pesquisa.
METODOLOGIA
Este estudo adota uma abordagem qualitativa de natureza interpretativa e crítica (Alvesson & Skoldberg, 2000Alvesson, M., & Skoldberg, K. (2000). Reflexive Methodology: New Vistas for Qualitative Research. London, UK: Sage Publications.). Esta escolha metodológica baseou-se em alguns dos nossos pressupostos, como a complexidade crescente deste fenômeno face à globalização e a velocidade com que as mudanças ocorrem na área da gestão internacional. Conforme enfatizado por Miles e Huberman (1994Miles, M. B., & Huberman, A. M. (1994). Qualitative Data Analysis. London, UK: Sage Publications .), os estudos sociais ocorrem no mundo real e têm impactos reais na vida das pessoas e na dinâmica social, além de estarem em constante transformação.
Neste estudo, utilizamos três fontes de dados primários e secundários: (i) entrevistas com professores e funcionários administrativos, tanto do IMPM como da IES local, bem como alunos de três turmas ministradas no Brasil, com scripts estruturados; (ii) análise documental longitudinal; e (iii) observação direta durante o módulo brasileiro. Esse conjunto de dados permitiu evitar uma análise baseada em apenas uma fonte, gerando uma triangulação aproximada (Jick, 1979Jick, T. D. (1979). Mixing qualitative and quantitative methods: triangulation in action. Administrative Science Quarterly, 24(4), 602-611.).
As entrevistas foram realizadas no ano de 2014 e 2015 no Rio de Janeiro. Ao todo, foram realizadas 96 entrevistas nesse período, porém, considerando a abordagem escolhida para este artigo, oito delas foram selecionadas e analisadas. A seleção dos nossos entrevistados foi feita internacionalmente, e envolveu oito entrevistas pessoais em profundidade com os atuais integrantes do programa IMPM vinculados à formação, estruturação e estabelecimento de parcerias locais, além de integrantes das IES brasileiras com as quais a parceria foi instituída em 2012. Segundo Thiry-Cherques (2009), o ponto de saturação geralmente ocorre entre a 6ª e a 12ª entrevista, o que tornou razoável concluir o estudo com oito entrevistas.
Nossa análise documental foi baseada em dois tipos de documentos coletados: (i) documentos internos, tais como documentos oficiais do IMPM, sites, apostilas, registros históricos, contratos com outras instituições parceiras, planejamento estratégico, fotos de cursos, perfis demográficos dos participantes ao longo e (ii) documentos de domínio público, tais como pesquisas de imprensa sobre o IMPM, depoimentos gratuitos na mídia de domínio público, sites de ex-alunos e parceiros, e blogs e informações acadêmicas sobre o programa.
Esses dados foram fundamentais, pois nos proporcionaram uma contextualização mais rica do programa e aumentou a confiabilidade dos dados obtidos nas entrevistas, uma vez que os documentos “são produtos em tempo’ e componentes significativos do cotidiano que complementam, completam e competem com narrativa e memória “(Spink, 1999Spink, P. (1999). Reforming the State: Managerial Public Administration in Latin America. London, UK: Lynne Rienner Publishers., p. 126).
Os resultados das observações foram adicionados a um diário de campo que os pesquisadores mantiveram para relatar suas observações sobre as questões investigadas durante este estudo (Czarniawska, 2008Czarniawska, B. (2008). A Theory of Organizing. Cheltenham, UK; Northampton.; Lofland & Lofland, 1995Lofland, J., & Lofland, L. (1995). Analyzing Social Setting: A guide for qualitative observation and analysis. London, UK: Thomson.).
Com exceção da nomeação do fundador do programa, Henry Mintzberg, que autorizou a exposição de seu nome e de seu testemunho, todos os demais entrevistados, docentes e diretores do programa e instituições locais tiveram suas identidades preservadas. No entanto, o papel dos entrevistados é informado em cada fala, sejam eles diretores ou coordenadores do programa na instituição parceira (D); professores ou outros membros do corpo docente (P); membros da equipe (M); e alunos (S).
As entrevistas foram transcritas e analisadas, bem como todos os documentos, observações e notas de campo. Todo esse conjunto de dados foi submetido à codificação temática, em categorias pré-determinadas, para identificação dos temas (Miles & Huberman, 1994Miles, M. B., & Huberman, A. M. (1994). Qualitative Data Analysis. London, UK: Sage Publications .).
Portanto, tendo em vista esse cenário, foi a partir do referencial teórico e da questão de pesquisa que, a priori, foram construídas duas categorias que nos permitiram identificar e determinar os problemas relacionados aos dados coletados: ‘Globalização e educação em gestão’ e ‘A introdução dos países emergentes na agenda do IMPM ‘.
ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Acima de tudo, em termos de apresentação das características do IMPM, é importante destacar a sua tipicidade. Pelas suas características, o programa pode ser facilmente considerado um curso de mestrado clássico, aderindo aos padrões de um MBA internacional, oferecido por países centrais, já que sua base acadêmica e administrativa de atuação é no Canadá e no Reino Unido. Além disso, o curso é ministrado inteiramente sob a égide da língua inglesa. Cabe observar que, em 2016, o programa recebeu o reconhecimento internacional como um dos melhores cursos de mestrado internacional pelo relatório Global Focus, realizado pela European Foundation for Management Development (EFMD) (Management Development Network).
Então, o IMPM assume uma posição parcialmente divergente desta imagem, reforçada em seu discurso institucional, de que não possui origem nos Estados Unidos, e que não é, ou não deve ser considerado, um MBA. De fato, o programa - apesar de seu posicionamento próximo do centro devido a sua origem anglo-saxã mantida pela sua ligação com o Canadá e Reino Unido - defende uma abordagem reflexiva e disruptiva em relação ao modelo padrão dos dominantes e ortodoxos cursos de MBA. Isso não é surpreendente dado o título de um dos livros escritos pelo Mintzberg: MBA? Não, obrigado! (Mintzberg, 2004Mintzberg, H. (2004). Managers not MBAs: A hard look at the soft practice of managing and management development. San Francisco, CA: Barrett-Koehler.).
A apresentação desta seção foi dividida nas duas categorias listadas a seguir.
Globalização e educação gerencial
Ao investigar esta primeira categoria, é necessário lembrar o objetivo inicial deste trabalho, o qual é verificar como o processo de estabelecimento de uma parceria internacional se deu desde 2012 entre o Programa de Mestrado Internacional para Gestores (IMPM), um mestrado internacional criado em 1996 e dirigido por Henry Mintzberg, e uma IES brasileira. Logo, investigamos as principais motivações por parte do IMPM ao escolher onde operar, dado o seu foco particular em países periféricos, e em como seu processo de internacionalização se desenvolveu com o tempo e, especificamente, a forma como se estabeleceu a relação com a parceira local no Brasil.
Deve ser notado que, dentro do período de existência do programa, houve mudanças em suas parcerias internacionais. O IMPM já esteve presente em países como Japão e França, por exemplo, porém, deixou de trabalhar com tais países a fim de estar presente em outros como Brasil e China. Então, quando o fundador do programa, Henry Mintzberg, foi perguntado qual havia sido a sua motivação para a criação e implementação do IMPM como um programa essencialmente internacional, sua resposta foi:
[…[ Então, eu acredito que um bom programa é aquele que reúne pessoas de diferentes países. O caminho para ver nossas melhores características não é ser global, mas ser “parte do mundo”.
[...[ Nós não queremos que as pessoas tenham um molde global, todas iguais. Nós queremos que sejam individualmente do mundo. Nós queremos que elas entendam outros mundos e que os penetrem, profundamente. [...[ Então, eu acredito que este foi o grande incentivo para fazê-lo internacional, desde o princípio.
No trecho acima, é possível perceber o desejo inicial do Mintzberg em promover um programa internacional, sem preconceitos com as questões locais, o que corrobora seu argumento teórico. Fontes documentais como livros, artigos, websites e documentos oficiais do programa desde meados dos anos 1990 refletem esta configuração internacional (Mintzberg, 2004).
Ainda que os documentos indiquem o que seu propósito era integrar, é possível argumentar até que ponto um programa de países dominantes pode agir sem pressionar países periféricos, sem representar as ameaças expostas por Santos (2003Santos, B. S. (2003). Reconhecer para libertar. Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira., 2006) no contexto de fenômenos de localismo globalizado e globalismo localizado. Isto é, não é mais que uma intenção do programa de ser global, ou é realmente possível preservar todas as particularidades das várias “partes do mundo” de uma maneira justa?
Em sua criação, o programa foi pensado de forma a ser minimamente alinhado com os preceitos da redução sociológica (Ramos, 1965), a qual pressupõe o respeito e a necessidade de adaptação aos padrões locais antes da aplicação indiscriminada de conhecimento vindo do centro. Entretanto, dentro do conteúdo do programa, é possível notar a clara e dominante presença de conhecimento originado do centro. Consequentemente, o centro tem o poder de determinar como o conhecimento em questão deve ser difundido, o que, por si só, pode já ser o suficiente para demonstrar sua dominação e assimetria (Alcapadiani, 2017).
Corroborando esta visão, aqui está o relato de outro membro do corpo docente que esteve presente na administração do IMPM desde sua criação:
Para o termo “gestores globais”, nós anexamos a definição de gestores que eram os deuses que conduziram a globalização, e eu acredito que tem um sentido dentro do programa e isso foi um processo que fez o mundo inteiro se encaixar no modelo americano. E o conceito de “gestores do mundo”, por outro lado, associamos à definição que gestores deveriam entender que havia muitas formas de fazer as coisas no mundo (P.1).
A partir deste relato, fica claro que o IMPM nasceu e foi criado pela ideia, ao menos em teoria, de um programa que tenta desenvolver uma relação simétrica, ou menos assimétrica, entre países anglo-saxões e países emergentes, os quais “podem ser tão relevantes quanto os globais”. Por outro lado, deve ser considerado que, da perspectiva de poder que contempla a definição de dominação, nunca é fácil, ou mesmo possível, para os atores envolvidos na rede de relações internacionais manter a consciência e controle que garantirá interações menos assimétricas (Fleming & Spicer, 2014Fleming, P., & Spicer, A. (2014). Power in management and organization science.The Academy of Management Annals, 8(1), 237-298.).
Outro aspecto analisado nesta categoria diz respeito à escolha não de países, mas de cidades específicas para o estabelecimento de parcerias locais. De acordo com Held, MCgrew, Goldblatt e Perraton (1999Held, D., MCgrew, H., Goldblatt, D., & Perraton, J. (1999). Global transformations: politics, economics and culture. Cambridge, UK: Polity Press.), fenômenos observáveis que ocorrem em grandes cidades de países periféricos e centrais podem reduzir o nível de características locais, uma vez que cidades grandes experenciam uma aproximação e pasteurização, já que estão sujeitas à influência de hábitos globais.
Neste sentido, as intenções e preocupação do programa com a escolha dos locais, cidades e instituições parceiras para o estabelecimento de seu projeto de internacionalização pode ser compreendida a partir deste trecho de entrevista fornecida pelo Mintzberg:
Fui eu quem pressionei para Brasil e Rio. Eu disse São Paulo, não, eu não quero ir para São Paulo. Eu disse claramente: nós precisamos ir para o Rio. [...[ Se estivéssemos em São Paulo, nós teríamos muito mais do pensamento convencional de negócios que temos em todos os lugares. [...[ Nós estamos em Montreal, não em Toronto. Toronto é o centro de negócios. Nós estamos em Bangalore, o que reflete, em parte, a minha anti-establishment (contra a pré-estabelecida) visão de mundo também.
É, então, perceptível que um lugar se estende além do contexto de um país, ou de seu estereótipo cultural. Além do mais, aparentemente o IMPM considera esta questão em suas escolhas. Mintzberg deixou claro em seu relato que os lugares onde as parcerias foram estabelecidas são escolhidas de maneira consistente com os princípios que orientam o programa, isto é, com intenção de privilegiar sua visão heterodoxa de gestão. Isto é evidente quando ele expressa sua expectativa de encontrar no Rio de Janeiro as particularidades que se destacam do global ou pasteurizado contexto de gestão convencional. Este ponto reforça que, a princípio, e em teoria, o programa possui intenção de considerar mais fortemente as questões locais (Held et al., 1999Held, D., MCgrew, H., Goldblatt, D., & Perraton, J. (1999). Global transformations: politics, economics and culture. Cambridge, UK: Polity Press.; Santos, 2006Santos, B. S. (2006). Globalizations. Theory Culture Society, 23(2-3), 393-399.).
Em relação a possibilidade de estabelecer relações de poder menos assimétricas no seu processo de internacionalização, aqui está outra entrevista que afirma que:
[…[ Então, se você retomar o princípio, o programa foi desenhado por pessoas da McGill, INSEAD e Lancaster. Isto é, não havia absolutamente nenhum país emergente nisto [...[ Seja Índia, Brasil ou China, a ideia era que as diferenças culturais eram parte importante da valorização da gestão e da educação gerencial. Porém, as ideias centrais de como o programa foi originado realmente não possuiu uma visão muito sistemática destas economias emergentes (M.1).
Neste fragmento, é possível observar traços que o programa foi desenvolvido por acadêmicos de países centrais. Mesmo com intenção explícita de prover uma experiência equilibrada entre diversos lugares, esses formuladores iniciais lidaram, desde o princípio, com esta questão no sentido de experimentar as dificuldades de se manter ou não manter relações desequilibradas no setor de educação gerencial.
A introdução de países periféricos
Na análise da segunda categoria, a qual aborda a introdução de países periféricos na agenda do IMPM, nós buscamos entender como as pessoas envolvidas na internacionalização do programa descreveriam as atividades de planejamento e o seu processo de execução. Focamos nos processos relacionados às mudanças mais recentes ocorridas nos últimos quatro anos de parcerias com universidades, e especificamente o caso brasileiro.
Primeiramente, deve-se esclarecer que a maioria dos programas de mestrado internacional têm praticado o mesmo modelo em termos de processo de internacionalização e de escolhas de países emergentes através do estabelecimento de parcerias. Deste modo, o IMPM não pode ser considerado um pioneiro em sua proposta, ao menos em relação a sua atual posição, uma vez que três de seus cinco módulos operam no Brasil, China e Índia.
O relato de um membro do conselho administrativo da instituição parceira no Brasil recorda parte do histórico do processo de negociação, assim como sua percepção de condução desta negociação.
Eu acredito que instituições de ensino e universidades são organizações que se organizam a partir do caos, para processos emergentes e não planejados […[ esse processo deriva de quatro fatores: oportunidade, atores, problemas e soluções. E eu acredito que neste caso exatamente este padrão aconteceu (D.1).
O mesmo entrevistado comenta a questão do interesse do programa em estabelecer a parceria local, considerando que o IMPM é internacionalmente reconhecido como vinculado a instituições de países centrais, mas com um aparente discurso de interesse e respeito pelas características locais (Alcadipani, 2017Alcadipani, R. (2017). Reclaiming sociological reduction: Analysing the circulation of management education in the periphery. Management Learning, 48(5), 535-551.; Fleming & Spicer, 2007Fleming, P., & Spicer, A. (2007). Contesting the corporation: Struggle, power and resistance in organizations. Cambridge, UK: Cambridge University Press., 2014).
Eu tenho dúvidas de que eles estejam realmente tão interessados nas questões locais. Vamos por partes. Eu acho que o IMPM é um dos casos em questão, e existem outros programas, como EMBA, GEMBA e vários outros, mas na maioria deles, vejo isso como uma forma de criar um produto que seja interessante, funciona como um recurso de marketing e vende o produto. Ou seja, a realização dos módulos internacionais em diversos países, e no caso países emergentes, tem funcionado como atrativo (D.1).
Essa passagem pode ser contrastada com o testemunho de um líder do IMPM que relembra o estabelecimento das parcerias internacionais do programa, as mudanças que vieram com o tempo e suas razões para a inclinação progressiva para os países periféricos.
Acho que o mundo era muito diferente no início do programa: há 17 anos, quando o IMPM foi criado, o Japão e a Coréia do Sul eram participantes muito importantes no mundo, então a lógica dos cinco membros era em parte resultado de contatos e de quem eram percebidos como os atores dominantes no mundo. Então, surgiu a oportunidade quando duas escolas desistiram [...[ foi o caso do INSEAD na França e também dos sul-coreanos e japoneses.
[...[ O INSEAD teve uma mudança de conselho e uma estratégia diferente. Houve uma mudança política na situação na Coreia do Sul e a escola não foi autorizada a fazer o IMPM novamente. Definitivamente, precisávamos trazer novos países em rápido desenvolvimento. E, é claro, China e Brasil foram candidatos óbvios. Eles foram os dois candidatos mais óbvios devido à importância de seu rápido crescimento no mundo. E esta foi uma grande oportunidade para nós não apenas estarmos (ativos) no Norte, não apenas entre os ex-participantes dominantes, mas também trazendo dois novos membros com mentalidades totalmente diferentes (D.2).
Em primeiro lugar, esta afirmação chama a atenção para o fato de que Japão e França quiseram, espontaneamente, sair do programa por motivos diversos. A partir desse momento, o IMPM teve que buscar novas parcerias e parecia natural que a escolha fosse feita pelos países periféricos, especificamente China e Brasil. Ou seja, não houve identificação de um momento específico em que a gestão do IMPM parou e planejou deliberadamente a troca de parceiros ou identificou a necessidade de fazer essa mudança com a intenção premeditada de escolher novos e específicos parceiros (Held et al., 1999Held, D., MCgrew, H., Goldblatt, D., & Perraton, J. (1999). Global transformations: politics, economics and culture. Cambridge, UK: Polity Press.; Zadja, 2005).
Em segundo lugar, o fato de o entrevistado expressar explicitamente que trazer mais dois sócios, que não faziam parte do bloco de atores dominantes - Brasil e China - seria mais adequado aos conceitos e propósitos do programa de expandir mentes e trazer elementos de gestão local. Esperava-se que, desta forma, fosse possível agregar conhecimentos locais ao tema, de forma a enriquecer a experiência de todos os envolvidos, incluindo docentes, participantes e organizações.
No entanto, um fato relevante também deve ser observado. Embora muito se tenha falado sobre a necessidade de manter e respeitar os traços locais em uma relação de poder menos assimétrica, verificou-se que a troca de parceiros internacionais ao longo de quase vinte anos não resultou em uma mudança no mindset de cada módulo do IMPM. Por exemplo, quando a França foi trocada pelo Brasil, isso significou a mudança de mindset deste módulo. Portanto, se a intenção do programa em seu processo de internacionalização era enfatizar experiências locais, tanto em termos culturais quanto em termos de gestão do conhecimento, parece improvável que países tão distintos como França e Brasil pudessem ser acomodados naturalmente dentro da mesma perspectiva (em neste caso, o mindset relacionada à ‘ação’). Da mesma forma, a mudança do Japão para a China poderia ter sido questionada quanto à continuidade do mindset de “colaboração”.
De fato, seria possível questionar por que o eixo central dos mindsets por mais de vinte anos foi mantido: Reino Unido/reflexão e Canadá/análise de um lado, e Índia/visão de mundo do outro. É preciso também perguntar se, nessa continuidade, não está implícita uma divisão internacional na produção de conhecimento, na qual o centro produz ciência, enquanto a periferia produz cultura (Mignolo, 2011Mignolo, W. D. (2011). The Global South and World Dis/Order. Journal of Anthropological Research, 67(2), 165-88., 2017). Ora, reflexão e análise estão centralmente ligadas à produção de conhecimento e, dentro dessa lógica, ao manter a produção de ciência no mundo anglo-saxão, não faria diferença se outra parte do globo aprenderia um pouco da cultura local com o mindset de ‘visão de mundo’, ‘colaboração’ e ‘ação’. Em outras palavras, a própria alocação de mindsets seria contrária à lógica de construir o IMPM como um programa de mestrado diferenciado do mainstream anglo-saxão.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo deste artigo é verificar como se deu a estratégia de internacionalização do IMPM, mestrado internacional de Henry Mintzberg, e, dentro desse processo, analisar como se deu a construção da parceria entre o IMPM e uma IES brasileira em 2012. Nesse sentido, buscamos compreender a educação como um ato geopolítico. No entanto, ao adotar essa abordagem, devemos também considerar que a educação, como tem sido praticada nas últimas décadas, está situada em um sistema que opera com base em uma relação de poder desigual dentro da divisão centro-periferia.
Assim, ao contemplar este cenário, precisamos considerar como a globalização teve um impacto problemático na educação gerencial, focando nas mudanças contemporâneas do contexto internacional que levaram à introdução de países periféricos como Índia, China e Brasil na agenda do IMPM. Para tanto, é imprescindível verificar se os módulos locais de educação nesses países contam com sistemas educacionais próprios, capazes de criar e respeitar padrões locais, ao invés de apenas importar aqueles já estabelecidos e impostos pelos países centrais.
Nosso estudo permitiu concluir que os países periféricos, que hoje fazem parte do IMPM, e principalmente o Brasil, não optaram por participar do programa. Na verdade, eles foram “escolhidos” pela liderança do programa, composta por países centrais. Assim, mais uma vez selecionado ou convidado, foi possível perceber que houve uma repetição de um padrão, seguido pelo mercado internacional de educação que domina o setor, e que impõe o mesmo modelo de dominação e assimetria presente nas relações entre as nações de lados opostos da divisão centro-periferia.
Também se argumentou que o fato de o programa ter trocado parceiros - França pelo Brasil e Japão pela China - sem ter mudado os modelos mentais pode ser considerado um sinal de que não é tão simples praticar seu próprio discurso heterodoxo. Ou seja, o IMPM pode não estar tão preocupado quanto afirma estar com as questões locais dos países com os quais desenvolve suas relações institucionais.
Além disso, os resultados apresentados refletem que, mesmo quando se trata de um mestrado internacional, um discurso diferenciado em termos de posicionamento ideológico e formação gerencial cumpre uma agenda imposta pela hegemonia acadêmica americana e eurocêntrica, no sentido de favorecer os interesses dos países centrais em detrimento dos países menos desenvolvidos ou “periféricos”. Afinal, de acordo com a lógica imposta pelos próprios países centrais, cabe a eles produzir conhecimento, e aos periféricos produzir cultura e folclore.
Esperamos que a consideração dos fenômenos de internacionalização dos programas de educação gerencial, a partir de uma perspectiva crítica, possa amplificar as vozes dos países periféricos e proporcionar um melhor equilíbrio entre a produção e o consumo do conhecimento gerencial no cenário mundial contemporâneo. É necessário trabalhar na perspectiva de um movimento mais dialógico entre centro e periferia, onde não só sejam considerados os aspectos culturais desses países, mas também sua produção de conhecimento.
Assim, a principal contribuição deste trabalho está centrada em proporcionar uma visão crítica e reflexiva deste fenômeno, trazendo questões correspondentes para futuras pesquisas em educação gerencial, em um cenário que pode ir além do que é simplesmente global para ser verdadeiramente um painel de conhecimento em múltiplos países.
Da mesma forma, é importante reforçar que é preciso refletir sobre a expansão e internacionalização de instituições e organizações que desenvolvem e disseminam sistemas de conhecimento em todo o mundo. Este corpo de agentes, como universidades, think tanks, institutos de pesquisa e outros, são responsáveis não só por produzir o conhecimento dominante, mas também por legitimá-lo e divulgá-lo, especialmente quando não são observados os fatores críticos e as adaptações dessas questões.
De acordo com esse padrão, percebe-se que é por meio do processo de globalização e das relações assimétricas que se desenvolvem nos dois lados da divisão centro-periferia que o padrão de consumo do conhecimento dominante é modelado, criando-se praticamente um modelo de colonização epistêmica. Da periferia do Brasil, gostaríamos de enfatizar as leis de redução sociológica nas descobertas de CGO em ambos os lados da divisão centro-periferia: todo conhecimento estrangeiro é subsidiário, e deve ser sociologicamente reduzido antes que possa ser aplicado para investigar a realidade local. Isso é válido, não importa de que lado da divisão você esteja.
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[Versão traduzida[
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
24 Jan 2022 -
Data do Fascículo
Sep-Dec 2021
Histórico
-
Recebido
29 Jul 2020 -
Aceito
18 Dez 2020