Resumo
O carvão vegetal proveniente de florestas plantadas é uma fonte de energia renovável utilizada na siderurgia do Brasil, todavia, em sua produção há liberação do gás de pirólise, que pode ser considerado um gás com baixo poder calorífico inferior. A sustentabilidade da produção de carvão vegetal tem demandado a queima destes gases, podendo ser, inclusive, uma condicionante ambiental. Neste artigo foi avaliado o desempenho de diferentes dispositivos de mistura para câmara de queima, sistema que permite mitigar os impactos ambientais decorrentes da carbonização, assim como o possível aproveitamento da energia térmica na secagem da madeira e geração de energia elétrica. Um sistema de queima de gases existente foi utilizado como referência, sendo determinados a composição, vazão dos gases e temperaturas de trabalho para calibração de modelo em dinâmica dos fluidos computacional. O modelo utilizado consiste nas equações diferenciais de conservação de massa, quantidade de movimento, energia e de espécies químicas, sendo empregado nos estudos de otimização de diferentes dispositivos de mistura. Dentre os dispositivos estudados (AC), o AC5 apresentou-se mais eficiente quanto ao aproveitamento do volume físico da câmara, tendo menor porcentagem de zona morta, representando ganho de 5% no tempo de residência, quando comparado ao AC1, dispositivo usado sistema de referência. Verificou-se por meio das distribuições espaciais da fração de volume de CO e O2, e das linhas de corrente, que os dispositivos de mistura internos são fundamentais para uma melhor mistura entre o combustível e o comburente e, consequentemente, produzir queima de gases com melhor qualidade.
Palavras-chave:
Biomassa; Carvão vegetal; Emissões atmosféricas; Condicionantes ambientais
Abstract
Charcoal from planted forest represents a renewable energy source used by steelmaking in Brazil. However, the pyrolysis gas released from carbonization is characterized by a low lower heating value. The sustainability of charcoal production has demanded the combustion of pyrolysis gas, which can represent an environmental constraint. In this paper, different mixing devices were evaluated for a combustion chamber, a system that allows mitigating the environmental impacts of carbonization, use of thermal energy in the wood drying and electric power generation. An existent combustion system was analyzed and used as a reference to calibrate a computational fluid dynamics model. The input data for the model were gas composition, gas flow rate and its temperature. The model considers the differential equations of mass, momentum, energy and chemical species conservation, and it was used for the study of different mixing devices for gas burning. Among the devices studied (AC), the AC5 was more effective in the use of the entire chamber volume, resulting in a lower dead zone percentage and a longer residence time of gases (5% more), when compared to the device used in the reference system. The volume fraction of CO and O2 distribution and flow streamlines into the combustion chamber allows concluding that internal mixing devices are necessary for a better mixture between fuel and oxidizer and, consequently, to produce gas combustion with better quality.
Keyword:
Biomass; Charcoal; Atmospheric emissions; Environmental constraints
Introdução
Em 2050, a demanda por energia térmica e elétrica terá incremento de 50% se forem mantidos os níveis atuais de consumo (SILVA, 2015SILVA, J. G. Addressing food security challenges under increasing demand for land, soil and energy. In: GLOBAL FORUM FOR FOOD AND AGRICULTURE, 2015, Berlin. [Proceedings]… Berlin: BML, 2015. Disponível em: http://www.fao.org/about/who-we-are/director-gen/faodg statements/ detail/en/c/275129
/. Acesso em: 11 nov. 2016.
http://www.fao.org/about/who-we-are/dire...
). As reservas de combustíveis fósseis são consideradas finitas e com grande impacto ambiental, assim é necessário o aproveitamento racional e integral dos recursos energéticos disponíveis, sejam esses renováveis ou não. Neste cenário, a biomassa florestal tem papel promissor por ser uma fonte de energia capaz de fixar carbono, renovável e geradora de empregos.
O carvão vegetal, oriundo da biomassa florestal, se diferencia de outros combustíveis sólidos à base de biomassa por ser estável e apresentar elevado teor de carbono fixo (THAKKAR et al., 2016THAKKAR, J. et al. Energy balance and greenhouse gas emissions from the production and sequestration of charcoal from agricultural residues. Renewable Energy, Amsterdam, v. 94, p. 558-567, 2016.). Esse insumo é considerado um dos mais importantes da indústria siderúrgica nacional. Em 2017, destaca-se que mais de 120 indústrias utilizaram o carvão vegetal no processo de produção de ferro-gusa, totalizando em um consumo interno de 4,5 milhões de toneladas (INDÚSTRIA BRASILEIRA DE ÁRVORES, 2017INDÚSTRIA BRASILEIRA DE ÁRVORES. Relatório Estatístico 2017. São Paulo, 2017. Disponível em: https://iba.org/images/shared/Biblioteca/IBA_RelatorioAnual2017.pdf
. Acesso em: 19 out. 2018.
https://iba.org/images/shared/Biblioteca...
). A mesma publicação reporta que, para cada tonelada de ferro produzida com carvão vegetal proveniente de florestas plantadas, há um ganho ambiental de aproximadamente três toneladas de dióxido de carbono (CO2), em comparação ao uso de fontes fósseis ou não renováveis.
Nos últimos anos, as empresas siderúrgicas a carvão vegetal estão aumentando a eficiência do processo de carbonização da madeira e do processo industrial com a finalidade de aprimorar a sustentabilidade do setor. Os maiores desafios na produção nacional do carvão vegetal estão relacionados à tecnologia empregada na sua produção (PEREIRA, 2016PEREIRA, E. G. et al. Pyrolysis gases burners: Sustainability for integrated production of charcoal, heat and electricity. Renewable and Sustainable Energy Reviews, Amsterdam, v. 75, p. 592-600, 2016. ), visto que a maior parcela do carvão vegetal produzido é proveniente de fornos rudimentares considerados “artesanais” de baixo rendimento e, em algumas das vezes, sem controle de emissões atmosféricas (CARDOSO et al., 2010CARDOSO, M. T. et al. Construção de um sistema de queima de gases da carbonização para redução da emissão de poluentes. Cerne, Lavras, v. 16, supl, p. 115-127, 2010.).
Na carbonização são gerados compostos não condensáveis, dentre os quais se destacam os gases metano (CH4), dióxido de carbono (CO2), monóxido de carbono (CO), hidrogênio (H2) e outros hidrocarbonetos leves (BRITO, 1990BRITO, J. O. Princípios de produção e utilização de carvão vegetal de madeira. Documentos Florestais, Piracicaba, v. 9, p. 1-19, 1990.), que compreendem em gases passíveis de serem queimados. Esses gases podem ser queimados e a energia gerada pode ser aproveitada para a secagem da madeira a ser introduzida nos fornos e para geração de energia elétrica. O dimensionamento adequado de queimadores para esses gases deve considerar, além das características construtivas, melhor controle da carbonização e também o aproveitamento da energia térmica gerada na queima (GOMES, 2014GOMES, A. F. et al. Desempenho de uma câmara para a combustão de gases provenientes do processo de carbonização da madeira. In: FÓRUM SOBRE CARVÃO VEGETAL, 3., 2014, Belo Horizonte. [Anais]... [S. l.]: Sociedade de Investigações Florestais, 2014. CD-ROM.). Neste contexto, este trabalho teve por objetivo realizar um estudo de simulação utilizando a técnica de dinâmica dos fluidos computacional (CFD - Computational Fluid Dynamics) para analisar os efeitos de diferentes configurações de dispositivos de mistura em câmara de combustão para gases de carbonização. Por meio da aplicação deste modelo, as características hidrodinâmicas na câmara foram quantificadas, em especial a perda de carga, vazão e temperatura do escoamento de gás, e o decorrente tempo de residência.
Material e métodos
Os dados experimentais foram coletados em uma planta de carbonização de uma empresa do setor florestal na região do município de Três Marias, Estado de Minas Gerais (18°12’21.5”S 45°13’53.0”W). Os fornos utilizados para carbonização têm dimensões de 4,5 m de altura, 26 m de comprimento e 1,27 m de flecha, e produção média de 18 m3 de carvão. O processo tem duração média de 12 dias, com 4 dias de pirólise e 8 de resfriamento. Nesses fornos, a pirólise é conduzida seguindo uma curva de carbonização caracterizada por uma temperatura final de 420oC. A lenha utilizada para a carbonização nesses fornos foi obtida de híbridos de Eucalyptus urophylla x Eucalyptus camaldulensis provenientes do mesmo talhão, cortados na mesma época e com secagem preliminar no campo com duração média de 4 meses, sendo enfornada com umidade média de 30% b.s.
O estudo foi dividido em três partes. Na primeira parte foram coletados dados experimentais de composição de gases, vazões, temperaturas e pressão estática em um sistema de referência (Figura 1 D). Na segunda parte, esses dados foram utilizados para validar um modelo de combustão desenvolvido em estudos anteriores para um queimador metálico de gases de carbonização (COELHO, 2013COELHO, M. P. Desenvolvimento de metodologia para o dimensionamento de câmaras de combustão para gases oriundos do processo de carbonização de madeira. 2013. Tese (Doutorado em Engenharia Agrícola) - Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, MG, 2013.). Com o modelo validado, foram realizados os estudos de otimização da câmara de combustão para os gases de carbonização.
Sistema de referência, composta por (A) dois fornos de carbonização interligados a uma câmara de combustão e chaminé. Detalhe da (B) câmara de combustão e (C) ponto de medida de vazão e composição de gases de emissão da câmara, a 2/3 da altura da chaminé. Em (D) esquema dos pontos de coleta: gases de envio no duto à esquerda P1, à direita P2; ponto de pressão estática P3; e gás de emissão a 2/3 da altura da chaminé P4.
Figure 1
Reference system, composed of (A) two kilns interconnected to a combustion chamber and chimney. Detail of the (B) combustion chamber and (C) measurement point of flow and composition of gases of emission of the chamber, at 2/3 of the height of the chimney. In (D) scheme of the collection points: pyrolysis gases in the left pipeline P1, in the right P2; static pressure point P3; and emission gas at 2/3 of the height of the chimney P4.
A câmara de combustão da referida planta foi utilizada como sistema de referência. Essa câmara de combustão recebe toda a emissão gasosa de dois fornos de carbonização, sendo Forno número 1 e 2, como mostrado nas Figuras 1 A e 1D). As medições experimentais no sistema de referência tiveram duração de uma semana, incluindo a queima dos gases da carbonização emitidos de dois fornos, com atraso de ignição de um dia entre eles, seguindo a operação padrão preconizada pela unidade de produção. Amostras para composição dos gases foram coletadas com sondas de 0,01 m de diâmetro interno nos dois dutos que ligam os fornos a câmara de queima, e na chaminé, a 2/3 de sua altura (Figura 1 D ), conforme recomendado pela Norma CETESB L9.221/1990 (COMPANHIA AMBIENTAL DO ESTADO DE SÃO PAULO, 1990COMPANHIA AMBIENTAL DO ESTADO DE SÃO PAULO. Dutos e chaminés de fontes estacionárias - determinação dos pontos de amostragem: procedimento, L9.221. São Paulo, 1990.). A corrente gasosa amostrada foi resfriada a 4°C para a remoção e quantificação de condensados e em seguida conduzida a 3 colunas contendo etanol 70 % (v/v), carvão ativado e sílica gel, respectivamente, para remoção de alcatrão, vapor de etanol e traços de umidade. Após a purificação da amostra gasosa, sua composição foi quantificada por analisadores de gás (Gasboard 3000 e 3100, Wuhan Cubisc, China) previamente calibrados, e correspondem aos gases da carbonização e emissão do queimador. Obtiveram-se então as concentrações de monóxido de carbono (CO), dióxido de carbono (CO2), metano (CH4), gás hidrogênio (H2) e hidrocarbonetos (CnHm), em base seca.
As temperaturas e pressões das correntes gasosas que entram e saem da câmara de queima (Figura 1 D ) foram medidas com sonda termopar tipo K de 50 cm, em inox do tipo agulha, com micromanômetro digital (HD 350, Extech Instruments, EUA), respectivamente. O tempo de residência do gás no sistema de referência foi obtido a partir do volume físico da câmara e da vazão volumétrica, calculada a partir da velocidade dos gases medidos com um tubo de Pitot tipo S e micromanômetro digital (HD 350, Extech Instruments, EUA), à 2/3 da altura da chaminé (Figuras 1 C e 1D). A vazão de ar suplementar que entra na câmara de combustão foi quantificada por meio das medidas de velocidades nas aberturas de entrada obtidas com um anemômetro de pás rotativas (TAD 500, Instrutherm, Brasil). Após a coleta de dados, os estudos de modelagem, simulação e otimização foram realizados no Laboratório de Biocombustíveis (20°46’14.0”S 42°52’24.6”W) do Departamento de Engenharia Agrícola da Universidade Federal de Viçosa.
O Poder Calorífico Inferior (PCI) foi determinado a partir da composição química dos gases de carbonização:
em que: PCS = poder calorífico superior (J kg-1); xi = fração em massa do componente i; PCSi = poder calorífico superior do componente i (J kg-1); qa = quantidade de calor referente à condensação do vapor de água (J); ma.c. = massa de água contida na corrente gasosa (kg); ma.g. = massa de água gerada na queima (kg); L = calor latente de vaporização da água (2451,82 kJ kg-1).
Para a validação do modelo, os dados experimentais foram confrontados com as respostas de um modelo computacional em CFD (Computational Fluid Dynamics) desenvolvido e implementado pelo Laboratório de Biocombustíveis da Universidade Federal de Viçosa (COELHO, 2013COELHO, M. P. Desenvolvimento de metodologia para o dimensionamento de câmaras de combustão para gases oriundos do processo de carbonização de madeira. 2013. Tese (Doutorado em Engenharia Agrícola) - Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, MG, 2013.). Esta etapa permite confirmar se o modelo desenvolvido é, de fato, capaz de predizer as vazões e campos de temperatura, pressão e composição de gases na câmara de queima.
Após a etapa de validação do modelo, os estudos de otimização da câmara de combustão foram efetuados para cinco diferentes dispositivos de mistura (AC, Figura 2), considerando uma mesma condição de operação. O processo de simulação requer a discretização do domínio por uma malha computacional, que consistiu na construção de um modelo geométrico discreto que representa um modelo físico, nesse caso, a câmara de combustão. O programa computacional Ansys® CFX (Versão 11 sp1) foi empregado para resolver o conjunto de equações diferenciais parciais que representam os fenômenos de transporte de massa, quantidade de movimento, energia e conservação das espécies químicas.
Esquema dos dispositivos de misturas estudados: (A) AC1, (B) AC2, (C) AC3, (D) AC4 e (E) AC5.
Figure 2
Scheme of the mixtures devices studied: (A) AC1, (B) AC2, (C) AC3, (D) AC4 and (E) AC5.
Após a simulação, o volume no interior da câmara com velocidades nulas foi calculado, o que permite determinar a porcentagem de zonas mortas em relação ao volume físico da câmara. Por conseguinte, o tempo de residência real dos gases foi calculado pela razão entre o volume útil, desconsiderando as zonas mortas, e a vazão volumétrica dos gases. O tempo de residência real foi comparado com o tempo de residência teórico do sistema, definido como a razão entre o volume interno da câmara da combustão (17,7 m3) e as vazões de entrada (gás de pirólise e ar suplementar):
em que: t = tempo de residência teórico do sistema (s); tr = tempo de residência real do sistema (s); V = volume interno da câmara de combustão (17,7 m3); Vzm = volume representado por regiões de zonas mortas (m3); Q = vazão volumétrica de entrada (gás de pirólise e ar suplementar) (m3 s-1).
Resultados e discussão
Análise experimental da câmara de combustão
As análises do gás de pirólise ao longo da carbonização evidenciaram uma significativa variação em sua composição (Figura 3), que é inerente ao processo.
Segundo Pereira (2016PEREIRA, E. G. et al. Pyrolysis gases burners: Sustainability for integrated production of charcoal, heat and electricity. Renewable and Sustainable Energy Reviews, Amsterdam, v. 75, p. 592-600, 2016. ), a estabilidade das câmaras de queima de gases para a geração de calor e energia elétrica depende do sincronismo dos fornos. Em um cenário com diversos fornos operando em fases distintas da carbonização (secagem e pirólise), a composição da mistura gasosa tende ao valor médio temporal. Cardoso (2010CARDOSO, M. T. et al. Construção de um sistema de queima de gases da carbonização para redução da emissão de poluentes. Cerne, Lavras, v. 16, supl, p. 115-127, 2010.) concluiu que, ao ligar mais fornos em sincronismo, foi possível manter a câmara constantemente acessa, apenas com os gases da carbonização. Assim, visando definir a composição de entrada do gás na junção dos dois fornos em diferentes estágios de carbonização, optou-se por se trabalhar na otimização da câmara com a composição média ao longo do processo (Figura 4).
Composição volumétrica (% v/v b.s.) dos gases de pirólise ao longo do processo de carbonização para o sistema de referência.
Figure 3
Volumetric composition (% v/v d.b.) of the pyrolysis gases throughout the carbonization process for the reference system.
Composição em volume (% v/v, b.u.) média dos gases de pirólise ao longo do processo de carbonização para o sistema de referência.
Figure 4
Average volume percent composition (% v/v, w.b.) of the pyrolysis gases throughout the carbonization process for the reference system.
A partir da composição média do gás de pirólise em base úmida (Figura 4), o poder calorífico superior (PCS) foi calculado pela equação 2 como 2667,7 kJ kg-1. A partir dos valores da massa de água contida na corrente gasosa e gerada no processo, o calor necessário para sua evaporação (equação 3) foi de 280,7 kJ kg-1 (67,1 kcal kg-1), resultando assim em um PCI de 2,89 MJ Nm-3, calculado pela equação 1 (570,48 kcal kg-1, ou 2,39 MJ kg-1). Segundo Villetta et al. (2017VILLETTA, M. L. et al. Modelling approaches to biomass gasification: a review with emphasis on the stoichiometric method. Renewable and Sustainable Energy Reviews , Amsterdam, v. 74, p. 71-88, 2017.), para gaseificação com fluxo descendente de madeiras comerciais, com baixas umidades, obtêm-se PCIs médios entre 5,0 e 5,9 MJ Nm-3. Chohfi (2008CHOHFI, R. M. Discussion of the routes and potential for dimethyl ether production from the biomass available in the sugarcane value chain. Energy for Sustainable Development, Amsterdam, v. 12, p. 62-64, 2008.) estudou a gaseificação de biomassa de cana-de-açúcar para obtenção de éter dimetílico (Dimethyl ether, DME) cujo valor encontrado para o PCI foi de 28,8 MJ kg-1. Para gaseificação de resíduos sólidos urbanos, Luz et al. (2015LUZ, F. C. et al. Techno-economic analysis of municipal solid waste gasification for electricity generation in Brazil. Energy Conversion and Management, Amsterdã, v. 103, p. 321-337, 2015. ) encontraram PCI de 3,17 MJ kg-1. Comparando o PCI do gás de pirólise com outros combustíveis gasosos, tais como o gás liquefeito de petróleo de 54,3 MJ Nm-3 (CHOHFI, 2008CHOHFI, R. M. Discussion of the routes and potential for dimethyl ether production from the biomass available in the sugarcane value chain. Energy for Sustainable Development, Amsterdam, v. 12, p. 62-64, 2008.), pode-se considerar os gases emitidos na carbonização da madeira como um gás com baixa densidade energética para a combustão.
As vazões em massa de entrada medidas no sistema de referência foram iguais a 0,626 kg s-1 e 0,502 kg s-1, para o gás de pirólise e ar auxiliar para a queima, respectivamente. Com os dados de vazão e volume da câmara, o tempo de residência foi calculado como 2,85 segundos. Esse parâmetro tem influência na degradação do poluente, sendo que para um tempo de residência inferior a 1 segundo decorre em combustão incompleta, emitindo uma maior fração de monóxido de carbono (LIU; WANG; XU, 2015LIU, B.; WANG, Y. H.; XU, H . Mild combustion in forward flow furnace of refinery-off gas for low-emissions by deflector. Applied Thermal Engineering, Amsterdam, v. 91, p. 1048-1058, 2015.). Porém, valores elevados desse parâmetro resultam em maior volume de câmara e, por conseguinte maior superfície de troca térmica com o ambiente, diminuindo a temperatura de operação e dificultando sua inflamabilidade.
A Resolução Conama nº 316 de 29 de outubro de 2002 (CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE, 2002CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE (Brasil). Resolução CONAMA nº 316, de 23 de outubro de 2002. 2002. Disponível em: http://www.mma.gov.br /port/conama/legiabre.cfm?codlegi=338
. Acesso em: 11 nov. 2016.
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) dispõe sobre procedimentos e critérios para o funcionamento de sistemas de tratamento térmico de resíduos. Segundo a resolução, câmaras de combustão com temperatura mínima de 800ºC devem operar com tempo de residência superior a 1 s. Destaca-se que a resolução abrange os gases gerados no tratamento térmico de resíduos hospitalares e industriais, não englobando de forma explícita os gases de pirólise. No entanto, na ausência de uma normatização específica, essa resolução foi utilizada como critério, sendo o tempo de residência teórico calculado para o sistema de referência (2,85 s) adequado.
Estudo de simulação computacional
Em sistema de exaustão por tiragem natural, a perda de carga associada à câmara de queima é um parâmetro fundamental para o dimensionamento da altura de chaminé. Uma perda de carga elevada no sistema resultará em uma maior altura necessária para a exaustão dos gases, para uma mesma temperatura de operação. A pressão estática média medida no ponto P3 (Figura 1 D ) foi de -43,09±8,29 Pa (-4,39 mmca), enquanto o valor obtido na simulação foi de -56,27 Pa (-5,74 mmca). A diferença entre os valores pode estar relacionada à temperatura na base da chaminé, dado seu efeito sobre a força de empuxo responsável pela exaustão dos gases. Nos estudos de simulação, a temperatura de operação da câmara de queima foi constante, enquanto no sistema de referência existe variação em função do processo de carbonização e operação da câmara (Figura 5). Interessantemente, quando a temperatura de saída se aproxima dos 947°C, valor obtido pela simulação, a pressão estática assume valores mais próximos (Figura 5), o que corrobora a predição dos campos de pressão do modelo empregado.
Uma das variáveis na operação do sistema de referência foi a distribuição das entradas de ar complementar. A fração em volume e as vazões de entrada, assim como a distribuição de entradas de ar complementar medidas no sistema de referência foram utilizadas como condições de contorno de entrada nas simulações em CFD, para um momento preestabelecido do processo de carbonização. A comparação entre os valores medidos no sistema de referência (SR) para o instante referente a 2,5 dias de carbonização e obtidos pela simulação computacional é apresentada na Tabela 1.
Variação da pressão estática (Pa) e temperatura de saída (°C) durante a carbonização.
Figure 5
Variation of static pressure (Pa) and outlet temperature (°C) during carbonization..
Concentração em volume (% v/v, b.u.), temperatura e vazão de saída dos gases de emissão no sistema de referência, no instante referente a 2,5 dias de carbonização, e obtidas pelo modelo em CFD.
Table 1
Volume concentration (% v/v, w.b.), temperature and flow rate of gases in the reference system, at the instant referring to 2.5 days of carbonization, and obtained by the CFD model.
O modelo empregado foi assertivo para a vazão de saída, concentração de N2 e condensáveis (Tabela 1). Para as concentrações de O2 e CO2 houve diferenças que são justificadas pelas eficiências de destruição de CH4 e CO, que diferiram no modelo proposto, sendo verificado que 79% e 97% do CH4 e CO, respectivamente, foi queimado na câmara de combustão, enquanto na simulação restaram apenas traços destes gases. As temperaturas na saída da câmara de combustão para o SR (947°C) foi menor em comparação a simulação (1102°C), contudo, para as temperaturas a 2/3 da chaminé, a temperatura do SR (760°C) foi superior ao valor obtido pela simulação em CFD (640°C).
Verificou-se que a temperatura da câmara está adequada e que tanto a concentração de O2 quanto o tempo de residência são suficientes para uma queima completa desses gases (CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE, 2002CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE (Brasil). Resolução CONAMA nº 316, de 23 de outubro de 2002. 2002. Disponível em: http://www.mma.gov.br /port/conama/legiabre.cfm?codlegi=338
. Acesso em: 11 nov. 2016.
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). Por conseguinte, sugere-se que a destruição parcial de CH4 e CO, assim como o valor inferior de temperatura na saída da câmara observado no sistema de referência (Tabela 1), sejam decorrentes de uma mistura ineficiente entre os gases combustíveis e o comburente na câmara.
Na operação do sistema de referência, preconizada pela unidade de produção, predominou a admissão de ar completar nas entradas de ar correspondentes ao duto de diluição, visando reduzir a temperatura dos gases na chaminé, aumentando assim sua vida útil. Todavia, para a queima do gás de pirólise esta configuração não é a ideal, pois a escassez de comburente na câmara afeta diretamente a eficiência da combustão, e propicia que parte da queima ocorra no próprio duto de diluição, que atua como um prolongamento da câmara, função para a qual não foi projetado. Desta forma, para uma otimização na operação do queimador faz-se necessária a predominância da admissão do ar complementar nas entradas da câmara de combustão.
Após o estudo no sistema de referência (Figura 1), um conjunto de simulações computacionais foi realizado para os dispositivos de mistura apresentados na Figura 2, com a admissão de ar complementar exclusivamente na câmara e ajustada para um excesso de ar menor. Esse ajuste na concentração de ar resulta em maior eficiência na geração de energia térmica (calor), pois não se utiliza energia de combustão para o aquecimento de gases inertes, sobretudo nitrogênio. Na Tabela 2 são apresentados os principais parâmetros de desempenho obtidos nas simulações para os diferentes dispositivos de mistura (AC).
De forma geral, todos os dispositivos de mistura investigados indicam que a formação das zonas mortas representa em média 33,5% do volume físico da câmara, tendo redução de 0,72±0,06 s no tempo de residência dos gases, quando comparado à utilização total do volume da câmara. Todavia, todos os sistemas se apresentaram adequados perante a Resolução Conama nº 316 (CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE, 2002CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE (Brasil). Resolução CONAMA nº 316, de 23 de outubro de 2002. 2002. Disponível em: http://www.mma.gov.br /port/conama/legiabre.cfm?codlegi=338
. Acesso em: 11 nov. 2016.
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).
Comparação entre os dispositivos de mistura estudados, com a renderização da composição em volume de CO e O2, e variação da temperatura ao longo da linha de corrente.
Figure 6
Comparison between the studied mixing devices, with the rendering of volumetric composition of CO and O2, and temperature variation along the streamline.
Alternativamente, a Norma ABNT NBR 11175 (1990ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 11175: Incineração de resíduos sólidos perigosos - Padrões de desempenho. Rio de Janeiro, 1990.) para sistemas operando sem teste de queima, preconiza que a temperatura de saída dos gases na pós-combustão deve ser superior a 1200ºC, com concentração mínima de oxigênio de 7% (v/v, b.s.), e tempo de residência mínimo de 2 s. Referente ao excesso de O2, em todas as configurações estudadas os teores atendem à norma, todavia, devido aos valores inferiores de tempo de residência real e temperatura na pós-combustão, a operação do queimador não dispensariam o teste de queima. No entanto, destaca-se que a ABNT NBR 11175 (1990ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 11175: Incineração de resíduos sólidos perigosos - Padrões de desempenho. Rio de Janeiro, 1990.) dispõe sobre os padrões de desempenho de sistemas de incineração de resíduos perigosos, sendo excessivamente restritiva quando aplicada ao gás de pirólise, não caracterizado como perigoso.
Conforme apresentado na Tabela 2, a configuração do dispositivo AC5 apresentou menor formação de zonas mortas e, por consequência, um maior tempo de residência real por não possuir uma estrutura de mistura, que envolve superfícies e camadas limites. O dispositivo de mistura AC1 apresentou temperatura média na câmara (1142°C) próxima aos demais (1131±6°C), assim como a temperatura máxima (1469°C) em relação aos outros sistemas (1479±9°C). Assim, verifica-se que o sistema AC1 apresenta uma distribuição de temperatura térmica adequada no interior da câmara de combustão, uma vez que a temperatura média (1142°C) e máxima (1469°C) são próximas. De forma contrária, verificou-se que sistema AC5 apresenta temperatura máxima (1498°C) superior aos demais (1479±9°C) apesar de não possuir a maior temperatura média (1129°C), apresentando assim uma distribuição de temperaturas menos uniforme, quando comparada ao AC1. Esta distribuição decorre da admissão de ar complementar que não proporcionou a mistura eficiente entre combustível e comburente, como pode ser observado na Figura 6 (fração volumétrica de O2, AC5) como uma evidente região com alta concentração do comburente.
O escoamento no sistema AC2 resultou em menor perda de carga para o sistema de queima (Tabela 2), contudo, esta variação é de apenas 0,52% em relação à maior perda de carga dentre os dispositivos, sendo assim, a variação da perda de carga não foi expressiva dentre os sistemas de mistura estudados. No entanto, pode ser verificado por meio das distribuições espaciais da fração em volume de CO e O2, e das linhas de corrente (Figura 6) que os elementos de mistura internos (AC1 a AC5) são fundamentais para uma melhor mistura entre o combustível e o comburente e, consequentemente, produzir queima de gases com melhor qualidade.
Conclusões
O sistema de referência investigado nesse trabalho, que consistiu em uma câmara de combustão para a emissão conjunta de dois fornos de carbonização retangulares de alvenaria, apresentou características hidrodinâmicas e térmicas como temperatura e tempo de residência adequados para a queima do gás de pirólise.
Dentre os dispositivos estudados, o modelo com entradas sobrepostas de seção circular AC5 apresentou-se mais eficiente quanto ao aproveitamento do volume físico da câmara, tendo menor porcentagem de zona morta, representando ganho de 5% no tempo de residência, relativo ao dispositivo usado na câmara de combustão investigada. Apesar do gás de carbonização apresentar baixo poder calorífico superior, todos os dispositivos de mistura foram efetivos para a queima da fração combustível emitida pelos fornos de carbonização.
A variação de perda de carga do sistema de queima não foi expressiva dentre os dispositivos estudados, o que permite concluir que os elementos internos de mistura não geram perda de carga significativa. No entanto, conclui-se que esses elementos internos resultam em melhor mistura entre o combustível e comburente, e resulta em queima com temperatura mais uniforme na câmara.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
30 Set 2019 -
Data do Fascículo
Apr-Jun 2019
Histórico
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Recebido
17 Maio 2017 -
Aceito
31 Out 2018 -
Publicado
30 Jun 2019