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Caos como estratégia e a “proteção” como mercadoria na “Cracolândia” paulistana

Resumo

O artigo apresenta uma leitura recente da Cracolândia paulistana entre 2017 e 2023, quando foi retomada a política de dispersão das pessoas em situação de rua no território por meio de operações violentas conduzidas por agentes da segurança pública. Após breve histórico da mais recente operação policial, denominada Operação Caronte, discute-se a dispersão das pessoas e o espalhamento de fluxos como estratégia para instalar o caos e viabilizar mercadorias políticas, práticas e negociações na fronteira entre o legal e o ilegal. Como metodologias, o artigo mobiliza pesquisas de campo, cartografias críticas, consulta a meios de comunicação e experimentações no sentido da produção de um conhecimento situado junto a coletivos e organizações da sociedade civil com atuação no território.

ilegalismos; produção do espaço; Cracolândia; mercadoria política

Abstract

The article presents a recent analysis of Cracolândia between 2017 and 2023, when the policy of dispersing homeless people in the territory was resumed through violent operations conducted by public security agents. After providing a brief history of the most recent police operation, which was called Operação Caronte (Charon Operation), the dispersion of people and the spread of flows are discussed as a strategy to create chaos and enable political commodities, practices, and negotiations on the border between legal and illegal. The study used the following methodologies: field research, critical cartography, consultation with the media, and experiments, aiming to produce knowledge jointly with collectives and civil society organizations operating in the territory.

illegalisms; space production; Cracolândia; political commodity

Introdução

Há mais de três décadas, a Cracolândia persiste no centro da cidade de São Paulo, especificamente na região que compreende os bairros da Luz, Santa Ifigênia e Campos Elíseos. Sua permanência torna flagrante o fracasso das inúmeras intervenções policiais, e, em sentido amplo, das estratégias de “guerra às drogas”.1 1 “Guerra às drogas” refere-se às políticas proibicionistas em relação à produção, comércio e consumo de determinadas substâncias psicoativas. O termo foi cunhado e difundido principalmente pelo governo dos EUA durante a gestão de Richard Nixon (1969-1974) e expandido na administração de Ronald Reagan (1981-1989), precursor de políticas baseadas na ideia de “tolerância zero” que foram rapidamente reproduzidas ao redor do mundo. Embora apostar no fracasso seja contraproducente, apesar de raras exceções, as políticas públicas para lidar com essa situação repetem a fórmula antiga: grandes operações policiais para encarcerar e deslocar de forma violenta as pessoas que usam crack por meio de métodos de tortura. Essa forma de atuação é experimentada há mais de duas décadas, a partir de 1997 com a operação denominada Tolerância Zero (Alves e Pereira, 2021ALVES, Y. D. D.; PEREIRA P. P. G. (2021). O surgimento da Cracolândia como problema público: O desenvolvimento do mercado lucrativo do crack e sua exploração político-midiática. Dilemas, Rev Estud Conflito Controle Soc [Internet], v. 14, n. 2, pp. 465-488. DOI: https://doi.org/10.17648/dilemas.v14n2.32201.
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).

Aqui, o objetivo não é reconstituir a história das fracassadas operações policiais na Cracolândia, que inclusive já foram muito bem sistematizadas e documentadas por diferentes pesquisadoras e pesquisadores (Rui, 2014b; Menezes, 2016MENEZES, L. F. (2016). Entre a saúde e a repressão: políticas públicas na região da "Cracolândia" SP. Dissertação de mestrado. São Paulo, Universidade de São Paulo. DOI: https://doi.org/10.11606/D.6.2016.tde-18042016-142114.
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; Marino, 2021MARINO, A. (2021). Cartografias em disputa: Alternativas ao planejamento urbano. Tese de doutorado. São Bernardo do Campo, Universidade Federal do ABC. Disponível em: http://biblioteca.ufabc.edu.br/index.php?codigo_sophia=122418. Acesso em: 9 fev 2023.
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; Calil, 2022CALIL, T. G. (2022). As drogas, as pessoas e as cidades: consumo do espaço e efeitos sociais em cidades latinoamericanas - aproximações entre São Paulo, Bogotá e Medellín. São Paulo, Editora Unesp.), mas observar algumas situações recentes que vem transformando o território de maneira relevante desde 2017. Naquele ano, após a interrupção de um programa piloto baseado na perspectiva de redução de danos,2 2 O De Braços Abertos foi um programa piloto intersetorial da prefeitura de São Paulo entre os anos de 2014 e 2016. Uma política baseada na perspectiva da redução de danos com oferta de acolhimento, trabalho remunerado e atenção psicossocial. seguiu-se a retomada da política de dispersão violenta das pessoas por meio de agentes da Segurança Pública. Como metodologias, esse artigo mobiliza pesquisas de campo, cartografias críticas, consulta a meios de comunicação e experimentações no sentido da produção de um conhecimento situado (Haraway, 1995HARAWAY, D. (1995). Saberes localizados: a questão da ciência para o feminino e o privilégio da perspectiva parcial. Cadernos Pagu, n. 5, pp. 7-41.) junto a coletivos e organizações da sociedade civil com atuação nesse território.3 3 Os autores participaram ativamente da formação do Fórum Aberto Mundaréu da Luz, articulação que envolveu urbanistas, antiproibicionistas, trabalhadores do território e moradores.

Embora falemos de um momento específico e recente, o ponto de partida aqui é o questionamento: até que ponto a insistência no erro pode ser interpretada como uma estratégia para manter essa situação? Para isso, o artigo se divide em três partes que apresentam os jogos de poder em curso nesse território, desvelando como a permanência da Cracolândia viabiliza mercadorias políticas (Misse, 2010MISSE, M. (2010). Trocas ilícitas e Mercadorias políticas: para uma interpretação de trocas ilícitas e moralmente reprováveis cuja persistência e abrangência no Brasil nos causam incômodos também teóricos. Anuário Antropológico, v. 35, n. 2, pp. 89-107. DOI: https://doi.org/10.4000/aa.916.
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; Hirata, 2010) como parte do embaralhamento entre as fronteiras do formal e do informal, do lícito e do ilícito. É nesta trama de entrelaçamentos que tanto as práticas cotidianas e redes de sociabilidades quanto as intervenções oficiais do Estado transitam continuamente entre o legal e o ilegal na produção do urbano (Telles e Hirata, 2007TELLES; V. S.; HIRATA, D. V. (2007). Cidade e práticas urbanas: nas fronteiras incertas entre o ilegal, o informal e o Ilícito. Estudos Avançados. São Paulo, v. 21, n. 61, pp. 173-191.; Telles, 2010TELLES, V. S. (2010). Nas dobras do legal e do ilegal: ilegalismos e jogos de poder nas tramas da cidade. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social. Rio de Janeiro, v. 2, n. 5-6, pp. 97-126.). A socióloga Vera Telles (2010)TELLES, V. S. (2010). Nas dobras do legal e do ilegal: ilegalismos e jogos de poder nas tramas da cidade. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social. Rio de Janeiro, v. 2, n. 5-6, pp. 97-126. ressalta como os jogos de poder e a construção de alianças em determinadas microconjunturas políticas são características centrais das dinâmicas de ambientes urbanos latino-americanos em disputa como a “Cracolândia paulistana”.

O ponto inicial consiste em um breve resgate histórico, onde destacamos elementos importantes para compreender os processos de produção do espaço, o surgimento e permanência da Cracolândia e os estigmas que delimitam atualmente esse território como clandestino e criminoso. Ainda como resgate histórico, destacamos as características das estratégias de controle empregadas nas últimas três décadas, identificando um movimento pendular entre a dispersão e a contenção.4 4 Contudo, essas estratégias também acontecem de forma simultânea, mas observamos nos últimos dez anos momentos em que a dispersão se intensifica. Taniele Rui já havia identificado essas tecnologias de gestão da população do fluxo: “duas técnicas se destacam: 1) a ronda contínua, a pé, de carro ou com cavalos, que faz com que os usuários tenham que ficar o tempo todo circulando, em um incansável “jogo de gato e rato” pelos quarteirões próximos; e 2) o cercamento, que consiste em cercar um quarteirão, impulsionando a concentração dos usuários, deixando-os circunscritos a determinada delimitação e, assim, passíveis de terem suas ações monitoradas. [...] A segunda tática (o cercamento) jamais é admitida em discursos públicos pelo alto oficial, que prefere dizer que a concentração dos usuários em apenas uma parte da rua, ou em uma única rua, se dá de forma espontânea, fundamentalmente por regulações internas” (Rui, 2014, pp. 231-232). Na segunda parte do artigo, apresentamos uma leitura crítica da mais recente intervenção policial na Cracolândia, denominada Operação Caronte (2021-2022), onde cartografamos a dispersão forçada, as ilegalidades e os dispositivos de controle dos corpos e do território praticados.

Por fim, apresentamos como a política de dispersão e a instalação do caos têm viabilizado mercadorias políticas e práticas criminosas do Estado (Tilly, 1985TILLY, C. (1985). "War Making and State Making as Organized Crime". In: EVANS, P.; RUESCHEMEYER, D.; T. SKOCPOL (orgs.). Bringing the State Back. Nova York, Cambridge University Press, pp. 169-191.), a partir de três argumentos: (1) a demarcação desse território como ilegal e criminoso justifica uma série de ilegalidades urbanísticas, que ampliam os processos de especulação e financeirização da produção do espaço (rentismo, capital fictício, a partir dos fundos públicos) que já está contida nos planos urbanos, desde a década de 1990; (2) o emprego de uma situação de caos, a partir da dispersão violenta do fluxo,5 5 O termo surge em paralelo ao aparecimento de inúmeras pequenas caixas de som portáteis que reproduzem músicas de funk pelas pessoas em situação de rua, dialogando com os “fluxos” de bailes funk em regiões periféricas da cidade. Assim, práticas sociais trazidas das margens ressignificam também territórios centrais. Ademais, o termo tem identificação precisa, pois chama a atenção para a territorialidade das cenas de uso do crack, em constante deslocamento, em fluxo, quase sempre expulsos por operações policiais violentas. potencializa conflitos na escala local, criando apoio popular para adoção de métodos cada vez mais violentos, como as internações compulsórias, processo que mobiliza elementos morais, mas que têm como pano de fundo o grande interesse econômico por parte das comunidades terapêuticas; e (3) o caos instalado no território tem transformado a proteção e a segurança em uma mercadoria cada vez mais valiosa, cujo controle vem sendo disputado por diferentes atores, inclusive as forças de segurança pública, responsáveis, no limite, pela implementação da política de dispersão. Ou seja, os mesmos que implementam o caos, são os que vendem a proteção, o que podemos identificar como uma “lógica miliciana” (Rizek, 2019RIZEK, C. (2019). Um mosaico macabro: modulações contemporâneas sobre trabalho, moradia e violência de Estado. Revista Proposta Fase, ano 42, n. 129.).

Breve histórico de um território popular

No início do século XX, com a transição de uma economia agrária para uma economia urbano-industrial, associada à crise do mercado do café, a região dos Campos Elíseos perdeu importância e status político (Branquinho, 2007BRANQUINHO, E. S. (2007). Campos Elíseos no centro da crise: a reprodução do espaço no Centro de São Paulo. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo.). A partir de 1920, parte dos casarões dos barões do café tornaram-se pensões e cortiços, ampliando ainda mais a presença popular na região. É importante destacar que a presença popular no território observado é histórica, embora projetados inicialmente para servir de moradia às elites, os bairros da Luz e dos Campos Elíseos sempre conviveram com a presença de trabalhadores pobres, residentes principalmente em cortiços instalados no bairro Santa Ifigênia. Alvos de políticas higienistas e de despejos, ainda no final do século XIX, a atuação do poder público na região era pautada pela fiscalização dessas moradias populares, apontados como os espaços responsáveis pela disseminação de epidemias como a de febre amarela na cidade (Borin, 2021BORIN, M. F. (2021) "Onde as forças vivas do trabalho se ajuntam em desmedida": dinâmicas da reprodução do capital em São Paulo durante a epidemia de febre amarela. Topoi. Rio de Janeiro, v. 22, n. 48, pp. 763-786.).

O “abandono” dos casarões e a fuga das elites para outras regiões se configura como o primeiro movimento de desvalorização da área. Nas décadas subsequentes de 1930-1940, projetos de “embelezamento” e as inúmeras obras para a implantação das grandes avenidas durante a gestão de Prestes Maia, tentam recuperar a região. O resultado foi a desapropriação e remoção de milhares de pessoas. Na época, na região da Luz, 86 pessoas foram desalojadas sem ter para onde ir, e estas ficaram conhecidas como a “legião dos sem-abrigo” (Bonduki, 2004BONDUKI, N. (2004). Origens da habitação social no Brasil. São Paulo, Estação Liberdade.). Assim, já nos anos 1940, o território viveu o início da dinâmica que passaria a se sedimentar no espaço aproximadamente setenta anos depois (Calil, 2022CALIL, T. G. (2022). As drogas, as pessoas e as cidades: consumo do espaço e efeitos sociais em cidades latinoamericanas - aproximações entre São Paulo, Bogotá e Medellín. São Paulo, Editora Unesp.).

Em 1953, intervenções contra o meretrício e casa de jogos no Bom Retiro, bairro ao lado, resultaram na migração dessa dinâmica para a região. Junto ao deslocamento dessas práticas, veio uma gama de atividades que acompanham esse mercado, como bares, boates, hotéis, restaurantes, cinemas adultos, entre outros (Jorge, 1988JORGE, C. de A. (1988). Luz: notícias e reflexões. São Paulo, Departamento do Patrimônio Histórico. Série: História dos bairros de São Paulo, v. 7.). As características e consequências desta intervenção pautam a degradação moral como um marco na trajetória deste território, que passa a ser identificado como a “Boca do Lixo” (Joanides, 1977JOANIDES, H. M. (1977). Boca do Lixo. 3 ed. São Paulo, Edições Populares.). Nos anos 1960, a implantação da rodoviária em frente à praça Júlio Prestes ampliou significativamente a circulação de pessoas no território e, por consequência, a presença de comércios e dinâmicas populares. Essa dinâmica, ao mesmo tempo que contava com relativa tolerância por parte das autoridades policiais, também sempre foi alvo da repressão e da violência estatal, prisões e práticas de remoção eram frequentes.

Em 1982 a rodoviária foi desativada, permanecendo ali uma estrutura ociosa de hotéis baratos e bares, que, junto a empresas clandestinas de transporte, passam a operar uma demanda ainda existente no território, acentuam o processo de “degradação da área” no imaginário social. Quando o crack chegou à cidade de São Paulo, não demorou para fixar-se na região, já no início dos anos 1990, ocupando incialmente parte desses hotéis e progressivamente as ruas do entorno. Nesse período, associadas as primeiras políticas de combate ao tráfico, surgem também os primeiros projetos de revitalização da área, onde a estratégia principal era a implementação de grandes equipamentos culturais, chamados de “âncora”, que, a partir de sua presença, aos moldes de uma “acupuntura urbana”, promoveria um movimento de atração ou retomada do centro pelas elites e classes médias.

O movimento histórico antes descrito não pode ser entendido como uma visão determinista da história. Isso obscureceria as complexas disputas existentes há séculos na produção desse espaço na cidade de São Paulo. O reconhecimento dessa trajetória é importante para entendermos que a presença popular nesse território é histórica e sempre foi alvo de projetos e tentativas de expulsão por parte do Estado e seus agentes, associados a interesses privados.

Evidente que as estratégias do Estado e os interesses na região se alteraram ao longo do tempo. Atualmente a predominância da financeirização na economia e na produção do espaço resultam em outros tipos de intervenção no território, e o poder público passa a ser responsável por remoções de pessoas e desapropriação de áreas estigmatizadas, abrindo a fronteira para a execução de grandes projetos de revitalização operacionalizados por atores privados via concessões e parcerias. Uma financeirização sob domínio do neoliberalismo: que instrumentaliza políticas sociais para a modelagem econômica das parcerias. A gestão das desigualdades, as políticas públicas espetaculares, a forma da instrumentalização da produção do espaço – inclusive as estratégias do planejamento urbano – do presente não são as mesmas durante esse longo período – ainda que em todos esses anos a violência tenha sido a forma habitual.

As estratégias de controle: contenção ou dispersão

Durante a década de 1990, quando se iniciou a concentração de pessoas que fazem uso de crack nas ruas, os discursos da mídia e do poder público tratavam a questão como um problema da criminalidade, uma visão mais atrelada aos aspectos morais em relação à ilegalidade do que de saúde pública. No início da década de 2000, em paralelo aos planos de revitalização da região central da cidade pelo poder público, os interesses do mercado imobiliário passam a ganhar fôlego, e a necessidade de se acabar com a Cracolândia passa subitamente a ser urgência na agenda política. Gradativamente, a Cracolândia foi ganhando espaço em discursos eleitoreiros, principalmente após a Operação Limpa e a introdução do Projeto Nova Luz na gestão do então prefeito José Serra (2005-2006), e posteriormente em toda a gestão de Gilberto Kassab (2006-2012).

A cada eleição, vem se tornando elemento mais presente nos debates e enfrentamentos entre as campanhas, quase sempre sob a urgência e o slogan de “acabar com a Cracolândia”, dando corpo à necessidade e justificativa de intervenção estatal. O importante parece ser atuar com punho firme, independentemente das consequências que produz. No discurso político e no imaginário popular, o território passa a ser compreendido como uma ferida social e urbana que precisava ser estancada, justificando projetos e intervenções violentas e imediatistas com o objetivo de “revitalizar” esse território. Assim, desencadeiam-se intervenções violentas que sustentam continuamente estratégias de controle territorial, seja por meio da oferta de internações compulsórias ou da violência policial cotidiana contra a população em situação de rua, ou pelo despejo de trabalhadores pobres residentes em malocas, pensões e/ou ocupações.

Para controlar a presença da Cracolândia em meio aos projetos de transformação desse território, historicamente as propostas de intervenção oscilaram entre estratégias de contenção ou dispersão de acordo com o que convinha aos interesses de momento, sendo estas operacionalizadas pelas forças de segurança pública. Por um lado, quando o objetivo era mostrar respostas às promessas eleitoreiras, a dispersão foi adotada como forma de atuação, como aconteceu a partir de 2012 com a operação denominada Dor e Sofrimento da gestão de Kassab, que instaurou ações policiais cotidianas com o objetivo de desmantelar as redes de sociabilidades e os pontos de aglomeração, impedindo a fixação das pessoas em um ponto específico. Por outro, nos demais momentos fora dos holofotes da eleição, a estratégia era de contenção controlada, forçando a invisibilidade desta realidade para a sociedade, e assim criando, ao mesmo tempo, uma espécie de zona de tolerância controlada, de despojamento social e aniquilação da cidadania pela violência cotidiana. Esse efeito “sanfona” entre contenção e dispersão marca o ritmo das estratégias de controle e gestão da Cracolândia pelo Estado.

Operação Caronte: aprofundando políticas de dispersão

A tática da dispersão em curso foi atualizada sob a denominação de “Operação Caronte”,6 6 “Caronte” na mitologia grega é o barqueiro que atravessava as almas do mundo dos vivos para o mundo dos mortos. realizada entre 2021 e 2022 em seis fases com diversas etapas cada, e liderada pela Polícia Civil em parceria com a Guarda Civil Metropolitana (GCM) e a Polícia Militar (PM). A Prefeitura e o Governo do Estado de São Paulo alegam que as ações atuais são baseadas em “investigação e inteligência” para a identificação dos supostos traficantes. Porém, para além do cumprimento semanal de mandados de prisão, as forças policiais apenas repetem o roteiro de intimidação e violência, com uso de cassetetes, spray de pimenta e bombas de gás para evitar e dispersar as concentrações de pessoas em situação de rua, mantendo-as circulando por diversos pontos do centro da cidade.

No âmbito da Caronte, em maio de 2022, forças policiais deslocaram a concentração da Cracolândia da praça Princesa Isabel para a rua Helvétia, próximo a região da Santa Cecília. Um primeiro movimento já havia sido ensaiado, quando em março do mesmo ano o fluxo foi deslocado da chamada “Praça do Cachimbo”, na esquina da praça Júlio Prestes com a rua Cleveland. A movimentação do fluxo, nesse período, parece ter acontecido mediante negociações entre o poder público e os chamados “disciplinas”, figuras que organizam o tráfico e a mediação de conflitos entre as pessoas do fluxo, muitas vezes de forma violenta. O delegado Roberto Monteiro, responsável pela Operação Caronte, em entrevista ao portal G1, afirmou:

Nós tivemos uma notícia de que o fluxo, por ordem de uma facção criminosa, um líder, se mudou para outros locais, não só para a praça Princesa Isabel, onde nós já temos um trabalho sendo realizado de inteligência ali naquele local, como também para outros pontos, como já estava ocorrendo diante da nossa repressão ao tráfico de drogas. (Guedes e Santos, 2022GUEDES, P.; SANTOS, W. (2022). Ordem de mudança do local da Cracolândia partiu do tráfico, diz delegado; usuários se concentram na Praça Princesa Isabel. G1. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2022/03/22/ordem-da-mudanca-do-local-da-cracolandia-partiu-do-trafico-diz-delegado-usuarios-se-concentram-na-praca-princesa-isabel.ghtml. Acesso em: 15 dez 2023.
https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/notici...
).

Após a operação na praça Princesa Isabel em maio de 2022, a concentração de pessoas que usam crack se espalhou por diferentes pontos. O LabCidade, em parceria com outros pesquisadores e ativistas, realizou um mapeamento que identificou pelo menos dezesseis locais para onde migraram os chamados fluxos (Marino et al., 2022a). Mais do que dizer para onde foi o fluxo, o objetivo do mapeamento foi desconstruir a narrativa governamental da época, que afirmava que a tática da dispersão era um sucesso, pois, além de qualificar o atendimento dos usuários, estaria gerando uma diminuição das cenas de uso. Em texto publicado na Folha de S.Paulo, Alexis Vargas, o então secretário-executivo de Projetos Estratégicos da Prefeitura de São Paulo, afirmou: “Os números confirmam que estamos no caminho certo. A Cracolândia está cada vez menor, os usuários estão tendo mais atendimento e o centro da capital paulista está cada vez mais ocupado por famílias” (Vargas, 2022VARGAS, A. (2022). A dispersão da cracolândia tem ajudado no acolhimento aos usuários? SIM. Folha de S.Paulo. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2022/07/a-dispersao-da-cracolandia-tem-ajudado-no-acolhimento-aos-usuarios-sim.shtml. Acesso em: 15 dez 2023.
https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/20...
).

Os resultados ilustrados no mapa mostraram que a Cracolândia não diminuía, tornou-se mais dispersa, ocupando vários ao invés de um único lugar. Em concentrações menores e itinerantes, localizadas em um raio que não ultrapassa 750 metros a partir da praça Princesa Isabel. Essas pequenas aglomerações de pessoas reproduzem as dinâmicas da Cracolândia em diversas esquinas da região da Luz, Santa Cecília, República, Campos Elíseos e Santa Ifigênia.

O mapa é uma fotografia de momento dos diferentes lugares onde havia concentração dos usuários em junho de 2022, o que não significa que esses lugares estão ocupados neste momento, já que a ação combinada das Polícias Militar e Civil e da Guarda Civil Metropolitana segue orientada para manter a dispersão constante das pessoas em situação de rua. Esse cenário dificulta, e muito, a realização de uma contagem exata do número de pessoas. A estimativa desse levantamento é de que entre 1.000 e 2.000 pessoas estejam em uma situação de nomadismo no centro da cidade de São Paulo. A dificuldade de produzir essa estimativa é apenas um dos reflexos das desastrosas abordagens policialescas. Se não é possível sequer saber o tamanho exato dessa população, as ofertas de serviços de saúde e assistência social ficam, sem dúvida, ainda mais comprometidas. Ademais, a violência causa uma forte desconfiança das pessoas em situação de vulnerabilidade em relação aos órgãos públicos, prejudicando as abordagens e formação de vínculos pelas equipes de saúde e assistência social. Relatos de campo confirmam que após a dispersão das pessoas da praça Princesa Isabel, equipes do Consultório na Rua7 7 Instituída pela Política Nacional de Atenção Básica, em 2011, a estratégia Consultório na Rua tem como objetivo ampliar o acesso da população em situação de rua aos serviços de saúde. Consiste em equipes multiprofissionais que realizam atendimentos de forma itinerante e em parceria com as equipes das Unidades Básicas de Saúde do território. foram recebidas a pedradas ao se aproximarem dos fluxos, algo que não é comum nesse território.

O objetivo geral declarado da operação Caronte foi de combater o tráfico de drogas e desmantelar o crime organizado na região central, mas a sexta e última fase da operação, mostrou-se como ferramenta de controle social e territorial, perpetuando discriminações interseccionais por meio de opressões de raça, classe e gênero (Balera et al., 2023BALERA, F. P.; FERREIRA, C. N.; YOUSSEF, S. F.; PLASTINO, L. M.; RUI, T. C.; PEDO, I. M. (2023). Operação Cachimbo: Relatório das detenções em massa realizadas na Cracolândia. São Paulo, NECDH - Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, Escola da Defensoria Pública do Estado.). Recente pesquisa realizada pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo trouxe informações essenciais sobre os procedimentos e o resultado das detenções em massa da Operação Caronte. A sexta fase teve o objetivo de coibir o consumo de drogas nas vias públicas, que, segundo o prefeito Ricardo Nunes,8 8 Cracolândia... (2022). foi justificada por possível ofensa ao artigo 28 da Lei de Drogas n. 11.343/2006 (Brasil, 2006BRASIL (2006). Lei n. 11.343. Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas. Diário Oficial da União. Brasília, DF.).

Segundo o levantamento da pesquisa da Defensoria Pública (Balera et al., 2023BALERA, F. P.; FERREIRA, C. N.; YOUSSEF, S. F.; PLASTINO, L. M.; RUI, T. C.; PEDO, I. M. (2023). Operação Cachimbo: Relatório das detenções em massa realizadas na Cracolândia. São Paulo, NECDH - Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, Escola da Defensoria Pública do Estado.), entre 20 de setembro e 24 de novembro de 2022, durante 66 dias, 841 pessoas foram detidas simplesmente por portarem cachimbos. Uma média de aproximadamente 15 prisões por dia, geralmente em grupos de 12 pessoas. É importante ressaltar que a Defensoria conseguiu acesso às informações dos processos judiciais de apenas 641 pessoas. A análise dos processos das 641 pessoas detidas mostra que o principal critério para abordagens policiais foi estar nas ruas de influência da região da Cracolândia e portar um cachimbo nas mãos, fazendo com que a operação recebesse o nome popular de “Operação Cachimbo”. Contudo, o artigo 28 da Lei de Drogas, embora proíba o consumo e porte de determinadas substâncias, não criminaliza o porte de objetos e instrumentos para consumo.

As detenções em massa pelo simples porte de cachimbo já é ilegal, além disso, o argumento mobilizado na operação justificou centenas de prisões para averiguação, outra conduta ilegal. É importante ressaltar que o artigo 50 da Lei de Drogas (Brasil, 2006BRASIL (2006). Lei n. 11.343. Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas. Diário Oficial da União. Brasília, DF.) exige que em casos de prisões em flagrante de substâncias, seja feito o laudo toxicológico em que se constata a natureza e quantidade da substância apreendida, sendo esse documento obrigatório para a lavratura do auto de prisão e estabelecimento da materialidade do delito. Em 73,6% dos laudos periciais, constataram-se apenas “resquícios e sujidades” nos cachimbos apreendidos, justificando a detenção em massa de 549 pessoas. Posteriormente, essas detenções foram consideradas ilegais pelo poder judiciário por apresentarem quantidades ínfimas de substância. Ainda segundo o relatório da Defensoria Pública sobre o processo de detenções em massa na região da Cracolândia:

[O] controle já não incide mais sobre as drogas ou os sujeitos, mas sobre os objetos mediadores. A pergunta “você está com seu cachimbo aí?” [...] é reflexo dos processos de objetificação e criminalização. Pessoas coisificadas passam a ser incriminadas por portar coisas que parecem adquirir vida”. (Balera et al., 2023BALERA, F. P.; FERREIRA, C. N.; YOUSSEF, S. F.; PLASTINO, L. M.; RUI, T. C.; PEDO, I. M. (2023). Operação Cachimbo: Relatório das detenções em massa realizadas na Cracolândia. São Paulo, NECDH - Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, Escola da Defensoria Pública do Estado., p. 92)

Outro dado relevante é a relação espacial da atuação policial na última fase da Caronte. Todas as 641 detenções analisadas ocorreram dentro de um perímetro de dois quilômetros em torno da 77ª Delegacia de Polícia; e em 335 das detenções, os documentos apresentam o mesmo endereço na rua Helvetia, n. 1, além de outras 186 detenções também serem em outros pontos dessa rua. Além da seletividade populacional, evidencia-se também rigor na seletividade territorial da ação policial. Segundo Balera et al. (ibid.), os Termos Circunstanciados dos processos das pessoas detidas ignoraram especificidades importantes, como gênero, raça e moradia, o que evidencia a massificação das detenções e o apagamento das singularidades das pessoas.

Para além das detenções em massa, a Caronte teve influência importante na execução das políticas de saúde no território. Após a prisão por portarem apenas cachimbos, as pessoas detidas eram encaminhadas para a delegacia, e ali ficavam esperando a equipe da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Vergueiro para seguimento no fluxo de tratamento em saúde. Ao chegarem à UPA, após avaliação médica, era oferecida prioritariamente a internação psiquiátrica no Hospital Cantareira, no extremo norte da cidade. Somente para quem não aceitasse era oferecido tratamento no Caps de referência. Enquanto aguardavam na delegacia, a autoridade policial chegou a utilizar-se de intimidações como: “baixa a calça, fica pelado aí, entra pra dentro da cela, cês querem ficar aqui na cadeia ou cês querem seguir o tratamento aí?”9 9 Trecho de entrevista com pessoas detidas realizada pela pesquisa da DPESP. (ibid., p. 68), o que fazia as pessoas optarem rapidamente pela primeira opção proposta, a internação no Hospital Cantareira. Segundo o levantamento da Defensoria Pública, a condução dos processos de cuidado mediado pela força das intimidações da Operação Caronte resultou em 99% das internações de forma “voluntária”, contudo a média de permanência na internação foi de apenas três dias, provocando questionamento em relação à voluntariedade da internação e ineficácia de ofertas únicas de cuidado atreladas à coerção policial.

A dualidade entre internação versus prisão é o modo operacional de gestão das questões urbanas e sociais dos espaços da cidade, onde a ameaça da prisão torna-se elemento de controle territorial e da população em condições de vulnerabilidade, neste caso as pessoas em situação de rua e/ou que fazem uso de drogas. Fica a provocação: qual a efetividade das ações da Operação Caronte na proposta de combate ao tráfico de drogas? A operação se mostrou mais como um dispositivo de controle dos corpos e depreciação dos imóveis dessas localizações, acirrando as disputas entre moradores, pequenos proprietários (pensões, habitações, comércios) e grandes corporações, compostas pelos partícipes das parcerias público-privadas com o Estado.

A expulsão desses corpos pela força do Estado, somada às redes de sociabilidade e sobrevivência das pessoas em situação de rua, faz com que rapidamente surjam novas aglomerações. Suas novas localizações, embora em constante mudança, permanecem na mesma região, em pedaços com características parecidas, predominantemente marcados pela presença de moradias populares e coletivas – como as pensões e ocupações –, imóveis pouco verticalizados e comércios populares, que se constituem “entraves” para o avanço dos projetos de transformação urbanística viabilizados pelas PPPs.

Desse modo, as intervenções recentes repetem os resultados desastrosos das operações “Sufoco” ou "Dor e Sofrimento” citadas anteriormente, realizadas há uma década e que geraram dispersões que ficaram conhecidas como “procissões do crack” (Rui, 2014). Essa forma de ação tem como efeito a articulação do Estado em torno da violência contra as pessoas que usam drogas operacionalizadas em um regime espacial específico de despossessão combinada ao agenciamento das diferentes forças policiais. Tal opção do poder público, que prioriza a atuação policial para questões sociais e urbanas complexas como a da região conhecida como “Cracolândia”, dispara diferentes tensões no território que configuram disputas de narrativas sobre a mesma realidade. A seguir, faremos uma análise crítica entre as diferentes perspectivas de aproximação da complexidade do tecido urbano na região, e com sorte fomentaremos compreensões mais realistas sobre o território.

Conflitos, ilegalidades e mercadorias políticas

O Estado como indutor da ilegalidade urbanística

A dispersão da Cracolândia não atende nem aos interesses da população em situação de rua, nem melhora as condições de vida de quem trabalha ou vive no centro da cidade. No entanto, tem um sentido bastante claro na abertura de frentes de expansão imobiliária na região. Em 2012, junto com a Operação “Dor e Sofrimento”, a prefeitura da gestão Gilberto Kassab demoliu dezenas de imóveis na região da Luz, Santa Ifigênia e Campos Elíseos. Movimento que foi retomado em 2017 pelo então prefeito João Dória, quando um casarão chegou a vir abaixo com pessoas dentro.10 10 Três ficam feridos... (2017). Esses imóveis que serviam de moradia, embora muitas vezes precária, para a população pobre no centro da cidade foram, em parte substituídos por grandes torres de apartamentos viabilizados a partir de uma Parceria Público-Privada que não atendeu os moradores expulsos do local (Almeida et al., 2020ALMEIDA, I. M.; UNGARETTI, D.; SANTORO, P. F.; CASTRO, U. A. (2020). "PPPs habitacionais em São Paulo: política habitacional que ameaça, remove e não atende os removidos". In: MOREIRA, F. A.; ROLNIK, R.; SANTORO, P. F. (orgs.). Cartografias da produção, transitoriedade e despossessão dos territórios populares. São Paulo, LabCidade FAU-USP, pp. 181-221.).

Esse movimento continua: no raio de atuação da Operação Caronte, bares e comércios são fechados e lacrados com a justificativa da irregularidade, a mesma que marca a maior parte dos bares e comércios da cidade, mas aqui estão no perímetro marcado para morrer. A presença do crack na região por mais de três décadas produziu um imaginário social do medo, e ao longo do tempo foi desqualificando a dinâmica local como um dos fatores decisivos na formação das geografias urbanas do crime e da violência (Avendaño et al., 2019). O crack, para além de apresentar complexidades na confluência entre o social, o jurídico e a saúde pública, carrega representações morais em torno do ilícito, tornando-se elemento chave na engrenagem de depreciação-apreciação dos imóveis onde se concentram as cenas de uso. Ao associar-se ao higienismo urbano, potencializa o ajuste espacial impulsionado pela especulação imobiliária ancorada a projetos urbanísticos de renovação e requalificação do centro da cidade (Rolnik, 2019ROLNIK, R. (2019) Paisagens para renda, paisagens para vida: disputas contemporâneas pelo território urbano. Indisciplinar, v. 5, n. 1, pp. 18-43. Disponível em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/indisciplinar/article/vie w/32741. Acesso em: 29 out 2023.
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; Calil, 2022CALIL, T. G. (2022). As drogas, as pessoas e as cidades: consumo do espaço e efeitos sociais em cidades latinoamericanas - aproximações entre São Paulo, Bogotá e Medellín. São Paulo, Editora Unesp.). A presença de uma “Cracolândia” no tecido urbano não ocorre por acaso, e tampouco sua eliminação é a primeira escolha da gestão pública. Vale refletirmos sobre a utilidade que esses territórios de exceção adquirem na economia política urbana, caracterizados pela ambiguidade e a transitoriedade permanentes (Rolnik, 2019ROLNIK, R. (2019) Paisagens para renda, paisagens para vida: disputas contemporâneas pelo território urbano. Indisciplinar, v. 5, n. 1, pp. 18-43. Disponível em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/indisciplinar/article/vie w/32741. Acesso em: 29 out 2023.
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).

Uma associação entre a ilegalidade, a violência e as desigualdades econômica, política e racial, generificada e sexualizada, que produz espaços urbanos considerados de “reputação duvidosa”, delimitando perímetros imaginários passíveis tanto de práticas paralelas e clandestinas como de “intervenções excepcionais” por parte do Estado (Rolnik e Calil, 2021ROLNIK, R.; CALIL, T. G. (2021) Território e proibição - guerra às drogas ou guerra aos pretos e pobres? Projeto: Drogas - Quanto Custa Proibir? 8 maio 2021. Disponível em: https://bit.ly/3ii32iJ. Acesso em: 29 jul.
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). Um processo de especulação imobiliária que se mostra eficiente em manter aquecidos os ciclos de acumulação de capital [por despossessão, por espoliação] nas cidades latino-americanas, mas distante de apontar melhores alternativas para as questões habitacionais e sociais locais (Rolnik, 2015ROLNIK, R. (2015). Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças. São Paulo, Boitempo.). Uma parceria entre o público e o privado que, por meio de reajustes espaciais provocados pelo mercado:

[...] atua sob amparo da moralidade sanitária associada à proibição das drogas. Projetos de intervenção urbana multiplicam-se como ‘solução’, ao passo que multiplicam-se também as desigualdades e violência seletivamente distribuí das. É neste cenário que a cidade torna-se ferramenta perversa que segrega, desvaloriza, demoniza e pune. (Rolnik e Calil, 2021ROLNIK, R.; CALIL, T. G. (2021) Território e proibição - guerra às drogas ou guerra aos pretos e pobres? Projeto: Drogas - Quanto Custa Proibir? 8 maio 2021. Disponível em: https://bit.ly/3ii32iJ. Acesso em: 29 jul.
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, p. 4)

As fronteiras imaginárias que contornam a região da “Cracolândia” submeteram o território a lógicas ambíguas entre o legal/ilegal, legítimo/ilegítimo (Rolnik, 2019ROLNIK, R. (2019) Paisagens para renda, paisagens para vida: disputas contemporâneas pelo território urbano. Indisciplinar, v. 5, n. 1, pp. 18-43. Disponível em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/indisciplinar/article/vie w/32741. Acesso em: 29 out 2023.
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), e o que é permitido ou não é arbitrário, decido a partir do que é conveniente. Dessa forma, no contexto de urgência arbitrária da “Cracolândia”, o Poder Público consegue aprovação popular para intervenções urbanas que dificilmente seriam legitimadas em outras situações, gerando demolições e remoções forçadas.

A legislação urbanística tornou-se insignificante (Maricato, 2003MARICATO, E. (2003). Metrópole, legislação e desigualdade. Estudos Avançados, v. 17, n. 48, pp. 151-166. DOI: https://doi.org/10.1590/S0103-40142003000200013.
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), e a arbitrariedade em seu cumprimento expressa a aliança entre o Estado e a dinâmica do mercado imobiliário. O Estado como indutor da ilegalidade urbanística e consequentemente da informalidade habitacional (Tibo, 2011TIBO, G. L. A. (2011). A superação da ilegalidade urbana: o que é legal no espaço urbano. Dissertação de mestrado. Belo Horizonte, Universidade Federal de Minas Gerais.). Em 2018, a demolição de quase a totalidade da quadra 36 nos Campos Elíseos acarretou a remoção de aproximadamente 200 pessoas (LabCidade, 2018LABCIDADE (2018). Para onde foram as famílias removidas da quadra 36? LabCidade. São Paulo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo-USP. Disponível em: https://www.labcidade.fau.usp.br/para-onde-foram-as-familias-removidas-da-quadra-36/. Acesso em: 15 dez 2023.
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), embora no zoneamento da cidade esse quarteirão seja uma Zeis 3, Zona Especial de Interesse Social destinada à construção de moradias populares e à manutenção da população local. No seu lugar foi construído um hospital, viabilizado por meio de uma parceria público-privada. Obviamente, a construção de um novo hospital é preciosa para a cidade, mas as ilegalidades e violências neste processo não justificam os fins. As centenas de pessoas removidas não tiveram atendimento habitacional adequado, permanecendo em situação de insegurança habitacional. Um exemplo é a trajetória de uma família que após a remoção da Quadra 36 foi morar com parentes no Edifício Wilton Paes de Almeida, conhecido também como torre de vidro, que pouco mais de um mês depois desabou após um incêndio, forçando mais uma vez o deslocamento dessas pessoas (Villela, 2018VILLELA, F. (2018). Refugiados urbanos: as vítimas do desastre habitacional paulistano. LabCidade. Disponível em: https://www.labcidade.fau.usp.br/refugiados-urbanos-as-vitimas-do-desastre-habitacional-paulistano/. Acesso em: 15 dez 2023.
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).

A dispersão como aposta no conflito

A chegada dos “novos fluxos” conforma novas dinâmicas na produção espacial da região. Por um lado, comércios foram fechados, apartamentos esvaziados e imóveis emparedados por seus proprietários. Por outro, uma série de transtornos atravessam o cotidiano de moradores e trabalhadores do entorno. Um exemplo disso aconteceu em dezembro de 2022 no empreendimento da Parceria Público-Privada Habitacional na rua dos Gusmões, quando os moradores ficaram quatro dias seguidos sem energia elétrica devido a roubos de cabos, e se viram obrigados a “sequestrar” a equipe de técnicos da Enel para que o problema fosse resolvido e a energia restabelecida (Dias, 2022a).

Novas esquinas, calçadas e cantos passam a ser ocupadas pela concentração de pessoas que usam crack, transformando a circulação na cidade e potencializando tensões e conflitos. Enquanto as pessoas que fazem uso de crack vagam incessantemente como manejo da força policial, a população do centro rearticula seus modos de vida seguindo o compasso: param de frequentar restaurantes ou supermercados por conta do novo posicionamento do fluxo, hotéis da região tiveram reservas canceladas,11 11 Segundo informações do representante da Associação Brasileira de Hotéis da audiência pública de em 22/8/2023, referente ao Projeto de Lei n. 448/23 que pauta a isenção de IPTU. Ver a seguir. pessoas mudam a rota para o trabalho ou tomam o ônibus em outro ponto. Mais recentemente, em novembro de 2023, os moradores da Ocupação Mauá formaram uma barreira humana e fizeram uma ocupação da rua durante seis noites seguidas, o objetivo era impedir que as forças policiais passassem a deslocar o fluxo para a rua da ocupação (Marino e Santos, 2023MARINO, A.; SANTOS, R. A (2023). Enquanto o poder público insiste em dispersar a cracolândia, moradores do Centro precisam se virar por conta própria. LabCidade. São Paulo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo-USP. Disponível em: https://www.labcidade.fau.usp.br/dispersao-cracolandia-moradores-centro-sp-se-viram-por-conta-propria/ Acesso em: 9 fev 2023.
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). Conforma-se, portanto, um estado permanente de alerta e insegurança, lançando o território na penumbra de uma neblina moral.

Em 10 de agosto de 2023, em evento promovido pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo,12 12 Evento de divulgação dos resultados da pesquisa intitulada “Operação Cachimbo: relatórios das detenções em massa realizadas na Cracolândia”, realizada pelo Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. alguns moradores presentes solicitaram que a Defensoria realizasse também um processo de escuta dos moradores dos prédios, pois se sentem acuados entre as manobras do poder público e o “fluxo”. Entre as demandas apresentadas, reivindicam por mais espaços de convivência. Ao mesmo tempo, expressam também pouca disponibilidade de conviver com o diferente ao afirmarem que se sentem prejudicados com a presença e circulação do fluxo próximo a suas residências. Relatos como “a gente não consegue mais viver aqui. Parece que tem uma preferência de que eles podem viver aqui e a gente não”; e “eu não incomodo o usuário de drogas, porque eu entro na minha casa e tô lá, mas ele na minha porta, eu não consigo passar, o meu direito de ir e vir é violado” (Diário de campo, 10 de agosto de 2023) expressam a forte desagregação e a emergência de conflitos nas relações sociais cotidianas. Os desconfortos e posicionamentos dos moradores surgem como elemento que evidencia o conflito, a disputa pelo espaço e o desafio para implantação de alternativas que pautam a convivência coletiva e o respeito pela diferença. As bases do senso de comunidade estão drasticamente dissolvidas, e a disputa por narrativas cria separações e diferenciações socioespaciais no território.

O reforço do poder público na figura do inimigo justifica a implantação de políticas de aniquilamento ou expulsão. Esse ímpeto está presente mesmo em falas que podem ser consideradas mais moderadas como: “nós não estamos aqui uns contra os outros, eu também não sou do time dos moradores que querem queimar os usuários, pelo contrário, eu queria que todos os usuários tivessem tratamento, mas fora daqui” (ibid.).

Moradores e comerciantes que, após as ações policiais desse ano, passaram a conviver com os fragmentos da Cracolândia e são colocados em situação-limite, e demandam medidas imediatas contra os transtornos causados pelos deslocamentos dos fluxos. Além da hostilidade contra as pessoas em situação de rua, o sentimento de animosidade é transferido para ativistas, trabalhadores da rede de atenção psicossocial (Nascimento e Pieve, 2021NASCIMENTO, I. C. R.; PIEVE, S. M. N. (2021). As janelas do condomínio trazem proteção ou dúvida se está dentro de uma prisão: o caso de uma PPP habitacional na Cracolândia em São Paulo. O Público e o privado, v. 19 n. 39, pp. 85-114. Disponível em: https://revistas.uece.br/index.php/opublicoeoprivado/article/view/4375. Acesso em: 1º dez 2023.
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) e coletivos que há décadas atuam pela garantia de direitos.

O espalhamento dos fluxos tornou mais visível um descontentamento de parcela da sociedade civil contrária a esses coletivos e trabalhadores, pois estes defenderiam a permanência da Cracolândia e, inclusive, lucrariam com isso (Marino, Lima e Jacon, 2023). Ao longo de 2022, aconteceram diversas manifestações de moradores dos referidos bairros, exigindo mais uma vez a adoção de medidas radicais como a internação forçada e as truculentas operações policiais. Em novembro de 2022, foi elaborado um manifesto por parte da comunidade e um ato em apoio à Operação Caronte (Portal Santa Cecília e Barra Funda, 2022). Dois meses antes, em setembro, motivados por um abaixo assinado dos moradores, Policiais Civis realizaram uma ação contra artistas e ativistas do projeto Teto, Trampo e Tratamento, que realizam todas as quintas-feiras ações culturais e de redução de danos no fluxo. Na ocasião, para além de vítimas da truculência policial, os profissionais e participantes da atividade foram presos para averiguação, além de uma bicicleta com equipamento de som para o desenvolvimento da atividade ter sido apreendida. A bicicleta, como instrumento de trabalho, foi devolvida 13 meses depois, em outubro de 2023, com intervenção do Ministério Público (Dias, 2023DIAS, P. E. (2023). Bicicleta usada por palhaço da cracolândia segue em depósito um ano após apreensão. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2023/09/bicicleta-usada-por-palhaco-da-cracolandia-segue-em-deposito-um-ano-apos-apreensao.shtml Acesso em: 15 dez 2023.
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).

Esse clima de animosidade retira o foco e dificulta debates propositivos de ações que possam melhorar a vida de todas as populações que vivem e trabalham na região central de São Paulo. As pontes para o diálogo são prontamente queimadas, as articulações passam a ser outras, a população se escora e legitima a violência policial e os coletivos são cada vez mais isolados na esfera pública. Postos como inimigos, os diferentes grupos da sociedade civil incorporam a forma de guerra na qual o território foi conformado: moradores e comerciantes contra os militantes e ativistas, e a população em situação de rua como massa de manobra.

Essa divergência de perspectivas se materializa em uma narrativa que se opõe às estratégias pautadas pela redução de danos e pela garantia de direitos, em que o processo de cuidado é construído a partir do diálogo e do respeito pelas singularidades das pessoas. Os ânimos aflorados dos diferentes atores da comunidade apressam respostas imediatistas e bradam pela internação compulsória como solução mágica e necessidade urgente. Nessa arena, a narrativa da internação compulsória ganhou forte apoio popular nos últimos anos,13 13 Heteronomia decorrente da sujeição, animalização, naturalização desses corpos como destituídos de autonomia e vontade. especialmente a partir da manutenção da política de dispersão desde 2022, conduzida e sustentada pela Operação Caronte. A manutenção duradoura da política de dispersão, por mais que gere enorme desgaste político aos mandatários do momento, acirra o conflito ao promover incômodos e reações da população local e sociedade, que, ao buscarem soluções imediatas, passam a apoiar e aderir à ideia da internação como única alternativa possível. Porém, esse apoio popular é estratégico para a manutenção e ampliação das Comunidades Terapêuticas como equipamento de cuidado. Esse modelo de tratamento é frequentemente carregado por preceitos morais, pois muitas unidades são vinculadas a igrejas evangélicas ou católicas, modelo que tem recebido cada vez mais poder e investimentos públicos (Soares, 2020SOARES, G. (2020). Investimento federal em comunidades terapêuticas sobe 95%. Folha de S.Paulo. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/11/investimento-federal-em-comunidades-terapeuticas-sobe-95. Acesso em: 15 dez 2023.
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), além de sofrerem diversas denúncias por tortura e maus-tratos.14 14 Matéria do programa Fantástico, da Rede Globo de Televisão, em 26 de novembro de 2023 (Agressões..., 2023).

Criação de mercados de proteção e extorsão

O território virou um verdadeiro barril de pólvora. O constante deslocamento dos fluxos e os impactos associados amplificam os conflitos já existentes na região. Ao longo do ano foram inúmeros os relatos de violência, seja de assaltos e furtos praticados por parte das pessoas que frequentam o fluxo, seja por parte de alguns comerciantes e moradores que, indignados com a situação atual, partiram para as vias de fato, expulsando pessoas em situação de rua à força.

A política de dispersão também contribui com o aumento da presença de grupos de segurança privada no território (Marino et al., 2022). Nas ruas, passou a ser comum ver lojistas com seus seguranças particulares empunhando porretes e facões. Algo que já era visível, por exemplo, nos quarteirões onde se localizam empreendimentos da Porto Seguro e na rua Santa Ifigênia, que concentra comércio de artigos de informática, elétrica e iluminação. Nas últimas semanas, a presença desses grupos de segurança privada é bastante visível ao longo da Avenida Duque de Caxias, formando uma espécie de “zona livre” da presença de “usuários de crack”. As intervenções policiais mais recentes tiveram como efeito escalar a presença desses grupos, transformando a segurança e a proteção em uma mercadoria cada vez mais lucrativa. Em audiência pública sobre o Projeto de Lei n. 448/23,15 15 O PL n. 448/23 foi aprovado no dia 4 de outubro de 2023 e dispõe sobre isenção de IPTU para imóveis residenciais e comerciais específicos na região da Cracolândia. comerciantes alegaram o custo de R$7 mil reais com segurança privada no território. Isso tem colocado um dilema para os moradores e comerciantes locais, pois aqueles que não se sujeitam ou que não possuem condições para pagar pelo “serviço de segurança” – operado por meio da lógica miliciana da chantagem – acabam vendo o fluxo se fixar na porta das suas casas ou estabelecimentos comerciais.

A atuação de agentes de segurança pública em grupos de segurança privada é notória na cidade de São Paulo, trata-se de uma prática antiga policiais da ativa, reformados ou aposentados fazerem “bicos” para comércios ou na segurança de bairros. Mas na Cracolândia identificamos uma dinâmica nova: a presença dessas duas forças armadas tem modificado a cartografia da Cracolândia no território, apontando para a reprodução de uma “lógica miliciana” na região central. Com a dispersão das cenas de uso, moradores e comerciantes passaram a sofrer pressão por parte de agentes de segurança pública para contratarem serviços privados de segurança, mobilizando a garantia de segurança e o pronto atendimento das forças estatais. Em matéria da TV Bandeirantes, áudios enviados por comerciantes denunciam uma dessas tentativas de extorsão:

“Nós somos uma família. Se alguém mexer comigo, no mínimo 18 viaturas ‘cola’. Nós somos a Rota da GCM, irmão” [...] “Eu quero te mostrar a diferença entre ter segurança e não ter". (Jozino, 2023)JOZINO, L. (2023). GCM cobra taxa de proteção a comerciantes na região da Cracolândia. Jornal da Band. Disponível em: https://www.band.uol.com.br/noticias/jornal-da-band/ultimas/gcm-cobra-taxa-de-protecao-a-comerciantes-na-regiao-da-cracolandia-em-sao-paulo-16607599. Acesso em: 15 dez 2023.
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O sociólogo Charles Tilly traz preocupações importantes sobre o entrelaçamento histórico entre o capitalismo mercantil, a produção da violência e a criação do Estado. Ao analisar o histórico de formação dos Estados-Nações europeus, destaca como o banditismo, a pirataria, a extorsão e a clandestinidade se confundem com as intervenções oficiais do Estado na produção e manutenção do conflito (Tilly, 1985). Tilly examina como a lógica de acumulação/concentração de capital e dos meios coercitivos, via monopolização da violência, são indispensáveis para o crescimento e consolidação dos Estados. Já os Estados, para seguir no controle do capital e das formas de coerção, realizam inúmeras negociações, além de criar dispositivos de “regulamentação, compensação, distribuição e proteção” (Tilly, 2017, p. 107). Contudo, o Estado não é um bloco monolítico, tem sempre suas diferentes tendências, interesses e alianças, fazendo com que as negociações transitem por terrenos extralegais/oficiais no manejo das dinâmicas urbanas.

A mobilização desta reflexão proposta pelo autor, longe de ingenuamente deslocar a história da Europa para outras partes do mundo, pode auxiliar na busca por compreensões das relações atuais entre Estado, a produção da violência e a venda da proteção, principalmente em contextos latino-americanos. Na Cracolândia, o Estado oferece a ideia de proteção via presença constante das forças de segurança ao mesmo tempo que fomenta o conflito via intervenções de dispersão, criando a ideia do “‘inimigo”’ a ser combatido − a dinâmica do fluxo. Entretanto, é o mesmo Estado que, ao produzir o conflito, fomenta a prática de segurança privada alimentando uma economia clandestina da “venda de proteção”. Em relato de campo, moradores do território nos contaram que, ao fazer um apelo ao delegado da 77º DP, ele teria “sugerido” que contratassem uma empresa de segurança privada para solucionar seus “problemas”. Assim, ao proteger alguns, o Estado vulnerabiliza outros, e segue-se a lógica capitalista de contraste entre privilégios e aniquilação.16 16 O Estado sempre operou de forma a favorecer determinadas frações de classe. Com o neoliberalismo, essa seletividade se acentua – inclusive com o uso de violência em detrimento de políticas sociais. Tilly aponta como a ideia de proteção é naturalmente dual, pois evoca segurança ao mesmo tempo que traz desconforto, e essa oscilação depende do contexto e da forma como se manifesta o perigo (Tilly, 1985). Um movimento cíclico em que o Estado é capaz de agenciar e monopolizar esta rede de proteção simultaneamente à criação da ameaça. Segundo Tilly:

Uma vez que as atividades repressivas e extrativas dos governos constituem muitas vezes as maiores ameaças atuais aos meios de subsistência dos seus próprios cidadãos, muitos governos operam essencialmente da mesma forma que os criminosos. (Ibid., p. 171)

De fato, a proteção virou negócio, e essa economia extrapola a movimentação financeira da compra/venda de segurança particular, pois também se torna produto político em disputas partidárias e eleitoreiras. Uma mercadoria simbólica que se utiliza da moralidade em relação à ilegalidade para seguir justificando a oferta paulatina do espaço à iniciativa privada. Para Tilly (2017)TILLY, C. (2017). Coerção, capital e estados europeus. São Paulo, Edusp., as negociações construídas são assimétricas e evidenciam as intenções do Estado na gestão das pessoas, do espaço e das políticas urbanas. São dinâmicas que se beneficiam do estado de exceção que atravessa o território, onde quem dispõe dos meios de violência é também quem vende proteção.

Considerações finais

A percepção e o reconhecimento das atividades informais e ilícitas como parte do desenho das dinâmicas locais são de extrema importância para ampliarmos o olhar para as possibilidades diversas de produção da cidade. Uma análise das políticas realizadas nas últimas três décadas deixa evidente que melhorias na qualidade de vida das pessoas que vivem, trabalham e frequentam a região da Cracolândia, só serão possíveis quando a forma como se lida com a questão mudar radicalmente. O grande problema da Cracolândia não é somente o crack, e o foco excessivo no combate à substância e seu suposto território desvia a atenção de questões centrais como a miséria e as condições de extrema vulnerabilidade de grande parte dos integrantes dos fluxos. Questões essas que são intensificadas e se agravam pelos históricos processos de despossessão e violência que ali se perpetuam.

As dinâmicas territoriais na Cracolândia dão pistas suficientes de que a produção do conflito pode ser parte central do planejamento, permitindo uma reflexão sobre as contradições nas disputas pelos espaços urbanos. O Estado, ali, atua não na chave da mediação ou da "resolução dos problemas" − esta última como afirma em discurso − mas na manutenção e reprodução sistemática do conflito como motor das dinâmicas de controle, despossessão e extermínio. Estratégias simplistas que operam desagregando a organização local e mantendo a vida das populações residentes (tanto usuários de drogas, população em situação de rua e moradores pobres, quanto moradores de classe média e comerciantes) no limite do insustentável, e que desesperadamente legitimam a continuidade e aprofundamento das mesmas políticas baseadas na violência, em suas múltiplas dimensões.

A política da dispersão e a multiplicação dos “fluxos” − locais de concentração dos usuários − revelam como a política de guerra às drogas, além de não oferecer apoio e atenção às pessoas que apresentam problemas relacionados ao consumo, potencializa consequências negativas a situações complexas como a Cracolândia paulistana. No entanto, a intervenção baseada em ações de policiamento, "destinada a sempre falhar” (Parra et al., 2022PARRA, H.; MORAES, A.; TELLES, E.; AUGUSTO, A. (2022). Por que a cracolândia funciona? Outras Palavras - Desigualdades, 17 maio. Disponível em: https://outraspalavras.net/desigualdades-mundo/por-que-funciona-o-ataque-a-cracolandia/. Acesso em: 9 fev 2023.
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), tem sido eficiente para controlar espaços e populações, delimitando lugares que passam a ser alvo de intervenções extralegais. A atual Cracolândia paulistana explicita o esforço do Estado em monopolizar a violência (Tilly, 1985)TILLY, C. (1985). "War Making and State Making as Organized Crime". In: EVANS, P.; RUESCHEMEYER, D.; T. SKOCPOL (orgs.). Bringing the State Back. Nova York, Cambridge University Press, pp. 169-191., tanto no sentido literal e concreto das bombas e operações quanto na dimensão social dos processos de exclusão, sufocamento e fragmentação da participação política e comunitária nos processos de produção do urbano e luta pelo direito à cidade. A violência de ações arbitrárias é cotidianamente inflamada pela moralidade em torno da ilegalidade das drogas, exigindo respostas urgentes, e, assim, tornando o que é permitido ou não, negociado a todo instante. Essa ambiguidade inerente ao território é terreno fértil para a produção e utilização de mercadorias políticas por meio de economias clandestinas emaranhadas aos braços do Estado. Um cenário em que o uso da violência e da coerção, por advir do Estado, tem sua legitimidade facilitada socialmente, e o apoio popular ao extermínio ganha força no senso comum e em novas respostas opressivas do próprio Estado (ibid.). Um ciclo desumanizador.

Quais outras abordagens seriam possíveis para políticas públicas mais sensíveis que valorizem a singularidade e particularidades das pessoas que usam drogas? E assim evitar a relação estreita e reducionista entre uso de substâncias, criminalidade e desqualificação. Experiências internacionais baseadas em políticas de housing first (ou casa primeiro), que visam garantir o acesso à moradia como primeiro passo para um processo de cuidado; e ambientes seguros para o uso de substâncias aliadas a medidas consistentes de atenção à saúde, indicam que políticas multidimensionais que garantam direitos, como moradia e trabalho, podem trazer melhores resultados; e que o enfrentamento truculento e policialesco só tende a gerar mais conflitos e produzir contextos de violência e vulnerabilidade.

Propostas na perspectiva da redução de danos e garantia de direitos foram elaboradas no âmbito do Fórum Aberto Mundaréu da Luz, que elaborou com a participação ativa de moradores, trabalhadores e organizações coletivas do território o plano alternativo Campos Elíseos Vivo.17 17 Campos Elíseos vivo... (2018). Para implementação dessas e de outras medidas, no entanto, é necessário que o debate público esteja direcionado a entender as dinâmicas e complexidades que envolvem a Cracolândia e, sobretudo, que fique claro que as medidas tomadas na atualidade multiplicam os desafios a serem superados para a produção da cidade e do cuidado na perspectiva da garantia de direitos. Se antes era uma, hoje existem várias por meio de uma pulverização de Cracolândias na área central de São Paulo.

Desse modo, ao longo dos anos, a “agenda eleitoreira” publiciza a Cracolândia quando interessa, pois os interesses e benefícios político-econômicos perduram nesse movimento de “eterno fracasso” de lidar com a questão – favorecendo atores externos, de múltiplas formas. Se no mesmo território, o Fórum Aberto Mundaréu da Luz, dialogando com a ideia do planejamento conflitual (Vainer et al., 2013VAINER, C.; BIENENSTEIN, R.; TANAKA, G. M. M.; OLIVEIRA, F. L. de; LOBINO, C. (2013). O Plano Popular da Vila Autódromo, uma experiência de Planejamento Conflitual. In: XV ENCONTRO NACIONAL DA ANPUR. Anais. Recife, Anpur.), constituiu e articulou sujeitos políticos coletivos, no sentido oposto, a mobilização permanente do conflito também tem sido sistematicamente utilizada pelo Estado como estratégia de desarticulação e enfraquecimento desses mesmos sujeitos, de suas organizações e de projetos políticos alternativos.

Este é mais um reflexo desastroso de políticas proibicionistas que, além de fortalecer o crime organizado, fazem com que o Estado se misture em essência com suas características, ao criar espaço para economias clandestinas na produção do urbano que alimentam a manutenção do controle dos corpos, subjetividades e territórios a partir da utilização arbitrária da violência sob tutela, responsabilidade e autoria do Estado.

Figura 1
– Ação policial do 3º DP na “Boca do Lixo”, em 1969

Figura 2
– Móveis de casa de prostituição na Boca do Lixo, destruídos a marretadas pela polícia na praça Júlio Mesquita

Figura 3
– Deslocamento da Cracolândia após a ação de dispersão realizada em maio de 2022 na praça Princesa Isabel

Figura 4
– Ato “Vidas na Craco importam” mobilizado por coletivos e trabalhadores da rede de atenção psicossocial

Figura 5
– Ato contrário à presença da Cracolândia mobilizado por moradores de Santa Cecília e Campos Elíseos. E arte de divulgação para o ato em defesa da Operação Caronte

Figura 6
– Ato contrário à presença da Cracolândia mobilizado por moradores de Santa Cecília e Campos Elíseos. E arte de divulgação para o ato em defesa da Operação Caronte

Figura 7
– Grupo de ativistas e usuários, articulados em torno do projeto “Teto, trampo e tratamento”, são detidos pela polícia civil por perturbação à ordem, ação que teria sido justificada por um abaixo assinado de moradores da região

Nota de agradecimento

Agradecemos os parceiros e parcerias que constroem coletivamente o Fórum Aberto Mundaréu da Luz e os demais coletivos que atuam no território. Em especial, agradecemos a Professora Raquel Rolnik pelas trocas e ensinamentos fundamentais para a elaboração deste texto. Não menos importante, agradecemos aos revisores(as) do periódico pela leitura atenta e contribuições importantes para a versão final do artigo. Por fim, agradecemos também o apoio de fomento à pesquisa pelo Processo Fapesp 2022/06741-1.

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Notas

  • 1
    “Guerra às drogas” refere-se às políticas proibicionistas em relação à produção, comércio e consumo de determinadas substâncias psicoativas. O termo foi cunhado e difundido principalmente pelo governo dos EUA durante a gestão de Richard Nixon (1969-1974) e expandido na administração de Ronald Reagan (1981-1989), precursor de políticas baseadas na ideia de “tolerância zero” que foram rapidamente reproduzidas ao redor do mundo.
  • 2
    O De Braços Abertos foi um programa piloto intersetorial da prefeitura de São Paulo entre os anos de 2014 e 2016. Uma política baseada na perspectiva da redução de danos com oferta de acolhimento, trabalho remunerado e atenção psicossocial.
  • 3
    Os autores participaram ativamente da formação do Fórum Aberto Mundaréu da Luz, articulação que envolveu urbanistas, antiproibicionistas, trabalhadores do território e moradores.
  • 4
    Contudo, essas estratégias também acontecem de forma simultânea, mas observamos nos últimos dez anos momentos em que a dispersão se intensifica. Taniele Rui já havia identificado essas tecnologias de gestão da população do fluxo: “duas técnicas se destacam: 1) a ronda contínua, a pé, de carro ou com cavalos, que faz com que os usuários tenham que ficar o tempo todo circulando, em um incansável “jogo de gato e rato” pelos quarteirões próximos; e 2) o cercamento, que consiste em cercar um quarteirão, impulsionando a concentração dos usuários, deixando-os circunscritos a determinada delimitação e, assim, passíveis de terem suas ações monitoradas. [...] A segunda tática (o cercamento) jamais é admitida em discursos públicos pelo alto oficial, que prefere dizer que a concentração dos usuários em apenas uma parte da rua, ou em uma única rua, se dá de forma espontânea, fundamentalmente por regulações internas” (Rui, 2014, pp. 231-232).
  • 5
    O termo surge em paralelo ao aparecimento de inúmeras pequenas caixas de som portáteis que reproduzem músicas de funk pelas pessoas em situação de rua, dialogando com os “fluxos” de bailes funk em regiões periféricas da cidade. Assim, práticas sociais trazidas das margens ressignificam também territórios centrais. Ademais, o termo tem identificação precisa, pois chama a atenção para a territorialidade das cenas de uso do crack, em constante deslocamento, em fluxo, quase sempre expulsos por operações policiais violentas.
  • 6
    “Caronte” na mitologia grega é o barqueiro que atravessava as almas do mundo dos vivos para o mundo dos mortos.
  • 7
    Instituída pela Política Nacional de Atenção Básica, em 2011, a estratégia Consultório na Rua tem como objetivo ampliar o acesso da população em situação de rua aos serviços de saúde. Consiste em equipes multiprofissionais que realizam atendimentos de forma itinerante e em parceria com as equipes das Unidades Básicas de Saúde do território.
  • 8
    Cracolândia... (2022).
  • 9
    Trecho de entrevista com pessoas detidas realizada pela pesquisa da DPESP.
  • 10
    Três ficam feridos... (2017).
  • 11
    Segundo informações do representante da Associação Brasileira de Hotéis da audiência pública de em 22/8/2023, referente ao Projeto de Lei n. 448/23 que pauta a isenção de IPTU. Ver a seguir.
  • 12
    Evento de divulgação dos resultados da pesquisa intitulada “Operação Cachimbo: relatórios das detenções em massa realizadas na Cracolândia”, realizada pelo Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado de São Paulo.
  • 13
    Heteronomia decorrente da sujeição, animalização, naturalização desses corpos como destituídos de autonomia e vontade.
  • 14
    Matéria do programa Fantástico, da Rede Globo de Televisão, em 26 de novembro de 2023 (Agressões..., 2023).
  • 15
    O PL n. 448/23 foi aprovado no dia 4 de outubro de 2023 e dispõe sobre isenção de IPTU para imóveis residenciais e comerciais específicos na região da Cracolândia.
  • 16
    O Estado sempre operou de forma a favorecer determinadas frações de classe. Com o neoliberalismo, essa seletividade se acentua – inclusive com o uso de violência em detrimento de políticas sociais.
  • 17
    Campos Elíseos vivo... (2018).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Set 2024
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2024

Histórico

  • Recebido
    15 Dez 2023
  • Aceito
    22 Abr 2024
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