Acessibilidade / Reportar erro

Resenhas

RESENHAS

Bernardete Angelina Gatti

Fundação Carlos Chagas; Programa de Pós-Graduação e Psicologia da Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; gatti@fcc.org.br

TEMPOS E LUGARES DE GÊNERO

Cristina Bruschini e Céli Regina Pinto (orgs.)

São Paulo: FCC, Editora 34, 2001, 325p.

Esta coletânea reúne trabalhos selecionados do VIII Concurso de Dotações para Pesquisa sobre Mulheres e Relações de Gênero realizado em 1998 pela Fundação Carlos Chagas, com apoio financeiro da Fundação Ford. Os textos publicados exprimem a maturidade de tratamento dessa temática que, com certeza, foi marcada pela seqüência de concursos, o primeiro tendo sido realizado em 1978. Por intermédio deles não só foram financiados centenas de projetos de pesquisa ao longo desses 22 anos, como se ofereceram apoio e acompanhamento teórico e metodológico a tais projetos, a partir dos membros das comissões organizadoras compostas por especialistas de expressão nacional e internacional.

Os dez textos apresentados focalizam com acuidade e fundamento questões de ponta para a investigação científica nesse campo, trazendo problemas teóricos nas mais diferentes abordagens, propiciando com isso uma contribuição sólida para as discussões, análises e interpretações relativas a temas relevantes. Todos se referem a pesquisas e trazem ricos aportes analíticos. Os autores provêm de diversificadas áreas de formação e atuação profissional, sinalizando o caráter multidisciplinar das questões investigadas e de suas abordagens.

Em "Chica da Silva: o avesso do mito", de Júnia Ferreira Furtado, e no texto de Ana Lídia Nauar Pantoja, "Trabalho de negras e mestiças nas ruas de Belém do Pará (1890 – 1910)", a abordagem historiográfica sustenta reflexões densas e ricas inferências. No primeiro trabalho a autora procura "conhecer Chica da Silva não como curiosidade, como exceção, mas, por meio dela, lançar luz sobre as demais mulheres de seu tempo, inserindo-as na história". Percorre documentos variados de diferentes arquivos, analisando as formas das relações familiares e sociais à época, no arraial do Tejuco, em Diamantina, o escravismo e os poderes, os filhos e sua educação, e as formas de superação de convencionalismos em uma sociedade hierárquica. Ana Lídia debruça-se sobre os trabalhos de mulheres e homens, no período 1890-1910. Pergunta: "Quem eram afinal essas mulheres anônimas que se dedicavam às atividades improvisadas, flutuantes e precárias, pelas ruas, praças e mercados...?" Procurou, mediante os discursos das diversas fontes utilizadas, dar visibilidade às práticas de trabalho dessas personagens num cenário de contrastes na Belém do final do século XIX e início do XX.

Dois outros textos tomam como base pesquisas realizadas por autores homens e se referem às interfaces sociais e suas implicações diversas, de mulheres e homens. Em "Homens e relações de gênero entre sindicalistas de esquerda em Florianópolis", Ari José Sartori começa por observar que a participação de mulheres nas direções de organizações sindicais tem sido, em geral, rarefeita e descontinuada. Esse quadro, porém, tem mudado, e isso o estimulou a estudar as relações de gênero nesse espaço, procurando verificar se ocorrem alterações substanciais. Deixa claro com que conceito de gênero trabalha e com que perspectiva de masculinidade aborda a questão, enveredando por uma análise de trajetórias de homens e mulheres no movimento sindical, trazendo à luz o significado da participação para homens e mulheres nesse movimento em suas relações/tensões. Já o trabalho de Marco Antonio Gonçalves, "Uma mulher entre dois homens e um homem entre duas mulheres:gênero na sociedade Paresi", é parte de um projeto de pesquisa mais amplo sobre a produção e significado da diferença, em termos de gênero e dismorfismo sexual, na sociedade Paresi, e contém uma abordagem antropológica. A partir de reflexões sobre seu ideal de endogamia, o fechamento dos grupos locais, a indiferenciação interna, as questões de igualdade e equilíbrio das relações na aldeia, a diferença e hostilidade ao "outro distante", analisa, mediante sua mitologia, qual a origem da diferença no mundo e o ciúme, trazendo à tona interessantes aspectos do tema pela problematização de cadeias de oposições tidas como naturais. Com isso desvela um sistema simbólico intrincado, contribuindo para a compreensão do processo de construção do idêntico e do diferente entre os Paresi.

Em "Tecendo o fio e segurando as pontas: mulheres chefes de família em Salvador", Márcia dos Santos Macêdo traz estudo realizado com 26 mulheres chefes de família em Salvador, de diferentes características demográficas. O objetivo foi deslindar como a chefia familiar por mulheres acha-se interconectada com outros fatores como raça/etnia, classe social, idade/geração. Realizou para tanto entrevistas em profundidade e reconstrução de histórias de vida, como também observações do cotidiano de uma subamostra das entrevistadas. Este último procedimento agregou ao estudo dados mais densos, permitindo ir além de um nível apenas discursivo. O suporte teórico que utiliza para a análise dos dados está muito bem exposto e é utilizado com rara acuidade. Sua opção por "um ângulo plural de leitura da realidade" mostra-se fecundo, permitindo entender a heterogeneidade do grupo de mulheres e compreender a diversidade de situações em que exercem a chefia de família, mesmo num contexto de um bairro de classe trabalhadora, sem esvaziar a dimensão política da questão em seus determinantes estruturais. Resta clara a importância de se compreender a diversidade das experiências na dinâmica da constituição das mulheres em chefes de família.

Em outro contexto – o da zona rural – Ana Louise de Carvalho Fiúza pesquisa a mulher rural entre os pequenos agricultores familiares, objetivando elaborar uma ecocrítica desmistificadora de perspectivas dominantes quanto à responsabilidade pela degradação do meio ambiente, e desvestir o fetiche que recobre a percepção da mulher e sua representação nas políticas de desenvolvimento rural propostas para o Terceiro Mundo. O texto "Mulheres nas políticas de desenvolvimento sustentável" é denso em suas proposições teóricas e permite à autora, realmente, como se propõe, "fugir das armadilhas de uma visão reducionista que polariza a condição da mulher rural, por um lado, vendo-a, no interior de um modelo de desenvolvimento produtivista, irremediavelmente dominada, enquanto, dentro de um modelo alternativo de desenvolvimento, ela teria a possibilidade de emancipação completa em relação às suas fontes de opressão". A tessitura que faz entre teoria e dados obtidos em sua investigação sustenta robustamente suas considerações finais, permitindo-lhe questionar elementos básicos das duas perspectivas polarizadoras pelas quais as mulheres têm sido enquadradas nas propostas de desenvolvimento sustentável.

Os avanços das mulheres no trabalho em diferentes espaços ocupacionais vêm sendo analisados em inúmeros estudos, especialmente sob o ângulo da sua discriminação em certas áreas. Porém ainda há muito o que conhecer quanto a certos nichos em profissões nas quais, aparentemente, a mulher não é mais tão discriminada. O artigo "Mulheres advogadas: espaços ocupados", de Eliane Botelho Junqueira, adentra no mundo dos grandes escritórios de advocacia societária/cível e de advocacia criminal, buscando conhecer mais a fundo o que ocorre na advocacia privada na relação entre profissionais homens e mulheres. Para ela importou analisar não só as representações das advogadas que já atuam nesse mundo masculino, mas também as estagiárias. Entrevistas com essas permitiram perceber como as mulheres são socializadas na profissão. Amplia suas análises tentando verificar se o processo de participação de mulheres, na perspectiva das relações de gênero, em grandes escritórios de advocacia aqui, assemelha-se ou não com o que acontece em outros países como os Estados Unidos, Austrália, Inglaterra e Canadá. As análises exploram muito bem vários dos fatores associados a esse processo relacional, utilizando-se das entrevistas e com aportes teóricos seguros. Termina seu trabalho com uma esperança, "que esta pesquisa contribua para a ruptura da cultura do silêncio. Um silêncio que cala as discriminações e ignora as diferenças".

Tendo em vista que homens e mulheres têm sido atingidos diferencialmente pelo desemprego, Liliana Rolfsen Petrilli Segnini pesquisou trajetórias e práticas sociais de trabalhadores em situação de desemprego ou de retorno ao mercado de trabalho por intermédio de formas precárias de reintegração. No artigo "Constantes recomeços: desemprego no setor bancário", busca caracterizar o significado social das experiências vividas por bancários(as), com escolarização alta em sua maioria, que participaram de programa de demissão voluntária em um banco estatal em processo de privatização. Fazendo uma análise acurada sobre o crescimento do desemprego e da precariedade social no país, discute as características do desemprego no setor bancário e do processo de perda de filiação do setor, conceito que toma como base de suas interpretações para os dados levantados em seu trabalho, quer sejam dados estatísticos, quer sejam os conteúdos das entrevistas. Discute as dificuldades do processo de adesão, as tensões e racionalizações contraditórias e a questão do voluntário/obrigatório. Em suas considerações finais, amplamente sustentadas por suas análises, continua problematizando a questão numa perspectiva de gênero, das relações escolarização/oportunidade de trabalho, da filiação/desfiliação, opressão e rotina/liberdade e aleatoriedade situacional. Traz-nos reflexões críticas quanto aos diferenciados aspectos do problema, contribuindo para a compreensão de que explicações simplistas não dão conta da questão.

Os dois últimos artigos tratam de questões ligadas à intimidade doméstica ou de pessoas. No artigo de Eliane Pasini, adentramos em fronteiras de intimidades, ao sermos conduzidos pela pesquisadora aos meandros pelos quais prostitutas decidem pelo uso de preservativos ou não nas suas relações, propiciando-nos uma reflexão sobre os valores socioculturais que orientam de modo geral as relações sociais dessas mulheres. "As fronteiras da intimidade: uso de preservativo entre prostitutas de rua" apresenta um estudo comparativo de dois universos culturais, Porto Alegre e São Paulo, que, segundo a autora, foi um trabalho realizado como uma pesquisa única, "na medida em que cada um desses contextos ou universos foi analisado como se estivesse formulando perguntas ao outro e respondendo às questões por aquele formuladas". O estudo, inserido no contexto das questões de prevenção de doenças sexualmente transmissíveis – DSTs-Aids –, entre prostitutas de rua, traz instigantes análises quanto a representações de doença e saúde, sentimentos diferenciados para com os clientes, demarcação entre vida profissional e vida pessoal, entre outros aspectos que entram em jogo nas suas lógicas de uso de preservativo. Com isso aprofunda o estudo em aspectos de valores, emoções, concepção de corpo e relações de gênero, contribuindo para uma compreensão maior de fatores que se podem tornar barreiras ou facilitadores para a assimilação de conteúdos de campanhas de prevenção de DSTs-Aids.

O texto de Carmen Hein Campos discute a "Violência doméstica no espaço da lei". A partir de análise do espaço legal em que essa questão se situa, acompanhamos o exercício de decisões de juízes impactando pessoas, inclusive em sua auto-estima. Tendo, em sua experiência profissional, trabalhado como advogada com casos jurídicos ligados a esse tipo de violência, a autora passou a questionar a "solução insistente dada pelos juízes nos casos de violência praticada contra a mulher, isto é, a conciliação do conflito com a conseqüente renúncia do direito da vítima de representar e de ver seguir o processo até uma solução efetiva..." Em seu estudo, acompanhou o caso de seis mulheres que não desistiram dos processos e que tinham mais de uma ocorrência policial, e, posteriormente, realizou entrevistas com essas mulheres e com juízes e promotores de justiça dos Juizados Especiais Criminais de Porto Alegre. Faz uma pertinente apresentação e exegese da legislação para esses casos e traz à análise "mulheres de carne e osso", contrapondo com o que pensavam os juízes sobre a violência com que se deparavam todos os dias, trazendo o entendimento de que a conciliação induzida pelos magistrados coloca o conflito novamente na esfera privada, devolvendo-o à vítima e redistribuindo o poder em favor do réu. Conclui que sua pesquisa "permite dizer que o Juizado Especial Criminal não oferece a solução de que as mulheres necessitam... Quando a mulher resolve, para restabelecer o equilíbrio da relação, acionar o Poder Judiciário, este a mantém no mesmo patamar em que ela se encontrava". As conseqüências dessa situação são problematizadas, uma vez que representam, para as mulheres vítimas de violência doméstica, um fator de alto risco.

Problemáticas pertinentes e visão crítica, tratamento teórico consistente, convite à reflexão com enfoques diferenciados sobre aspectos relevantes nas relações de gênero na sociedade brasileira são as características que dão valor a esta coletânea.

Luciano Mendes de Faria FilhoI; Carla Simone ChamonII

IFaculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais; lucianom@fae.ufmg.br IICentro Federal de Educação Tecnológica, Doutoranda pela Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais; carlachamon@brfree.com.br

AS GRANDES FESTAS DIDÁTICAS: A EDUCAÇÃO BRASILEIRA E AS EXPOSIÇÕES INTERNACIONAIS (1862-1922)

Moysés Kuhlmann Júnior

São Paulo:USF/CDAPH, 2001, 262p.

Templo, vitrine, teatro... e agora, escola. Assim, evocando grandes metáforas da modernidade, começa a conclusão do livro de Moysés Kuhlmann Júnior, pedagogo e historiador da educação que tem contribuído significativamente para a renovação dos estudos da história da infância e da educação infantil no país. Só que, desta vez, o objeto de preocupação não é diretamente a infância ou a educação infantil, mas a educação de uma maneira mais geral e a educação popular de maneira mais específica, bem como a crescente escolarização do social na segunda metade do século XIX e no início do século XX, a partir das exposições ocorridas entre os anos de 1862 e 1922. Nesse período, ocorreram 17 exposições internacionais em diferentes países (inclusive no Brasil), sete exposições nacionais e inúmeros congressos dos mais variados temas, pelos quais o autor procura mostrar a intenção didática dessas exposições e sua repercussão, o lugar privilegiado que a educação aí ocupa como produtora de civilização e progresso e a participação do Brasil nesse processo, levando em conta as especificidades de nossa situação política e social. Tomadas como verdadeiras festas didáticas pelo autor, essas exposições tinham a pretensão de mostrar, de dar a ver, e, desse modo, construir o Brasil como uma Nação próspera e ordeira. Transformadas numa escola de civismo, essas exposições e as atividades que giravam em sua órbita estavam imbuídas de uma pedagogia do progresso: progresso a ser cultuado, exibido, representado. Daí sua dimensão de templo, vitrine e de teatro.

Ao longo de mais de 250 páginas, Moysés faz desfilar diante de nossos olhos personagens, tramas, objetos, imagens de uma história ainda hoje muito pouco conhecida no campo da educação e, mesmo, da história da educação. O autor, com maestria e sensibilidade, vai nos mostrando como as exposições internacionais, que tinham por objetivo celebrar o progresso humano e as riquezas das nações, eram projetadas, também, como espetáculos a serem oferecidos a platéias ávidas por novidades e acontecimentos. Nelas as vitrinas do progresso exibiam os atributos da modernidade: objetos, conhecimentos, produtos e tudo aquilo que denotasse, segundo o espírito da época, a arte e o engenho humano; nelas a ciência era exposta, ao mesmo tempo, como realidade, realização e única possibilidade para o progresso das nações e para a felicidade dos seres humanos.

Apesar das diferenças entre a Primeira Exposição Internacional, ocorrida em Londres, em 1851, e a do Rio de Janeiro, em 1922, é possível perceber uma grande continuidade em vários de seus aspectos. Tais continuidades são marcantes no plano discursivo, mas não apenas neste. Com ligeiras diferenças, todas elas são assinaladas pela crença no progresso advinda das ciências, na superioridade dos países do hemisfério norte sobre os demais, na educação e na escola como única possibilidade de participação dos países do nosso continente no concerto das nações civilizadas, dentre muito outros elementos retóricos e ideológicos que marcaram o período analisado.

Ponto central da discussão sobre a educação no interior das exposições e congressos, é a análise que o autor realiza da construção da importância da educação e da escola no imaginário moderno como signo de civilização e progresso. Esse eixo percorre todo o livro. A partir dele, o autor aborda a articulação entre os diferentes grupos implicados na questão educacional e sua formulação de propostas para a educação, a atuação da Igreja Católica, a influência norte-americana como padrão de modernidade, os principais temas educacionais em debate, a ênfase na criança, além da base material e "científica" das novidades pedagógicas que povoavam as exposições e congressos investigados.

Na maior parte dessas exposições a escola era focalizada, demonstrando-se a superioridade deste ou daquele método de ensino, a necessidade de um ou outro material didático, o adiantamento ou, no mais das vezes, o atraso dos países no que se refere à instrução, a premência de se investir na educação do povo, dentre outros aspectos. No entanto, transformando o público em espectador, tais empreendimentos não apenas discutiam diretamente as experiências e os rumos da educação e da escola nos diversos países, mas faziam-se escola, travestindo o espectador em aprendiz. Daí a face didática, e quase catequética, que assumiam as exposições e as representações que os seus idealizadores produziam.

Lançando mão do conceito de formações, cunhado pelo historiador, crítico literário e escritor inglês R. Williams, Moysés empreende, dentro dos limites de seu trabalho, uma notável revisão da historiografia brasileira em relação à atuação dos grupos profissionais no campo da educação e, mesmo, na sociedade como um todo. Ao analisar as articulações entre esses grupos, o autor discute a capacidade de composição que eles apresentavam. Afirma, com propriedade, que a defesa empreendida por médicos, engenheiros e advogados, cada um a seu modo, da primazia de seus saberes profissionais na proposição de teorias e práticas cujo objetivo era garantir a ordem e o progresso da/na sociedade brasileira, não significava, em momento algum, que eles dispensassem o concurso de outros saberes, mesmo que de forma subsidiária, na definição e realização de tais tarefas.

Outro ponto alto do livro são as fontes a partir das quais o autor constrói seu trabalho. Apesar de uma crítica um tanto quanto apressada à utilização da legislação e de documentos oficiais no âmbito da história da educação, Moysés realiza uma exaustiva e muito bem-feita pesquisa com fontes documentais até então praticamente ignoradas pelos trabalhos na área. Trata-se não apenas da documentação diretamente relativa à participação brasileira nas exposições, o que por si só constitui um acervo dos mais interessantes e intrigantes, mas um número invejável de documentos relacionados aos eventos nacionais derivados ou preparatórios para aquelas. A partir de tais fontes, diligentemente indicadas pelo pesquisador, e das questões apontadas pelo seu estudo, muitas outras investigações poderão ser feitas.

A leitura provoca-nos, no entanto, uma questão: o que são as festas analisadas por Moysés? A impressão que fica é que as exposições eram festas apenas para serem vistas. Se pensa, como já o indicava Jorge Coli1 1 Coli, J. Manet: o enigma do olhar. In: Novais, A. (org.), O Olhar. São Paulo: Cia das Letras, 1989. , que o século XIX vê nascer uma verdadeira pedagogia do olhar, parece-nos que o trabalho é coroado de êxito. Imagens, objetos, relações... tudo é dado a ver, numa espécie de grande aula de lições de coisas, aspecto, liás, para o qual o autor, com muita propriedade, chama a atenção. No entanto, seria a festa apenas isto? Talvez fosse preciso um olhar menos pedagógico para acentuar outras características das festas que não a de espetáculo a ser visto. A vivência das exposições, as experiências dos sujeitos, com certeza, ultrapassavam aquilo que estava organizado e, muitas vezes, autorizados aos visitantes. Sobre isso praticamente não se fala. Mas não podemos deixar de apontar para o fato de que, com a afirmação da escola como instituição social responsável pela instrução e pela educação das novas gerações, há uma crescente escolarização do conjunto das atividades sociais, entre elas as festas. Daí, talvez, também tenhamos que olhar nas duas direções: a escola sendo conformada pela práticas sociais e, ao mesmo tempo, conformando-as.

Uma outra questão que o trabalho de Moysés traz à tona refere-se à produção de discursos dissonantes. Qual o contraponto à essa fé acrítica no progresso e na ciência que as exposições celebravam? Quais críticas diferentes grupos sociais dirigiram a essas exposições e seus "produtos"? Como é possível desconstruir sua eficácia pedagógica? Se o autor não se detém sobre esse ponto, nem por isso deixa de indicar uma via para a desconstrução da lógica e das representações presente nessas exposições, ao apontar para as ambigüidades dentro desse processo e para a questão da luta de classes – e, no caso brasileiro, da flagrante exclusão social – sempre ausente nessas vitrinas do progresso.

A qualidade de um trabalho mede-se pelas questões que nos possibilita formular, tanto quanto pelas hipóteses que levanta e pretende demonstrar. Nesse sentido, o trabalho de Moysés, aqui analisado, está entre os grandes trabalhos que, ultimamente, têm sido produzidos no âmbito ou sobre a história da educação brasileira: ele torna possível e inteligível inúmeras questões que antes não sabíamos ou não ousávamos elaborar. E se é a partir de questões que se realiza pesquisa, se é a partir do conhecido que importa descortinar o novo, este trabalho contribui decisivamente para um conhecimento e para o desenvolvimento de pesquisas acerca da trajetória histórica, dos sujeitos e das formações, das estratégias e das representações que importam decisivamente na produção e na configuração atual da educação brasileira. De diferente formas, direta ou indiretamente, o trabalho chama a nossa atenção para que nos conscientizemos de um passado que teima em não passar, que se esforça para fazer-se presente, e nos alerta para a fato de que, como dizia Benjamim, se os vencedores continuarem a vencer, nem os mortos descansarão em paz. Somente por isso, se não pelas inúmeras outras razões, o livro merecer ser lido e recomendado.

Claudemir Belintane

Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo; bntane@usp.br

DA FALA PARA A ESCRITA: ATIVIDADES DE RETEXTUALIZAÇÃO

Luiz Antônio Marcuschi

São Paulo: Cortez, 2000, 133p.

Opor dois termos – dizer sim a um ou dizer não ao outro –, apesar de todas as revoluções epistemológicas, é um procedimento lógico crucial e maciçamente presente em nosso cotidiano. Pensar para além de uma dicotomia, de uma lógica alética, é travar uma luta no campo da avareza de nosso imaginário, tão habituado a modelos que cultuam a aristocrática atitude da exclusão. No campo das ciências da linguagem, poucas são as obras que enfrentam o desafio da complexidade, de tomar um objeto e não submetê-lo às facilidades dos dois róis de características contrárias. Mesmo obras que pugnam por um ensino não aristocrático nem sempre conseguem ir além do isso versus aquilo (norma culta versus norma popular; cultura erudita versus cultura popular; alfabetização versus letramento etc.)

O novo livro de Luís Antônio Marcuschi, Da fala para a escrita: atividade de retextualização, é uma dessas boas tentativas de tematizar fenômenos que se dão no contínuo entre escrita e fala, sem se acomodar à prática das duas listagens de características contrárias.

Do título do livro, já podemos inferir uma ênfase na prática, no uso da língua, embora, incautos, possamos até imaginar que o campo se estruture por polarizações: um percurso a ser feito entre dois pólos; de um lado a fala, de outro a escrita; do mais concreto para o mais abstrato; do menos formal para o mais formal.

Contrariando essas expectativas, o primeiro capítulo já nos põe de sobreaviso quanto à essas facilitações. Traça um breve histórico das linhas teóricas que tratam o oral por oposição ao escrito, das concepções que procuram afirmar a superioridade de uma modalidade sobre a outra, sobretudo da escrita em relação ao oral. Reconhecendo a importância das contribuições recentes no campo da linguagem e deixando claro seu compromisso sociointeracionista, Marcuschi apresenta o campo entre o oral e o escrito como um contínuo complexo que, apesar de apresentar distinções marcantes, paradoxalmente, não se constitui na forma de dois sistemas ou dois pólos estanques. Mesmo levando em consideração as diferenças de meio (sonoro e gráfico) e de concepção discursiva (oral e escrita), o contínuo dos gêneros textuais evidencia, além de uma zona prototípica em que cada modalidade tem seu acontecimento, seu processo, marcado por traços mais distintivos; é igualmente possível isolar zonas de indistinção em que oral e escrito se confundem (por exemplo, o telejornalismo é um gênero oral, escrito ou misto?).

Há, ainda no capítulo 1, algumas boas mostras de uma teorização forte, que tem o propósito de extrapolar a dicotomia: os gráficos complexos (p. 38-9, 41) que expressam essa continuidade enviesada e recortada por tantas diferenças, que vai da fala para a escrita ou vice-versa. Apesar de os modelos ainda constituírem expressões bidimensionais1 1 Salvo engano, para ilustrar esses paradoxos, vemos aí também as possibilidades da Topologia, mais precisamente da faixa de Moëbius que, por si, poderia evidenciar os paradoxos desta unidimensão. , conseguem ser didáticos e expressam muito bem a complexidade de um contínuo entre fala e escrita que aceita as ambigüidades que se instauram entre a uni e a bidimensionalidade.

No segundo (e último) capítulo, frisando ainda mais seu princípio norteador – que o campo da fala não se opõe ao da escrita por meio de um percurso do tipo "do menos... para o mais..." – Marcuschi apresenta um modelo promissor para a observação de fenômenos que ocorrem nos usos cotidianos da língua, quando as práticas sociais intentam transpor um texto do falado para o escrito.

Tomando essas passagens entre as duas modalidades, mais precisamente a passagem do texto oral para o escrito, como um processo de retextualização, o autor propõe um conjunto de operações analíticas na tentativa de captar os fenômenos responsáveis pelas diferenças entre o texto original e o retextualizado. Propõe um conjunto de nove operações textuais e discursivas que, apesar de constituídas num diagrama e evidenciadas num fluxo que revela uma certa consciência do "retextualizador" (quanto às diferenças entre fala e escrita), o autor adverte que não se trata de uma hierarquia ou de uma seqüência rígida do processo. Esse conjunto de operações prevê ocorrências de estratégias básicas (de eliminação, de inserção, de reformulação etc.) que, podemos supor, ocorrem quando falantes lançam mão (em diversas funções sociais: jurídicas, jornalísticas, intelectuais, pedagógicas etc.) da fala do outro, para dela constituir um outro texto sob o pretexto de que, substancialmente, não alteraria significativamente o que foi dito, apenas aplicaria operações formais para tornar o texto apropriado à escrita ou ao registro escrito.

O autor, além de apresentar um diagrama (p. 75) dessas operações, detalha cada uma delas e exemplifica as estratégias, muitas vezes, utilizando textos orais retextualizados. Ao entrar em contato com esses exemplos, o leitor perceberá a importância do modelo e a relevância do tratamento teórico dado pelo autor em diversos campos: na pesquisa acadêmica (etnologia, lingüística etc.), jornalismo, direito etc.

Para o campo do ensino de língua materna, esse combate à dicotomia é mais do que oportuno. A escola brasileira, em sua absurda fidelidade a um modelo lusófono de ensino de língua materna, dá as costas às possibilidades da língua oral brasileira, ao conclamar a superioridade de uma certa fala culta tida como mais próxima da língua escrita dos grandes mestres, ou seja, ainda se escuda nessas dicotomias. Contra esse elitismo, o livro nos dá um contribuição crítica significativa ao ensino de língua materna.

Ampliar e sofisticar as relações entre fala e escrita, nos moldes dessas atividades de retextualização apresentadas no livro, são objetivos de pesquisa que caem como uma luva nesse complexo contexto contemporâneo em que, a cada dia, juntam-se novas profissões e atividades que deverão lidar cada vez mais com essas imbricações entre produção oral e escrita, sobretudo se levarmos em conta o amplo e interessante campo das comunicações, mediado por redes e tecnologias, o qual a obra recobre.

Suzeley Kalil Mathias

Faculdade de História da Universidade Estadual Paulista – Franca; Núcleo de Estudos Estratégicos da Universidade de Campinas; suze@obelix.unicamp.br

EDUCAÇÃO E CULTURA: PENSANDO EM CIDADANIA

Maria Alice Resende Gonçalves (org.)

Rio de Janeiro: Edições Quartet, 1999, 148p.

A todo momento vemos referências nos vários media a respeito da violação de direitos e, pior, da ignorância por parte daquele que tem seu direito violado, que pede desculpas por não cumprir seu "dever". Essas situações lembram-nos de que estamos muito longe do exercício pleno da cidadania, quiçá saibamos o que esta palavra significa.

Certamente, este não é um tema novo. Desde pelo menos as discussões entre liberais e socialistas do século XVII ele é atual. O que parece diferente é incluir a educação – que desde sempre pareceu pertencer ao campo do consenso – entre aqueles direitos de cidadania e, mais, que como tal deve ser conquistado, muitas vezes a duras penas.

Trabalhando este tema hoje, muitos têm considerado que o mundo atual, no qual antes do sujeito vem o consumidor e cujo principal caminho de desenvolvimento para os países tem sido o neoliberalismo, a educação constitui, senão a única, pelo menos a principal alternativa de manutenção da igualdade nas desigualdades. Esta é, por exemplo, a visão de Göran Therborn, que defende a educação como uma das únicas fontes, ao mesmo tempo, de resistência e participação no mundo global.

Educação e cultura insere-se exatamente nesse debate, mostrando a intersecção entre conquista de direitos, compreensão da cidadania e educação, principalmente dos que sempre foram considerados excluídos. Para isto, reúne um conjunto de artigos de professores preocupados com a questão no país. São profissionais oriundos das ciências humanas e que têm em comum a preocupação de educar para o exercício consciente dos direitos, objetivando a constituição e consolidação de um país democrático.

No artigo "Brasil, meu Brasil brasileiro: notas sobre a construção da identidade nacional", a organizadora do livro, Maria Alice Rezende Gonçalves, discute o mito de fundação do "ser brasileiro" utilizando, para isto, as teorias de Anderson e Hobsbawm, segundo as quais pensar em nacionalidade é pensar em uma invenção. No Brasil, diz a autora, a história da sociedade, forjada a partir da Independência, em 1822, confunde-se com o paradigma das três raças, segundo o qual ser brasileiro é ser uma "mistura", um "composto químico" a partir da fusão dos seres "puros" branco, negro e índio. Conforme a autora, ao aparentemente nivelar as três raças, este mito-paradigma encobre o preconceito e as condições reais que constroem a sociedade, uma sociedade profundamente hierarquizada e desigual.

A partir dessa análise, e estabelecendo comparações com o mito-fundador da sociedade americana, a autora aponta para a instituição escolar como uma das grandes responsáveis não só pela manutenção do estatuto do mito-fundador, mas também pela sua reprodução, acompanhando esse processo por todo o século XX, mostrando o progresso do mito-fundador e sua relação com os vários projetos embutidos em muitos dos nossos movimentos socioculturais (como o Modernismo da Semana de 22). Afirma, assim, que mesmo negando formalmente (legalmente) a discriminação racial, a escola tem sido reprodutora desta desigualdade.

Se o texto é claro e didático ao apresentar como as sociedades constituem-se a partir de mitos, o mesmo não acontece ao expor as conclusões. Neste caso, Gonçalves aparta-se da questão inicial, da construção da identidade nacional e da contribuição da escola para tanto, e divaga a respeito da desigualdade social sem, no entanto, apresentar dados que permitam compreender a relação entre os três fatores. E mais, apresenta uma nova questão que em nada lembra os objetivos iniciais do artigo: "qual o futuro do Estado-Nação num mundo globalizado?" (p. 37).

Diferente da discussão do mito-fundador, mas tratando igualmente do problema racial, Ahyas Siss focaliza em "A educação e os afro-brasileiros: algumas considerações", a democracia racial a partir da educação como vetor de ascensão social dos negros no Brasil. A despeito de experiências datadas do início do século, o autor avalia que a educação somente é apropriada pelos negros como espaço de reconhecimento e construção de uma identidade cultural própria a partir da década de 70 e, mesmo assim, a escola continua a ser o local no qual os negros recebem "a maior carga de branqueamento". Portanto, mesmo reconhecendo o progresso, avalia-se no artigo que ainda é preciso construir a democracia racial, que por ora é apenas um discurso, mas não uma experiência de todos os cidadãos, tanto é que as estatísticas continuam a mostrar que são os negros os grandes excluídos do sistema educacional. Não basta, ensina, pregar o multiculturalismo e a diversidade. É preciso formar os educadores com base em valores novos, que levem ao respeito das diferenças.

Em "Cidadania: uma trajetória de longo curso", Cláudio de Carvalho Silveira propõe-se a discutir a relação entre política (realização da cidadania) e educação (vetor de construção da cidadania). Ao estabelecer um objetivo tão largo, o autor não descuida de informar que seu texto tem apenas um caráter introdutório. Silveira passa, então, a avaliar como a política se apropriou da educação, como foram, ao longo da história, construindo-se políticas públicas que respondiam às necessidades de cada modo de produção.

Ao analisar a questão para o Brasil, Silveira mostra que aqui se destrói o mito da sociedade moderna, aquele segundo o qual a educação é mecanismo de acesso ao mundo do trabalho. Pelo contrário, a educação, tomada como política pública, é apropriada de modo desigual pelas classes sociais, desvinculando, assim, identidade de cidadania. Isso porque, ainda que o Estado tenha promovido a extensão do ensino público para todas as camadas sociais, o fez segundo interesses das elites, privilegiando e subsidiando a escola privada.

Embora a análise pareça pessimista, passando em revista as discussões recentes, principalmente aquelas em torno da Lei de Diretrizes e Bases e dos Parâmetros Curriculares, o autor aponta para o grau de tolerância às diferenças e estímulo à pluralidade presente nesses códigos, o que oferece uma luz para que a cidadania seja cada vez mais o exercício do dever e direito de exigir transparência e cobrar eficiência daqueles que decidem sobre as políticas públicas a serem adotadas.

Baseando-se em uma pesquisa empírica, Maria de Lourdes Tura discute a experiência de uma escola pública de periferia com a diversidade cultural. O artigo aponta, seguindo de perto uma tradição inaugurada por Durkheim, que para realizar o processo de escolarização em massa, necessário à reprodução do sistema capitalista, tudo na escola, desde a disposição do mobiliário até a formulação dos currículos, é pensado para "criar consensos e homogeneizar ritmos" (p. 98) e, assim, a simples idéia do diverso, do diferente é abolida deste espaço de convivência.

Para romper o isolamento em que vive a escola, e até porque a lei exige que o diverso seja parte da educação formal, é preciso que a escola se abra para a comunidade, que deixe de se preocupar apenas com o aprendizado (adestramento?) do educando e passe a encará-lo como um ser completo. Porém, a despeito de conhecer o caminho, a experiência cotidiana das escolas continua a ser a de negar o diverso e educar de forma homogênea.

Interessante observar que esta é a forma de igualdade encontrada pelos educadores. Isto é, a escola real confunde homogeneização com igualdade de tratamento e por isso é muito difícil construir uma educação multicultural. O caminho, reforça a autora, existe e é conhecido: educar a partir da experiência do aluno, dos valores e práticas da comunidade.

Embora o texto não focalize os problemas que envolvem a educação formal como, por exemplo, a repetência e o abandono, é possível, a partir dos próprios dados apresentados, verificar que essa escola que constrói o "cidadão" homogêneo, em nome da identidade nacional, é a responsável pelo fracasso escolar que aumenta a cada dia. Assim, aproximar-se da comunidade parece ser a única alternativa para salvar a própria educação.

Como indica o próprio título, e desviando-se do tema central do livro, Maria do Carmo Maccariello argumenta, em "Educação ambiental e cidadania", que tomar o meio ambiente não só como objeto de nossas ações, mas como tema escolar, pode contribuir para melhorar a qualidade de vida das pessoas e ajudar na construção de um cidadão renovado. A despeito da indiscutível relevância e da preocupação mundial com o tema – conforme são exemplos as diversas conferências internacionais inauguradas com a ECO-Rio-92 –, a educação ambiental ainda não ganhou espaço nas escolas, mormente nas públicas, e tem sido encaminhada pelas organizações não governamentais.

A "escola renovada", isto é, aquele espaço de educação que se destina, em primeiro lugar, a criar cidadãos conscientes, precisa superar essa deficiência da educação tradicional adotando conteúdos curriculares que tenham aporte na realidade social na qual a escola está inserida. Dessa forma, em primeiro plano, deve figurar a educação ambiental, pois só assim os cidadãos de amanhã terão um futuro promissor.

Para completar o artigo, a autora fornece um exemplo empírico da importância da educação ambiental para a qualidade de vida desta e das futuras gerações. Trata-se de um estudo sobre o impacto da industrialização na região do Médio Paraíba (Rio de Janeiro) e da relação entre esta e o atendimento escolar da população. A conclusão da autora é que o sistema de ensino e sua distribuição conforme adotado na região está profundamente relacionado com o modelo de desenvolvimento industrial, não prevendo alternativas nem para a formação de mão-de-obra e nem para solucionar os problemas ambientais gerados a partir da concentração de indústrias na região.

No que talvez seja o mais interessante artigo do livro, Marco Silva apresenta o conceito de interatividade. A sua prática é vista como fundamental para transformar a relação de ensino-aprendizagem dentro da sala de aula, pois representa uma nova forma de comunicação, não mais concebendo o ato de aprender como transmissão de conhecimento ou informação de um emissor para um receptor, mas entendendo conhecimento como uma construção que se efetua como co-criação.

Silva apresenta a própria construção de significado de interatividade como algo histórico que somente se coloca na "pós-modernidade" e que nasce pari passu com as tecnologias informáticas e virtuais. De fato, apesar da aparência de passividade representada pelo trabalho informacional, as novas tecnologias dependem da interação com o usuário, deixando este de ser um simples consumidor de algo para ser também "co-autor", "conceptor" do produto ou projeto.

Levar a interatividade para a sala de aula, vivenciá-la em cada momento do aprendizado é o desafio para esta época de crise da educação. Cabe ao professor compreender que seu novo papel é encarar este desafio, criando, junto com os alunos e a comunidade, uma nova escola, em que a participação em sala de aula signifique não mais realizar a comunicação como emissão-recepção, mas como interação. Somente assim a escola acompanhará o novo mundo, este que está pedindo uma nova forma de pensamento.

Como é corrente, no conjunto do livro há diversas lacunas que poderiam ser mencionadas, como temas não analisados e avaliações de outros de forma apressada. Um exemplo é apresentação das pesquisas empíricas, que deixam o leitor em suspenso, pois o espaço parece pequeno para explicar o que de fato foi feito. Também os resultados parecem não corresponder ao tema proposto nos artigos, dando-nos a impressão de um certo descolamento entre realidade e análise. Do ponto de vista formal, o leitor sofre também com a falta de uma revisão mais detalhada dos artigos, o que os deixa muitas vezes repetitivos e contendo expressões muito coloquiais para o texto escrito – o que, por outro lado, facilita a leitura do público em geral, diferente do comum hermetismo que define os textos acadêmicos.

Talvez a principal característica do livro seja o otimismo que perpassa todos os artigos. Diferentemente do que se costuma ver nas análises sobre educação brasileira, neste volume os autores têm em comum a visão de que, embora a educação, principalmente pública, esteja longe de corresponder ao papel que lhe cabe em uma sociedade com pretensões democráticas e esteja mesmo mergulhada em uma crise profunda, há alternativas. Elas podem redundar em uma grande reforma no ensino que inevitavelmente leva a um modelo de escola que formará cidadãos para o exercício consciente da democracia, não só política, mas principalmente social.

O livro traça um perfil bastante completo e, o mais importante, acessível, sobre a relação entre cidadania e educação. As diferentes abordagens – política, pedagógica, sociológica, antropológica – convivem harmoniosamente para mostrar o quanto caminhamos e ainda falta caminhar na construção de uma sociedade verdadeiramente democrática.

  • 1
    Coli, J. Manet: o enigma do olhar. In: Novais, A. (org.),
    O Olhar. São Paulo: Cia das Letras, 1989.
  • 1
    Salvo engano, para ilustrar esses paradoxos, vemos aí também as possibilidades da Topologia, mais precisamente da faixa de Moëbius que, por si, poderia evidenciar os paradoxos desta unidimensão.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Out 2005
    • Data do Fascículo
      Jul 2001
    Fundação Carlos Chagas Av. Prof. Francisco Morato, 1565, 05513-900 São Paulo SP Brasil, Tel.: +55 11 3723-3000 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: cadpesq@fcc.org.br