Resumos
Este texto objetiva analisar a articulação entre conhecimento escolar e emancipação no campo do currículo a partir de uma postura epistêmica pós-fundacional. Entendendo que nomear é um ato político, a análise enfrenta o desafio colocado pela virada paradigmática às leituras essencialistas do mundo. Explicita o diálogo estabelecido com os estudos pós-fundacionais, sublinhando seus efeitos na fixação de sentido para o significante emancipação. Em seguida, analisa a produção intelectual acumulada no campo curricular na última década, focalizando os processos de significação hegemonizados para a interface conhecimento escolar e emancipação. Por fim, a análise procura reativar outros sentidos possíveis da articulação em foco, abrindo pistas de investigação para continuarmos pensando politicamente o campo curricular, em meio às disputas na fronteira definidora de conhecimento escolar.
Currículo; Conhecimento Escolar; Emancipação; Teorias Pós-Fundacionais
This paper aims to analyse the articulation between school knowledge and emancipation in the curriculum field, using an epistemic post-foundational approach. Given that naming is a political act, the analysis confronts the challenge posed by the paradigmatic turn to the essentialist readings of the world. The article clarifies the dialogue established with the post-foundational studies and highlights their effects on the fixation of meaning of the significant emancipation. Then, it analyses the intellectual production amassed in the curricular field during the last decade, focusing on the hegemonic processes of signification for school knowledge and emancipation. Finally, the analysis seeks to reactivate other possible meanings of the relation at stake by opening lines of research, in order to continue thinking about the curricular field in a political manner, amid the disputes over the defining border of school knowledge.
Curriculum; School Knowledge; Emancipation; Post-Foundational Theories.
Ce texte a pour but d'analyser l'articulation s'opérant entre connaissance scolaire et émancipation dans le champ du curriculum scolaire à partir d'une position épistémique post-fondationnelle. Étant entendu que le fait de nommer est un acte politique, l'analyse se trouve confrontée au défi lancé par la tournure paradigmatique à l'égard des lectures essentialistes du monde. Le dialogue établi avec les études post-fondationnelles, soulignant ses effets dans la fixation du sens pour le signifiant émancipation est explicité. L'analyse de la production intellectuelle accumulée dans le champ curriculaire au cours de la dernière décennie versant sur les processus de signification accaparés par l'interface connaissance scolaire et émancipation. Pour finir, l'analyse cherche à réactiver d'autres significations possibles de l'articulation mise en accent, en ouvrant des voies de recherche pour continuer à penser politiquement le champ curriculaire, au sein des disputes avérées dans la frontière définitrice de la connaissance scolaire.
Curriculum; Connaissance Scolaire; Emancipation; Theories Post-Fondationnelles
Este texto tiene el propósito de analizar la articulación entre conocimiento escolar y emancipación en el campo del currículo a partir de una postura epistémica postfundacional. Por entender que nombrar es un acto político, el análisis enfrenta el desafío planteado por el cambio paradigmático de las lecturas esencialistas del mundo. Explicita el diálogo establecido con los estudios postfundacionales y subraya sus efectos en la fijación de sentido para el significante emancipación. Luego analiza la producción intelectual acumulada en el campo curricular en la última década, al enfocar los procesos de significación hegemonizados para la interfaz conocimiento escolar y emancipación. Por fin, el análisis intenta reactivar otros posibles sentidos de la articulación abordada, dando inicio a pistas de investigación para que sigamos pensando políticamente el campo curricular, entre las disputas en la frontera que define el conocimiento escolar.
Currículo; Conocimiento Escolar; Emancipación; Teorías Postfundacionales
À distância, tais conceitos "sublimes" (e à "liberdade" se somam "paz", "igualdade", "democracia", dentre outros) parecem unificados, harmônicos, funcionando como indicativos para terras há muito prometidas e aparentemente alcançadas apenas por seres eleitos. Quando, porém, aproximamo-nos dos mesmos, eles tendem a também se mostrar arredios, contraditórios, indomados. (LOPES, 2010, p. 126)
O entrelaçamento dos conceitos educação e emancipação nos debates educacionais contemporâneos é resultado de articulações discursivas cuja estabilização e sedimentação têm atravessado séculos e estão na base da produção do sentido de escola hegemonizado no âmbito da modernidade pautada pela lógica iluminista. Embora a emergência do conceito de emancipação - entendido como ação de "libertar uma pessoa do controle de outra" (BIESTA, 2008, p. 169, tradução livre) - seja anterior ao século das luzes e à consolidação do pensamento educacional moderno, a lógica iluminista produz efeitos de verdade potentes que funcionam como um divisor de águas na história desse conceito. O ato emancipatório passa, desde então, a depender da razão metafísica iluminista para se efetivar. O iluminismo, por sua vez, apresenta-se e reafirma-se como processo emancipatório.
É nesse mesmo movimento que surge e se consolida o discurso da ciência moderna produtora da verdade científica como expressão maior e unívoca dessa razão libertadora e indispensável para a formação de sujeitos emancipados intelectualmente. Nessa abordagem, a razão ocidental é percebida como condição universal para a emergência de homens livres, independentes e autônomos, e a escola, como a instituição social responsável por garantir o acesso e o exercício dessa racionalidade iluminista, na medida em que, por meio dela, os indivíduos teriam acesso ao conhecimento científico e a oportunidade de desenvolverem o espírito crítico.
Entendido assim, como processo de tornar-se independente ou autônomo por meio do uso da Razão e do acesso à verdade científica esclarecedora e libertadora, o iluminismo participa intensamente da produção da cadeia discursiva que associa significantes como liberdade, emancipação, igualdade, humanismo, razão, ciência, educação e se hegemoniza ao longo da modernidade, em oposição à ideia de opressão pensada tanto em termos individuais como coletivos.
Com efeito, a partir do século XIX, com a entrada no debate epistemológico das abordagens sociológicas críticas, é possível perceber uma ampliação na cadeia definidora do significante emancipação pela incorporação da ideia de liberdade associada à igualdade social. A reconfiguração discursiva desse conceito deixa marcas indeléveis no pensamento educacional, trazendo para o debate a necessidade de se repensar o papel político e epistemológico da instituição escolar. "Aparelho da ideologia dominante", "reprodutora das desigualdades sociais" ou "arena cultural onde são disputados projetos de sociedade", a despeito das nomeações que lhe são atribuídas, a instituição escolar passa a ser vista, desde então, como direta e intensamente comprometida com a estabilização e desestabilização da ordem social desigualmente estruturada. À ideia de lugar de formação de sujeitos emancipados por meio do acesso às luzes esclarecedoras da razão, soma-se o desafio de se construir uma escola democrática e emancipatória que possa contribuir na luta contra todas as formas de opressão social.
Essa associação discursiva entre emancipação individual e emancipação social permanece ainda hoje nos discursos educacionais como uma articulação potente produtora de efeitos performativos tanto sobre os sentidos da relação com o conhecimento escolar como da natureza epistemológica do conhecimento fixados nos textos curriculares que pautam os debates atuais do campo e definem os desafios a serem enfrentados.
Nesses debates, as lutas pela signifixação (LEITE, 2010) da interface conhecimento escolar-emancipação mobilizam e reatualizam de forma recorrente sentidos particulares de escola, docência, aluno, ciência, liberdade, racionalidade, igualdade, expelindo e mantendo para fora das respectivas cadeias definidoras desses significantes outros sentidos possíveis (GABRIEL, 2013; GABRIEL; CASTRO, 2013).
Estudos recentes de diferentes área disciplinares têm "armado perspectivas para ver" (SARLO, 1997) que permitem problematizar essa articulação, abrindo pistas de investigação para repensá-la e relançá-la sob outras lentes teóricas nos debates educacionais contemporâneos. Entre essas perspectivas, destacam-se as abordagens discursivas produzidas na pauta pós-fundacional (LACLAU, 1990, 1996, 2005; LACLAU; MOUFFE, 2004; RETAMOZO, 2009; MARCHART, 2009; MOUFFE, 2014) que assumem uma postura epistêmica radical na formulação da crítica às leituras essencialistas, metafísicas e deterministas do social, por meio da reativação da dimensão ontológica na reflexão do campo das ciências sociais.
Este texto se inscreve nesse movimento e aposta na potencialidade heurística dessas abordagens para pensar a articulação entre educação e emancipação, tendo como recorte privilegiado a questão do conhecimento escolar. Esse recorte não é aleatório. Ele traduz não apenas escolhas teóricas, mas igualmente a forma escolhida para entrar no debate político sobre a possibilidade da construção de uma escola democrática face às demandas de direito que interpelam essa instituição em nossa contemporaneidade.
Afinal, em um contexto de "injustiça social cognitiva" (SANTOS, 2010), no qual o conhecimento é desigualmente distribuído, como falar de emancipação individual e/ou social sem trazer para o debate as lutas tanto pelo acesso a esse bem cultural como pela sua significação e hegemonização nos textos curriculares? Como entrar na disputa pela definição de uma escola pública democrática para todos sem problematizar o conhecimento selecionado e legitimado para ser ensinado e aprendido nessa instituição?
Cabe destacar que, se esse tipo de interrogação não traduz preocupações distintas das já explicitadas nas teorizações curriculares críticas (MOREIRA, 2010; YOUNG, 2007, 2011), a forma de buscar equacioná-las ou enfrentá-las que venho privilegiando em meus estudos e pesquisas (GABRIEL, 2013; GABRIEL; CASTRO, 2013) me distancia de alguns pressupostos desse quadro de inteligibilidade, como procurarei argumentar ao longo deste texto. Assim, não se trata de negar a pertinência de continuarmos a pensar com categorias como emancipação ou conhecimento escolar, mas, sim, a possibilidade de produzir e investir em outros sentidos possíveis para esses significantes.
Isso pressupõe reconhecer na perspectiva teórica aqui assumida - ao contrário de leituras que tendem a minimizar ou negar o potencial das abordagens pós-fundacionais para as análises políticas no campo educacional - uma possibilidade de continuarmos pensando politicamente a educação e a escola em tempos de incertezas paradigmáticas e sem garantias pré-estabelecidas de um futuro promissor.
Este texto busca, assim, trazer uma contribuição para os debates teóricos e políticos do campo educacional e, em particular, do campo do currículo sobre a interface emancipação-educação, tendo como aposta o reconhecimento do papel político incontornável do conhecimento escolar na reflexão sobre a produção de uma escola pública e radicalmente democrática. Para tal, os argumentos desenvolvidos foram organizados em torno de dois momentos. O primeiro apresenta o diálogo estabelecido com a abordagem pós-fundacional, procurando destacar os efeitos produzidos na leitura política do social e, em particular, do conceito de emancipação. O segundo momento analisa articulações discursivas que estão sendo produzidas no jogo político dessa última década entre conhecimento escolar e emancipação em meio às produções acadêmicas do campo do currículo. Para tal, opera empiricamente com um conjunto de textos que se inscrevem na produção intelectual do campo curricular desse período, focalizando os arranjos discursivos que mobilizam a interface emancipação e conhecimento escolar. A análise reafirma a potência heurística das abordagens pós-fundacionais no que diz respeito tanto à identificação de aporias que tendem a tornar o debate improdutivo como à abertura de possibilidades teóricas para reativar outros sentidos possíveis da articulação em foco, em meio às disputas pela produção da fronteira definidora desses dois significantes.
Sobre emancipações
Os argumentos desenvolvidos neste texto vão ao encontro dos estudos mencionados anteriormente, que reconhecem a potencialidade heurística da crítica pós-fundacional e buscam outras ferramentas teóricas que permitam desestabilizar sentidos historicamente sedimentados que sustentam a interface educação-emancipação-democracia - hegemonizada nos debates da área - sem, contudo, despolitizar o debate. Afinal ao utilizarmos esses termos, mobilizamos sentidos de sujeito, estrutura, realidade social, ação política que, em função do quadro teórico ao qual nos filiamos, são significados de forma diferenciada e muitas vezes contraditória. A ideia de emancipação gestada no iluminismo e reafirmada por diferentes dispositivos - entre os quais os processos de montagem de um sistema público de educação e, mais recentemente, as lutas pela sua democratização - pauta-se em pressupostos que produzem verdadeiras aporias que se relacionam aos processos de subjetivação e de objetivação produzidos, mobilizados e fixados pelas leituras essencialistas do social/político. A reflexão sobre e com essas categorias implica, pois, a explicitação da postura epistêmica mais ampla assumida.
No caso do primeiro processo, trata-se do sentido fixado para os significantes sujeito emancipado e sujeito emancipador. Quem é o sujeito a ser emancipado? Quem é o sujeito que estaria em condições de promover o ato emancipatório? Na lógica iluminista, sem a intervenção de um outro (sujeito emancipador, professor, intelectual orgânico), não há emancipação possível, reafirmando-se, assim, pressupostos de leituras metafísicas e transcendentais que alimentam a crença de que os movimentos de emancipação estariam ligados "à perspectiva de que um Deus ou um grande líder visionário indicaria o caminho para a realização da felicidade de um grupo, apontando para o local já predefinido de libertação" (LOPES, 2010, p. 128).
Essa lógica se alimenta de outras crença e apostas. Refiro-me às interpretações que operam com a ideia de um sujeito universal, racional, livre e autônomo, posicionado acima das disputas de poder e dos conflitos ideológicos, capaz de identificar e decidir quais são as demandas dos sujeitos subalternizados, de liderar o processo de emancipação em uma direção pré-estabelecida. Essa lógica tende a não desaparecer quando o indivíduo iluminado transcendental é substituído, em leituras sociológicas críticas de cunho determinista e metafísico, por categorias ou grupos sociais que não estariam mais sujeitados a qualquer ideologia - entendida como "falsa consciência" - e, desse modo, são legitimadas como portadores de leituras mais verdadeiras da ordem social.
O segundo processo diz respeito tanto ao entendimento de realidade educacional diagnosticada e desejada, que oferece o pano de fundo em que o processo de emancipação se realiza, como à concepção de conhecimento acionado para alcançar o status de emancipado. No caso do primeiro significante - realidade social ou educacional -, o debate remete a categorias de análise como totalidade, estrutura, ordem. Na lógica emancipatória iluminista, a realidade social é entendida como uma totalidade engessada e pautada em um fundamento ou essência que se situa fora do jogo da linguagem. No que diz respeito ao segundo termo, os processos de objetivação em disputa envolvem diretamente a questão da verdade científica hegemonizada. O conhecimento legitimado como verdadeiro para ser ensinado nas escolas é visto como veiculador da verdade racional científica que se diferencia e se distancia da ideologia ou de uma suposta falsa consciência.
Este texto trabalha com a hipótese de que problematizar uma possibilidade de articulação entre conhecimento escolar e emancipação significa trabalhar no deslocamento das fronteiras definidoras de ambos os termos. Essa afirmação só se sustenta, no entanto, se assumirmos em nossas análises os efeitos da virada epistemológica provocada pela emergência das abordagens discursivas pós-fundacionais, em particular no que elas contribuem para a produção de uma outra leitura do político, reativando outros sentidos possíveis de sujeito, de conhecimento e de realidade social.
Considerando o recorte aqui privilegiado, optei por apresentar nesta seção algumas ferramentas teóricas formuladas no âmbito do pós-fundacionismo que contribuem para a produção de outras maneiras de pensar os processos de subjetivação e de objetivação que sustentam os argumentos a favor de uma educação emancipatória.
Como afirma Marchart (2009), a perspectiva pós-fundacional oferece pistas de investigação para se pensar um diagnóstico para o presente que envolva o problema da ordem e do conflito a partir de um outro lugar epistêmico. Essa afirmação é importante na medida em que pensar a emancipação ou uma educação emancipatória bem como a construção de uma sociedade e/ou escola democrática, a despeito das matrizes teóricas nas quais essa reflexão esteja inserida, implica produzir uma leitura política do social que parta da formulação de uma crítica à realidade existente e que, em função desse diagnóstico, produza alternativas possíveis.
Cabe assim nos interrogarmos: em que medida a abordagem discursiva pós-fundacional contribui para um projeto de "reinvenção da emancipação social" (SANTOS, 2004)? Que leitura ela autoriza produzir da realidade educacional, e mais precisamente da escola democrática, fazendo trabalhar, assim, as aporias anteriormente mencionadas?
A primeira contribuição a ser destacada consiste no entendimento de ordem ou estrutura social que esta abordagem propicia. Como continuar pensando e interpretando o mundo a partir de categorias de pensamento como totalidade após abrirmos mão de noções como fundamento, essência? Como enfrentar a questão da representação democrática quando noções como representação, objetividade plena ou "sociedade harmônica e perfeitamente reconciliada" (MOUFFE, 2014, p.15) passam a ser questionadas, problematizadas ou abandonadas nas ciências sociais e políticas?
Afinal, operar na pauta do pós-fundacionismo implica abrirmos mão de certezas e verdades na análise do social e do político apoiadas em fundamentos metafísicos que se situam fora do discurso. Isso não significa, no entanto, necessariamente uma posição antifundacionista, como nos ajuda a pensar Marchart (2009, p. 15, tradução livre) ao afirmar que:
O enfraquecimento ontológico do fundamento não conduz à suposição da ausência total de todos os fundamentos, mas sim supõe a impossibilidade de um fundamento último, o que é algo inteiramente diferente, porque implica a crescente consciência, por um lado, da contingência e, por outro, do político como momento de uma fundação parcial e, definitivamente, sempre incompleta
A citação acima permite destacar dois movimentos teóricos importantes nessa abordagem, que merecem ser explorados para a reflexão aqui pretendida. O primeiro diz respeito ao tratamento dado à ideia de aporia pela perspectiva pós-fundacional. Para Laclau (1996), a aporia deixa de ser uma contradição lógica, uma impossibilidade sem lugar próprio e passa a ser vista como uma impossibilidade positiva, com função discursiva na constituição do social. Essa ressignificação nos oferece, do ponto de vista teórico-metodológico, a possibilidade de operarmos na tensão, não mais por escolha, mas como a própria condição do pensamento. O segundo movimento diz respeito à diferenciação conceitual entre político e política e o lugar instituinte atribuído ao primeiro na produção da ordem social.
Na abordagem pós-fundacional, o processo de estruturação de uma ordem social consiste em uma operação discursiva em meio a um sistema relacional e diferencial: "algo é o que é somente por meio de suas relações diferenciais com algo diferente" (LACLAU, 2005, p. 92). Cabe sublinhar, no entanto, que, ao contrário das abordagens estruturalistas, nas teorizações pós-fundacionais, a ideia de sistema relacional se radicaliza, na medida em que elas afirmam a impossibilidade do fechamento desses sistemas em torno de qualquer centro/essência cuja significação seja pré-estabelecido.
Esse enfoque opera com a heterogeneidade como constituinte do social, reafirmando que os elementos que configuram o social não preexistem, mas se constituem por meio dele. Nesse processo, entram em jogo simultaneamente as lógicas de equivalência e da diferença por meio das quais a tensão universal e particular é em permanência reativada, abrindo caminhos teóricos para pensá-la de forma produtiva (GABRIEL, 2013). Afinal como afirma Laclau (2011, p. 69):
Desse modo, encontramo-nos na situação paradoxal de que aquilo que constitui a condição de possibilidade de um sistema de significação - seus limites - é também aquilo que constitui sua condição de impossibilidade - um bloqueio na expansão contínua do processo de significação
A lógica da equivalência é responsável pelo enfraquecimento da diferença entre elementos, sem no entanto eliminá-la por completo. A segunda lógica, por sua vez, a da diferença, atua de forma a produzir uma ruptura, um corte radical que interrompe a cadeia de equivalência produzida pela primeira lógica, emergindo, assim, como condição de possibilidade de toda significação.
Ao radicalizar o papel da contingência, essa guinada epistemológica oferece uma saída teórica para produzirmos entendimentos sobre a tensão universal e particular nos processos de definição do significante totalidade, permitindo ressignificar tanto o sentido de universal, como o sentido atribuído à fronteira entre universal e particular.
Para essa abordagem, o universal não se define nem em termos de solução, tampouco de problema, e sim como condição de pensamento. Esse entendimento permite pensar o universal como significante que unifica o conjunto de múltiplas demandas, sem conteúdo próprio, mas com uma função discursiva incontornável nas lutas pela significação. Lugar de fronteira, o sentido de universal está incessantemente sendo disputado, mantendo sempre abertas outras possibilidades de significação. Desse modo, o lugar do universal poderá também ser ocupado, preenchido com diferentes conteúdos, em função dos sistemas de significação no qual está sendo disputado.
Nessa perspectiva, dois conceitos, redimensionados na pauta pós-fundacional - hegemonia e antagonismo - tornam-se importantes ferramentas de análise. Entendido como uma prática articulatória discursiva definidora do próprio jogo político, o conceito de hegemonia seria, assim, a mola propulsora da ação política, conforme afirmam Laclau e Mouffe (2004). Segundo esses autores, todo discurso hegemônico é um particular que se hegemoniza e se torna universal, por meio de uma ação contingente, precária e construída diante das negociações possíveis. Nesse movimento, uma particularidade assume a função universal, caracterizando, assim, o que Laclau e Mouffe (2004) chamam de uma relação hegemônica.
No seio desse mesmo movimento de hegemonização/homogeneização que investe na necessidade de fechamento e de sutura, emerge o antagonismo, reafirmando a impossibilidade de qualquer fechamento definitivo. Afinal, os antagonismos "revelam a contingência e precariedade de toda identidade e objetividade social, uma vez que qualquer identidade é sempre ameaçada por algo que lhe é externo [...]" (HOWARTH, 2000, p. 5).
Hegemonizar significa fixar e universalizar provisoriamente um sentido particular e simultaneamente produzir seu outro antagônico, expelindo-o da cadeia hegemônica. A luta hegemônica é a luta para ocupar o lugar do significante que exerce a função de limite radical nas diferentes estruturas de significação. Esse posicionamento permite redimensionar a subversão das práticas articulatórias hegemônicas. Não se trata de acabar com os antagonismos ou de eliminar a ideia de universal, mas sim de deslocar a fronteira e de investir na produção de outros universais e antagonismos, por meio de outras articulações discursivas.
É justamente essa intenção de fazer trabalhar a aporia que se traduz pela impossibilidade e necessidade dos fundamentos sociais que justifica a distinção conceitual, nessa abordagem, entre o político e a política ou - como afirma Retamozo (2009, p. 77) - entre a "concepção de uma lógica do político e uma lógica da política para pensar os problemas políticos". Enquanto o primeiro termo corresponderia a "um conjunto de práticas sociais históricas, sedimentadas, heterogêneas, potencialmente infinitas e indeterminadas" (RETAMOZO, 2009, p. 78), o segundo é percebido como um campo de objetividade instituído por uma operação hegemônica, por meio da qual são produzidas fronteiras entre o que se inclui e o que se exclui (o suplemento, o excesso) em uma ordem social específica.
Pensar o político como o lugar instituinte significa recuperar o momento performativo do político, pensar quando e como se produz a operação hegemônica que institui a sociedade, isto é, uma ordem social precária em meio ao magma do Social. O Social é, nessa perspectiva, uma dimensão indefinida, condição de possibilidade da instituição da sociedade, da ordem social, mas que, por sua vez, a excede (LACLAU, 1990). Essa distinção entre Social e sociedade/ordem social é importante para pensar os processos que instituem essa ordem, seus mecanismos de reprodução e possibilidades de mudança, oferecendo saídas teóricas para pensar a realidade educacional a partir de outras lentes que não as utilizadas na lógica emancipatória moderna anteriormente explicitada.
O momento performativo do político está diretamente relacionado a uma fissura no interior do social/ordem social que, embora mobilize diferentes dispositivos de hegemonização visando a sua objetivação e naturalização, não consegue eliminar por completo as múltiplas possibilidades de experiências sociais. Desse modo, o político é produto de um rompimento, deslocamento, da ordem das coisas estabelecidas por meio da introdução do antagonismo e da contingência.
Trata-se, pois, de uma análise que, ao focalizar os conflitos políticos percebidos como propriedade inerente a qualquer configuração política/social, permite evidenciar o processo de produção de uma ordem educacional hegemônica e a reativação da sua contingência, bem como a produção de subjetividades e sujeitos políticos que se movimentam e atuam nessa arena política. Nessa perspectiva, uma ordem social democrática ou uma escola democrática não se apresentam como totalidades engessadas, de sentidos plenos e previamente estabelecidos. Elas se fazem presentes no jogo político como um horizonte de expectativa, cujos sentidos são contingencial e permanentemente disputados.
Este texto opera com a ideia de que é teoricamente produtivo explorar a crise da escola pública brasileira como um desses momentos de reativação do político nas lutas pela definição de uma ordem social na qual o que está em jogo são projetos de sociedade e seus entendimentos acerca da possibilidade de construção de uma escola democrática, emancipatória e inclusiva. Desse modo, essa crise pode ser percebida como acirramento de um conflito inerente às lutas pela significação dessa instituição, permitindo pensar a produção de outros sentidos mais ou menos antagônicos.
O significante emancipação pode ser assim ressignificado a partir dos dois movimentos teóricos, anteriormente destacados, como marcas do pensamento pós-fundacional: a ressignificação da tensão universal e particular face à impossibilidade e necessidade dos processos de significação que funcionam como fundamentos contingentes na produção de uma ordem social, bem como a diferenciação conceitual entre político e política na leitura política do social.
Em relação aos efeitos do primeiro movimento para a definição do conceito de emancipação, destaca-se a possibilidade de deslocar seu sentido de coisa dada ou destino comum a ser alcançado para a noção de processo. Nessa perspectiva:
[...] o agir emancipatório não existe "em si", uma vez que este é sempre relacional e, por isso mesmo, dependente das lutas circunstanciais e interesses dos envolvidos. Não necessariamente está atrelado a um projeto coeso, teleológico e estático, podendo consistir em uma política articulatória de forças e interesses na instauração de um mundo; de uma realidade a potencializar oportunidades e ou obstacularizar perspectivas. (LOPES, 2010, p. 130)
Como é possível destacar nessa citação, a ideia de processo relacional permite igualmente fazer trabalhar de forma produtiva o paradoxo que o termo emancipação carrega. Os mesmos processos emancipatórios que abrem possibilidades limitam outras potencialidades. A leitura pós-fundacional permite compreender essa ambivalência não como imprecisão conceitual, mas sim como a própria condição para se pensar em qualquer processo desse tipo. Uma política educacional emancipatória seria aquela que operasse com a ideia de democracia não como consenso, ou como essência de um viver juntos em harmonia, mas como conflito permanente pela hegemonização de um significante particular alçado ao lugar de universal em meio às lutas pela significação. Trata-se, assim, de produzir igualmente outros antagonismos que interpelam a fronteira do que é e do que não é processo emancipatório e democrático, em função dos interesses e demandas contingenciais que participam do jogo de linguagem.
Se incorporarmos a essa reflexão os efeitos do segundo movimento teórico, o significante emancipação pode ser visto como sendo da ordem também do político e não apenas da política, assumindo o significado de ato criativo, isto é, o momento de irrupção da contingência. Não se trata, assim, de pensar somente em termos de implementação ou consolidação de políticas emancipatórias, mas também de emancipação como momento performativo do político. No primeiro caso, o foco estaria nas lutas pela hegemonização de processos emancipatórios, por meio da produção de dispositivos de esquecimento do momento instituinte da contingência de toda ordem social. Enquanto, no segundo caso, o foco da reflexão sobre a emancipação estaria na sua necessidade e impossibilidade, tendo em vista a compreensão de toda ordem social, inclusive e principalmente da ordem democrática, como uma totalidade fissurada e, portanto, como um terreno no qual é sempre possível o momento da lembrança da contingência, oferecendo possibilidades conceituais para pensar a abertura permanente do social.
O ato emancipatório no campo educacional pode ser entendido, assim, simultaneamente como a luta pela hegemonização de algumas cadeias definidoras de significantes - como, por exemplo, escola e conhecimento escolar - em detrimento de outras, e como o combate permanente contra o esquecimento da possibilidade de rompimento da articulação hegemônica, a qual impede que outras práticas articulatórias possam participar das lutas pela hegemonização de sentidos desses significantes flutuantes. A escolha do foco depende da ênfase que queremos dar em nossos estudos no campo educacional.
Emancipação e conhecimento escolar: arranjos discursivos em circulação
Esta seção não tem pretensão de apresentar um estado da arte sobre a temática em foco. O objetivo é bem mais modesto. Ao produzir a empiria para a análise aqui proposta, o intuito foi capturar algumas articulações produzidas em meio aos debates curriculares entre emancipação e conhecimento escolar. Para tal, foi necessário estabelecer critérios que pudessem orientar e legitimar a escolha do conjunto de textos que foram selecionados como objeto desta análise. O primeiro critério remeteu à natureza da escrita e do suporte de divulgação acadêmica nos quais esse debate é produzido e socializado na comunidade científica.
Entre as diferentes naturezas e suportes - teses e dissertações, documentos curriculares oficiais, textos acadêmico-científicos, publicados em periódicos, livros e anais de eventos -, este estudo focalizou os artigos publicados nos periódicos nacionais qualificados como A1 e A2 na área da educação pela última avaliação da Capes. Essa escolha se justifica pelo fato de ser plausível considerarmos que, embora os textos que circulam nesses periódicos não representem de forma exaustiva o que tem sido discutido e produzido no campo educacional, seu conjunto pode ser visto como uma amostragem significativa e relevante das temáticas que são priorizadas pela comunidade científica da área, garantido, dessa forma, a legitimidade do recorte.
O segundo critério utilizado está relacionado à seleção dos periódicos no conjunto de periódicos nacionais classificados como de excelência. Tendo em vista o foco da abordagem escolhida, optei por selecionar aqueles cujo vínculo com os estudos curriculares estavam claramente explicitados no projeto editorial e no título da revista. A aplicação desses dois critérios resultou na escolha dos textos publicados na última década nos periódicos Currículo sem fronteiras e Revista e-Curriculum, ambos classificados como A2. Além do indício presente no título dessas duas revistas, é possível percebermos igualmente tal vínculo na apresentação das suas respectivas linhas editoriais. No "Manifesto" da revista eletrônica Currículo sem Fronteiras, por exemplo, lê-se "O campo do currículo assume uma preponderância incontornável dado que nele se atravessam quer as problemáticas inerentes às políticas sociais relacionadas com a educação [...]" ; o segundo periódico traz em sua capa eletrônica: "A Revista Científica e-Curriculum é fruto de esforços de pesquisadores no campo do Currículo [...]. A revista traz ao debate temas candentes das tendências de construção dos currículos no mundo globalizado".
A produção comum desses dois periódicos nesses últimos dez anos correspondeu a um conjunto inicial de 48 volumes, englobando 577 artigos publicados. Foram considerados em ambos os periódicos apenas os artigos publicados na rubrica artigos científicos, organizados ou não sob a forma de dossiês temáticos. Selecionei, desse total de textos, um universo de 36 artigos. Para tal, utilizei como critério a presença, nos respectivos títulos, de um ou mais termos do seguinte conjunto de significantes: conhecimento; saber; conteúdo; ciência; poder; escola; escolar; escolarização; emancipação; emancipatória; democracia; democrático.
A escolha por operar com esse conjunto de significantes está diretamente relacionada ao recorte privilegiado nesta análise. Cada um desses significantes foi considerado indício potencial da presença, nesses textos, da discussão aqui privilegiada. Em seguida, a partir da leitura dos resumos e das palavras-chaves, descartei dez desse conjunto de 36 textos - porque não abordavam a realidade educacional brasileira ou não focalizavam a educação básica ou o campo educacional -, resultando em um conjunto final de 26 textos, que passou a ser considerado como o campo empírico do presente artigo. Reconheço que os critérios de seleção utilizados deixaram de fora de minha coleção textos que podem igualmente apresentar interesse para a análise aqui pretendida. De toda maneira, quaisquer outros critérios utilizados produziriam outras exclusões. Essa é, portanto, apenas uma seleção possível.
Esses 26 textos são aqui tomados em seu conjunto como uma meada tecida por múltiplos fios heterogêneos ou fluxos de significação que circulam no campo do currículo em nossa contemporaneidade. Esta análise não pretende questionar as formulações produzidas nesses textos. Tampouco é seu propósito a gestão de eventuais lacunas, identificadas como tais a partir da defesa de uma abordagem mais correta, mais verdadeira ou mais potente para a temática em foco. Os critérios utilizados para selecioná-los, bem como a perspectiva pós-fundacional adotada não autorizam nenhuma dessas pretensões.
Entendendo esse tecido-texto como prática de enunciação produzida em função de meus interesses de investigação, optei por puxar alguns fios dessa meada que se encontram entrelaçados e que considerei portadores de forte carga performativa, isto é, produtores de efeitos de verdade nos processos de significação em foco. Ao trazer para a tessitura deste texto citações de diferentes artigos que compõem o acervo empírico, não tive a preocupação de abarcar todos os autores. Elas materializam os rastros dos fluxos de significação que perpassam o conjunto dos textos selecionados.
A primeira observação que merece ser destacada acerca desse conjunto de 26 textos diz respeito à sua heterogeneidade. Heterogeneidade no tipo de escrita acadêmica - ensaios teóricos, entrevistas, resultados de pesquisa - e na escolha das perspectivas teóricas e /ou paradigmáticas privilegiadas. Com o objetivo de produzir uma unidade na dispersão que pudesse me ajudar na análise empírica, misturei em um só arquivo os textos publicados nos dois periódicos selecionados e os reorganizei em três grupos. No primeiro, reuni cinco textos (Anexo 1) que tinham em seu título os significantes emancipação; emancipatória; democracia; democrático, poder. O segundo abarca dezoito textos (Anexo 2) cujos títulos traziam os termos conhecimento, saber, conteúdo, ciência, escola, escolar, escolarização. Por fim, o terceiro grupo é composto por três textos (Anexo 3) que têm em comum apresentarem, nos seus respectivos títulos, um de cada termo que integra os dois grupos anteriores.
No caso do primeiro grupo, o propósito foi justamente perceber os discursos sobre conhecimento escolar que eram acionados para sustentar as discussões sobre emancipação e democratização da escola pública. No segundo grupo, a reflexão seguiu o caminho inverso. Interessava capturar os eventuais discursos sobre emancipação e democratização mobilizados no conjunto de textos cujo foco estava voltado para questões de escola e conhecimento. Cabe destacar igualmente que os textos desses dois grupos tinham em comum o fato de não apresentarem vestígios - seja no título, nas palavras-chaves ou no resumo - que pudessem ser percebidos como alguma intencionalidade em trabalhar os significantes emancipação e conhecimento escolar de forma articulada. O terceiro grupo, ao contrário, caracterizou-se justamente por deixar entrever uma possibilidade de articulação mais intencional entre esses dois termos.
A partir da leitura na íntegra dos textos desses três grupos, teci, com diferentes fragmentos selecionados, uma escrita urdida com fios da meada que quero aqui puxar - conhecimento escolar e emancipação - e que trago a seguir como uma possibilidade de interpretação dos arranjos discursivos disponíveis no campo curricular.
O primeiro fio puxado para compor a trama diz respeito ao sentido de escola hegemonizado nesse texto-tecido. Apesar da multiplicidade de perspectivas teóricas que se entrecruzam nessas escritas e das diferentes interlocuções teóricas estabelecidas no debate conceitual travado sobre os significantes emancipação, poder, democracia - por Paulo Freire, Boaventura de Sousa Santos, Henry Giroux, Adorno, Ernest Laclau, Bakhtin, Homi Bhabha, Walter Benjamim, Jean Claude Forquin, Condorcet, Foucault -, a aposta na potencialidade epistemológica e política da instituição escolar permite significá-la como um espaço propício para o exercício de práticas emancipatórias. O sentido de escola como "uma instituição social atravessada pela sociedade que a criou, ou seja, também impregnada daquilo que se pretende superar" (OLIVEIRA, 2012, p. 5) emerge com força no conjunto dos textos e está na base dos múltiplos projetos educativos emancipatórios em disputa no cenário político contemporâneo.
Mesmo aqueles estudos que incorporam a crítica à lógica iluminista que puxa o tapete "sobre o qual se assenta a escola moderna ou se assentam, pelo menos, nossos discursos sobre o que é e para que serve a educação escolarizada" (VEIGA-NETO, 1995, p. 13 apud STRECK, 2012, p. 17), continuam se interrogando sobre "qual poderia ser a função de uma perspectiva teórica comprometida" (BHABHA, 1998 apud MACEDO 2006, p. 109). A formulação da questão "comprometida com o quê?" (BHABHA, 1998 apud MACEDO, 2006, p. 109) continua reverberando entre os pesquisadores do campo. Ela problematiza o conteúdo do comprometimento, mas não nega a pertinência da aposta acima mencionada. Afinal,
[...] a escola [...] não é a única responsável para produzir mudanças, mas é uma instituição relevante que pode contribuir enormemente para que transformações sociais aconteçam. É preciso lutar para que seja um espaço amplo de debates e conflitos no sentido de desconstruir as desigualdades, estigmas, estereótipos e preconceitos. (ARAÚJO, 2014, p. 194)
Percebidas como "formas sociais responsáveis pela ampliação das capacidades humanas, pela preparação das pessoas para intervirem em sua própria formação e vislumbrarem a possibilidade de transformar suas condições de vida e da sociedade onde vivem" (FELICIO, 2010, p. 245), a instituição escolar é, pois, uma "instância político-reflexiva, lócus de formação para a prática democrática" (SAUL; SILVA, 2011, p. 15).
Seja fazendo parte do sonho emancipatório moderno, seja como elemento mobilizado nas práticas articulatórias em meio ao jogo político, a possibilidade de construção de uma escola-Outra permanece, em meio à crise dessa instituição, como uma aposta na qual ainda vale a pena investir.
Essa visão consensual começa a se dissipar quando se trata de apresentar e defender as estratégias para efetivar a potencialidade emancipatória dessa instituição por meio da reativação de um ou outro significante que ocupa o lugar da fronteira entre o que é e o que não é, ou melhor, entre o que deveria ser e o que não deveria ser uma escola democrática.
Dependendo das práticas articulatórias produzidas na definição de escola e das cadeias de equivalência definidoras de significantes que ocupam o lugar antagônico, o foco da crítica e as estratégias para hegemonizar o sentido pretendido variam, tensionando fronteiras e abrindo múltiplas possibilidades de operar com o termo emancipação, que qualifica a instituição escolar. De uma maneira geral e com ênfases distintas, o conjunto das dimensões pedagógicas - produção e organização curricular, relação entre sujeitos e conhecimento, e também as práticas avaliativas - tende a ser questionado e antagonizado, evidenciando múltiplos fios da meada passíveis de serem puxados.
Entre os argumentos favoráveis à construção de uma escola emancipatória, encontram-se, por exemplo, aqueles que se apoiam sobre os discursos que problematizam a relação estabelecida entre os sujeitos - docentes e discentes - com o conhecimento. É comum nessas formulações uma ênfase na articulação entre escola e emancipação intelectual, a partir da incorporação das contribuições das perspectivas construtivistas, tais como reelaboradas no campo educacional.
Essas perspectivas concebem "o conhecimento como o resultado da interação entre os fatores externos e internos, melhor, como o processo de adaptação ativa entre o sujeito e o seu meio" (STRECK, 2012, p. 14). Afinal, "o que há em comum em todas as vertentes do construtivismo é a valorização da pessoa como construtora de conhecimentos" (STRECK, 2012, p. 14). Nas escolas democráticas e emancipatórias, o sujeito posicionado como aluno docente não é "considerado passivo em relação às suas aprendizagens" (CRUZ, 2008). "O educando é o sujeito de seu conhecimento" (SAUL; SILVA, 2011, p. 12). Essas aprendizagens seriam "alicerces na construção de seu futuro, pelo reconhecimento de sua autoria no processo, cujo protagonismo e leitura crítica da realidade geram a ressignificação de seu lugar no mundo, desta feita, de modo propositivo e cidadão" (CRUZ, 2008).
Esses discursos pedagógicos que operam com a percepção do aluno como sujeito ativo, protagonista no processo de produção de conhecimento escolar, articulam-se, em alguns arranjos discursivos, com a crítica formulada no âmbito das teorizações sociais à hierarquização entre as posições de sujeito e os seus respectivos saberes. A defesa de relações mais horizontais entre os diferentes sujeitos emerge como uma bandeira importante, fortalecendo os argumentos a favor de um projeto educacional emancipatório. Afinal,
[...] horizontalizar ao máximo as relações entre professores e alunos e também entre eles, bem como com os demais membros da comunidade escolar, buscando fazê-los compreender a importância dessa obrigação política horizontal para os modos de interação nas salas de aula, é um aspecto importante para pensar as possibilidades de proposição e desenvolvimento de propostas curriculares favoráveis à formação cidadã na perspectiva da cidadania horizontal e da democracia social, ou seja, daquelas que se praticam cotidianamente em todas as dimensões da vida social. (OLIVEIRA, 2012, p. 19)
Trata-se, nessa perspectiva, de falar de "comunidades interpretativas" nas quais "a solidariedade é o conhecimento obtido no processo, sempre inacabado, de nos tornarmos capazes de reciprocidade através da construção e do reconhecimento da intersubjetividade, numa perspectiva de reciprocidade".
Entre as diferentes possibilidades de construção argumentativa, destacam-se igualmente os discursos que problematizam, para além da relação acima mencionada, a natureza epistemológica e política dos conhecimentos reelaborados em objeto de ensino. Nessas configurações discursivas, a questão do conhecimento é necessariamente questionada e problematizada. O conhecimento escolar passa a ser o foco da análise, assumindo um lugar de destaque nas configurações discursivas produzidas. Afinal, a "construção do conhecimento, neste paradigma, não é neutra, e tem o sentido de provisoriedade, sentidos típicos de uma sociedade e de sujeitos em permanentes processos de mudança" (CRUZ, 2008). Trata-se nesses discursos de manter viva a "pergunta pelo conhecimento que importa" (STRECK, 2012).
É o caso, por exemplo, dos discursos que enfatizam a importância da construção de um currículo emancipatório (CRUZ, 2008, p. 8; FELÍCIO, 2010, p. 245) nas escolas que aspiram a ser percebidas como espaços democráticos. A defesa de um currículo dessa natureza não opera, no entanto, com argumentos consensuais. Ela se faz justamente nas lutas pela hegemonização da interface conhecimento escolar-emancipação, por meio da reativação de sentidos particulares relacionados a significantes como ciência, cultura, experiência ou conteúdo.
Entre esses sentidos particulares, o significante ciência ocupa um lugar de destaque nas disputas em torno do conhecimento escolar, envolvendo diretamente as lutas pelas significação da interface verdade-saber-poder. Em torno desse significante, produzem-se diferentes cadeias de equivalência.
A articulação entre sentidos de ciência e conhecimento escolar reatualiza as potencialidades heurísticas e políticas da ciência moderna, operando com posturas epistêmicas e perspectivas teóricas diferenciadas que investem em múltiplas leituras da tensão universal e particular. Em algumas dessas formulações:
[...] [o] relativismo não pode estar na base do programa escolar público, pois, caso isso acontecesse, estar-se-ia abrindo a possibilidade para se impor a todos o que é específico de alguns. O universal diz respeito ao epistêmico, sinônimo de verdade em oposição ao erro, à superstição e ao preconceito. Universal diz respeito ao espírito humano, ao genérico e não ao indivíduo e/ou a grupos específicos. Cabe à instrução sobrepujar a singularidade, elevando o indivíduo ao universal. (SILVA, 2008, p. 2)
A defesa do universalismo remete à especificidade do saber escolar, isto é, à transmissão e assimilação dos conhecimentos sistematizados, que estão além das demandas circunstanciais e espontâneas. Os vínculos do universalismo com a especificidade escolar coincidem com o pressuposto de um currículo emancipatório. (NEUVALD; GUILHERMETI, 2008, p. 170)
Outras variações da defesa da ciência moderna como elemento incontornável da cadeia definidora de um currículo emancipatório estão presentes nos debates sem que os outros saberes ou as experiências dos alunos sejam colocados em oposição. Nessa perspectiva, a defesa de um currículo emancipatório mobiliza a ideia de que:
[...] o conhecimento, historicamente sistematizado pelas comunidades científicas, não pode ser concebido como uma racionalidade instrumental, uma técnica que legitima relações de poder enredadas nas práticas escolares convencionais. A racionalidade emancipatória inverte essa situação, colocando o acervo científico acumulado pela humanidade a serviço do esclarecimento crítico necessário à emancipação dos sujeitos. (SAUL; SILVA, 2011, p. 14)
Nesses discursos, a tensão entre universal e particular tende a se transvestir nos termos ciência e cultura colocados na situação de pares antagônicos. As implicações dessas diferenciações para pensar a escola emancipatória assumem contornos singulares em função das hibridizações teóricas produzidas. As estratégias discursivas variam desde a crítica radical às leituras universalistas que negam ou silenciam a potencialidade subversiva de outras formas de conhecimento na construção do currículo emancipatório, passando por propostas que buscam soluções conciliadoras entre os dois polos da tensão, até outras que investem na ressignificação de um ou outro desses termos para continuar pensando seus efeitos na escola.
Entre as primeiras estratégias mencionadas, encontram-se configurações discursivas que operam com as teorizações sociais críticas tanto na pauta do estruturalismo como do pós-estruturalismo. Essa postura epistêmica é claramente expressa em formulações que problematizam os conhecimentos que:
[...] têm servido, historicamente, para reforçar, afirmar e legitimar a história a partir da ótica do colonizador branco, europeu. Os conhecimentos veiculados, não sem resistências, representam forças políticas, ideológicas, econômicas, que produziram o colonizado, subalternizado, invisibilizado e relegado ao esquecimento. Produziram o "outro" não europeu, exótico, estereotipado como ser imbuído de "não existência" que necessitava de uma "reeducação" banhada de civilização (Fanon, 1968). (ARAUJO, 2014, p. 182)
Na mesma linha de argumentação, problematiza-se o fato de a modernidade ter sido imposta:
[...] por meio do monopólio da ciência moderna como mecanismo produtor de verdades universais. Tal pressuposto nega qualquer possibilidade de os conhecimentos populares, leigos, plebeus, camponeses ou indígenas serem reconhecidos como potências alternativas à ideia de saber científico, engendrada no campo social de diversas formas. Assim, a visibilidade do conhecimento científico só é possível mediante invisibilidade de conhecimentos que não se enquadram nas formas do pensamento moderno. (ARAUJO, 2014, p. 189)
Essa perspectiva dialógica entre diferentes saberes atravessa igualmente as leituras de um currículo emancipatório definido como aquele "que seja capaz de contemplar o respeito às práticas, aos conhecimentos, aos saberes tradicionais e permitir o acesso ao conhecimento universal. Um currículo pautado pelo princípio da dialogicidade e interculturalidade" (NASCIMENTO; URQUIZA, 2010, p. 129) ou incorporar nos currículos:
[...] temas locais que, contextualizados na realidade sociocultural e econômica mais ampla, denunciam conflitos vivenciados como contradições presentes nas relações comunitárias e nas macro relações sociais, buscando teorizar criticamente os seus porquês, e, para tanto, articular saberes locais e conhecimentos universais pertinentes à problemática analisada. (SAUL; SILVA, 2011, p. 15)
Nessas disputas pela hegemonização do sentido de conhecimento escolar, esse tipo de leitura é adensada quando associada aos fluxos de significação de significantes como experiência e cotidiano. Nesse movimento, a articulação entre emancipação epistemológica e emancipação social se fortalece pela emergência da expressão conhecimento-emancipação, tecido "entre as múltiplas redes de sujeitos e de conhecimentos presentes nas escolas" (OLIVEIRA, 2012, p. 4), e com pretensões de ir além da linguagem da denúncia. Inserido em uma cadeia de significantes - ecologia dos saberes, solidariedade, tradução, dupla ruptura epistemológica, entre outros -, a potência desse conhecimento forjado no cotidiano escolar coloca em evidência a experiência como elemento constituinte do conhecimento.
O terceiro grupo de estratégias está presente neste texto tecido tanto por discursos que preconizam o valor heurístico ora de uma concepção filosófica do termo cultura, ora de uma outra leitura política da ordem cultural, quanto por aqueles que nos desafiam a deslocar o sentido de ciência hegemonizado na modernidade iluminista.
No que concerne à valorização da dimensão filosófica, os argumentos em defesa de uma rearticulação do significante cultura tendem a operar com significantes como ética ou moral, cujos sentidos hegemônicos tendem a ser igualmente deslocados: "Propostas fundamentadas numa perspectiva sociológica da cultura tendem a perder de vista a sua dimensão filosófica e formativa, que, por ser histórica, sustenta-se na universalidade, e nem por isso exclui a alteridade" (NEVALD; GUILHERMETI, 2008, p. 178). Nessa mesma linha de reflexão sobre a dimensão filosófica da cultura, emergem discursos nos quais a sua defesa enfatiza que a "relação entre conhecimento, ética, educação está associada ao reconhecimento dessa condição contingente de criaturas e coletivos contextualizados" (ARROYO, 2007, p. 4).
A segunda tendência em meio aos movimentos de fixação do termo cultura que está presente nos debates vem se consolidando em oposição aos discursos que mobilizam esse significante como sinônimo de um "saber reificado que tende a tomar forma como aquilo que deve ser ensinado. [...] Nessa formulação, a cultura é vista como um repertório de sentidos partilhados, produzidos em espaços externos à escola" (MACEDO, 2006, p. 101). Em diálogo com os estudos culturais e pós-coloniais na perspectiva pós-estruturalista, outras leituras políticas do cultural se hibridizam com outros significantes para reforçar sua posição na cadeia de significação em disputa. Expressões como negociação cultural ou tradução são usadas para dar conta do que se pretende nomear. O currículo é percebido "como um espaço-tempo de fronteira entre saberes. E estar na fronteira significa desconfiar dessas coleções e viver no limiar entre as culturas, um lugar-tempo em que o hibridismo é a marca e em que não há significados puros" (MACEDO, 2006, p. 106). Nessa mesma linha argumentativa, encontram-se afirmações que reforçam:
[...] o caráter político de respeito à diferença, tendo como pressuposto a interculturalidade, que exige procedimentos no sentido de: desterritorializar o mapa das culturas dominantes que, historicamente, se colocaram como únicas a serem transmitidas, apropriando-se da mesma naquilo que ela tem de relevante para a autonomia de cada povo e, ao mesmo tempo, considerar os chamados saberes tradicionais em um contexto historicamente dinâmico e em constante processo de tradução e ressignificação. (NASCIMENTO; URQUIZA, 2010, p. 125)
Em relação à ressignificação do significante ciência, destaca-se a possibilidade de sua profanação (HENNING, 2007), isto é, a possibilidade de:
[...] olhar os Paradigmas e a Ciência não como algo binário, como olhamos ao longo de todos esses séculos: como bons ou ruins, mas identificá-los como um construto humano, demasiado humano. Produções humanas que fazem da Ciência muito mais do que conhecimentos universais e atemporais, um saber que nos traz a alegria, o sentimento de flutuar, de errar, de ser tolo por vezes e, como queria Nietzsche, que se faça da ciência, uma ciência alegre, uma ciência do contrassenso, uma ciência que alia o riso e sabedoria. Um saber alegre que dá as costas à pretensiosa intenção do homem moderno: a obtenção do saber profundo. (HENNING, 2007, p. 182)
Esses múltiplos entrecruzamentos de diferentes fluxos de sentidos que lutam pela definição da interface emancipação-conhecimento escolar traduzem o momento do político que reativa, em tempos de crise, outras possibilidades de definir escola democrática. "Reconhecer que os caminhos da emancipação são diversos e que uma sociedade democrática não pode prescindir dessa ecologia cognitiva" não implica, todavia, abandonarmos a disputa pela singularidade dessa instituição social. Não estaríamos correndo esse risco quando - em nome da defesa de um "caráter expansionista da escola contemporânea" (MACHADO; LOCKMAN, 2014, p. 1605), da "educação como mecanismo de transformação social, como agência de superação das desigualdades e do docente como intelectual crítico capaz de conduzir as massas oprimidas pelos caminhos sombrios da ideologia na direção da iluminação das consciências" (MACHADO; LOCKMAN, 2014, p. 1605) - produzimos efeitos contrários aos desejados quando se trata de participar das lutas pela significação em torno da definição de um currículo emancipatório? Afinal, como nos instiga a refletir Young (2011, p. 399), "quanto mais nos focarmos em como um currículo reformado poderia resolver problemas sociais ou econômicos, menos provável é que esses problemas sociais e econômicos sejam tratados onde se originam, que não é na escola".
Essa observação é importante quando trazemos para a análise o significante conteúdo. Presença difusa, mas potente, esse significante ocupa uma função discursiva estratégica e crucial para o processo de significação, na medida em que assume, na maioria dos arranjos discursivos, o lugar do antagônico, indispensável para fixar um sentido hegemônico ao significante currículo emancipatório. À exceção de abordagens que focalizam conhecimentos escolares no âmbito de disciplinas específicas, o termo conteúdo é mobilizado, nesse conjunto de textos, de forma dispersa, colocado frequentemente entre aspas, indicando muitas vezes a presença do que Veiga Neto (2012, p. 279) tem criticado e nomeado como uma conteudofobia.
Ao contrário de termos como cultura ou ciência, que entram no jogo político e são mobilizados muitas vezes sob rasura, abertos a outras significações, o sentido atribuído ao termo conteúdo tende a aparecer, nessas configurações discursivas, de forma simultaneamente dispersa e engessada, de forte conotação pejorativa e de difícil ou impossível problematização: "No que se refere ao currículo, é preciso considerá-lo, não como uma simples definição teórica e nem com uma relação de conteúdos a ser 'cumprida' em um determinado período de tempo no interior de uma instituição educacional" (FELÍCIO, 2010, p. 245).
Associado a significantes como conteudismo, cientificicismo ou universalismo, esse termo, quando mobilizado, tende a exercer a função de denúncia da estreita relação entre saber e poder. Se os trabalhos de Foucault (2002) sobre essa relação fizerem balançar toda uma tradição filosófica pela qual o conhecimento e a verdade nele contida só poderiam existir onde as relações de poder estariam suspensas (BIESTA, 2008), isso não implica que o fim da inocência ou da hegemonia de um sentido particular de conhecimento adjetivado como inocente, neutro, universal signifique a negação do seu potencial subversivo. Afirmar que não há possibilidade de escaparmos do poder não significa adotarmos um imobilismo ou negarmos a possibilidade de agirmos no mundo. Afinal, como afirma Biesta (2008), essa interpretação só se sustenta se pensarmos que essa fuga é possível. Para esse autor, pensar a emancipação a partir das contribuições de Foucault:
[...] não é uma fuga do poder. [...] é um movimento de deslocamento de uma constelação específica do binômio saber-poder para outra. Essa outra constelação poderá, em alguns aspectos, ser melhor, mas não é em si, para além do poder. [...] Fazer esse movimento de deslocamento é de importância crucial, porque prova que a constelação de poder-saber existente não era uma necessidade, mas apenas uma contingência, uma possibilidade histórica. (BIESTA, 2008, p. 175, tradução livre)
Arremates parciais
A produção e interpretação dessa trama a partir dos fios puxados do acervo empírico construído teve como propósito apontar a complexidade do jogo político que busca hegemonizar sentidos de escolas e currículos emancipatórios. O que está sendo problematizado não é apenas a hegemonização do significante que adjetiva o termo escola, mas a própria definição dessa instituição escolar. Afinal, antes de ser democrática, elitista, monocultural, popular ou qualquer outro adjetivo, a escola já é linguagem. Onde nos interessa estabelecer a fronteira entre o que é e o que não é escola (GABRIEL; CASTRO, 2103)?
Se concordarmos com Burity (2010, p. 2) que "há, sim, uma disputa pelo que há, pelo que está acontecendo, pelo 'para onde vão as coisas' [e que há], em suma, mais do que uma guerra de interpretações, uma disputa hegemônica pelo mundo em que vivemos", caber-nos-á perguntar: que interesses contingenciais movimentam processos de fixação e desfixação de sentidos dos significantes que participam das lutas pela definição de escola democrática e currículo emancipatório? A quem interessa continuar naturalizando, essencializando determinados termos, como se eles estivessem condenados para todo o sempre a um sentido unívoco, sem possibilidades de inserir-se em outras cadeias discursivas equivalenciais? Em quais práticas articulatórias definidoras do conhecimento escolar investir quando o que está em jogo é a construção de uma escola democrática? Qual sentido de ciência, de conteúdo, de cultura, de experiência reatualizar nessas articulações? Em quais deslocamentos e/ou fixações de fronteira investir em nossas perspectivas de ver e fazer pesquisa no campo curricular?
Para enfrentarmos esses questionamentos, talvez fosse importante reajustar algumas de nossas perguntas iniciais. Em vez de nos limitarmos à interrogação "para que servem as escolas?" (YOUNG, 2007), talvez devêssemos nos perguntar igualmente, como sugerem as provocações de Rancière em entrevista concedida em 2010, "o que queremos fazer nas escolas?" e "o que queremos que elas nos permitam fazer?".
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Anexo 2
Anexo 3
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Jan-Mar 2016
Histórico
-
Recebido
Set 2015 -
Aceito
Out 2015