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O conjunto de ideias de Ciência e a circulação de ideias na formação inicial de pedagogos

The concept of Science and the circulation of ideas in the early training of educators

Resumo:

O tráfego de ideias não ocorre de forma homogênea. Ele flui por meio da comunicação intracoletiva e intercoletiva, considerando os círculos esotérico e exotérico. Nesse sentido, buscou-se compreender as ideias sobre Ciência que circulam nos cursos de formação inicial de pedagogos a partir da epistemologia Fleckiana, uma vez que estes profissionais serão responsáveis pelo primeiro contato da criança com a Ciência. Realizamos uma pesquisa qualitativa a partir da abordagem de Estudo de Caso. Na coleta de dados foram usadas entrevistas narrativas e questionários aplicados a estudantes do curso de Pedagogia do quarto período noturno de uma Universidade Federal brasileira. Observou-se que os estudantes, em sua maioria, apresentam visões distorcidas sobre Ciência e as análises revelaram que os participantes denotam um estilo de pensamento no qual não se priorizam aspectos ontológicos e, mesmo após serem inicializados no círculo esotérico, os saberes exotéricos permaneceram evidenciando a dificuldade no tráfego intercoletivo de pensamento.

Palavras-chave:
Epistemologia fleckiana; Educação superior; Comunicação intracoletiva; Comunicação intercoletiva

Abstract:

This study focused on students’ thought processes in a pedagogy course at a federal university in Brazil. The aim was to understand how scientific concepts were taught and learned, using Fleckian epistemology as a framework. Data were collected through questionnaires and narrative interviews, using a case study approach to qualitative research. Findings revealed that most students needed clarification about science, and analysis indicated that they needed to prioritize ontological considerations in their thinking. Even after being exposed to scientific knowledge, students retained their previous misconceptions, indicating challenges in exchanging thought processes between different groups.

Keywords:
Fleckian epistemology; Higher education; Intracollective communication; Intercollective communication

Circulação de ideias sobre a ciência nos cursos de pedagogia

O pedagogo é um profissional que atua em várias instâncias da prática educativa; lida com fatos, estruturas, processos, contextos e problemas referentes à educação em seus diferentes níveis e modalidades. É, ainda, o profissional responsável pelo primeiro contato da criança com a Ciência, considerando-se a obrigatoriedade do ensino de Ciências a partir dos quatro anos de idade de acordo com a Base Nacional Comum Curricular. Os pedagogos trabalham com as crianças desde o início da Educação Infantil que é oferecida em: (i) creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade; (ii) pré-escolas, para as crianças de quatro a cinco anos de idade (Pimenta, 2006PIMENTA, S. G. Panorama atual da didática no quadro das ciências da educação: educação, pedagogia e didática. São Paulo: Cortez, 2006.).

Tendo em vista a importância profissional do pedagogo e de sua formação nesta pesquisa, nos propomos a compreender o Estilo de Pensamento (EP) presente nos cursos de Pedagogia, uma vez que a partir do EP se instauram coletivos de pensamentos (CP) que atuam de forma dirigida e restrita se adaptando harmonicamente dentro da visão dominante, produzindo e reproduzindo conhecimento nos cursos de formação inicial. Importante destacar que um Coletivo de Pensamento é composto “[...] de muitos círculos interseccionados. Um indivíduo pode pertencer a vários círculos exotéricos e a poucos e, às vezes, a nenhum esotérico” (Fleck, 2010FLECK, L. Gênese e desenvolvimento de um fato científico. Belo Horizonte: Fabrefactum. 2010., p. 152).

A partir do Coletivo de Pensamento ocorre o tráfego de ideias, estilo que não se dá de forma sistematizada e homogênea. De acordo com a epistemologia fleckiana, o contexto de comunicação intracoletiva é aquele que ocorre dentro do coletivo, entre seus pares. É nessa comunicação que se torna possível a emergência de um fato que se desenvolverá em um estilo de pensamento. Para Fleck (2010)FLECK, L. Gênese e desenvolvimento de um fato científico. Belo Horizonte: Fabrefactum. 2010., a comunicação intracoletiva acontece de forma determinada dentro do círculo esotérico, gerador do estilo, para os outros círculos exotéricos, os receptores, que contém os seguidores de um determinado estilo de pensamento sem sair de um único coletivo. Importante salientar que a circulação intracoletiva de ideias busca reforçar os laços entre os componentes do coletivo, muitas vezes, de maneira coercitiva, e forma nesta mesma perspectiva nova integrante para compartilhar o mesmo Estilo de Pensamento (Lambach, 2007LAMBACH, M. Atuação e formação dos professores de química na EJA: características dos estilos de pensamento: um olhar a partir de Fleck. 2007. Dissertação (Mestrado em Educação Científica e Tecnológica) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2007.).

Há, ainda, a comunicação intercoletiva que é caracterizada pela comunicação entre coletivos distintos. Nesse caso, coletivos de pensamento que possuem estilos de pensamento com poucas diferenças se comunicam e trocam ideias, caracterizando novos rumos de pesquisa em determinadas áreas correlacionadas. Nesse sentido, a circulação intercoletiva ocorre quando indivíduos de distintos coletivos de pensamento, com estilos de pensamento similares, estabelecem comunicação contribuindo de modo significativo com a transformação do estilo de pensamento, pois “[...] qualquer tráfego intercoletivo de pensamento traz consigo um deslocamento ou uma alteração dos valores de pensamento” (Fleck, 2010, p. 161FLECK, L. Gênese e desenvolvimento de um fato científico. Belo Horizonte: Fabrefactum. 2010.).

Nesse viés, a formação inicial de pedagogos, universo da presente pesquisa, pode ser entendida como um exemplo no qual estão presentes pelo menos um grupo de especialistas e um de não especialistas. Os professores formadores dos componentes curriculares integradores e os licenciandos são integrantes dos círculos esotérico e exotérico, respectivamente. É esta circulação intercoletiva que contribui para a disseminação do estilo de pensamento dos especialistas aos não especialistas. Na circulação intracoletiva, como a que acontece entre pesquisadores e/ou professores formadores na área de pedagogia, ocorre, por exemplo, a extensão do estilo de pensamento (Fleck, 1986FLECK, L. La génesis y el desarrollo de un hecho científico. Madrid: Alianza Editorial, 1986., 2010FLECK, L. Gênese e desenvolvimento de um fato científico. Belo Horizonte: Fabrefactum. 2010.).

Massoni e Moreira (2015, p. 250)MASSONI, N. T.; MOREIRA, M. A. A epistemologia de Fleck: uma contribuição ao debate sobre a natureza da ciência. Alexandria: revista de educação em ciência e tecnologia, Florianópolis, v. 8, n. 1, p. 237-264, 2015. DOI: https://doi.org/10.5007/1982-5153.2015v8n1p237.
https://doi.org/10.5007/1982-5153.2015v8...
apontam que

É preciso considerar ainda que os especialistas de um coletivo de pensamento (círculo esotérico), que têm a tendência de estabilizar o estilo de pensamento, são também membros de outros coletivos, científicos ou não científicos (círculos exotéricos), que têm orientações divergentes e acabam gerando pequenas alterações, pequenos deslocamentos de linguagem que impulsionam as transformações dos estilos de pensamento. Dessa forma, naturalmente ocorre o processo de transformação de conceitos científicos, alterações dos valores de pensamento que podem fazer surgir novos estilos de pensamento.

Em conformidade com Fleck (2010)FLECK, L. Gênese e desenvolvimento de um fato científico. Belo Horizonte: Fabrefactum. 2010., estas transformações de conceitos científicos e o processo de produção do conhecimento são possíveis devido à interação do sujeito com o objeto, mediada pelo Estilo de Pensamento. Estas interações formam conexões (acoplamentos) ativas e conexões passivas que não são dissociadas entre si. Fleck (2010, p. 50)FLECK, L. Gênese e desenvolvimento de um fato científico. Belo Horizonte: Fabrefactum. 2010. aponta que

Quando se leva em conta essas relações gerais da história cultural e as particularidades da história do conhecimento, limita-se significativamente o convencionalismo. No lugar da escolha livre e racionalista, surgem condições específicas. Mesmo assim, encontram-se sempre no conteúdo do conhecimento outras relações que não se explicam psicologicamente (seja no plano individual, seja no coletivo), nem historicamente. Por isso elas passam a impressão de serem relações “reais”, “objetivas” ou “efetivas”. Nós a denominamos de relações passivas, em oposição aquelas outras, que denominamos ativas.

Nesse sentido, para que ocorra o tráfego de ideias é necessário que se estabeleçam acoplamentos passivos e também ativos nos processos de construção do conhecimento. Tendo como foco a formação inicial de pedagogos, as relações estabelecidas no contexto formativo podem ser analisadas na perspectiva fleckiana ao olharmos para as abordagens sobre o conhecimento relacionado a Ciências visando compreender problemas que reverberam na futura atuação dos profissionais formados.

Considerando as dificuldades apresentadas pelos estudantes brasileiros em termos de ensino e aprendizagem de Ciências (Barroso; Franco, 2008BARROSO, M. F.; FRANCO, C. Avaliações educacionais: o Pisa e o ensino de ciências. In: ENCONTRO DE PESQUISA EM ENSINO DE FÍSICA, Curitiba. Anais [...]. Curitiba: SBF, 2008.), o que reverbera em avaliações do contexto nacional e internacional, entendemos que um dos elementos que configuram a raiz do problema encontra-se na abordagem dos conhecimentos científicos nas primeiras séries da educação básica. Tal abordagem é delegada a professores formados em cursos de Pedagogia. Dessa forma, argumentamos que há problemas formativos e que, dentre estes, a visão ingênua da Ciência e a falta de discussões sobre a natureza do conhecimento científico se configuram como estruturantes. Isso posto, o estudo apresentado teve como objetivo compreender a circulação de ideias acerca da Ciência presente no curso de Pedagogia de uma Universidade Federal brasileira. Para alcançar o objetivo proposto, voltamos o nosso olhar para o caso específico desta instituição, acompanhando o processo formativo relacionado a área de Ciências da Natureza a fim de identificar a circulação de ideias presentes no referido curso.

Metodologia da pesquisa

Existem diversas matrizes dentro da abordagem qualitativa e para o percurso metodológico desta pesquisa optamos pela realização de uma pesquisa do tipo Estudo de Caso. Em conformidade com Morgado (2013)MORGADO, J. C. O estudo de caso na investigação em educação. Santo Tirso, Portugal: De Facto Editores, 2013., o estudo de caso tem a finalidade de analisar, descrever e compreender casos particulares podendo posteriormente incitar comparações com outros casos e formular generalizações. Ainda nesta linha de pensamento, para o autor, o estudo de caso é uma técnica investigativa pertinente para compreender o funcionamento de instituições como a escola. Morgado (2013, p. 63)MORGADO, J. C. O estudo de caso na investigação em educação. Santo Tirso, Portugal: De Facto Editores, 2013. argumenta que “[...] o estudo de caso é uma investigação empírica que permite estudar fenômenos no seu contexto real”. Assim, o investigador pode descrever, compreender e interpretar a complexidade do(s) caso(s) e produzir novo conhecimento sobre ele.

Morgado (2013)MORGADO, J. C. O estudo de caso na investigação em educação. Santo Tirso, Portugal: De Facto Editores, 2013. aponta como traços delineadores do Estudo de caso as seguintes características: (i) é um estudo holístico, ou seja, leva em consideração a globalidade do contexto; (ii) é um estudo empírico, uma vez que “[...] trata-se de um trabalho de campo que se nutre de uma significativa recolha de informações por diversos meios do qual se destaca a observação (Morgado, 2013MORGADO, J. C. O estudo de caso na investigação em educação. Santo Tirso, Portugal: De Facto Editores, 2013., p. 60); (iii) é um trabalho interpretativo e empático, uma vez que o pesquisador deve estar atento a qualquer acontecimento e intencionalidade dos atores. Nesse sentido, o estudo de caso não se destina especificamente à procura de explicações causais, e é direcionado para interpretação, compreensão e desvelar os sentidos que os atores da pesquisa empregam as ações que desenvolvem.

O caso em tela refere-se ao olhar para um curso de Pedagogia de uma Universidade Federal brasileira, tendo em vista as abordagens sobre Ciência que se estabelecem no processo formativo a partir de um Estilo de Pensamento que será desvelado e discutido no contexto desta investigação. O movimento da pesquisa se constituiu a partir da ida a campo a fim de observar e analisar a Circulação de Ideias presente nos momentos formativos em que os graduandos em Pedagogia da referida instituição tiveram contato com a área de Ciências da Natureza do percurso formativo. Os dados ora apresentados foram coletados por meio de entrevistas narrativas e questionários, tendo em vista vislumbrar a Circulação de Ideias para compreender as concepções de Ciência/Ciências presentes no círculo esotérico e exotérico do curso de Pedagogia, bem como as suas possibilidades de transformação, ou seja, as mudanças que podem ocorrer nesses círculos a partir da Circulação de ideias.

Em relação ao corpo docente da Faculdade de Educação (FE) da Universidade Federal de Goiás (UFG), considerando a formação inicial, existem diversos círculos esotéricos maiores como os especialistas em: Pedagogia, Filosofia e Letras, e também há círculos esotéricos menores como os especialistas em História, Matemática e Ciências Biológicas, representados na figura 1. Consideramos aqui que estes círculos esotéricos (e ao mesmo tempo exotéricos) constituem o Coletivo de Pensamento do curso de Pedagogia, foco da análise, uma vez que, para Fleck (2010, p. 157)FLECK, L. Gênese e desenvolvimento de um fato científico. Belo Horizonte: Fabrefactum. 2010., “[...] um coletivo de pensamento consiste em muitos desses círculos que se sobrepõem e um indivíduo pertence a vários círculos exotéricos e poucos círculos esotéricos”.

Figura 1
Representação da formação inicial do Coletivo de Pensamento (CP) do curso de Pedagogia analisado

Como podemos perceber, há vários perfis que constituem o CP do curso analisado. Para Fleck (2010, p. 159)FLECK, L. Gênese e desenvolvimento de um fato científico. Belo Horizonte: Fabrefactum. 2010., “[...] a estrutura emaranhada da sociedade moderna faz com que os coletivos de pensamento se entrecruzem e se relacionem muitas vezes espacial e temporalmente”. Tendo em vista os objetivos propostos, cabe salientar a formação dos professores universitários da área de Ciências da Natureza que fizeram parte do trajeto formativo acompanhado. Os dois docentes apresentam formação inicial na área de Ciências Biológicas e mestrado e doutorado em áreas relacionadas com a Educação. Ambos possuem uma carga horária em sala de aula de 16 horas e, além das disciplinas de Fundamentos e Metodologia de Ciências nos Anos iniciais e Educação Infantil I e II, também são responsáveis por ministrar a disciplina de Biologia Educacional para o curso de Educação Física – Licenciatura da mesma instituição. Dessa maneira, a área de Ciências Naturais do curso com apenas dois professores se limita a atender as necessidades de cumprimento de matriz curricular, pois maior parte da carga horária de dedicação exclusiva destes professores refere-se às atividades em sala de aula.

A disciplina Fundamentos e Metodologia do Ensino de Ciências na Educação Infantil e Anos iniciais do Ensino Fundamental I apresenta como eixos formativos a experimentação e o ensino de Ciências, Estudo do corpo e Noções de sexualidade. Já a disciplina Fundamentos e Metodologia do Ensino de Ciências na Educação Infantil e Anos iniciais do Ensino Fundamental II considera como eixo formativos o planeta Terra, Botânica e Questões sócio científicas. A seguir apresentamos os recortes dos conteúdos previstos nos planos de curso das duas disciplinas.

Conteúdo programático presente no Plano de Ensino da disciplina Fundamentos e Metodologia do Ensino de Ciências na Educação Infantil e Anos iniciais do Ensino Fundamental I:

  1. Experimentação no ensino de Ciências;

  2. Noções básicas do corpo;

  3. Estatuto da criança e do adolescente.

Conteúdo programático presente no Plano de Ensino da disciplina Fundamentos e Metodologia do Ensino de Ciências na Educação Infantil e Anos iniciais do Ensino Fundamental II:

  1. Formação do planeta Terra;

  2. Questões sociocientíficas;

  3. Botânica e Zoologia.

As entrevistas foram realizadas com graduandos do curso de Pedagogia, do quarto período, do turno noturno. Toda a turma foi convidada a participar da pesquisa, entretanto apenas dez estudantes consentiram a utilização dos dados por meio da assinatura do termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Os graduandos entrevistados apresentam variações de idade entre 21 a 45 anos. E, no período em que foram entrevistados, estavam cursando a disciplina Fundamentos e Metodologia do Ensino de Ciências na Educação Infantil e Anos iniciais do Ensino Fundamental I. Os questionários foram aplicados aos mesmos graduandos ao final da disciplina Fundamentos e Metodologia do Ensino de Ciências na Educação Infantil e Anos iniciais do Ensino Fundamental II.

A pesquisadora acompanhou as duas disciplinas durante os o primeiro e segundo semestres do ano de 2019. Participaram da entrevista e responderam ao questionário dez alunos. Para efeito de discussão dos resultados, os participantes foram nomeados de A, seguido de um número que lhe foi atribuído como ordem de acesso à entrevista. O roteiro da entrevista é apresentado a seguir.

  1. Para você, o que é ciência?

  2. Como você acha que acontece a produção de conhecimento científico?

  3. Quando você cursou o ensino fundamental você teve a disciplina de ciências? Como era?

  4. No Ensino Médio, você teve dificuldades com as disciplinas relacionadas à área de Ciências da Natureza, Matemática e suas tecnologias? Em caso afirmativo, quais foram suas principais dificuldades?

  5. Quando você estiver em sala de aula como você pretende abordar os conteúdos que envolvem disciplinas relacionadas a ciência?

  6. Em relação aos experimentos que podem ser utilizados no ensino de ciências, você se considera preparado para fazer uma abordagem de caráter experimental em sala de aula?

Após a etapa de entrevistas e observação participante, os graduandos foram convidados a responder um questionário semiestruturado com perguntas abertas e fechadas a fim de que pudéssemos compreender sobre as ideias de Ciência e a circulação de pensamentos que traziam consigo após terem cursado as disciplinas vinculadas às Ciências Naturais. O instrumento de coleta foi baseado em questionários do tipo VNOS (Lederman et al., 2002LEDERMAN, N. G.; ABD-EL-KHALICK, F.; BELL, R. L.; SCHWARTZ, R. S. Views of nature of science questionnaire: towards valid and meaningful assessment of learners’ conceptions of the nature of science. Journal of Research in Science Teaching, Hoboken, v. 39, n. 6, p. 497-521, 2002. DOI: https://doi.org/10.1002/tea.10034.
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). Este questionário consideram a natureza da Ciência atrelada a epistemologia, sociologia, valores e crenças no processo de construção do conhecimento.

Na primeira questão os estudantes foram convidados a assinalar quais as concepções eles supunham se relacionar com a Ciência. Foi permitido que assinalassem mais de uma alternativa. As demais perguntas do questionário estão apresentadas a seguir.

  • – Para você, como ocorre o processo de construção da Ciência?

  • – Você considera importante abordar experimentos nas atividades escolares? Comente.

  • – Em relação aos experimentos que podem ser utilizados no ensino de ciências, você se considera preparado para fazer uma abordagem de caráter experimental em sala de aula? O que a experimentação em sala de aula deve conter?

  • – Após cursar a disciplina de Fundamentos e Metodologia do Ensino de Ciências na Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental II, você se considera apto a ensinar os conteúdos de ciências?

    ( ) Sim ( ) Não Comente sua resposta

  • – O que a disciplina trouxe de conhecimento novo para sua formação?

  • – Você considera importante, ao ensinar ciências, situar os conteúdos científicos em seu contexto de produção?

    ( ) Sim ( ) Não Comente sua resposta

Para discutir os dados da pesquisa, a análise foi estruturada em duas subseções. A primeira parte discute a circulação de ideias e os Pedagogos em formação: ideias iniciais e o que trazem os dados referentes à entrevista. A segunda parte discute a circulação de ideias e os pedagogos em formação: como e se ocorre o tráfego de ideias que trazem os dados referentes ao questionário.

Resultados e discussão

A partir da análise das entrevistas dos estudantes no período inicial de contato com os Fundamentos e Metodologia do Ensino de Ciências na Educação Infantil e Anos iniciais do Ensino Fundamental I e dos questionários ao final da disciplina Fundamentos e Metodologia do Ensino de Ciências na Educação Infantil e Anos iniciais do Ensino Fundamental II, buscamos identificar suas compreensões acerca da Ciência a fim de compreender o pensamento que traziam consigo e o pensamento que adquiriram para entender a Circulação de Ideias sobre a Ciência no referido curso.

A circulação de ideias e os pedagogos em formação: ideias iniciais

Este momento da pesquisa visou compreender o contexto social, histórico e formativo dos estudantes de Pedagogia ao iniciarem a formação ligada ao ensino de Ciências. A partir das entrevistas notamos que os graduandos apresentam visões deformadas de Ciência. Estas visões deformadas da Ciência são caracterizadas por conceber a Ciência como individualista e elitista, empírico-indutivista, infalível, a-problemática e a-histórica que apresenta conhecimento lineal e descontextualizado (Cachapuz et al., 2011CACHAPUZ, A.; GIL-PÉREZ, D.; CARVALHO, A. M. P.; PRAIA, J.; VILCHES, A. A necessária renovação do ensino das ciências. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2011.).

Uma das visões distorcidas sobre a Ciência que prevaleceu foi a visão empíricoindutivista e ateórica. Esta visão “[...] defende o papel da observação e da experimentação neutra” (Cachapuz et al., 2011CACHAPUZ, A.; GIL-PÉREZ, D.; CARVALHO, A. M. P.; PRAIA, J.; VILCHES, A. A necessária renovação do ensino das ciências. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2011., p. 43). As atividades experimentais se sobressaem às discussões teóricas e se interpreta o ensino de Ciências a partir montagens práticas já elaboradas que visam somente o manuseio e aplicação de técnicas direcionadas por roteiros tidos como receitas de bolo. Tal perspectiva pode ser identificada nos recortes de respostas dos estudantes quando questionados sobre como era o ensino de Ciências ao longo do seu Ensino Fundamental.

A1Lembro mais assim lá pela sexta série, a professora fazia uns experimentos e lembro que gostava muito, mas conteúdos eu não lembro muitos. Lembro mais das feiras de Ciências, meu grupo uma vez ficou pra fazer sobre agricultura, foi muito legal pesquisar e fazer os experimentos [grifo nosso].

A4Eu sempre gostei de Ciências, principalmente das feiras de Ciências, professora. Achava muito legal fazer as experiências e ver os resultados. Lembro muito da minha professora da sétima série na época, ela ensinou muito sobre a natureza e sempre levava algo novo. Apesar de ser uma cidade do interior [Patos de Minas] o ensino lá era muito forte [grifo nosso].

A partir dos excertos destacados nota-se a associação da Ciência com a experimentação, em que os conhecimentos científicos são concebidos como resultados de experimentos indutivos. Algumas falas evidenciam que as atividades experimentais ao longo da vida escolar se mostram mais focadas para despertar o interesse dos estudantes, mas não necessariamente se aprofundam em termos de estratégia para discussão conceitual. Conforme Nicot e Souza (2016, p. 16)NICOT, Y.; SOUZA, J. A natureza da ciência: das visões deformadas à rejeição. Revista Areté: Revista Amazônica de Ensino de Ciências, Manaus, v. 9, n. 19, p. 11-22, 2016.: “[...] as empobrecidas práticas escolares de laboratórios escondem dos estudantes, do ensino básico e superior, toda a riqueza do trabalho experimental, o que é presentado são montagens já elaboradas, ‘exatas’, para seu simples manuseamento”.

Percebemos que os experimentos com os quais os estudantes tiveram contato eram reproduzidos como “receitas” com resultado já esperado, conforme fragmento a seguir

A3A professora levava os materiais e o roteiro do que a gente tinha que fazer, e a gente fazia. Nas feiras de Ciências a gente podia pesquisar outros. Eu mesma gostei foi do da batata que faz energia você conhece? [grifo nosso].

A maioria dos graduandos apresenta respostas, no seu cerne, similares, como se essas explicações permanecessem junto a suas concepções sobre Ciência que adquiriram no ensino básico. Isto evidencia que foram formados ao longo do Ensino Fundamental e Médio dentro de um Estilo de Pensamento fortemente associado a concepções positivistas, que não integram as diferentes dimensões dos Estatutos da Biologia/Ciências.

O que se evidencia nas falas é a referência a uma visão de Ciência de caráter experimental, tendo no experimento a responsabilidade de validar o conhecimento teórico. Essa perspectiva científica, associada ao positivismo, denota uma Ciência de caráter neutro em que as experiências detinham inclusive o poder de validar ou não uma teoria.

E esse é o ideário científico que transpassou o cotidiano escolar e que tem sido motivo de críticas para a nova geração de formadores de professores. Giordan (1999)GIORDAN, M. O papel da experimentação no ensino de ciências. Química Nova na Escola, São Paulo, n. 10, p. 43-49, 1999., ao discutir o papel dos experimentos na formação de competências escolares, sinaliza que:

A experimentação exerce a função não só de instrumento para o desenvolvimento dessas competências, mas também de veículo legitimador do conhecimento científico, na medida em que os dados extraídos dos experimentos constituíam a palavra final sobre o entendimento do fenômeno em causa (Giordan, 1999, p. 45GIORDAN, M. O papel da experimentação no ensino de ciências. Química Nova na Escola, São Paulo, n. 10, p. 43-49, 1999.).

Na estruturação do Método Científico partia-se da observação para a realização de experimentos que gerariam leis e teorias que poderiam ser usadas para previsão de fatos relacionados ao comportamento da natureza (Borges, 2012BORGES, G. L. A. Ciências nos anos iniciais do ensino fundamental: fundamentos, história e realidade em sala de aula v. 10. São Paulo: Unesp: Univesp, 2012.). Nesse enfoque epistemológico, a neutralidade do cientista era um importante elemento para justificar o poder da Ciência ou do objeto sobre o sujeito. No entanto, ao nos apropriarmos das ideias de Fleck relacionadas ao constructo científico, a neutralidade do cientista não é real. Nesse sentido, Lowy (1984)LÖWY, I. Ludwik Fleck e a presente história das ciências. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 7-18, 1994. DOI: https://doi.org/10.1590/S0104-59701994000100003.
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explicita que as origens do pensamento de Fleck encontram-se na Escola Polonesa e que, ao retomar o pensamento de Kramsztyk, Fleck sustenta “[...] a impossibilidade de uma ‘observação neutra’ livre de pressupostos teóricos. Cada observação é guiada pelos pressupostos do observador” (Lowy, 1984, p. 14LÖWY, I. Ludwik Fleck e a presente história das ciências. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 7-18, 1994. DOI: https://doi.org/10.1590/S0104-59701994000100003.
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).

Houve, ainda, aqueles que destacaram que o ensino de Ciências, em sua época, não utilizou de experimentação e tampouco houve uma explanação dos conteúdos pelo professor responsável, conforme ilustra o fragmento a seguir.

A6O Ensino de Ciência na minha época, era um pouco quanto difícil, pois as professoras não dominava boa parte do assunto e apenas passava o conteúdo teórico sem explicações aprofundadas e sem muito conhecimento empírico e não nos mostrava onde acontecia a Ciência no nosso cotidiano, talvez por não serem da área de atuação, ou por não conhecer o conteúdo ministrado para nós, os alunos daquela época, por causa desse e de alguns fatores o meu ensino de Ciências ficou um pouco defasado [grifo nosso].

O estudante A6 destacou o fato de os professores que ministravam Ciências não serem da área. Este aspecto coloca em relevo o fato de que muitos estudantes são formados na Educação Básica, no que se refere a Ciências, por professores pertencentes a outros círculos esotéricos que não o das Ciências da Natureza. Dessa forma, estes professores não tiveram contato em sua formação inicial com a natureza do conhecimento científico. Assim, ao abordar os conceitos científicos na escola, muitos professores os desvinculam da questão social e histórica, contribuindo para a manutenção de visões ingênuas e distorcidas da atividade científica.

Importante destacarmos que estamos discutindo nesse texto as especificidades da formação dos pedagogos que são os professores que assumirão as salas de aula da primeira fase da educação básica e se responsabilizarão pelo ensino de Ciências nesse nível de ensino. No entanto, embora não seja foco da presente pesquisa, as dificuldades relacionadas ao ensino de Ciências perduram por todo o contexto da educação básica, seja por falta de professores formados nas áreas específicas, seja por problemas na formação de docentes dos cursos das áreas de Ciências, seja por problemas estruturais nos espaços escolares. Em relação à falta de professores com formação específica, conforme citado por A6, Ramos (2015)RAMOS, M. N. Educação brasileira: uma agenda inadiável. São Paulo: Moderna: Fundação Santillana, 2015. aponta como um dos problemas o desinteresse pelo magistério em algumas áreas específicas. Conforme o autor:

Por exemplo: de 2011 para 2012 cresceu 1% o número de concluintes das licenciaturas da área de humanas, mas na área de exatas e de Ciências da natureza (química, física e matemática), o número de concluintes caiu 13%. O drama é ainda maior de 2010 para 2012: queda de 14% dos concluintes em física, de 10% em química e de 21% em matemática (Ramos, 2015, p. 32RAMOS, M. N. Educação brasileira: uma agenda inadiável. São Paulo: Moderna: Fundação Santillana, 2015.).

Tal contexto é bastante discutido na literatura e abrimos o espaço para trazer essas relações, pois entendemos que o conhecimento científico é um importante elemento que pode contribuir na formação de pessoas mais críticas em relação aos fenômenos a sua volta. Nesse sentido, os conceitos científicos abordados na escola têm o papel formativo importante na leitura do mundo.

Ao discorrer sobre conceitos, na entrevista, optamos por questionar sobre a fotossíntese, uma vez que é um conceito estruturante para a Botânica e os estudantes têm contato com este conceito ao longo de toda Educação Básica, de acordo com o currículo proposto pelo Ministério da Educação e Cultura. Ao questionar sobre este conceito observamos o olhar dos estudantes conforme ilustram os fragmentos a seguir.

A1Ah acho que a planta pega a energia do sol algo assim, eu ia ter que relembrar primeiro porque não me lembro mesmo. Talvez o experimento do feijão fosse bom né? [grifo nosso].

A3Lembro um pouco... a planta pra se alimentar precisa do sol e do gás carbônico. Agora como isso acontece dentro dela eu não sei. Quando eu for ensinar sobre isso acho que vou levar os alunos pra ver a plantinha e explicar. Não sei se tem experiência disso, se tiver eu levo [grifo nosso].

A4Lembro muito pouco. Arriscando, seria o fenômeno pelo qual as plantas absorvem luz para produção e liberação de oxigênio na atmosfera. Procuraria explicar de maneira menos abstrata, trazendo exemplos para a sala de aula [grifo nosso].

A5Mais ou menos. Acho que é quando a planta absorve a luz do sol para realizar crescer e se reproduzir [grifo nosso].

A partir da análise, indo ao encontro do pensamento Fleckiano, nota-se que os graduandos não pertencem ao Círculo esotérico da área de Ciências, uma vez que o olhar inicial dos estudantes para os fenômenos ligados à área é pouco claro e sem estilo. Fleck (2010)FLECK, L. Gênese e desenvolvimento de um fato científico. Belo Horizonte: Fabrefactum. 2010. aponta como traço deste não pertencimento “motivos parciais confusos, caoticamente acumulados e de vários estilos, e disposições (Stimmungen) contraditórias impulsionam o olhar não direcionado para lá e para cá. Falta a coerção, a resistência, o “solo firme dos fatos” (Fleck, 2010, p. 142FLECK, L. Gênese e desenvolvimento de um fato científico. Belo Horizonte: Fabrefactum. 2010.).

Notamos, ainda, que nas falas descritas anteriormente, os graduandos se expressam a partir de falas vagas ou que se aproximam da linguagem do senso comum para explicitar o pensamento sobre um conceito científico e de fundamental importância para a compreensão dos processos de manutenção da vida. Os participantes da pesquisa denotam generalizações sobre o tema em foco que deixam evidente a pouca apropriação conceitual na escola básica apresentando a fotossíntese de maneira popular “[...] uma das características da apresentação (Darstellung) popular é a ausência de detalhes e principalmente de polêmicas, de modo que se consegue uma simplificação artificial” (Fleck, 2010, p. 166FLECK, L. Gênese e desenvolvimento de um fato científico. Belo Horizonte: Fabrefactum. 2010.).

Isto nos revela que os participantes foram formados a partir de um Estilo de Pensamento no qual não se priorizaram aspectos ontológicos. Nesse sentido, as abordagens escolares podem ser associadas a um processo de simplificação da Ciência que é apresentada de forma ilustrativa, irrefutável, cercada de verdades e, a partir disso, contribuem para a formação e solidificação de um saber popular ou um conhecimento exotérico. De acordo com Fleck (2010, p. 166)FLECK, L. Gênese e desenvolvimento de um fato científico. Belo Horizonte: Fabrefactum. 2010., este saber se apresenta “[...] graças à simplificação, ao seu caráter ilustrativo e apodítico, de uma forma segura, acabada e sólida”.

Dessa forma, embora os estudantes entrem em contato com outra perspectiva de conhecimento, manterão traços da perspectiva anterior. Ou seja, apesar de haver outros Coletivos e Estilos de Pensamento, ligados a uma formação que considere a natureza ontológica da Ciência, permanecem ainda traços marcantes do Estilo de Pensamento antigo, como a simplificação dos conceitos científicos. Interessante destacarmos que esses estudantes, na disciplina Fundamentos e Metodologia do Ensino de Ciências na Educação Infantil e Anos iniciais do Ensino Fundamental I, já haviam estudado o tópico A experimentação e o ensino de ciências. No entanto, pelas respostas dadas, não se percebem mudanças na forma de compreender os fenômenos.

Então, os estudantes do curso de Pedagogia não chegam à sua formação inicial como inicializados no círculo esotérico de Ciências (aptos à Circulação Intracoletiva de ideias) e, sim, como leigos, o que permite a troca de saberes intercoletiva (Círculo Esotérico-Exotérico) e, a partir do que Fleck denomina de “suave coerção”, são introduzidos ao Coletivo de Pensamento da Pedagogia, podendo assimilar o Estilo de Pensamento ao longo da sua formação, tendo em vistas que

Qualquer introdução didática, portanto, é literalmente uma “condução-para-dentro”, uma suave coação. A pedagogia se vale do uso do caminho histórico da Ciência, pois conceitos mais antigos possuem a vantagem de uma menor especificidade de pensamento; por esse motivo, são de compreensão mais fácil para o novato. Além disso já são conhecidos pelo grande público e, por isso, por alguns aprendizes (Fleck, 2010, p. 155FLECK, L. Gênese e desenvolvimento de um fato científico. Belo Horizonte: Fabrefactum. 2010.).

Em sua formação, o único momento em que os estudantes de Pedagogia são colocados em contato com o tráfego de pensamentos sobre a Ciência é nas disciplinas Fundamentos e Metodologia do Ensino de Ciências na Educação Infantil e Anos iniciais do Ensino Fundamental I e II. Ou seja, prevalece na formação inicial o tráfego de pensamentos exotérico sobre Ciência e natureza do conhecimento científico, pois são ofertadas apenas duas disciplinas ao longo do curso que priorizam as discussões em torno dos conceitos científicos e sobre sua abordagem para as etapas de educação inicial do ensino básico.

Dessa forma, os futuros professores de Ciências da educação básica, quando em sua atuação, tenderão a reproduzir, em sua atuação profissional, os conceitos e a percepção pouco claros sobre a Ciência, resultantes do tráfego de pensamentos insuficientes sobre a natureza da Ciência e do conhecimento científico.

Argumentamos que as visões deturpadas sobre a Ciência continuarão sendo reproduzidas na Educação Básica, perpetuando um saber exotérico relacionado à área e reforçando um Estilo de Pensamento empírico indutivista que foi base da Ciência no século XVII (Durbano, 2012DURBANO, J. P. D. M. Investigação de concepções de alunos de ciências biológicas do IB/USP acerca da natureza da ciência. 2012. Dissertação (Mestrado em Ciências Biológicas) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.). Uma Educação Científica em todos os níveis de ensino pode contribuir com a perspectiva da “[...] construção de uma visão de ensino de ciências associada à formação científico-cultural dos alunos” (Santos, 2007, p. 488SANTOS, W. L. P. Educação científica na perspectiva de letramento como prática social: funções, princípios e desafios. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 12, n. 36, p. 474- 550, 2007. DOI: https://doi.org/10.1590/S1413-24782007000300007.
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).

Assim, fica em relevo a necessidade de um dos papéis da escola: incentivar a valorização da Ciência. E tal efeito somente será possível se os pedagogos em formação compreenderem a natureza da Ciência e do conhecimento científico, bem como se apropriarem dos conceitos a serem ensinados. Contudo, o saber adquirido pelos pedagogos em formação continuamente retrabalha as percepções de Ciência adquiridas ao longo da vida, e não possibilita a construção de conexões ativas.

Cabe aqui ressaltar que este modelo formativo está inserido em um contexto social e histórico e nota-se que, nos dias atuais, a sociedade não reconhece a Ciência como importante e não realiza, na sua maioria, um tráfego de saberes esotéricos relacionados à Ciência. Embora desde a Conferência Mundial sobre a Ciência para o Século XXI, realizada por um Coletivo de Pensamento de Cientistas, se afirme que

Mais do que nunca, é necessário desenvolver e expandir a informação científica em todas as culturas e em todos os setores da sociedade, [...] de modo a ampliar a participação pública nos processos decisórios relacionados à aplicação de novos conhecimentos (Unesco, 2003, p. 34UNESCO. A ciência para o século XXI: uma nova visão e uma base de ação. Brasília, DF: Unesco, 2003. Disponível em: https://tinyurl.com/mwu8nsrs. Acesso em: 14 ago. 2024.
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).

A partir das discussões tecidas, no tópico seguinte, apresentaremos nossas reflexões, em diálogo com os referenciais teóricos, sobre a circulação de ideias no contexto formativo do curso de Pedagogia em tela tendo por base os questionários aplicados a alunos do curso no desenvolvimento desta pesquisa, que é um recorte de uma tese de doutoramento.

A circulação de ideias e os pedagogos em formação: o tráfego de pensamento ocorre?

Após a etapa de entrevistas e observação participante os graduandos foram convidados a responder um questionário semiestruturado com perguntas abertas e fechadas a fim de que pudéssemos compreender sobre as ideias de Ciência e a circulação de pensamentos que traziam consigo após terem cursado as disciplinas vinculadas às Ciências Naturais. O instrumento de coleta foi baseado em questionários do tipo VNOS (Lederman et al., 2002LEDERMAN, N. G.; ABD-EL-KHALICK, F.; BELL, R. L.; SCHWARTZ, R. S. Views of nature of science questionnaire: towards valid and meaningful assessment of learners’ conceptions of the nature of science. Journal of Research in Science Teaching, Hoboken, v. 39, n. 6, p. 497-521, 2002. DOI: https://doi.org/10.1002/tea.10034.
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).

Na primeira questão os estudantes foram convidados a assinalar quais concepções eles supunham se relacionar com a Ciência. Foi permitido que assinalassem mais de uma alternativa. Conforme ilustrado no quadro 1, responderam ao questionário dez estudantes.

Quadro 1
Concepções de Ciência assinaladas pelos estudantes

De acordo com Aragão e Figueirôa (2013)ARAGÃO, T. Z. B.; FIGUEIRÔA, S. F. M. Concepções de ciência presentes na divulgação e nas práticas de instituições não formais de ensino de ciências. Enseñanza de las Ciencias, Barcelona, n. ext., p. 3764-3768, 2013., as concepções (a), (c) e (e) estão associadas a uma visão tradicionalista da Ciência que de se associa diretamente a percepção racionalista e empirista da Ciência. Enquanto as alternativas (b), (d), (f ) e (g) estão associadas a perspectiva construtivista. O racionalismo e o empirismo, de acordo com Haguette (2013)HAGUETTE, A. Racionalismo e empirismo na sociologia. Revista de Ciências Sociais, Fortaleza, v. 44, n. 1, p. 194-218, 2013. são perspectivas irmãs, o racionalismo se refere a generalizações da realidade a partir de um método dedutivo, em que a fonte de conhecimento é unicamente a razão. O empirismo é a corrente epistemológica que defende o conhecimento como reprodução da realidade sensível, sendo uma técnica de acesso à verdade, utilizando-se do método empírico-indutivista.

Apesar de, neste momento da pesquisa, os graduandos já terem cursado duas disciplinas específicas da área de Ciências da Natureza, notamos que a maioria deles ainda mantém visões associadas às visões racionalista e empirista da Ciência. Tal constatação nos permite afirmar que, embora tenham tido contato acadêmico com a área, houve dificuldade no tráfego intercoletivo de pensamentos, uma vez que o círculo esotérico de Ciências e os círculos exotéricos aos quais os estudantes pertencem estão distantes entre si, ou seja, há uma distância temporal e espacial entre eles, de modo que existe uma permanência de pensamento dentro do círculo exotérico. De acordo com Fleck “[...] quando o vínculo data da educação intelectual da infância ou até mesmo de uma tradição antiga de várias gerações, ele ganha uma firmeza inabalável” (Fleck, 2010, p. 158FLECK, L. Gênese e desenvolvimento de um fato científico. Belo Horizonte: Fabrefactum. 2010.).

Metade dos alunos que responderam ao questionário assinalou que a Ciência não é uma verdade absoluta, o que implica que a outra metade compreende a Ciência como infalível. Tal percepção confere uma visão simplista de Ciência em que as observações e experiências rigorosas proporcionarão uma exatidão dos resultados e estes serão permanentes (Costa et al., 2017COSTA, F. R. S; ZANIN, A. P. S; OLIVEIRA, T. A. L.; ANDRADE, M. A. B. S. As visões distorcidas da natureza da ciência sob o olhar da história e filosofia da ciência: uma análise nos anais dos ENEQ e ENEBIO de 2012 e 2014. ACTIO, Curitiba, v. 2, n. 2, p. 4-20, 2017. DOI: https://doi.org/10.3895/actio.v2n2.6808.
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). Tal percepção se configura como uma visão deformada de Ciência, uma vez que não considera o processo de recriação de pensamentos a partir do tráfego de ideias e, tampouco, as relações sociais e históricas no processo de construção do conhecimento científico (Cachapuz et al., 2011CACHAPUZ, A.; GIL-PÉREZ, D.; CARVALHO, A. M. P.; PRAIA, J.; VILCHES, A. A necessária renovação do ensino das ciências. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2011.; Fleck, 2010FLECK, L. Gênese e desenvolvimento de um fato científico. Belo Horizonte: Fabrefactum. 2010.).

Apenas dois estudantes assinalaram que a certeza do cientista depende da sua interpretação. Isso nos revela que a maioria não associa o cientista à interpretação, ou seja, acham que o cientista é neutro e que a Ciência não precisa ser interpretada. Esta visão se configura como uma visão deturpada de Ciência, que Cachapuz et al. (2011)CACHAPUZ, A.; GIL-PÉREZ, D.; CARVALHO, A. M. P.; PRAIA, J.; VILCHES, A. A necessária renovação do ensino das ciências. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2011. explanam como visão empírico-indutivista e ateórica, pois ela “[...] defende o papel da observação e da experimentação neutra” (Cachapuz et al., 2011, p. 43CACHAPUZ, A.; GIL-PÉREZ, D.; CARVALHO, A. M. P.; PRAIA, J.; VILCHES, A. A necessária renovação do ensino das ciências. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2011.). Esta percepção revela um olhar inicial e pouco claro que, de acordo com Fleck (2010)FLECK, L. Gênese e desenvolvimento de um fato científico. Belo Horizonte: Fabrefactum. 2010., traz consigo certa irracionalidade ao perceber a forma da Ciência. Para o autor isto reflete a imersão em uma epistemologia intuitiva e mística.

A partir da análise dos dados notamos que permaneceu nos estudantes a perspectiva empírica destacada em seu pensamento inicial. Notamos a permanência do pensamento instintivo dos estudantes a partir de sua experiência vivida, o que Fleck denomina de Erfahrensein, que é a experiência dos sujeitos após suas vivências e que influencia na sua capacidade de perceber um sentido, uma forma. Assim, observamos que os alunos não estabeleceram conexões ativas com os referenciais abordados na disciplina que apresentou a Ciência para além da experimentação, ou seja, não ocorreu transformação do Estilo de Pensamento inicial dos estudantes e, na percepção da forma do conhecimento científico, prevaleceu a observação inicial (Fleck, 2010FLECK, L. Gênese e desenvolvimento de um fato científico. Belo Horizonte: Fabrefactum. 2010.).

Ao mesmo tempo em que este traço estilístico permanece, ao passo que todos os estudantes assinalaram a alternativa (c), é possível evidenciar o tráfego intercoletivo de pensamentos ocorrido, uma vez que todos os estudantes também assinalaram a alternativa (g), evidenciando a percepção de que a sociedade interfere na Ciência e vice-versa. Tal fato pode se configurar como um passo inicial rumo ao que Fleck (2010)FLECK, L. Gênese e desenvolvimento de um fato científico. Belo Horizonte: Fabrefactum. 2010. denomina “recriação do pensamento”. Esta possibilidade pode ser explicada pela coerção de pensamento dada por meio do tráfego de ideias entre professores especialistas e estudantes, na abordagem de questões sociocientíficas.

Em outra pergunta do questionário, os graduandos foram questionados: “Para você, como ocorre o processo de construção da Ciência?” Cinco estudantes associaram o processo de construção à experimentação e validação, correspondente ao método científico tradicional. Conforme ilustram os fragmentos a seguir:

A1 – Acredito que um conhecimento para ser científico, tem que passar pela experimentação. Tem a ideia e experimenta para ver se a ideia vai ser comprovada ou descartada.

A4 – A Ciência é construída a partir da dúvida do cientista, e para ser comprovada tem que passar por muitos testes e experimentos. Seguir o método.

A partir da percepção destes graduandos é possível associar suas respostas a uma concepção clássica de Ciência, em que é necessário seguir um método para a comprovação de hipóteses, visto que o critério tradicional considera científicas somente as teorias comprovadas empiricamente (Chibeni, 2006CHIBENI, S. S. Afirmando o consequente: uma defesa do realismo cientifico. Scientiae Studia, São Paulo, v. 4, p. 221-249, 2006. DOI: https://doi.org/10.1590/S1678-31662006000200004.
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). Entretanto, para além das hipóteses, o conhecimento científico deve estar associado à integração teórica, histórica e cultural de seu tempo.

Tais dados nos reforçam e evidenciam a discussão anterior sobre a vinculação do ideário dos estudantes a uma perspectiva tradicionalista de Ciência, pois embora os estudantes tenham tido o contato com a experiência vinculada as Ciências da Natureza, para alguns deles, permaneceram traços de suas compreensões primeiras evidenciadas nas entrevistas realizadas antes de cursarem as disciplinas específicas. Dessa forma, é possível identificar que, apesar do contato, atingiram apenas a primeira etapa necessária para a mudança de atmosfera do pensamento (Fleck, 2010FLECK, L. Gênese e desenvolvimento de um fato científico. Belo Horizonte: Fabrefactum. 2010.). O autor aponta que, a partir do primeiro estímulo, podem ser visíveis as seguintes etapas: “(1) a percepção pouco clara e a inadequação da primeira observação; (2) a experiência (Erfahrenheit) irracional que forma novos conceitos e transforma o estilo; (3) a percepção da forma (Gestaltsehen) desenvolvida, reprodutível e conforme a um estilo” (Fleck, 2010, p. 144FLECK, L. Gênese e desenvolvimento de um fato científico. Belo Horizonte: Fabrefactum. 2010.).

Entretanto, apesar de alguns graduandos terem mantido suas percepções iniciais, associando a Ciência à experimentação, notamos o tráfego intercoletivo de ideias ao identificar em outros cinco participantes da pesquisa, para a mesma questão, a associação do processo de construção da Ciência, a um contexto histórico, ligado também à subjetividade do pesquisador, assim como ilustram os fragmentos seguintes:

A7Para mim o processo de construção da Ciência não é imediato, a professora até citou a questão da tecnologia, do avanço que temos hoje e que em outras épocas não seria possível. Então eu acho que depende bastante das pesquisas que já existem, do contexto que o cientista tá vivendo, do incentivo financeiro e do interesse.

A9A construção da Ciência acontece no conflito de interesses, nas disputas, acho que tem a ver com capitalismo. Depende também de como está o lugar de produção de conhecimentos e se tem teorias na área pra dar ‘apoio’ a novos conhecimentos. Ela é produzida em um contexto, assim como a professora explicou sobre a questão da fecundação e da genética.

Nestes exemplos, podemos notar que a fala da professora formadora permeou as concepções sobre a Ciência dos graduandos, e permitiu a associação a um contexto histórico e à disputa entre grupos. Isto nos permite afirmar que ocorreu um tráfego de pensamentos, circulação intercoletiva de ideias entre os sujeitos, uma vez que se nota que o processo de conhecimento (momento formativo disciplina de Fundamentos e Metodologia do Ensino de Ciências na Educação Infantil e Anos iniciais do Ensino Fundamental II) alterou a percepção do sujeito do conhecimento (graduandos) (Fleck, 2010FLECK, L. Gênese e desenvolvimento de um fato científico. Belo Horizonte: Fabrefactum. 2010.).

Importante salientarmos que a confiança na figura das docentes responsáveis pelas disciplinas é importante para que novas ideias sejam apropriadas, pois as docentes representam o círculo esotérico e trazem um novo olhar que permite o tráfego de ideias. Nesse sentido, Gonçalves e Marques (2012, p. 470)GONÇALVES, F. P. ; MARQUES, C. A. A circulação inter e intracoletiva de conhecimento acerca das atividades experimentais no desenvolvimento profissional e na docência de formadores de professores de química. Investigações em Ensino de Ciências, Porto Alegre, v. 17, n. 2, p. 467-488, 2012. sinalizam que “[...] a dinâmica de circulação intercoletiva favorece a compreensão da interação entre os círculos esotérico e exotérico. Como explicitado previamente, a interação entre os dois círculos se sustenta, em parte, na confiança no círculo esotérico”.

Outro dado relevante obtido no questionário está associado a seguinte questão “Após cursar a disciplina de Fundamentos e Metodologia do Ensino de Ciências na Educação Infantil e Anos iniciais do Ensino Fundamental II, você se considera apto a ensinar os conteúdos de Ciências?” Como resposta para esta questão todos os graduandos que responderam ao questionário afirmaram que não se sentem aptos a ensinar os conteúdos de Ciências no Ensino Fundamental, conforme justificativas apresentadas a seguir.

A1São muitos conteúdos, a gente não vê tudo durante a disciplina, e tem muitos que a gente nem lembra.

A7Aprender sobre a Ciência foi bastante útil, mas o tempo de disciplina não é suficiente pra rever ou situar os conteúdos. Acho que ficaria bem presa ao livro didático.

A9Temas como meio ambiente, aulas práticas até vai, mas muitos conteúdos não vimos durante a disciplina.

Ou seja, apesar de ter ocorrido de forma sutil uma circulação intercoletiva de ideias, os estudantes reconheceram que para compreender o conteúdo programático curricular de Ciências do Ensino Fundamental seria necessária uma carga horária maior da disciplina. Reiterando que atualmente a formação do Pedagogo está sem uma identidade, formando profissionais generalistas (Borges, 2012BORGES, G. L. A. Ciências nos anos iniciais do ensino fundamental: fundamentos, história e realidade em sala de aula v. 10. São Paulo: Unesp: Univesp, 2012.). E para que tenham contato com os conteúdos referentes a Ciências da Natureza, o professor formador tem que simplificar e plastificar os conteúdos de Ciências.

Em conformidade com Fleck (2010, p. 170)FLECK, L. Gênese e desenvolvimento de um fato científico. Belo Horizonte: Fabrefactum. 2010.:

A plasticidade (Anschaulichkeit) de um saber produz um efeito peculiar. Aplicada inicialmente pelo especialista para tornar um pensamento compreensível para outras pessoas (ou partindo de uma espécie de motivos mnemotécnicos), o imagético (Bildlichkeit), que antes era um meio, ganha o significado de um objetivo do conhecimento.

Então, em relação a área de Ciências da Natureza, a plastificação dos saberes ocorre devido a pouca carga horária destinada às disciplinas específicas, o que compromete a formação do conhecimento científico. Uma vez que os conceitos e ideias tem que ser selecionados resumidos e a imagem se sobressai ao processo de construção da Ciência (Fleck, 2010FLECK, L. Gênese e desenvolvimento de um fato científico. Belo Horizonte: Fabrefactum. 2010.).

No momento da pesquisa havia no curso de Pedagogia analisado duas professoras com formação inicial na área das Ciências naturais, sendo uma professora efetiva e uma professora substituta (contrato temporário). A outra docente também responsável pelas disciplinas analisadas possui formação inicial na área de Pedagogia. O fato de as professoras serem especializadas em Ciências Naturais e pertencerem ao CP de um curso de Pedagogia as coloca em posição de veículo do tráfego intercoletivo de pensamento (Fleck, 2010FLECK, L. Gênese e desenvolvimento de um fato científico. Belo Horizonte: Fabrefactum. 2010.).

Este tráfego distancia os estudantes do saber exotérico, simplista e os aproxima do saber esotérico. No entanto, o pouco contato, restrito às duas disciplinas com os temas relacionados às Ciências da Natureza, se configura como um obstáculo ao avanço desse tráfego que pode ser considerado tímido. As análises dos questionários e entrevistas nos permitiram perceber as possibilidades de circulação de pensamentos, que podem possibilitar mudanças estilísticas, embora tenham permanecido traços estilísticos de perspectivas racionalistas e empiristas.

Considerações finais

Refletir sobre a Natureza da Ciência no contexto do ensino-aprendizagem de Ciências é um tópico amplamente debatido no círculo especializado de pesquisadores em Ciências da Natureza. No entanto, essas ideias raramente circulam no ambiente de formação de professores destinados à Educação Infantil e aos primeiros anos do Ensino Fundamental.

A falta de intercâmbio de ideias entre os círculos especializados em Ciências da Natureza e Pedagogia é atribuída à dinâmica associada ao estabelecimento e manutenção do curso. Isso ocorre porque o curso enfrenta uma ambiguidade em relação a sua identidade, oscilando entre o conhecimento docente e o estudo da educação. Devido à ausência de discussões epistemológicas no curso, os estudantes permanecem com suas concepções iniciais sobre a Ciência, mantendo percepções equivocadas que podem se refletir em sua futura prática pedagógica. Isso é particularmente relevante, pois o pedagogo é o profissional responsável por introduzir o ensino de ciências na Educação Infantil e nos primeiros anos do Ensino Fundamental.

A troca recíproca de ideias acerca da Ciência ocorre nas disciplinas de Fundamentos e Metodologias das Ciências Naturais, tanto na Educação Infantil quanto nos primeiros anos do Ensino Fundamental I e II. Nesse período de formação ocorre a interação entre o círculo especializado em Ciências da Natureza e os estudantes do círculo mais amplo da Pedagogia. No entanto, embora os estudantes reconheçam a natureza social e histórica da Ciência, muitos ainda preservam percepções iniciais associadas ao caráter empirista da Ciência.

A limitação desse intercâmbio de ideias entre os dois círculos decorre da necessidade de simplificação do conhecimento durante o período formativo. A carga horária destinada às Ciências Naturais no curso resulta na síntese de conceitos e ideias, restringindo a circulação de pensamentos de forma intercoletiva. Concluímos, assim, que o Coletivo de Pensamento presente no curso de Pedagogia analisado restringe a disseminação de ideias sobre a Ciência. Apesar desse silenciamento, é importante notar que existe um movimento periférico de resistência e troca intercoletiva de ideias, o qual pode sinalizar mudanças no padrão de pensamento deste curso. É crucial reforçar que, além do Coletivo de Pensamento, o histórico de integração e a crise identitária do curso contribuem para a falta de discussões epistemológicas acerca da natureza das Ciências Naturais.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    17 Jan 2024
  • Aceito
    09 Maio 2024
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