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Apresentação: Produtivismo acadêmico e qualidade da pesquisa

Academic productivity and quality of research

Productivismo académico y calidad de las investigaciones

A ética, o rigor e a relevância da investigação, a publicação dos resultados, as avaliações dos produtos e dos processos de formação para a pesquisa são importantes elementos que circundam as nossas trajetórias.

No número 151 de Cadernos de Pesquisa, publicamos artigo sobre essas temáticas, além da tradução das diretrizes para editores e para autores do Comitê para a Ética nas Publicações (COPE - Committee on Publication Ethics). A revista considerou importante integrar e promover esse debate. Neste número, estão reunidos textos que provêm do desenvolvimento das apresentações feitas no seminário Produtivismo Acadêmico e Qualidade da Pesquisa, realizado na Fundação Carlos Chagas, em março de 2015, mais artigo de Murilo Mariano Vilaça e Alexandre Palma.

Para instigar a reflexão sobre os problemas tratados no conjunto dos artigos que compõem esta seção, recorre-se a um exemplo pinçado das evidências de outrora. Nas 23 páginas iniciais da segunda edição do livro do médico Arthur Moncorvo Filho, Historico da protecção á infancia no Brasil (1500-1922), publicada em 1927,1 1 MONCORVO FILHO, Arthur. Historico da protecção á infancia no Brasil: 1500-1922. 2. ed. Rio de Janeiro: Paulo, Pongetti & Cia., 1927. Disponível em: <http://www2.dbd.puc-rio.br/pergamum/docdigital/MoncorvoFilho/Rolo9/21_Moncorvo_Filho_Arthur_Historico_da_protecao_a_Infancia.pdf>. Acesso em: 28 fev. 2008. arrolam-se 347 "trabalhos originaes" do autor, ano a ano, de 1892 a 1926. Os títulos referem-se a produções variadas, envolvendo discursos proferidos, comunicações em congressos, artigos em periódicos e livros. A informação mais visível, na listagem de Moncorvo, é o total de produtos e a sua frequência anual. Após os títulos, aparecem as referências ao produto e à sua qualificação: a entidade, o congresso, o jornal, a revista científica, ou o livro e sua quantidade de páginas. O exame das produções também permite constatar que a originalidade anunciada tem seus limites, pois os conteúdos dos discursos por vezes são os mesmos, bem como as comunicações em congressos e artigos que se assemelham, voltados a públicos distintos ou indicando um conhecimento em processo, que retoma escritos anteriores para avançar. É possível constatar que, naquele período, essa prática era habitual entre os autores vinculados à pesquisa científica, à atuação política e social, como chancela de competência aos leitores.

No final do século XIX e início do século XX, a produção e a difusão de conhecimentos específicos envolveram a articulação política dos setores intelectuais, com práticas de teatralização, em que se representavam como autoridades aptas a obter reconhecimento e ocupar postos nos organismos do Estado, no executivo, legislativo ou judiciário, nas instituições e nas entidades da sociedade civil.2 2 KUHLMANN JR., Moysés. As grandes festas didáticas: a educação brasileira e as exposições internacionais (1862-1922). Bragança Paulista: Edusf, 2001.

Hoje, na era da comunicação digital, as estratégias de visibilidade aproximam ainda mais e confundem prestidigitação e prestígio. Os artigos de Antônio Zuin e Lucídio Bianchetti e de Elizabeth Macedo tensionam o debate em torno das performances na academia, da produção científica relevante e sua qualificação.

Antonio Joaquim Severino ocupa-se das questões da ética na pesquisa, especialmente nas ciências humanas. Trazer essa discussão ao campo do debate sobre o produtivismo acadêmico permite a articulação de duas dimensões que têm sido tratadas, muitas vezes, de forma isolada: de um lado, os pressupostos éticos nas atividades de investigação, com a necessidade da diferenciação entre áreas de conhecimento, a fim de não subsumi-las em conjunto a critérios oriundos das pesquisas vinculadas à medicina e à saúde; de outro lado, as diretrizes éticas relacionadas às boas práticas científicas, envolvendo o respeito à produção própria e à de outrem e os cuidados com a divulgação dos resultados.

Murilo Mariano Vilaça e Alexandre Palma vêm de encontro ao artigo publicado no número 151 de Cadernos de Pesquisa, provocados pelo uso do termo falácia, trazendo contribuições oriundas dos estudos filosóficos acerca dos usos argumentativo, retórico, locucionário e perlocucionário da linguagem. Em relação ao debate sobre o produtivismo acadêmico, o artigo indica como necessário: mudanças no modelo de avaliação; a formação em ética científica nos diferentes níveis educacionais; e o tratamento diferenciado das más condutas, conforme o grau de formação, a experiência, a gravidade ou a reincidência das práticas. Cabe explicitar que a escolha da expressão falácia, no artigo por mim publicado, foi feita em sua acepção mais branda, indicando argumentos que podem induzir a erro, os quais foram problematizados sem tratá-los como silogismos capciosos, formulados por má fé.

O artigo de Marcos Villela Pereira e Magda Floriana Damiani volta-se aos problemas em torno da avaliação de trabalhos científicos, enviados para eventos, agências e periódicos, ou em bancas nos programas de pós-graduação. Consideram que a formação de pesquisadores deveria investir mais amplamente na instrumentalização de seus egressos, promovendo discussões amplas e regulares sobre metodologia e critérios de qualidade dos trabalhos científicos, a fim de identificar a sua coerência e a consistência. Em defesa da pluralidade de ideias, ponderam a perspectiva de se reconhecer a relatividade das posições que defendemos, sem por isso cair no relativismo, constituindo o outro não como o antagônico, mas assumindo os nossos posicionamentos, transparecendo os critérios de modo a estabelecer a negociação e o debate.

O artigo de minha autoria prossegue na problematização das proposições que inculpam o produtivismo acadêmico, isoladamente, ocupando-se de questões de definição e de determinação, de aspectos históricos e atuais relacionados à publicação em periódicos, assim como quanto à qualidade da pesquisa educacional na pós-graduação.

O debate está longe de se esgotar e nossa revista continua aberta a receber contribuições em torno dele.

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    MONCORVO FILHO, Arthur. Historico da protecção á infancia no Brasil: 1500-1922. 2. ed. Rio de Janeiro: Paulo, Pongetti & Cia., 1927. Disponível em: <http://www2.dbd.puc-rio.br/pergamum/docdigital/MoncorvoFilho/Rolo9/21_Moncorvo_Filho_Arthur_Historico_da_protecao_a_Infancia.pdf>. Acesso em: 28 fev. 2008.
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    KUHLMANN JR., Moysés. As grandes festas didáticas: a educação brasileira e as exposições internacionais (1862-1922). Bragança Paulista: Edusf, 2001.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2015
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