Acessibilidade / Reportar erro

Da constituição e da causalidade na pesquisa feminista nas Relações Internacionais* * Este artigo resulta da pesquisa conduzida no âmbito do projeto intitulado “Causa, causação e causalidade: uma investigação da explicação causal em Ciência Política e Relações Internacionais”, cadastrado em 2022 junto ao Departamento de Ciência Política da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

On Constitution and Causality in Feminist Research in International Relations

Resumo

Os feminismos nas Relações Internacionais têm se caracterizado por uma cisma entre epistemologias críticas e empiricistas, com implicações para as práticas explicativas das feministas. Neste artigo, argumento que essa aparente cisma se dissolve quando recuperamos as ontologias feministas vis-à–vis suas explicações constitutivas e causais. Nesse processo, evoco a ideia de poderes causais para demonstrar a inter-relação entre constituição e causalidade e para reconfigurar o debate sobre explicação dentro dos feminismos das RI. Concluo que a explicação feminista é simultaneamente constitutiva e causal, o que é articulado pela ontologia dos poderes causais.

Causalidade; Constituição; Relações Internacionais feministas

Abstract

Feminisms in International Relations have been characterized by a schism between critical and empiricist epistemologies, with implications for feminists' explanatory practices. In this article, I argue that this apparent schism dissolves when we recover feminist ontologies vis-à-vis constitutive and causal explanations. In this process, I discuss the idea of causal powers to demonstrate the interrelationship between constitution and causality, and reconfigure the debate about explanation within feminist IR. I conclude that feminist explanation is simultaneously constitutive and causal, which is articulated by the ontology of causal powers.

Causality; Constitution; Feminist international relations

Introdução

A pesquisa feminista em Relações Internacionais conquistou seu espaço em um longo processo de contestação das formas canônicas de produção de conhecimento na disciplina. Desde o dossiê iconoclasta lançado na revista Millennium: Journal of International Studies, em 1988, e da publicação do livro Bananas, Beaches and Bases: Making Feminist Sense of International Politics, de Cynthia Enloe (2014), a produção acadêmica feminista sobre os fenômenos internacionais tem aumentado e se consolidado, superando agendas iniciais focadas primariamente no Estado (Peterson, 1992PETERSON, V. Spike. Introduction. In: PETERSON, V. Spike (org.). Gendered States: Feminist (Re)Visions of International Relations Theory. Boulder, Lynne Rienner, 1992, pp.1-29.; Tickner, 1992TICKNER, J. Ann. Gender in International Relations: Feminist Perspectives on Achieving Global Security. Nova Iorque, Columbia University Press, 1992.), para englobar os indivíduos generificados, principalmente as mulheres (Ackerly et al., 2006ACKERLY, Brooke A.; STERN, Maria; TRUE, Jacqui. Feminist methodologies for International Relations. In: ACKERLY, Brooke A.; STERN, Maria; TRUE, Jacqui (org.). Feminist Methodologies for International Relations. Cambridge, Cambridge University Press, 2006, pp.1-15.), mas sem perder de vista outros corpos feminizados e subalternizados (Cohn, 2013COHN, Carol. Women and Wars: Toward a Conceptual Framework. In: COHN, Carol (org.). Women & Wars. Cambridge, Polity Press, 2013, pp.1-35.).

Nesse processo de construção de conhecimento, as feministas nas RI adotam uma variedade não só de epistemologias como também de abordagens metodológicas. Se inicialmente houve a tentativa do mainstream de impor uma agenda epistemológica (Keohane, 1989a) fundada nas epistemologias do ponto de vista (Harding, 1991HARDING, Sandra. Whose Science? Whose Knowledge? Ithaca, Cornell University Press, 1991.; Intemann, 2018INTEMANN, Kristen. Feminist Standpoint. In: DISCH, Lisa; HAWKESWORTH, Mary (org.). The Oxford Handbook of Feminist Theory. Oxford, Oxford University Press, 2018, pp.261-282.), a reação das feministas pluralizou as formas de produção de conhecimento, interpelando questões que problematizam o gênero frente às várias interseccionalidades (de raça, classe, sexualidade, status social, idade, entre outras) que operam junto a ele para produzir novas modalidades de opressão e subalternização (Ballestrin, 2021BALLESTRIN, Luciana Maria de Aragão. Para uma Abordagem Feminista e Pós-Colonial das Relações Internacionais. In: TOLEDO, Aureo (org.). Perspectivas pós-coloniais e decoloniais em relaçõesInternacionais. Salvador-BA, EDUFBA, 2021, pp.179-204.; Gill; Pires, 2019GILL, Andréa; PIRES, Thula. From Binary to Intersectional to Imbricated Approaches: Gender in Decolonial and Diasporic Perspective. Contexto Internacional (41, 2), Rio de Janeiro/RJ, 2019, pp.275-302 [ https://doi.org/10.1590/S0102-8529.2019410200003 - acesso em: 16 abril 2024].
https://doi.org/10.1590/S0102-8529.20194...
; Ossome, 2020OSSOME, Lyn. African Feminism. In: REILAND, Rabaka (org.). Routledge Handbook of Pan-Africanism. Londres, Routledge, 2020, pp.159-170.; Sjoberg, 2021 SJOBERG, Laura. ¿Qué son y dónde se sitúan los Estudios Feministas de Seguridad? Relaciones Internacionales (48), Madri, 2021, pp.15-30 [ https://doi.org/10.15366/relacionesinternacionales2021.48.001 - acesso em: 16 abr. 2024].
https://doi.org/10.15366/relacionesinter...
; Weber, 2015WEBER, Cynthia. Why is there no Queer International Theory? European Journal of International Relations (21, 1), 2015, pp.27-51 [https://dx.doi.org/10.1177/1354066114524236 - acesso em: 16 abr. 2024].
https://dx.doi.org/10.1177/1354066114524...
; 2016; Yacob-Haliso, 2019YACOB-HALISO, Olajumoke. Intersectionalities and access in fieldwork in postconflict Liberia: Motherland, motherhood, and minefields. African Affairs (118), Abingdon, 2019, pp.168-181 [ https://doi.org/10.1093/afraf/ady046 - acesso em: 16 abr. 2024].
https://doi.org/10.1093/afraf/ady046...
). Hoje fala-se de epistemologias decoloniais e pós-coloniais (Souza; Selis, 2022SOUZA, Natália Maria Félix de; SELIS, Lara Martim Rodrigues. Gender violence and feminist resistance in Latin America. International Journal of Feminist Politics (24), Londres, 2022, pp.5-15 [https://dx.doi.org/10.1080/14616742.2021.2019483 - acesso em: 16 abr. 2024].
https://dx.doi.org/10.1080/14616742.2021...
; Souza, 2019 SOUZA, Natália Maria Félix de. When the Body Speaks (to) the Political: Feminist Activism in Latin America and the Quest for Alternative Democratic Futures. Contexto Internacional (41), Rio de Janeiro, 2019, pp.89-111 [ https://doi.org/10.1590/S0102-8529.2019410100005 - acesso em: 16 abr. 2024].
https://doi.org/10.1590/S0102-8529.20194...
), queer (Dias; Arcângelo, 2017DIAS, Júlia Machado; ARCÂNGELO, Élton de Mello. Feminismo Decolonial e Teoria Queer: Limites e Possibilidades de Diálogo nas Relações Internacionais. Monções (6, 11), Dourados/MS, 2017, pp.121-151 [ https://doi.org/10.30612/rmufgd.v6i11.6913 - acesso em: 16 abril 2024].
https://doi.org/10.30612/rmufgd.v6i11.69...
; Jesus, 2014JESUS, Diego Santos Vieira. O mundo fora do armário: teoria queer e Relações Internacionais. Universitas Relações Internacionais (12), Brasília, 2014, pp.51-59 [ https://doi.org/10.5102/uri.v12i1.2738 - acesso em: 16 abril 2024].
https://doi.org/10.5102/uri.v12i1.2738...
; Weber, 2016WEBER, Cynthia. Queer International Relations: Sovereignity, Sexuality and the Will to Knowledge. Oxford, Oxford University Press, 2016.), empiricistas (Caprioli, 2004 CAPRIOLI, Mary. Feminist IR Theory and Quantitative Methodology: A Critical Analysis. International Studies Review (6), 2004, pp.253-269 [ https://dx.doi.org/10.1111/j.1521-9488.2004.00398.x - acesso em: 16 abril 2024].
https://dx.doi.org/10.1111/j.1521-9488.2...
; Hudson et al., 2014; Reiter, 2015 REITER, Dan. The Positivist Study of Gender and International Relations. Journal of Conflict Resolution (59, 7), 2015, pp.1301-1326 [ https://doi.org/10.1177/0022002714560351 - acesso em: 16 abril 2024].
https://doi.org/10.1177/0022002714560351...
), do ponto de vista (Cohn, 2013COHN, Carol. Women and Wars: Toward a Conceptual Framework. In: COHN, Carol (org.). Women & Wars. Cambridge, Polity Press, 2013, pp.1-35.; Enloe, 2014; Sylvester, 2002), pós-modernas (Sylvester, 1994SYLVESTER, Christine. Feminist Theory and International Relations in a Postmodern Era. Cambridge, Cambridge University Press, 1994.; Zalewski, 2000ZALEWSKI, Marysia. Feminism After Postmodernism: Theorising Through Practice. Londres, Routledge, 2000.), interseccionais (Gill; Pires, 2019GILL, Andréa; PIRES, Thula. From Binary to Intersectional to Imbricated Approaches: Gender in Decolonial and Diasporic Perspective. Contexto Internacional (41, 2), Rio de Janeiro/RJ, 2019, pp.275-302 [ https://doi.org/10.1590/S0102-8529.2019410200003 - acesso em: 16 abril 2024].
https://doi.org/10.1590/S0102-8529.20194...
; Gomes; Marques, 2021GOMES, Mariana Selister; MARQUES, Renata Rodrigues. Can securitization theory be saved from itself? A decolonial and feminist intervention. Security Dialogue (52), Oslo, 2021, pp.78-87 [ https://doi.org/10.1177/09670106211027795 - acesso em: 16 abril 2024].
https://doi.org/10.1177/0967010621102779...
; Yacob-Haliso, 2019YACOB-HALISO, Olajumoke. Intersectionalities and access in fieldwork in postconflict Liberia: Motherland, motherhood, and minefields. African Affairs (118), Abingdon, 2019, pp.168-181 [ https://doi.org/10.1093/afraf/ady046 - acesso em: 16 abr. 2024].
https://doi.org/10.1093/afraf/ady046...
), institucionais (Aggestam; Towns, 2018AGGESTAM, Karin; TOWNS, Ann E. Introduction: The Study of Gender, Diplomacy and Negotiation. In: AGGESTAM, Karin; TOWNS, Ann E. (org.). Gendering Diplomacy and International Negotiation. Londres, Palgrave Macmillan, 2018, pp.1-22.; Krook; Mackay, 2011KROOK, Mona Lena; MACKAY, Fiona. Introduction: Gender, Politics, and Institutions. In: KROOK, Mona Lena; MACKAY, Fiona (org.). Gender, Politics and Institutions: Towards a Feminist Institutionalism. Londres, Palgrave Macmillan, 2011, pp.1-20.), entre várias outras possibilidades. Como resultado desse pluralismo epistemológico e dos condicionamentos da produção de conhecimento característicos de cada epistemologia, coexistem diferentes abordagens metodológicas para investigar problemáticas de interesse das feministas das RI, sejam elas de natureza quantitativa (Caprioli, 2004 CAPRIOLI, Mary. Feminist IR Theory and Quantitative Methodology: A Critical Analysis. International Studies Review (6), 2004, pp.253-269 [ https://dx.doi.org/10.1111/j.1521-9488.2004.00398.x - acesso em: 16 abril 2024].
https://dx.doi.org/10.1111/j.1521-9488.2...
; Hudson et al., 2014; Reiter, 2015 REITER, Dan. The Positivist Study of Gender and International Relations. Journal of Conflict Resolution (59, 7), 2015, pp.1301-1326 [ https://doi.org/10.1177/0022002714560351 - acesso em: 16 abril 2024].
https://doi.org/10.1177/0022002714560351...
), sejam de natureza qualitativa e hermenêutica (Ackerly et al., 2006ACKERLY, Brooke A.; STERN, Maria; TRUE, Jacqui. Feminist methodologies for International Relations. In: ACKERLY, Brooke A.; STERN, Maria; TRUE, Jacqui (org.). Feminist Methodologies for International Relations. Cambridge, Cambridge University Press, 2006, pp.1-15.; Tickner, 2005TICKNER, J. Ann. What is Your Research Program? Some Feminist Answers to International Relations Methodological Questions. International Studies Quarterly (49), 2005, pp.1-21.; True, 2017TRUE, Jacqui. Feminism and Gender Studies in International Relations Theory. Oxford Research Encyclopedia of International Studies, 30 nov. 2017.). Essas diferentes formas de geração de conhecimento e investigação acadêmica têm resultado em debates intensos entre as feministas de RI, muitos dos quais centrados nas disputas epistemológicas e metodológicas para resolver questões conceituais e de métodos.

Entretanto, nesses debates, discussões sobre as ontologias feministas acabam por ocupar um segundo plano, sendo frequentemente mediadas pela epistemologia e metodologia. Embora, para os feminismos, ontologia, epistemologia, metodologia e método sejam indissociáveis (Ackerly et al., 2006ACKERLY, Brooke A.; STERN, Maria; TRUE, Jacqui. Feminist methodologies for International Relations. In: ACKERLY, Brooke A.; STERN, Maria; TRUE, Jacqui (org.). Feminist Methodologies for International Relations. Cambridge, Cambridge University Press, 2006, pp.1-15.; Harding, 1987HARDING, Sandra. Introduction: Is There a Feminist Method? In: HARDING, Sandra (org.). Feminism and Methodology. Bloomington, Indiana University Press, 1987, pp.1-14.; Maruska, 2017MARUSKA, Jennifer Heeg. Feminist Ontologies, Epistemologies, Methodologies, and Methods in International Relations. Oxford Research Encyclopedia of International Studies, 22 dez. 2017.), reflexões sobre a ontos subjacente aos fenômenos de interesse das feministas ainda se centram na chave da construção social do gênero (Haslanger; Ásta, 2018 HASLANGER, Sally; ÁSTA. Feminist Metaphysics. In: Edward N. Zalta (org.). The Stanford Encyclopedia of Philosophy, 2018 [ https://plato.stanford.edu/archives/fall2018/entries/feminism-metaphysics/. - acesso em: 16 abril 2024].
https://plato.stanford.edu/archives/fall...
; Locher; Prügl, 2001LOCHER, Birgit; PRÜGL, Elisabeth. Feminism and Constructivism: Worlds Apart or Sharing the Middle Ground? International Studies Quarterly (45), 2001, pp.111-129 [https://doi.org/10.1111/0020-8833.00184 - acesso em: 16 abril 2024].
https://doi.org/10.1111/0020-8833.00184...
). Porém, reflexões sobre as ontologias feministas de explicação são elididas, a menos quando se contrastam as diferentes metodologias e os métodos.

Subjacente a essas disputas, há uma problemática de matriz filosófica que reside na natureza da explicação produzida pelas diferentes epistemologias e metodologias adotadas pelas feministas em RI. Ela se revela na forma da discussão acerca de explicações constitutivas e explicações causais. Estas responderiam pela tradicional concepção humeana de eventos que se sucedem, assumindo que um é uma causa e outro é um efeito em uma relação de conjunção constante (Hume, 1952); e pela sua versão moderna associada a formulações estruturais estatísticas que permitem mapear relações de dependência causal entre variáveis (Kincaid, 2008KINCAID, Harold. Structural Realism and the Social Sciences. Philosophy of Science (75, 5), Chicago, 2008, pp. 720-731 [ https://doi.org/10.1086/594517 - acesso em: 16 abril 2024].
https://doi.org/10.1086/594517...
; Pearl, 2009PEARL, Judea. Causality: Models, Reasoning and Inference. 2ed., Cambridge, Cambridge University Press, 2009.; Woodward, 2003WOODWARD, James. Making Things Happen: A Theory of Causal Explanation. Oxford, Oxford University Press, 2003.). Já as explicações constitutivas referem-se aos atributos e às propriedades das entidades em virtude das estruturas existentes no mundo real observáveis e não observáveis, objetivando responder a questões sobre como e de que são constituídos os sistemas naturais e sociais (Wendt, 1998WENDT, Alexander. On constitution and causation in International Relations. Review of International Studies (24, 5), Cambridge, 1998, pp.101-117 [ https://dx.doi.org/10.1017/S0260210598001028 - acesso em: 16 abr. 2024].
https://dx.doi.org/10.1017/S026021059800...
; Ylikoski, 2017YLIKOSKI, Petri. Micro, Macro, and Mechanisms. In: KINCAID, Harold (org.). The Oxford Handbook of Philosophy of Social Science. Oxford, Oxford University Press, 2017, pp.21-45.). Essas duas formas de conceber a explicação não são intrinsecamente incompatíveis, nem precisam competir entre si, mas os seus distintos compromissos ontológicos, epistemológicos e metodológicos implicam em formulações de pesquisa específicas.

Nesse contexto, parto, neste artigo, da seguinte questão: como podemos conciliar, a partir de uma releitura filosófica, as explicações constitutivas e causais dos feminismos das RI? Partindo de uma abordagem metodológica assentada na filosofia da ciência, argumento que as disputas epistemológicas e metodológicas nos feminismos das RI podem ser compreendidas à luz do entendimento da explicação como causal e constitutiva, principalmente ao reconhecermos as particularidades das ontologias da explicação das pesquisas feministas. Mais especificamente, argumento que o realismo filosófico fornece elementos ontológicos para efetivar essa conciliação através da noção de poderes causais. Poderes causais são entendidos como capacidades, tendências, propensões de se produzirem resultados (sociais ou naturais) a partir das condições contextuais em que os fenômenos se encontram, reconhecendo que a realidade é um sistema aberto e, portanto, suscetível às interferências dos demais fenômenos (Bhaskar, 2008BHASKAR, Roy. A Realist Theory of Science. Londres, Routledge, 2008.; Cartwright, 1999CARTWRIGHT, Nancy. The Dappled World: A Study of the Boundaries of Science. Cambridge, Cambridge University Press, 1999.). Nas RI, a corrente do realismo crítico tem ressignificado as ontologias presentes na disciplina, de modo a situar as ideias, identidades, discursos e construções sociais no seu léxico ontológico, visando, em última instância, demonstrar como ontologia, epistemologia e metodologia estão intrinsecamente interligadas (Kurki, 2008KURKI, Milja. Causation in International Relations: Reclaiming Causal Analysis. Cambridge, Cambridge University Press, 2008.; Patomäki, 2019PATOMÄKI, Heikki. The Promises of Critical Realism in the 2020s and beyond. Teoria Polityki (3), 2019, pp.189-200 [ https://doi.org/10.4467/25440845TP.19.010.10293 - acesso em: 16 abril 2024].
https://doi.org/10.4467/25440845TP.19.01...
; Wight, 2012WIGHT, Colin. Critical Realism: some responses. Review of International Studies (38), 2012, pp.267-274 [https://http://doi.org/10.1017/S0260210511000684 - acesso em: 16 abr. 2024].
https://http://doi.org/10.1017/S02602105...
). No caso dos feminismos nas RI, diversas feministas subscrevem a essas ontologias, o que, por sua vez, evoca questões sobre a natureza da explicação e sua própria ontologia. Afinal, como sustenta Hacking (1999)HACKING, Ian. The social construction of what? Cambridge. Harvard University Press, 1999., onde há um apelo à construção social da realidade, há a necessidade de se explicarem as propriedades do que é socialmente construído e os mecanismos pelos quais se dá essa construção, bem como seus efeitos no mundo real. Nesse sentido, proponho-me especificamente a discutir as articulações subjacentes a essa particularidade das ontologias da explicação vis-à-vis às ontologias das pesquisas feministas em RI, utilizando a perspectiva de poderes causais do realismo crítico como ponte entre ambas.

O artigo está dividido em três partes. Na primeira, apresento as discussões filosóficas sobre explicação, partindo da filosofia da ciência e salientando, nesse processo, os entendimentos sobre causação e constituição nas RI. Na segunda seção, discuto as ontologias feministas subjacentes aos feminismos nas RI, demonstrando como elas presumem a inter-relação entre explicações constitutivas e explicações causais. Finalmente, na terceira seção, proponho a reconfiguração do debate entre feministas críticas e positivistas a partir das relações entre ontologia e explicação sob a óptica de poderes causais.

Constituição e causalidade: entre a filosofia da ciência e as RI

A preocupação das ciências – entendidas de maneira plural, sem a marca “positivista” frequentemente associada ao termo –, desde tempos remotos, centra-se na produção de explicações. Explicar fenômenos naturais e sociais seria o desiderato do conhecimento científico, e, portanto, entender o significado da explicação constituiria um elemento essencial da investigação filosófica. Entretanto, e apesar dos diferentes modelos explicativos que emergiram principalmente no século XX, inexiste um consenso sobre o que significa (ou deveria significar) explicar, coexistindo, em vez disso, diferentes e múltiplos critérios para a construção de explicações (Rice; Rohwer, 2021RICE, Collin; ROHWER, Yasha. How to Reconcile a Unified Account of Explanation with Explanatory Diversity. Foundations of Science (26), 2021, pp.1025-1047 [ https://doi.org/10.1007/s10699-019-09647-y - acesso em: 16 abril 2024].
https://doi.org/10.1007/s10699-019-09647...
).

Um dos modelos de explicação precursores foi proposto por Carl Hempel e Paul Oppenheim (1948) seguindo os princípios do positivismo lógico. Nesse modelo, existe um fenômeno a ser explicado (denominado de explanandum) e um conjunto de condições iniciais e leis gerais que explicam esse fenômeno (denominados de explanans). O explanans explica o explanandum em virtude do caráter lógico-dedutivo das leis gerais e condições iniciais, demonstrando, nesse processo, que o explanandum era esperado (Hempel; Oppenheim, 1948HEMPEL, Carl G.; OPPENHEIM, Paul. Studies in the logic of explanation. Philosophy of Science (15, 2), 1948, pp.135-175 [ https://doi.org/10.1086/286983 - acesso em: 16 abrl 2024].
https://doi.org/10.1086/286983...
). Esse modelo de explicação ficou conhecido como o modelo dedutivo-nomológico (DN) e, mais contemporaneamente, informa, com modificações, o modelo de lei geral (covering law) (Rice; Rohwer, 2021RICE, Collin; ROHWER, Yasha. How to Reconcile a Unified Account of Explanation with Explanatory Diversity. Foundations of Science (26), 2021, pp.1025-1047 [ https://doi.org/10.1007/s10699-019-09647-y - acesso em: 16 abril 2024].
https://doi.org/10.1007/s10699-019-09647...
; Woodward, 2003WOODWARD, James. Making Things Happen: A Theory of Causal Explanation. Oxford, Oxford University Press, 2003.). Por suas raízes positivistas, ele é frequentemente associado a abordagens filosóficas sobre a ciência mais próximas dessa vertente e, comumente, a uma visão de ciência centrada no modelo das ciências naturais, nomeadamente da física.

O modelo DN desempenhou um papel importante na filosofia da ciência, mas, tão logo foi proposto, problemas fundamentais emergiram1 1 Para mais detalhes, ver Dowding (2016), para uma discussão mais centrada nas implicações para as Ciências Sociais; e Godfrey-Smith (2021), para uma discussão centrada nos desdobramentos históricos e filosóficos do modelo DN e as reações a ele. . Como forma de resolver suas fragilidades, diferentes modelos de explicação foram propostos, de modo que hoje coexistem diferentes ideias sobre o que significa explicar, quais são os critérios da explicação e como diferentes explicações podem ser avaliadas (Mantzavinos, 2016MANTZAVINOS, Chrysostomos. Explanatory Pluralism. Nova Iorque, Cambridge University Press, 2016.; Rice; Rohwer, 2021RICE, Collin; ROHWER, Yasha. How to Reconcile a Unified Account of Explanation with Explanatory Diversity. Foundations of Science (26), 2021, pp.1025-1047 [ https://doi.org/10.1007/s10699-019-09647-y - acesso em: 16 abril 2024].
https://doi.org/10.1007/s10699-019-09647...
). Entre esses modelos, destacam-se aqueles que se alicerçam na ideia de causalidade, preconizando uma concepção causal do empreendimento explicativo (Kincaid, 1996KINCAID, Harold. Philosophical Foundatons of the Social Sciences: Analyzing Controversies in Social Research. Cambridge, Cambridge University Press, 1996.). Analisar as causas de fenômenos seria uma das formas de superar o problema da direção da explicação, uma falha central do modelo DN. Em larga medida, as respostas de natureza causal ao modelo DN procuram justamente formalizar entendimentos sobre causa em torno de modelos explicativos causais (Cartwright, 2007CARTWRIGHT, Nancy. Hunting Causes and Using Them: Approaches in Philosophy and Economics. Cambridge, Cambridge University Press, 2007.; 2014).

A noção de causalidade remonta à teoria aristotélica de aitia, mas a concepção mais influente na contemporaneidade é atribuída a David Hume (1952)HUME, David. An Enquiry Concerning Human Understanding. In: HUTCHINS, Robert Maynard (org.). Great Books of the Western World. Chicago, University of Chicago Press, 1952, pp.451-509.. Hume rompeu com a tradição clássica ao postular um conceito bivalente de causa, com desdobramentos que informam os debates atuais na filosofia da ciência. De acordo com o autor:

nós podemos definir uma causa como sendo um objeto, seguido por outro, e no qual todo os objetos similares ao primeiro são seguidos por objetos similares ao segundo. Ou, em outras palavras, se o primeiro objeto não houvesse acontecido, o segundo nunca haveria existido (Hume, 1952HUME, David. An Enquiry Concerning Human Understanding. In: HUTCHINS, Robert Maynard (org.). Great Books of the Western World. Chicago, University of Chicago Press, 1952, pp.451-509.:477; ênfase no original)2 2 Essa tradução, e todas as demais, foram feitas pela autora. .

Nesse curto trecho, Hume lançou um quebra-cabeças sobre o significado de causa que divide as interpretações em pelo menos dois amplos campos: de um lado, a primeira parte sinaliza a concepção de conjunção constante, na qual um evento é seguido de outro, dando base ao empiricismo; de outro lado, a segunda parte da definição estabelece uma condição contrafactual acerca de um mundo possível, no qual uma alternativa ao observado no mundo real não ocorreria, permitindo, assim, inferir a relação de causalidade3 3 Nas RI, a ideia de contrafactuais tem sido utilizada como forma de avançar explicações causais da forma “se a condição C não tivesse acontecido, o evento E não teria ocorrido” (Dowding; Miller, 2019; Fearon, 1991). Nos debates filosóficos mais contemporâneos, o modelo intervencionista de Woodward (2003) consubstancia a ideia de causalidade no formato “o que aconteceria se as coisas tivessem sido diferentes”, que presume a capacidade de manipular condições/fatores causais de modo contrafactual. . A partir dessa dupla problemática, filósofas e cientistas naturais e sociais debruçaram-se sobre as diferentes implicações da causalidade, desenvolvendo não só uma pluralidade de modelos causais como um amplo léxico que envolve intervenções (Woodward, 2003WOODWARD, James. Making Things Happen: A Theory of Causal Explanation. Oxford, Oxford University Press, 2003.), mecanismos (Hedström; Ylikoski, 2010 HEDSTRÖM, Peter; YLIKOSKI, Petri. Causal Mechanisms in the Social Sciences. Annual Review of Sociology (36), 2010, pp.49-67 [https://doi.org/10.1146/annurev.soc.012809.102632 - acesso em: 16 abril 2024].
https://doi.org/10.1146/annurev.soc.0128...
), padrões causais (Potochnik, 2015POTOCHNIK, Angela. Causal patterns and adequate explanations. Philosophical Studies (172), 2015, pp.1163-1182 [ https://doi.org/10.1007/s11098-014-0342-8 - acesso em: 16 abril 2024].
https://doi.org/10.1007/s11098-014-0342-...
), kairós explicativo (Strevens, 2008STREVENS, Michael. Depth: An Account of Scientific Explanation. Cambridge, Harvard University Press, 2008.), processos (Salmon, 1984SALMON, Wesley C. Scientific Explanation and the Causal Structure of the World. Princeton, Princeton University Press, 1984.) e contrafactuais (Reiss, 2017REISS, Julian. Counterfactuals. In: KINCAID, Harold (org.). The Oxford Handbook of Philosophy of Social Science. Oxford, Oxford University Press, 2017, pp.154-183). Cada uma dessas propostas assenta-se em diferentes epistemologias e metodologias para produzir explicações causais, de modo que “o tratamento da causação deve deixar claro por que os métodos que usamos para testar relações causais fornecem uma boa garantia para os usos que damos a essas relações” (Cartwright, 2007CARTWRIGHT, Nancy. Hunting Causes and Using Them: Approaches in Philosophy and Economics. Cambridge, Cambridge University Press, 2007.:2).

Porém, ao mesmo tempo que o debate sobre causalidade norteou as reflexões sobre a natureza da explicação, outras questões emergiram como forma de compreender fenômenos do mundo real que não se encaixavam em uma lógica causal. Questões sobre as propriedades dos objetos, nomeadamente aquelas derivadas das estruturas que conferem sua existência, não se reduzem ao problema da causalidade. Na verdade, as dimensões de temporalidade e independência de eventos subjacentes à concepção humeana – e que seguem sendo elementos centrais nos modelos de causalidade – não são observadas em explicações constitutivas, uma vez que estas se referem às propriedades e suas relações num determinado sistema (Ylikoski, 2017YLIKOSKI, Petri. Micro, Macro, and Mechanisms. In: KINCAID, Harold (org.). The Oxford Handbook of Philosophy of Social Science. Oxford, Oxford University Press, 2017, pp.21-45.). Nesse sentido, a natureza da pergunta que queremos responder determina se a explicação será causal ou constitutiva (Cross, 1991CROSS, Charles. Explanation and the Theory of Questions. Erkenntnis (34), 1991, pp.237-260 [ https://doi.org/10.1007/bf00385722 - acesso em: 16 abril 2024].
https://doi.org/10.1007/bf00385722...
). Mais especificamente,

Uma explicação causal nos diz como os eventos antecedentes e sua organização (temporalidade e localidade) provocam o evento a ser explicado. Em contraste, uma explicação constitutiva descreve como as propriedades dos componentes e sua organização dão origem às propriedades do sistema (Ylikoski, 2017YLIKOSKI, Petri. Micro, Macro, and Mechanisms. In: KINCAID, Harold (org.). The Oxford Handbook of Philosophy of Social Science. Oxford, Oxford University Press, 2017, pp.21-45.:34; ênfase no original).

Essas diferentes concepções de explicação chegam às RI principalmente por meio dos debates teóricos e metodológicos que caracterizam a trajetória histórica da disciplina (Kurki; Wight, 2013KURKI, Milja; WIGHT, Colin. International Relations and Social Science. In: DUNNE, Tim; KURKI, Milja; SMITH, Steve (org.). International Relations Theories: Discipline and Diversity. Oxford, Oxford University Press, 2013, 3ªed., pp.14-35.; Schmidt, 2013SCHMIDT, Brian C. On the History and Historiography of International Relations. In: CARLSNAES, Walter; RISSE, Thomas; SIMMONS, Beth A. (org.). Handbook of International Relations. 2ed., Londres, SAGE, 2013, pp.3-28.; Smith, 1996SMITH, Steve. Positivism and beyond. In: SMITH, Steve; BOOTH, Ken; ZALEWSKI, Marysia (org.). International Theory: positivism and beyond. Cambridge, Cambridge University Press, 1996, pp.11-44.). Os antecedentes das reflexões sobre explicações causais e constitutivas nas RI remontam a diferentes engajamentos que ressignificam o conhecimento recebido sobre a constituição da disciplina (especialmente na forma dos Grandes Debates Teóricos4 4 Tradicionalmente, a história da disciplina é narrada por meio da sequência cronológica de três debates teóricos que contrapuseram, a cada momento, diferentes conjuntos de teorias (primeiramente, realismo vs. idealismo; em um segundo momento, tradicionalistas vs. behaviouristas; e, finalmente, o terceiro debate entre neopositivistas vs. pós-positivistas). É no contexto do terceiro debate, lançado nos anos 1980, que os feminismos adentram a disciplina: na ocasião, teorias pós-positivistas desferem variadas críticas ao cânone (neo)positivista, representado pelas teorias neorrealistas e neoliberais. O cânone é compreendido pela combinação de uma epistemologia empiricista com abordagens metodológicas quantitativas e formais, e é justamente em contraposição a essa visão dominante que teóricas críticas, feministas, pós-modernas, pós-estruturalistas, pós-coloniais e decoloniais oferecem alternativas e novas possibilidades de análise dos fenômenos internacionais. Para mais detalhes, ver Schmidt (2013); Tickner; Sjoberg (2021). ), optando, inicialmente, por uma discussão dicotômica acerca de explicação e compreensão (Hollis; Smith, 1990HOLLIS, Martin; SMITH, Steve. Explaining and Understanding International Relations. Oxford, Clarendon Press, 1990.; Kurki; Wight, 2013KURKI, Milja; WIGHT, Colin. International Relations and Social Science. In: DUNNE, Tim; KURKI, Milja; SMITH, Steve (org.). International Relations Theories: Discipline and Diversity. Oxford, Oxford University Press, 2013, 3ªed., pp.14-35.; Lebow, 2022LEBOW, Richard Ned. The quest for knowledge in International Relations: how do we know? Cambridge, Cambridge University Press, 2022.). Essa dicotomia assenta-se na ideia de que explicar significa investigar relações causais e leis gerais, as quais seriam características de uma visão de ciência inspirada em princípios neopositivistas, encabeçada, em um primeiro momento, por Gary King, Robert Keohane e Sidney Verba (2021) e, posteriormente, pelas reações de Henry Brady e David Collier (2010) e Gary Goertz e James Mahoney (2012). O compromisso dessas abordagens com a causalidade revela-se nos argumentos de que os métodos quantitativos e qualitativos seriam ambos adequados para apontar as relações causais (Dowding, 2016DOWDING, Keith. The Philosophy and Methods of Political Science. Londres, Palgrave, 2016.), compreendidas sobremaneira conforme os preceitos da causalidade humeana e seus desdobramentos nos modelos causais contemporâneos. Já compreender implicaria imergir nos significados subjetivos e intersubjetivos próprios dos agentes humanos, conferindo relevância a ideias, construções sociais, modelos cognitivos e experiências por meio de abordagens hermenêuticas (Hollis; Smith, 1990HOLLIS, Martin; SMITH, Steve. Explaining and Understanding International Relations. Oxford, Clarendon Press, 1990.; Jackson, 2015JACKSON, Patrick Thaddeus. Making Sense of Making Sense: Configurational Analysis and the Double Hermeneutic. In: YANOW, Dvora; SCHWARTZ-SHEA, Peregrine (org.). Interpretation and Method: Empirical Research Methods and the Interpretive Turn. 2ed., Londres, Routledge, 2015, pp.267-283.). Essa aparente dicotomia5 5 Na filosofia da ciência, a distinção entre explicação e compreensão é inócua, vez que explicar presume compreender. Para uma crítica informada, ver Chernoff (2007). persiste até a contemporaneidade, informando como a própria disciplina vê as formas como produz conhecimento, seja por meio dos frequentes debates metodológicos (quantitativistas vs. qualitativistas causais vs. qualitativistas hermenêuticas), seja por meio de reflexões de natureza epistemológica e, mais raramente, ontológica (Keohane, 1989b; Lebow, 2022LEBOW, Richard Ned. The quest for knowledge in International Relations: how do we know? Cambridge, Cambridge University Press, 2022.)6 6 Frequentemente, esses debates são representados na literatura pelas divisões entre positivistas vs. pós-positivistas ou racionalistas vs. reflexivistas (Keohane, 1989b; Kurki, 2008). A partir dos anos 1980, as teorias de relações internacionais abriram-se para as contribuições de outras disciplinas, ampliando seu léxico para além dos termos estadocêntricos das teorias realistas e liberais. O feminismo adentra nesse contexto, sendo incorporado pelo lado pós-positivista/reflexivista, precisamente devido ao seu apelo a epistemologias que reposicionam os indivíduos na política internacional; transformam o pessoal em internacional; ressignificam a matriz ontológica da disciplina ao incorporar as construções sociais e discursivas da realidade; e reconsideram as próprias estruturas de poder subjacentes à produção de conhecimento. Para mais detalhes sobre essa historiografia, ver Schmidt (2013); para uma introdução à história dos feminismos nas RI, ver Monte (2013) e Lenine (2021). .

É ainda no contexto dessa aparente divisão que os engajamentos de Kratochwil (1989)KRATOCHWIL, Friedrich V. Rules, Noms and Decisions: On the Conditions of Practical and Legal Reasoning in International Relations and Domestic Affairs. Cambridge, Cambridge University Press, 1989., Onuf (2012)ONUF, Nicholas Greenwood. World of Our Making: Rules and rule in social theory and international relations. Londres, Routledge, 2012 [1989]. e, mais sistematicamente, de Wendt (1998WENDT, Alexander. On constitution and causation in International Relations. Review of International Studies (24, 5), Cambridge, 1998, pp.101-117 [ https://dx.doi.org/10.1017/S0260210598001028 - acesso em: 16 abr. 2024].
https://dx.doi.org/10.1017/S026021059800...
; 1999) reconfiguram o debate em torno de explicações causais e constitutivas, em vez de explicação vs. compreensão. Na leitura de Wendt, a divisão supracitada mascara as relações entre ambas formas de produção de conhecimento, estabelecendo, em vez disso, uma rivalidade maniqueísta (Wendt, 1998). Para ele, a prática acadêmica em RI incorpora tanto explicações causais como constitutivas, uma vez que as perguntas propostas nas pesquisas perpassam a análise tanto da relação entre eventos (i.e., causalidade) como das propriedades das entidades do mundo real e suas relações (i.e., constituição) (Fearon; Wendt, 2002FEARON, James; WENDT, Alexander. Rationalism v. Constructivism: A Skeptical View. In: CARLSNAES, Walter; RISSE, Thomas; SIMMONS, Beth A. (org.). Handbook of International Relations. Londres, SAGE, 2002, pp.52-72.).

A preocupação central de Wendt, ao postular as explicações constitutivas e fazer sua defesa, consiste em conferir caráter explicativo às propriedades dos entes sociais existentes no mundo real, extrapolando a concepção de constituição como mera descrição (ponto advogado por King et al. (2021) sob o rótulo de inferência descritiva). Ao analisar as propriedades das entidades do mundo real, observáveis e não observáveis, é possível responder a perguntas formuladas no estilo “o que é...” e “como é possível...”, as quais permitem evidenciar as disposições dos sistemas, que, por sua vez, levam a transições de natureza causal (Wendt, 1998WENDT, Alexander. On constitution and causation in International Relations. Review of International Studies (24, 5), Cambridge, 1998, pp.101-117 [ https://dx.doi.org/10.1017/S0260210598001028 - acesso em: 16 abr. 2024].
https://dx.doi.org/10.1017/S026021059800...
). Porém, o elemento mais importante das explicações constitutivas, especialmente no caso das RI, reside na capacidade de evidenciar as propriedades e disposições das estruturas subjacentes aos fenômenos internacionais. Essas estruturas envolvem regularidades, regras e normas estruturantes do comportamento; relações humanas e posições sociais; e relações de diferença que constituem e definem as propriedades dos elementos da própria estrutura (Wight, 2006WIGHT, Colin. Agents, Structures and International Relations: Politics as Ontology. Cambridge, Cambridge University Press, 2006.). Nesse sentido, as explicações constitutivas estão preocupadas com os poderes (ou capacidades) causais das entidades, estruturas e mecanismos, entendidos como a ontologia da realidade (Adler, 2002ADLER, Emanuel. Constructivism and International Relations. In: CARLSNAES, Walter; RISSE, Thomas; SIMMONS, Beth A. (org.). Handbook of International Relations. Londres, SAGE, 2002, pp.95-118.; Wight, 2006WIGHT, Colin. Agents, Structures and International Relations: Politics as Ontology. Cambridge, Cambridge University Press, 2006.; Bhaskar, 2008BHASKAR, Roy. A Realist Theory of Science. Londres, Routledge, 2008.). Retorno a esse tema na terceira seção.

A ideia de constituição, portanto, amplia o escopo da análise dos fenômenos internacionais para além da causalidade estrita, fundada na revelação de relações causais, ou até mesmo para além das leis gerais. Em última instância, a existência desses elementos da causalidade só é possível mediante as propriedades e disposições da estrutura e dos elementos que a compõem. Não por acaso, a ênfase dada a elementos não observáveis que constituem a realidade social, tais como identidades, ideias, mecanismos, normas, posicionalidades, entre outros (Kurki, 2008KURKI, Milja. Causation in International Relations: Reclaiming Causal Analysis. Cambridge, Cambridge University Press, 2008.; Wendt, 1999WENDT, Alexander. Social Theory of International Politics. Cambridge, Cambridge University Press, 1999.; Wight, 2006WIGHT, Colin. Agents, Structures and International Relations: Politics as Ontology. Cambridge, Cambridge University Press, 2006.). É neste contexto que os feminismos das RI se inserem: de um lado, a natureza generificada e generificante do sistema internacional, com suas variadas hierarquias de gênero, constituem a estrutura, o contexto e as posições sociais das mulheres (Tickner, 2005TICKNER, J. Ann. What is Your Research Program? Some Feminist Answers to International Relations Methodological Questions. International Studies Quarterly (49), 2005, pp.1-21.; Sjoberg, 2018SJOBERG, Laura. Feminist Security and Security Studies. In: GHECIU, Alexandra; WOHLFORTH, William C. (org.). The Oxford Handbook of International Security. Oxford, Oxford University Press, 2018, pp.45-49.); de outro, as propriedades e disposições das estruturas de gênero causam os variados fenômenos observados no sistema internacional, tais como a violência de gênero, a ausência de mulheres nos espaços de poder, a conflitividade, entre outros (Caprioli, 2004 CAPRIOLI, Mary. Feminist IR Theory and Quantitative Methodology: A Critical Analysis. International Studies Review (6), 2004, pp.253-269 [ https://dx.doi.org/10.1111/j.1521-9488.2004.00398.x - acesso em: 16 abril 2024].
https://dx.doi.org/10.1111/j.1521-9488.2...
; Reiter, 2015 REITER, Dan. The Positivist Study of Gender and International Relations. Journal of Conflict Resolution (59, 7), 2015, pp.1301-1326 [ https://doi.org/10.1177/0022002714560351 - acesso em: 16 abril 2024].
https://doi.org/10.1177/0022002714560351...
). Nesse sentido, os entendimentos sobre causalidade e constituição permeiam não só as práticas de pesquisa feminista como também os debates ontológicos, epistemológicos, metodológicos, éticos e normativos dos feminismos nas RI, configurando, assim, múltiplas formas de condução das investigações e dos projetos feministas na disciplina (True, 2017TRUE, Jacqui. Feminism and Gender Studies in International Relations Theory. Oxford Research Encyclopedia of International Studies, 30 nov. 2017.).

As ontologias nos feminismos nas RI

Os feminismos emergem na disciplina lançando problematizações acerca dos compromissos ontológicos assumidos nas teorias de relações internacionais (Peterson, 1992PETERSON, V. Spike. Introduction. In: PETERSON, V. Spike (org.). Gendered States: Feminist (Re)Visions of International Relations Theory. Boulder, Lynne Rienner, 1992, pp.1-29.; Tickner, 1988 TICKNER, J. Ann. Hans Morgenthau's Principles of Political Realism: A Feminist Reformulation. Millennium: Journal of International Studies (17, 3), 1988, pp.429-440 [ https://doi.org/10.1177/03058298880170030801 - acesso em: 16 abr. 2024].
https://doi.org/10.1177/0305829888017003...
; True, 2017TRUE, Jacqui. Feminism and Gender Studies in International Relations Theory. Oxford Research Encyclopedia of International Studies, 30 nov. 2017.). Desde sua gênese, as RI partem do pressuposto ontológico do “Estado como agente” (Wight, 2006WIGHT, Colin. Agents, Structures and International Relations: Politics as Ontology. Cambridge, Cambridge University Press, 2006.), conferindo-lhe não só um privilégio existencial que caracteriza a própria disciplina e a distingue das demais como também confere-lhe agência, a capacidade de ação na arena internacional (Wendt, 1999WENDT, Alexander. Social Theory of International Politics. Cambridge, Cambridge University Press, 1999.). Esse marco fundamental elide qualquer referência aos indivíduos, os quais aparecem apenas como mediações dentro e para o Estado (Hollis; Smith, 1990HOLLIS, Martin; SMITH, Steve. Explaining and Understanding International Relations. Oxford, Clarendon Press, 1990.; Keohane, 1989b).

Nesse contexto, as preocupações ontológicas iniciais das feministas nas RI consistiram em problematizar o Estado, utilizando o conceito de gênero para avançar uma crítica acerca das estruturas patriarcais e masculinistas do aparato estatal e do sistema internacional (Peterson 1992PETERSON, V. Spike. Introduction. In: PETERSON, V. Spike (org.). Gendered States: Feminist (Re)Visions of International Relations Theory. Boulder, Lynne Rienner, 1992, pp.1-29.; Tickner, 1992TICKNER, J. Ann. Gender in International Relations: Feminist Perspectives on Achieving Global Security. Nova Iorque, Columbia University Press, 1992.; 2005; Parashar et al., 2018PARASHAR, Swati; TICKNER, J. Ann; TRUE, Jacqui. Introduction: Feminist Imaginings of Twenty-First-Century Gendered States. In: PARASHAR, Swati; TICKNER, J. Ann; TRUE, Jacqui (org.). Revisiting Gendered States: Feminist Imaginings of the State in International Relations. Oxford, Oxford University Press, 2018, pp.1-15.). Caudatário dos movimentos da segunda onda feminista, o conceito de gênero permite, a um só tempo, analisar os papéis e funções sociais atribuídas a cada sexo; ressignificar as categorias “homem”, “mulher”, “masculino” e “feminino”; e evidenciar as estruturas sociais fundamentadas em definições de masculinidade e feminilidade, que servem para distribuir de maneira desigual o poder (Scott, 2010 SCOTT, Joan Wallach. Gender: Still a Useful Category of Analysis? Diogenes (225), 2010, pp.7-14 [ http://doi.org/10.1177/0392192110369316 - acesso em: 16 abril 2024].
http://doi.org/10.1177/0392192110369316...
). Isso significou, nas RI, reconhecer “a centralidade do sujeito humano, a importância das configurações particulares de masculinidade e feminilidade e o marco conceitual em função do gênero que sustenta a disciplina de RI” (Shepherd, 2009 SHEPHERD, Laura J. Gender, Violence and Global Politics: Contemporary Debates in Feminist Security Studies. Political Studies Review (7), 2009, pp.208-219 [ https://doi.org/10.1111/j.1478-9299.2009.00180.x - acesso em: 16 abr. 2024].
https://doi.org/10.1111/j.1478-9299.2009...
:209).

A centralidade do sujeito humano permitiu às feministas interpelar sobre a ausência das mulheres não só na teorização dos fenômenos internacionais mas na própria pesquisa empírica, vista como esvaziada de indivíduos (a não ser líderes e burocratas do Estado). Nesse sentido, à pergunta “onde estão as mulheres?” sucederam as perguntas sobre “quais mulheres estão lá?”, “como essas mulheres chegaram lá?” e “o que essas mulheres pensam sobre estar lá?” (Enloe, 2000ENLOE, Cynthia. Maneuvers: The International Politics of Militarizng Women's Lives. Berkeley, University of California Press, 2000.:294). À medida que novas epistemologias – como, por exemplo, os feminismos pós-coloniais e decolonias, as teorias queer e os feminismos interseccionais – adentraram a pesquisa feminista, o gênero (e sua problematização por meio de interseccionalidades) forneceu novos sujeitos e reflexões sobre os elementos constituintes da realidade internacional.

Como resultado dessa expansão de agendas de análise, True (2017)TRUE, Jacqui. Feminism and Gender Studies in International Relations Theory. Oxford Research Encyclopedia of International Studies, 30 nov. 2017. identifica três marcos ontológicos que informam as várias correntes feministas nas RI: 1. O gênero e as identidades masculinas e femininas como elementos centrais da constituição das relações internacionais, conferindo significado às relações de poder na arena internacional; 2. O gênero em suas interseccionalidades com raça, etnia, nacionalidade, classe, sexualidade, produzindo novas modalidades ontológicas de dominação e subalternidade; 3. A ontos do Estado e do sistema internacional como concebida pelas teorias mainstream das relações internacionais, inserindo o gênero como uma variável na pesquisa empírica. Cabe explorar brevemente as articulações dessas ontologias com as epistemologias e metodologias feministas nas RI.

A primeira ontologia apontada por True concebe o gênero como construção social e relacional de identidades e utiliza-o como entidade analítica para revelar as desigualdades de poder que existem tanto na práxis da política internacional quanto nos discursos e simbologias subjacentes a ela (Shepherd, 2008SHEPHERD, Laura J. Gender, Violence & Security. Londres, Zed Books, 2008.; Sylvester, 1994SYLVESTER, Christine. Feminist Theory and International Relations in a Postmodern Era. Cambridge, Cambridge University Press, 1994.; 2022). Em larga medida, essa perspectiva ontológica do gênero dialoga com entendimentos centrais da metafísica feminista (Ásta, 2018ÁSTA. Categories We Live By: The construction of sex, gender, race, and other social categories. Oxford, Oxford University Press, 2018.; Haslanger; Ásta, 2018 HASLANGER, Sally; ÁSTA. Feminist Metaphysics. In: Edward N. Zalta (org.). The Stanford Encyclopedia of Philosophy, 2018 [ https://plato.stanford.edu/archives/fall2018/entries/feminism-metaphysics/. - acesso em: 16 abril 2024].
https://plato.stanford.edu/archives/fall...
; Lenine, 2024a), que partem da construção social (material e discursiva) do gênero para refletir sobre a constituição das hierarquias de poder na sociedade – e, no caso das RI, do sistema internacional – e como elas produzem efeitos concretos na realidade. O gênero resulta de forças históricas que se entrincheiram na matriz estrutural da sociedade e, ao mesmo tempo, causam determinados resultados: Haslanger e Ásta (2018) HASLANGER, Sally; ÁSTA. Feminist Metaphysics. In: Edward N. Zalta (org.). The Stanford Encyclopedia of Philosophy, 2018 [ https://plato.stanford.edu/archives/fall2018/entries/feminism-metaphysics/. - acesso em: 16 abril 2024].
https://plato.stanford.edu/archives/fall...
exemplificam como os discursos sociais sobre identidades associadas à feminilidade desempenham um papel causal em generificar um indivíduo como mulher. Nas RI, as epistemologias feministas pós-modernas e do ponto de vista têm se valido dessa ontologia do gênero para interrogar as diferentes construções sociais generificadas e generificantes nos espaços de poder da política global, tais como as esferas militares (Cohn, 2013COHN, Carol. Women and Wars: Toward a Conceptual Framework. In: COHN, Carol (org.). Women & Wars. Cambridge, Polity Press, 2013, pp.1-35.; Sjoberg, 2021 SJOBERG, Laura. ¿Qué son y dónde se sitúan los Estudios Feministas de Seguridad? Relaciones Internacionales (48), Madri, 2021, pp.15-30 [ https://doi.org/10.15366/relacionesinternacionales2021.48.001 - acesso em: 16 abr. 2024].
https://doi.org/10.15366/relacionesinter...
) e a diplomacia (Enloe, 2014; Lenine; Sanca, 2022 LENINE, Enzo; SANCA, Naentrem. Ge^nero, feminismo e diplomacia: analisando a instituic¸a~o pelas lentes feministas das relac¸o~es internacionais. Organizações & Sociedade (29, 100), 2022, pp.100-124 [ https://doi.org/10.1590/1984-92302022v29n0004PT - acesso em: 16 abril 2024].
https://doi.org/10.1590/1984-92302022v29...
); e a generificação dos indivíduos no que se denomina de política global, trazendo à agenda questões como migração (Gunawardana, 2018GUNAWARDANA, Samanthi J. Gendered State Assemblages and Temporary Labor Migration: The Case of Sri Lanka. In: PARASHAR, Swati; TICKNER, J. Ann; TRUE, Jacqui (org.) Revisiting Gendered States: Feminist Imaginings of the State in International Relations. Oxford, Oxford University Press, 2018, pp.85-101.), violência (Bennett, 2010BENNETT, Jane. "Circles and circles": Notes on African feminist debates around gender and violence in c21. Feminist Africa (14), Cidade do Cabo, 2010, pp.21-48 [https://feministafrica.net/wp-content/uploads/2019/10/4._fa_14_-_feature_article_jane_bennett.pdf - acesso em: 16 abril 2024].
https://feministafrica.net/wp-content/up...
; True, 2021TRUE, Jacqui. Violence against Women: What Everyone Needs to Know®. Oxford, Oxford University Press, 2021.), desenvolvimento (Sjoberg, 2021 SJOBERG, Laura. ¿Qué son y dónde se sitúan los Estudios Feministas de Seguridad? Relaciones Internacionales (48), Madri, 2021, pp.15-30 [ https://doi.org/10.15366/relacionesinternacionales2021.48.001 - acesso em: 16 abr. 2024].
https://doi.org/10.15366/relacionesinter...
; Tickner, 2001), apenas para mencionar algumas. Preferencialmente, suas abordagens têm se alicerçado em métodos hermenêuticos, como análise do discurso, etnografias, entrevistas e conversações (Sylvester, 1994SYLVESTER, Christine. Feminist Theory and International Relations in a Postmodern Era. Cambridge, Cambridge University Press, 1994.; Tickner, 1997 TICKNER, J. Ann. You Just Don't Understand: Troubled Engagements Between Feminists and IR Theorists. International Studies Quarterly (41), 1997, pp.611-632 [ https://doi.org/10.1111/1468-2478.00060 - acesso em: 16 abr. 2024].
https://doi.org/10.1111/1468-2478.00060...
; True, 2017TRUE, Jacqui. Feminism and Gender Studies in International Relations Theory. Oxford Research Encyclopedia of International Studies, 30 nov. 2017.), vez que essas são capazes de complexificar as experiências dos indivíduos, sobremaneira daqueles que são marcados pelo gênero e suas intereseccionalidades (Zurn, 2021 ZURN, Perry . Feminist curiosity. Philosophy Compass (16), 2021, e12761 [ https://doi.org/10.1111/phc3.12761 - acesso em: 16 abr. 2024].
https://doi.org/10.1111/phc3.12761...
).

Em uma senda semelhante, a construção social do gênero é indissociável de outras clivagens e categorias analíticas, as quais se entrelaçam com o gênero produzindo novas modalidades de opressão e subalternização (True, 2017TRUE, Jacqui. Feminism and Gender Studies in International Relations Theory. Oxford Research Encyclopedia of International Studies, 30 nov. 2017.). A virada pós-colonial e, mais recentemente no caso da América Latina, decolonial (Ballestrin, 2021BALLESTRIN, Luciana Maria de Aragão. Para uma Abordagem Feminista e Pós-Colonial das Relações Internacionais. In: TOLEDO, Aureo (org.). Perspectivas pós-coloniais e decoloniais em relaçõesInternacionais. Salvador-BA, EDUFBA, 2021, pp.179-204.; Lugones, 2010LUGONES, María. Toward a Decolonial Feminism. Hypatia (25), 2010, pp.742-759 [ https://dx.doi.org/10.1111/j.1527-2001.2010.01137.x - acesso em: 16 abril 2024].
https://dx.doi.org/10.1111/j.1527-2001.2...
), os feminismos negros (Collins; Bilge, 2020COLLINS, Patricia Hill; BILGE, Sirma. Intersectionality. 2ed., Cambridge, Polity Press, 2020.; Cooper, 2018COOPER, Brittney. Interseccionality. In: DISCH, Lisa; HAWKESWORTH, Mary (org.). The Oxford Handbook of Feminist Theory. Oxford, Oxford University Press, 2018, pp.385-406.) e os feminismos africanos (Ossome, 2020OSSOME, Lyn. African Feminism. In: REILAND, Rabaka (org.). Routledge Handbook of Pan-Africanism. Londres, Routledge, 2020, pp.159-170.; Yacob-Haliso, 2019YACOB-HALISO, Olajumoke. Intersectionalities and access in fieldwork in postconflict Liberia: Motherland, motherhood, and minefields. African Affairs (118), Abingdon, 2019, pp.168-181 [ https://doi.org/10.1093/afraf/ady046 - acesso em: 16 abr. 2024].
https://doi.org/10.1093/afraf/ady046...
) apontam a necessidade de entender o gênero não como uma ontos cuja construção social se dá de maneira isolada, mas sim como uma categoria que se articula ontologicamente com classe, raça, sexualidade, idade, status social, entre outras possibilidades de entrelaçamento. Sob uma perspectiva interseccional, o gênero é compreendido como constituinte social a partir dessas articulações com as demais clivagens, situando-as nos contextos históricos e específicos das sociedades para, então, compreender as posicionalidades dos indivíduos. Em outras palavras, as estruturas de gênero são também constituídas pelas estruturas de raça, classe e sexualidade, bem como pelos fenômenos associados ao capitalismo e colonialismo, tais como o extrativismo, a violência e a exploração capitalista do Norte sobre o Sul Global (Gago, 2020GAGO, Verónica. A potência feminista, ou o desejo de transformar tudo. São Paulo, Elefante, 2020.).

Finalmente, a terceira ontologia distancia-se das anteriores ao assumir as ontos tradicionalmente afirmadas pelas teorias mainstream das relações internacionais e ao rejeitar formas discursivas de análise. Aqui o Estado assume proeminência, e o gênero entra como uma variável analítica que explica o comportamento dos Estados na arena internacional (True, 2017TRUE, Jacqui. Feminism and Gender Studies in International Relations Theory. Oxford Research Encyclopedia of International Studies, 30 nov. 2017.). Essa concepção ontológica revela-se primariamente nas epistemologias feministas empiricistas, que se utilizam do modelo humeano de causalidade e dos métodos convencionais da pesquisa neopositivista de RI para produzir conhecimento sobre como as hierarquias de gênero se manifestam em fenômenos concretos da realidade contemporânea, como o terrorismo, a guerra e o desenvolvimento (Caprioli, 2004 CAPRIOLI, Mary. Feminist IR Theory and Quantitative Methodology: A Critical Analysis. International Studies Review (6), 2004, pp.253-269 [ https://dx.doi.org/10.1111/j.1521-9488.2004.00398.x - acesso em: 16 abril 2024].
https://dx.doi.org/10.1111/j.1521-9488.2...
; Reiter, 2015 REITER, Dan. The Positivist Study of Gender and International Relations. Journal of Conflict Resolution (59, 7), 2015, pp.1301-1326 [ https://doi.org/10.1177/0022002714560351 - acesso em: 16 abril 2024].
https://doi.org/10.1177/0022002714560351...
). Há uma preocupação central com a construção de explicações causais, mas sem perder de vista como as construções sociais de gênero são incorporadas aos indicadores utilizados nas pesquisas (Lenine, 2024b). Não por acaso, Caprioli (2004 CAPRIOLI, Mary. Feminist IR Theory and Quantitative Methodology: A Critical Analysis. International Studies Review (6), 2004, pp.253-269 [ https://dx.doi.org/10.1111/j.1521-9488.2004.00398.x - acesso em: 16 abril 2024].
https://dx.doi.org/10.1111/j.1521-9488.2...
:261) sustenta que “[a] pesquisa quantitativa pode ser usada para analisar a importância do gênero, desde que (1) o gênero seja reconhecido como socialmente construído, (2) os resultados sociopolíticos sejam demonstrados como resultado da construção de gênero”.

Como se pode depreender, as práticas feministas nas RI sinalizam que o gênero como ontos se manifesta de formas materiais (sobretudo no caso de feministas empiricistas), ou discursivamente (sobremaneira, feministas associadas a correntes críticas, como as pós-modernas e pós-estruturalistas), assim como em agentes generificados e em estruturas de gênero (Caprioli, 2004 CAPRIOLI, Mary. Feminist IR Theory and Quantitative Methodology: A Critical Analysis. International Studies Review (6), 2004, pp.253-269 [ https://dx.doi.org/10.1111/j.1521-9488.2004.00398.x - acesso em: 16 abril 2024].
https://dx.doi.org/10.1111/j.1521-9488.2...
; Hudson et al., 2014HUDSON, Valerie M.; BALLIF-SPANVILL, Bonnie; CAPRIOLI, Mary; EMMETT, Chad F. Sex & World Peace. Nova Iorque, Columbia University Press, 2014.; Shepherd, 2008SHEPHERD, Laura J. Gender, Violence & Security. Londres, Zed Books, 2008.; Sylvester, 1994SYLVESTER, Christine. Feminist Theory and International Relations in a Postmodern Era. Cambridge, Cambridge University Press, 1994.; True, 2017TRUE, Jacqui. Feminism and Gender Studies in International Relations Theory. Oxford Research Encyclopedia of International Studies, 30 nov. 2017.; Zalewski, 2006ZALEWSKI, Marysia. Distracted reflections on the production, narration, and refusal of feminist knowledge in International Relations. In: ACKERLY, Brooke A.; STERN, Maria; TRUE, Jacqui (org.). Feminist Methodologies for International Relations. Cambridge, Cambridge University Press, 2006, pp.19-41.). Ambos os problemas dividem as pesquisas feministas na medida em que privilegiam determinadas ontologias em detrimento de outras e reposicionam o eixo explicativo em torno da agência ou da estrutura. Isso levou as feministas a falarem de ontologias relacionais (Tickner, 2005TICKNER, J. Ann. What is Your Research Program? Some Feminist Answers to International Relations Methodological Questions. International Studies Quarterly (49), 2005, pp.1-21.) e ontologias do tornar-se (ontology of becoming) (Locher; Prügl, 2001LOCHER, Birgit; PRÜGL, Elisabeth. Feminism and Constructivism: Worlds Apart or Sharing the Middle Ground? International Studies Quarterly (45), 2001, pp.111-129 [https://doi.org/10.1111/0020-8833.00184 - acesso em: 16 abril 2024].
https://doi.org/10.1111/0020-8833.00184...
). Ontologias relacionais “são baseadas em relações sociais que são historicamente constituídas por estruturas políticas, econômicas e sociais desiguais” (Tickner, 2005TICKNER, J. Ann. What is Your Research Program? Some Feminist Answers to International Relations Methodological Questions. International Studies Quarterly (49), 2005, pp.1-21.:6) e, por terem essa dimensão sociológica, seu ponto de partida são “os indivíduos e as relações sociais hierárquicas nas quais suas vidas estão situadas” (Tickner, 2005TICKNER, J. Ann. What is Your Research Program? Some Feminist Answers to International Relations Methodological Questions. International Studies Quarterly (49), 2005, pp.1-21.:7). Nesse sentido, a primazia ontológica é conferida aos indivíduos, com destaque para as mulheres e os sujeitos generificados, mas em direta ligação com as estruturas de gênero, caracterizadas por suas relações de desigualdade. As ontologias do tornar-se, por sua vez, incorporam os pressupostos do construtivismo ao salientar os processos de construção social mais rotineiros, expressos nas regras, normas, visões de mundo, rituais e linguagem, os quais medeiam tanto a agência como a estrutura e tornam, em última instância, o pessoal em internacional e o internacional em pessoal (Locher; Prügl, 2001LOCHER, Birgit; PRÜGL, Elisabeth. Feminism and Constructivism: Worlds Apart or Sharing the Middle Ground? International Studies Quarterly (45), 2001, pp.111-129 [https://doi.org/10.1111/0020-8833.00184 - acesso em: 16 abril 2024].
https://doi.org/10.1111/0020-8833.00184...
). Essa perspectiva ontológica considera as diferentes modalidades de subordinação, tomando o gênero como um código para o poder e o poder como uma relação social constituída pelo gênero (Locher; Prügl, 2001LOCHER, Birgit; PRÜGL, Elisabeth. Feminism and Constructivism: Worlds Apart or Sharing the Middle Ground? International Studies Quarterly (45), 2001, pp.111-129 [https://doi.org/10.1111/0020-8833.00184 - acesso em: 16 abril 2024].
https://doi.org/10.1111/0020-8833.00184...
).

Ao mesmo tempo que as ontologias focam em constituição, sua preocupação não se circunscreve à descrição e denúncia das propriedades das entidades generificadas (sejam indivíduos, sejam estruturas): subsistem poderes causais que produzem resultados no mundo real, seja nas formas simbólicas de subordinação e hierarquização, seja materialmente na propensão a conflitos, violência e exclusão social (Davies; True, 2015DAVIES, Sara E.; TRUE, Jacqui. Reframing conflict-related sexual and gender-based violence: Bringing gender analysis back in. Security Dialogue (46, 6), 2015, pp.495-512 [ https://dx.doi.org/10.1177/0967010615601389 - acesso em: 16 abril 2024].
https://dx.doi.org/10.1177/0967010615601...
; Reiter, 2015 REITER, Dan. The Positivist Study of Gender and International Relations. Journal of Conflict Resolution (59, 7), 2015, pp.1301-1326 [ https://doi.org/10.1177/0022002714560351 - acesso em: 16 abril 2024].
https://doi.org/10.1177/0022002714560351...
). Não por acaso, Sjoberg (2009) SJOBERG, Laura. Introduction to Security Studies: Feminist Contributions. Security Studies (18, 2), 2009, pp.184-214 [ https://dx.doi.org/10.1080/09636410902900129 - acesso em: 16 abr. 2024].
https://dx.doi.org/10.1080/0963641090290...
, ao falar dos estudos feministas de segurança, aponta que o gênero é visto tanto como constitutivo das identidades e interações dos agentes quanto como causa dos fenômenos políticos e internacionais. A questão que divide feministas críticas e positivistas assenta-se, sobretudo, na maneira como cada uma prioriza as formas de se aproximarem dessas ontologias, o que se revela em suas epistemologias e metodologias preferenciais7 7 Sugiro ver o debate entre Caprioli, 2004, e Tickner, 2005; assim como Davies; True, 2015, e Reiter, 2015. .

Entretanto, a questão ontológica da explicação não se reduz aos problemas epistemológicos e metodológicos. Muito pelo contrário: ao partirem de diferentes leituras ontológicas – seja focando nos níveis individual ou agregado, na agência ou na estrutura –, as feministas nas RI avançam argumentos que geram tanto explicações de natureza constitutiva quanto causal. Cabe, portanto, reconfigurar a ontologia da explicação, levando em conta as dimensões de constituição e causação não em uma forma cartesiana, mas sim como mutuamente interligadas através de poderes causais.

Reconfigurando o debate: ontologia da explicação e poderes causais

O ponto de partida dessa discussão centrou-se na questão sobre como as diferentes ontologias feministas associam-se a epistemologias diferentes que as levam a focalizar em explicações constitutivas ou causais. Vimos ao longo da exposição até agora que, embora existam suspeitas entre epistemologias e metodologias (o que responde pelos diferentes enfoques dados à constituição e causação), ambas estão atreladas pelas ontologias de que partem as feministas em suas análises dos fenômenos internacionais. Sobremaneira, a forma como determinados aspectos ontológicos são priorizados em detrimento de outros privilegia um tipo de explicação em detrimento do outro – ou ao menos parece fazê-lo. Na verdade, como vim sinalizando neste percurso analítico, constituição e causação estão interligadas na medida em que incorporamos a noção de poderes causais como propriedade constitutiva das ontologias assumidas pelos feminismos nas RI.

As estruturas possuem poderes causais (Wight, 2006WIGHT, Colin. Agents, Structures and International Relations: Politics as Ontology. Cambridge, Cambridge University Press, 2006.), de modo que uma análise de gênero focada nas estruturas não se restringe tão somente a explicar por alusão às propriedades, mas implica, em última instância, a existência de uma capacidade causal sobre os agentes (Sjoberg, 2009 SJOBERG, Laura. Introduction to Security Studies: Feminist Contributions. Security Studies (18, 2), 2009, pp.184-214 [ https://dx.doi.org/10.1080/09636410902900129 - acesso em: 16 abr. 2024].
https://dx.doi.org/10.1080/0963641090290...
). Dessa forma, a análise causal emerge não só como uma possibilidade mas também como um desiderato filosófico e normativo para a compreensão de processos tanto com impactos materiais observáveis no mundo real, em sujeitos que existem nesse mundo real e que agem no e sobre ele, como com impactos imateriais, refletidos nas construções sociais, normas, discursos e ideias que são informadas e informam as próprias estruturas de gênero. Nesse sentido, a dicotomia entre explicações constitutivas e causais perde seu apelo, na medida em que não são excludentes, mas sim uma escolha de foco analítico. Ao fim e ao cabo, constituição e causalidade estão intrinsicamente ligadas, não podendo ser separadas sob uma visão cartesiana. Como Kurki aponta:

As feministas notaram que as mulheres são representadas de forma desigual na política mundial, bem como, talvez mais profundamente, que são afetadas de forma diferente por eventos e processos na política mundial (...). Por que as feministas destacam as normas, discursos ou práticas sociais de gênero ao explicar essas diferenças de experiência entre homens e mulheres? Presumivelmente porque as normas e estruturas sociais de gênero têm efeitos reais na vida das mulheres, mesmo que às vezes indiretamente, ou não intencionalmente – eles são causais, se não de forma determinística ou monocausal. Indiscutivelmente, o próprio projeto do feminismo necessita fazer algumas afirmações causais sobre a natureza das sociedades patriarcais e estruturas globais (Kurki, 2008KURKI, Milja. Causation in International Relations: Reclaiming Causal Analysis. Cambridge, Cambridge University Press, 2008.:141).

A proposta de Kurki assenta-se nos debates do realismo filosófico nas RI (Patomäki; Wight, 2002; Patomäki, 2019PATOMÄKI, Heikki. The Promises of Critical Realism in the 2020s and beyond. Teoria Polityki (3), 2019, pp.189-200 [ https://doi.org/10.4467/25440845TP.19.010.10293 - acesso em: 16 abril 2024].
https://doi.org/10.4467/25440845TP.19.01...
; Wight, 2012WIGHT, Colin. Critical Realism: some responses. Review of International Studies (38), 2012, pp.267-274 [https://http://doi.org/10.1017/S0260210511000684 - acesso em: 16 abr. 2024].
https://http://doi.org/10.1017/S02602105...
), sobretudo na proposta do realismo crítico de Bhaskar (2008)BHASKAR, Roy. A Realist Theory of Science. Londres, Routledge, 2008.. Na abordagem original de Bhaskar, o mundo social é compreendido como um sistema aberto, no qual uma variedade de fatores, circunstâncias e causas produzem os fenômenos que observamos. Dessarte, a concepção de causa nomológica, semelhante àquela verificada em experimentos naturais que isolam o mundo real em sistemas fechados (Cartwright, 1999CARTWRIGHT, Nancy. The Dappled World: A Study of the Boundaries of Science. Cambridge, Cambridge University Press, 1999.), não seria capaz de capturar a complexidade do mundo social aberto. Por tal razão, Bhaskar evoca a ideia de poderes causais:

Dizer que uma coisa tem o poder de fazer ø é dizer que ela fará ø, nas circunstâncias apropriadas, em virtude da sua natureza (por exemplo, a sua estrutura intrínseca ou constituição genética). (...) Atribuir um poder é fazer uma afirmação sobre possibilidades que podem não ser atualizadas e que são possuídas pela coisa, sejam ou não conhecidas pelos homens (sic) (Bhaskar, 2008BHASKAR, Roy. A Realist Theory of Science. Londres, Routledge, 2008.:231).

A proposta realista crítica nas RI visa reconfigurar os debates sobre causalidade não mais a partir do enfoque epistemológico ou metodológico, mas de uma ressignificação da própria ontologia de causas (Kurki, 2008KURKI, Milja. Causation in International Relations: Reclaiming Causal Analysis. Cambridge, Cambridge University Press, 2008.). Essa reconfiguração pode ser sintetizada em torno de quatro noções: 1. prioridade ontológica às causas, que existem como forças reais no mundo real; 2. as causas são muitas vezes não observáveis, o que torna os métodos neopositivistas inadequados para revelar relações causais; 3. as causas operam numa rede complexa de interações em um sistema aberto (i.e., o mundo social), nunca isoladamente ou no estilo X-causa-Y; e 4. as causas podem ser materiais e imateriais (por exemplo, ideias, normas, motivos, construções e estruturas sociais) (Kurki, 2007KURKI, Milja. Critical Realism and Causal Analysis in International Relations. Millennium: Journal of International Studies (35, 2), 2007, pp.361-378.). Essas noções denotam a articulação entre constituição e causalidade que venho advogando: falar de poderes causais envolve não só reconhecimento de diferentes tipos de causa mas também seu caráter de forças, tendências e capacidades que constituem o mundo real e produzem os efeitos que observamos. Essa concepção recupera a dimensão constitutiva para estabelecer a ideia de causação (Kurki, 2008KURKI, Milja. Causation in International Relations: Reclaiming Causal Analysis. Cambridge, Cambridge University Press, 2008.; Wendt, 1998WENDT, Alexander. On constitution and causation in International Relations. Review of International Studies (24, 5), Cambridge, 1998, pp.101-117 [ https://dx.doi.org/10.1017/S0260210598001028 - acesso em: 16 abr. 2024].
https://dx.doi.org/10.1017/S026021059800...
; Wight, 2006WIGHT, Colin. Agents, Structures and International Relations: Politics as Ontology. Cambridge, Cambridge University Press, 2006.), aderindo aos conceitos de capacidades e tendências segundo os quais “as causas são vistas como (...) forças, poderes, mecanismos ou conjuntos de relações que fazem as coisas acontecerem ou ‘desencadearem’ eventos” (Kurki, 2008KURKI, Milja. Causation in International Relations: Reclaiming Causal Analysis. Cambridge, Cambridge University Press, 2008.:174). Precisamente essa compreensão ontológica das causas permite reconsiderar a ontologia da explicação nos debates feministas.

A persistente dicotomia entre constituição e causalidade resulta em uma divisão do trabalho que parece conferir às feministas críticas a reflexão sobre as estruturas materiais e discursivas do gênero, produzindo, assim, explicações constitutivas; e às feministas empiricistas a busca de relações causais. Entretanto, tal movimento diminui o valor de ambos conjuntos de pesquisa, além de não representar fielmente suas práticas. Quando feministas pós-coloniais e decoloniais denunciam os pares subalternizantes Ocidente/Oriente, civilizado/bárbaro, branco/negro, moderno/atrasado como elementos constituintes do colonialismo e da colonialidade do poder, elas também utilizam essas propriedades da estrutura para refletir, em termos causais, sobre fenômenos concretos que dela resultam, como a violência de gênero e o extrativismo (Gago, 2020GAGO, Verónica. A potência feminista, ou o desejo de transformar tudo. São Paulo, Elefante, 2020.; Ossome, 2020OSSOME, Lyn. African Feminism. In: REILAND, Rabaka (org.). Routledge Handbook of Pan-Africanism. Londres, Routledge, 2020, pp.159-170.). De igual maneira, feministas empiricistas precisam recorrer às estruturas de gênero de uma dada sociedade para, então, construir indicadores que possam ser mobilizados em testes estatísticos de maneira a produzir explicações causais, bem como fornecer mecanismos que conectem o dado indicador ao efeito observado, tal qual, por exemplo, a relação entre a insegurança das mulheres e a insegurança internacional (Caprioli, 2004 CAPRIOLI, Mary. Feminist IR Theory and Quantitative Methodology: A Critical Analysis. International Studies Review (6), 2004, pp.253-269 [ https://dx.doi.org/10.1111/j.1521-9488.2004.00398.x - acesso em: 16 abril 2024].
https://dx.doi.org/10.1111/j.1521-9488.2...
; Hudson et al., 2014HUDSON, Valerie M.; BALLIF-SPANVILL, Bonnie; CAPRIOLI, Mary; EMMETT, Chad F. Sex & World Peace. Nova Iorque, Columbia University Press, 2014.). Em ambos os casos, o que se percebe é um entrelaçamento entre elementos constituintes da realidade que possuem poderes causais sobre os fenômenos de nosso interesse. Esses poderes assumem diferentes formas, evidenciadas pelas feministas na maneira como conferem prioridade ontológica ao gênero através das ideias, normas, construções sociais e discursos.

O problema que adquire proeminência devido às disputas epistemológicas e metodológicas reside no fato de que a noção de causalidade ainda é associada ao modelo humeano e, sobremaneira, às teorias mainstream de relações internacionais, nomeadamente os realismos e liberalismos. Porém, se, por um lado, é necessário o confronto de modelos causais mais rígidos e dissociados de interpretações mais substantivas sobre as estruturas de gênero, por outro, a rejeição completa da análise causal oferece um perigo para os projetos emancipatórios dos vários feminismos. Como as pesquisas feministas revelam mais do que impactos e efeitos, compreender os poderes causais subjacentes aos fenômenos é fundamental como objetivo político da própria pesquisa (Enloe, 2001ENLOE, Cynthia. Interview with Professor Cynthia Enloe. Review of International Studies (27), 2001, pp.649-666 [ https://www.jstor.org/stable/20097765 - acesso em: 16 abril 2024].
https://www.jstor.org/stable/20097765...
).

Ao olhar para o caráter de gênero dos fenômenos internacionais, as feministas inter-relacionam as propriedades das estruturas de gênero – em termos dos ideais e construções sociais de feminilidade, masculinidade, heteronormatividade, racismo e colonialismo – com as capacidades que elas têm de produzir efeitos reais no mundo real. Os elementos constituintes são generificados e generificantes, adquirindo significado pelos resultados que produzem na realidade dos indivíduos, de maneira mais particular, e no sistema internacional, de maneira mais ampla. Ontologicamente, isso implica ressignificar os projetos feministas a partir dos agentes e estruturas, compreendendo que suas propriedades são, elas mesmas, imbuídas do gênero e que são elas que causam os efeitos materiais e imateriais nas vidas dos indivíduos em suas múltiplas diversidades e interseccionalidades.

Nesse sentido, explicações constitutivas e causais estão intimamente relacionadas na pesquisa feminista, independentemente das predileções epistemológicas e metodológicas. Não só isso se deve às ontologias características dos feminismos nas RI (True, 2017TRUE, Jacqui. Feminism and Gender Studies in International Relations Theory. Oxford Research Encyclopedia of International Studies, 30 nov. 2017.) como também ao fato de que argumentos constitutivos frequentemente tratam dos impactos observados nas vidas reais das pessoas (Haslanger; Ásta, 2018 HASLANGER, Sally; ÁSTA. Feminist Metaphysics. In: Edward N. Zalta (org.). The Stanford Encyclopedia of Philosophy, 2018 [ https://plato.stanford.edu/archives/fall2018/entries/feminism-metaphysics/. - acesso em: 16 abril 2024].
https://plato.stanford.edu/archives/fall...
), inclusive no processo de construção argumentativa; e os argumentos causais são alicerçados em premissas da constituição das hierarquias de gênero, evocando propriedades das relações sociais de gênero (Caprioli, 2004 CAPRIOLI, Mary. Feminist IR Theory and Quantitative Methodology: A Critical Analysis. International Studies Review (6), 2004, pp.253-269 [ https://dx.doi.org/10.1111/j.1521-9488.2004.00398.x - acesso em: 16 abril 2024].
https://dx.doi.org/10.1111/j.1521-9488.2...
; Sjoberg, 2018SJOBERG, Laura. Feminist Security and Security Studies. In: GHECIU, Alexandra; WOHLFORTH, William C. (org.). The Oxford Handbook of International Security. Oxford, Oxford University Press, 2018, pp.45-49.). Na verdade, a análise feminista, por partilhar de um conjunto de ontologias fundadas no gênero como propriedade central, produz explicações que não podem ser separadas por um método cartesiano, e disso resulta a capacidade ímpar dos feminismos de perturbar, a partir de uma visão social e relacional, o mainstream teórico das RI. Em outras palavras, a argumentação intrinsicamente social e relacional dos feminismos nas RI evoca noções de poderes causais fundadas na ideia de que estruturas possuem a capacidade de gerar efeitos no mundo real, e estes, por sua vez, reverberam nas próprias estruturas.

Em suma, a perturbação feminista perpassa pela crítica às premissas causais frequentemente adotadas nas RI, especialmente à luz da causalidade humeana e das versões contemporâneas expressas pela inferência causal, nos entendimentos tanto de quantitativistas quanto de qualitativistas (Goertz; Mahoney, 2012GOERTZ, Gary; MAHONEY, James. A Tale of Two Cultures: Qualitative and Quantitative Research in the Social Sciences. Princeton, Princeton University Press, 2012.; King et al., 2021KING, Gary; KEOHANE, Robert O.; VERBA, Sidney. Designing Social Inquiry: Scientific Inference in Qualitative Research. Princeton, Princeton University Press, 2021 [1994].). Não significa que ela não deva ser usada: isso negaria as próprias contribuições da pesquisa feminista empírica de matriz quantitativa. Significa, porém, que a reflexão sobre o caráter polissêmico do termo “causa” necessita da articulação com as propriedades constitutivas das ontologias feministas para que tenha força explicativa dentro de uma perspectiva feminista emancipatória e relacional. O caminho aqui proposto de articulação refere-se justamente à ontologia dos poderes causais, que identificam forças causais em discursos, normas, ideias e, sobretudo, construções sociais, as quais são peças-chaves na análise feminista. É nesta perspectiva que os feminismos nas RI produzem explicações: articulando as forças estruturais e agenciais do gênero para produzir efeitos no mundo real, efeitos esses que nos permitem localizar e analisar suas causas sem perder de vista nem a dimensão social e relacional, nem os elementos constituintes das estruturas de gênero.

Conclusão

A pesquisa feminista em RI deu grandes saltos qualitativos e quantitativos desde as incursões iniciais no fim do século passado. Se hoje a produção acadêmica feminista na disciplina é incontestável, isso se deve principalmente às reflexões e provocações de uma variedade de pesquisadoras engajadas com as questões que afligem as mulheres e o gênero. A pluralidade de visões que caracteriza essa produção nos permite reconhecer não um campo subdisciplinar, mas sim um espaço concreto de Relações Internacionais Feministas.

Ao longo dessa trajetória que já entra na quarta década de intervenções teóricas e empíricas, os diversos feminismos nas RI trouxeram ontologias, epistemologias e metodologias variadas para reposicionar o gênero tanto a nível dos indivíduos quanto das estruturas do sistema internacional. Porém, um alegado cisma entre feministas críticas e positivistas acerca de princípios sobre a natureza do conhecimento e suas formas de produção acabou por desviar a atenção daquilo que as une: uma ontologia da explicação centrada nos elementos constituintes do gênero e nas causas das diversas subordinações, violências e exclusões dos indivíduos marcados por eles.

Recuperar as ontologias feministas para ressignificar as explicações da pesquisa feminista em RI foi o objetivo central deste artigo. A reflexão sobre a natureza das explicações dentro do eixo constitutivo-causal buscou romper a abordagem cartesiana que tende a obstruir os entendimentos sobre o que significa explicar para os diferentes feminismos na disciplina. Ao examinar como constituição e causação estão interligadas, principalmente por meio dos poderes causais ensejados nas estruturas de gênero constituintes da realidade, chamei a atenção para as formas diversas de produção de conhecimento nas RI feministas, diluindo o pretenso cisma que opõe pesquisadoras críticas e empiricistas.

Explicar é fundamental para qualquer investigação acadêmica. As feministas das RI dispõem de ontologias, epistemologias e metodologias necessárias e úteis para a problematização do cânone disciplinar. Um dos passos que precisa ser levado adiante consiste em interrogar as premissas explicativas adotadas pelo mainstream e que transbordam para a pesquisa feminista. Esse caminho precisa ser percorrido para superar as divergências internas nos feminismos e elevar a um novo patamar o escrutínio crítico sobre a disciplina. É nesse sentido que as conversações conduzidas neste artigo pretendem contribuir.

Referência bibliográficas

  • ACKERLY, Brooke A.; STERN, Maria; TRUE, Jacqui. Feminist methodologies for International Relations. In: ACKERLY, Brooke A.; STERN, Maria; TRUE, Jacqui (org.). Feminist Methodologies for International Relations Cambridge, Cambridge University Press, 2006, pp.1-15.
  • ADLER, Emanuel. Constructivism and International Relations. In: CARLSNAES, Walter; RISSE, Thomas; SIMMONS, Beth A. (org.). Handbook of International Relations Londres, SAGE, 2002, pp.95-118.
  • AGGESTAM, Karin; TOWNS, Ann E. Introduction: The Study of Gender, Diplomacy and Negotiation. In: AGGESTAM, Karin; TOWNS, Ann E. (org.). Gendering Diplomacy and International Negotiation Londres, Palgrave Macmillan, 2018, pp.1-22.
  • ÁSTA. Categories We Live By: The construction of sex, gender, race, and other social categories. Oxford, Oxford University Press, 2018.
  • BALLESTRIN, Luciana Maria de Aragão. Para uma Abordagem Feminista e Pós-Colonial das Relações Internacionais. In: TOLEDO, Aureo (org.). Perspectivas pós-coloniais e decoloniais em relaçõesInternacionais. Salvador-BA, EDUFBA, 2021, pp.179-204.
  • BENNETT, Jane. "Circles and circles": Notes on African feminist debates around gender and violence in c21. Feminist Africa (14), Cidade do Cabo, 2010, pp.21-48 [https://feministafrica.net/wp-content/uploads/2019/10/4._fa_14_-_feature_article_jane_bennett.pdf - acesso em: 16 abril 2024].
    » https://feministafrica.net/wp-content/uploads/2019/10/4._fa_14_-_feature_article_jane_bennett.pdf
  • BHASKAR, Roy. A Realist Theory of Science. Londres, Routledge, 2008.
  • BRADY, Henry E.; COLLIER, David (org.). Rethinking Social Inquiry: Diverse Tools, Shared Standards. 2ed., Lanham, Rowman & Littlefield Publishers, 2010.
  • CAPRIOLI, Mary. Feminist IR Theory and Quantitative Methodology: A Critical Analysis. International Studies Review (6), 2004, pp.253-269 [ https://dx.doi.org/10.1111/j.1521-9488.2004.00398.x - acesso em: 16 abril 2024].
    » https://dx.doi.org/10.1111/j.1521-9488.2004.00398.x
  • CARTWRIGHT, Nancy. Causal Inference. In: CARTWRIGHT, Nancy; MONTUSCHI, Eleonora (org.). Philosophy of Social Science: A new introduction. Oxford, Oxford University Press, 2014, pp.308-326.
  • CARTWRIGHT, Nancy. Hunting Causes and Using Them: Approaches in Philosophy and Economics. Cambridge, Cambridge University Press, 2007.
  • CARTWRIGHT, Nancy. The Dappled World: A Study of the Boundaries of Science. Cambridge, Cambridge University Press, 1999.
  • CHERNOFF, Fred. Theory and Metatheory in International Relations: Concepts and Contending Accounts. Nova Iorque, Palgrave Macmillan, 2007.
  • COHN, Carol. Women and Wars: Toward a Conceptual Framework. In: COHN, Carol (org.). Women & Wars Cambridge, Polity Press, 2013, pp.1-35.
  • COLLINS, Patricia Hill; BILGE, Sirma. Intersectionality. 2ed., Cambridge, Polity Press, 2020.
  • COOPER, Brittney. Interseccionality. In: DISCH, Lisa; HAWKESWORTH, Mary (org.). The Oxford Handbook of Feminist Theory. Oxford, Oxford University Press, 2018, pp.385-406.
  • CROSS, Charles. Explanation and the Theory of Questions. Erkenntnis (34), 1991, pp.237-260 [ https://doi.org/10.1007/bf00385722 - acesso em: 16 abril 2024].
    » https://doi.org/10.1007/bf00385722
  • DAVIES, Sara E.; TRUE, Jacqui. Reframing conflict-related sexual and gender-based violence: Bringing gender analysis back in. Security Dialogue (46, 6), 2015, pp.495-512 [ https://dx.doi.org/10.1177/0967010615601389 - acesso em: 16 abril 2024].
    » https://dx.doi.org/10.1177/0967010615601389
  • DIAS, Júlia Machado; ARCÂNGELO, Élton de Mello. Feminismo Decolonial e Teoria Queer: Limites e Possibilidades de Diálogo nas Relações Internacionais. Monções (6, 11), Dourados/MS, 2017, pp.121-151 [ https://doi.org/10.30612/rmufgd.v6i11.6913 - acesso em: 16 abril 2024].
    » https://doi.org/10.30612/rmufgd.v6i11.6913
  • DOWDING, Keith. The Philosophy and Methods of Political Science. Londres, Palgrave, 2016.
  • DOWDING, Keith; MILLER, Charles. On prediction in political science. European Journal of Political Research (58), 2019, pp.1001-1018 [ https://dx.doi.org/10.1111/1475-6765.12319 - acesso em: 16 abril 2024].
    » https://dx.doi.org/10.1111/1475-6765.12319
  • ENLOE, Cynthia. Interview with Professor Cynthia Enloe. Review of International Studies (27), 2001, pp.649-666 [ https://www.jstor.org/stable/20097765 - acesso em: 16 abril 2024].
    » https://www.jstor.org/stable/20097765
  • ENLOE, Cynthia. Maneuvers: The International Politics of Militarizng Women's Lives. Berkeley, University of California Press, 2000.
  • ENLOE, Cynthia. Bananas, Beaches and Bases: Making Feminist Sense of International Politics. Berkeley, University of California Press, 2014 [1989], 2ed.
  • FEARON, James; WENDT, Alexander. Rationalism v. Constructivism: A Skeptical View. In: CARLSNAES, Walter; RISSE, Thomas; SIMMONS, Beth A. (org.). Handbook of International Relations. Londres, SAGE, 2002, pp.52-72.
  • FEARON, James. Counterfactuals and hypothesis testing in political science. World Politics (43), 1991, pp.169-195 [ https://doi.org/10.2307/2010470 - acesso em: 16 abril 2024].
    » https://doi.org/10.2307/2010470
  • GAGO, Verónica. A potência feminista, ou o desejo de transformar tudo. São Paulo, Elefante, 2020.
  • GILL, Andréa; PIRES, Thula. From Binary to Intersectional to Imbricated Approaches: Gender in Decolonial and Diasporic Perspective. Contexto Internacional (41, 2), Rio de Janeiro/RJ, 2019, pp.275-302 [ https://doi.org/10.1590/S0102-8529.2019410200003 - acesso em: 16 abril 2024].
    » https://doi.org/10.1590/S0102-8529.2019410200003
  • GODFREY-SMITH, Peter. Theory and Reality: An Introduction to the Philosophy of Science. 2ed., Chicago, Chicago University Press, 2021.
  • GOERTZ, Gary; MAHONEY, James. A Tale of Two Cultures: Qualitative and Quantitative Research in the Social Sciences. Princeton, Princeton University Press, 2012.
  • GOMES, Mariana Selister; MARQUES, Renata Rodrigues. Can securitization theory be saved from itself? A decolonial and feminist intervention. Security Dialogue (52), Oslo, 2021, pp.78-87 [ https://doi.org/10.1177/09670106211027795 - acesso em: 16 abril 2024].
    » https://doi.org/10.1177/09670106211027795
  • GUNAWARDANA, Samanthi J. Gendered State Assemblages and Temporary Labor Migration: The Case of Sri Lanka. In: PARASHAR, Swati; TICKNER, J. Ann; TRUE, Jacqui (org.) Revisiting Gendered States: Feminist Imaginings of the State in International Relations. Oxford, Oxford University Press, 2018, pp.85-101.
  • HACKING, Ian. The social construction of what? Cambridge. Harvard University Press, 1999.
  • HARDING, Sandra. Whose Science? Whose Knowledge? Ithaca, Cornell University Press, 1991.
  • HARDING, Sandra. Introduction: Is There a Feminist Method? In: HARDING, Sandra (org.). Feminism and Methodology Bloomington, Indiana University Press, 1987, pp.1-14.
  • HASLANGER, Sally; ÁSTA. Feminist Metaphysics. In: Edward N. Zalta (org.). The Stanford Encyclopedia of Philosophy, 2018 [ https://plato.stanford.edu/archives/fall2018/entries/feminism-metaphysics/ - acesso em: 16 abril 2024].
    » https://plato.stanford.edu/archives/fall2018/entries/feminism-metaphysics/
  • HEDSTRÖM, Peter; YLIKOSKI, Petri. Causal Mechanisms in the Social Sciences. Annual Review of Sociology (36), 2010, pp.49-67 [https://doi.org/10.1146/annurev.soc.012809.102632 - acesso em: 16 abril 2024].
    » https://doi.org/10.1146/annurev.soc.012809.102632
  • HEMPEL, Carl G.; OPPENHEIM, Paul. Studies in the logic of explanation. Philosophy of Science (15, 2), 1948, pp.135-175 [ https://doi.org/10.1086/286983 - acesso em: 16 abrl 2024].
    » https://doi.org/10.1086/286983
  • HOLLIS, Martin; SMITH, Steve. Explaining and Understanding International Relations. Oxford, Clarendon Press, 1990.
  • HUDSON, Valerie M.; BALLIF-SPANVILL, Bonnie; CAPRIOLI, Mary; EMMETT, Chad F. Sex & World Peace. Nova Iorque, Columbia University Press, 2014.
  • HUME, David. An Enquiry Concerning Human Understanding. In: HUTCHINS, Robert Maynard (org.). Great Books of the Western World. Chicago, University of Chicago Press, 1952, pp.451-509.
  • INTEMANN, Kristen. Feminist Standpoint. In: DISCH, Lisa; HAWKESWORTH, Mary (org.). The Oxford Handbook of Feminist Theory. Oxford, Oxford University Press, 2018, pp.261-282.
  • JACKSON, Patrick Thaddeus. Making Sense of Making Sense: Configurational Analysis and the Double Hermeneutic. In: YANOW, Dvora; SCHWARTZ-SHEA, Peregrine (org.). Interpretation and Method: Empirical Research Methods and the Interpretive Turn. 2ed., Londres, Routledge, 2015, pp.267-283.
  • JESUS, Diego Santos Vieira. O mundo fora do armário: teoria queer e Relações Internacionais. Universitas Relações Internacionais (12), Brasília, 2014, pp.51-59 [ https://doi.org/10.5102/uri.v12i1.2738 - acesso em: 16 abril 2024].
    » https://doi.org/10.5102/uri.v12i1.2738
  • KEOHANE, Robert O. International Relations Theory: Contributions for a Feminist Standpoint. Millennium: Journal of International Studies (18, 2), 1989a, pp.245-253 [ http://dx.doi.org/10.1177/03058298890180021001 - acesso em: 16 abril 2024].
    » http://dx.doi.org/10.1177/03058298890180021001
  • KEOHANE, Robert O. International Institutions: Two Approaches. In: KEOHANE, Robert O. (org.). International Institutions and State Power. Boulder, Westview Press, 1989b, pp.158-179.
  • KINCAID, Harold. Structural Realism and the Social Sciences. Philosophy of Science (75, 5), Chicago, 2008, pp. 720-731 [ https://doi.org/10.1086/594517 - acesso em: 16 abril 2024].
    » https://doi.org/10.1086/594517
  • KINCAID, Harold. Philosophical Foundatons of the Social Sciences: Analyzing Controversies in Social Research. Cambridge, Cambridge University Press, 1996.
  • KING, Gary; KEOHANE, Robert O.; VERBA, Sidney. Designing Social Inquiry: Scientific Inference in Qualitative Research. Princeton, Princeton University Press, 2021 [1994].
  • KRATOCHWIL, Friedrich V. Rules, Noms and Decisions: On the Conditions of Practical and Legal Reasoning in International Relations and Domestic Affairs. Cambridge, Cambridge University Press, 1989.
  • KROOK, Mona Lena; MACKAY, Fiona. Introduction: Gender, Politics, and Institutions. In: KROOK, Mona Lena; MACKAY, Fiona (org.). Gender, Politics and Institutions: Towards a Feminist Institutionalism. Londres, Palgrave Macmillan, 2011, pp.1-20.
  • KURKI, Milja; WIGHT, Colin. International Relations and Social Science. In: DUNNE, Tim; KURKI, Milja; SMITH, Steve (org.). International Relations Theories: Discipline and Diversity. Oxford, Oxford University Press, 2013, 3ªed., pp.14-35.
  • KURKI, Milja. Causation in International Relations: Reclaiming Causal Analysis. Cambridge, Cambridge University Press, 2008.
  • KURKI, Milja. Critical Realism and Causal Analysis in International Relations. Millennium: Journal of International Studies (35, 2), 2007, pp.361-378.
  • LEBOW, Richard Ned. The quest for knowledge in International Relations: how do we know? Cambridge, Cambridge University Press, 2022.
  • LENINE, Enzo; SANCA, Naentrem. Ge^nero, feminismo e diplomacia: analisando a instituic¸a~o pelas lentes feministas das relac¸o~es internacionais. Organizações & Sociedade (29, 100), 2022, pp.100-124 [ https://doi.org/10.1590/1984-92302022v29n0004PT - acesso em: 16 abril 2024].
    » https://doi.org/10.1590/1984-92302022v29n0004PT
  • LENINE, Enzo. Metafísica y ontología feministas en las Relaciones Internacionales. Foro Internacional (LXIV, 1), 2024a, pp.59-97 [ https://doi.org/10.24201/fi.v64i1.2999 - acesso em: 16 abril 2024].
    » https://doi.org/10.24201/fi.v64i1.2999
  • LENINE, Enzo. Curiosidade feminista nas relações internacionais: olhares, vozes e reflexões para além do cânone. Dados (67, 4), 2024b, e20220120 [https://doi.org/10.1590/dados.2024.67.4.329 - acesso em: 16 abril 2024].
    » https://doi.org/10.1590/dados.2024.67.4.329
  • LENINE, Enzo. Relaciones internacionales feministas: silencios, dia´logos y ausencias. Estudios Internacionales (200), 2021, pp.79-104 [ http://dx.doi.org/10.5354/0719-3769.2021.61213 - acesso em: 16 abril 2024].
    » http://dx.doi.org/10.5354/0719-3769.2021.61213
  • LOCHER, Birgit; PRÜGL, Elisabeth. Feminism and Constructivism: Worlds Apart or Sharing the Middle Ground? International Studies Quarterly (45), 2001, pp.111-129 [https://doi.org/10.1111/0020-8833.00184 - acesso em: 16 abril 2024].
    » https://doi.org/10.1111/0020-8833.00184
  • LUGONES, María. Toward a Decolonial Feminism. Hypatia (25), 2010, pp.742-759 [ https://dx.doi.org/10.1111/j.1527-2001.2010.01137.x - acesso em: 16 abril 2024].
    » https://dx.doi.org/10.1111/j.1527-2001.2010.01137.x
  • MANTZAVINOS, Chrysostomos. Explanatory Pluralism. Nova Iorque, Cambridge University Press, 2016.
  • MARUSKA, Jennifer Heeg. Feminist Ontologies, Epistemologies, Methodologies, and Methods in International Relations. Oxford Research Encyclopedia of International Studies, 22 dez. 2017.
  • ONUF, Nicholas Greenwood. World of Our Making: Rules and rule in social theory and international relations. Londres, Routledge, 2012 [1989].
  • OSSOME, Lyn. African Feminism. In: REILAND, Rabaka (org.). Routledge Handbook of Pan-Africanism. Londres, Routledge, 2020, pp.159-170.
  • PARASHAR, Swati; TICKNER, J. Ann; TRUE, Jacqui. Introduction: Feminist Imaginings of Twenty-First-Century Gendered States. In: PARASHAR, Swati; TICKNER, J. Ann; TRUE, Jacqui (org.). Revisiting Gendered States: Feminist Imaginings of the State in International Relations. Oxford, Oxford University Press, 2018, pp.1-15.
  • PATOMÄKI, Heikki; WIGHT, Colin. After Post-Positivism? The Promises of Critical Realism. International Studies Quarterly (44, 2), 2000, pp.213-237 [https://doi.org/10.1111/0020-8833.00156 - acesso em: 16 abril 2024].
    » https://doi.org/10.1111/0020-8833.00156
  • PATOMÄKI, Heikki. The Promises of Critical Realism in the 2020s and beyond. Teoria Polityki (3), 2019, pp.189-200 [ https://doi.org/10.4467/25440845TP.19.010.10293 - acesso em: 16 abril 2024].
    » https://doi.org/10.4467/25440845TP.19.010.10293
  • PEARL, Judea. Causality: Models, Reasoning and Inference. 2ed., Cambridge, Cambridge University Press, 2009.
  • PETERSON, V. Spike. Introduction. In: PETERSON, V. Spike (org.). Gendered States: Feminist (Re)Visions of International Relations Theory. Boulder, Lynne Rienner, 1992, pp.1-29.
  • POTOCHNIK, Angela. Causal patterns and adequate explanations. Philosophical Studies (172), 2015, pp.1163-1182 [ https://doi.org/10.1007/s11098-014-0342-8 - acesso em: 16 abril 2024].
    » https://doi.org/10.1007/s11098-014-0342-8
  • REISS, Julian. Counterfactuals. In: KINCAID, Harold (org.). The Oxford Handbook of Philosophy of Social Science. Oxford, Oxford University Press, 2017, pp.154-183
  • REITER, Dan. The Positivist Study of Gender and International Relations. Journal of Conflict Resolution (59, 7), 2015, pp.1301-1326 [ https://doi.org/10.1177/0022002714560351 - acesso em: 16 abril 2024].
    » https://doi.org/10.1177/0022002714560351
  • RICE, Collin; ROHWER, Yasha. How to Reconcile a Unified Account of Explanation with Explanatory Diversity. Foundations of Science (26), 2021, pp.1025-1047 [ https://doi.org/10.1007/s10699-019-09647-y - acesso em: 16 abril 2024].
    » https://doi.org/10.1007/s10699-019-09647-y
  • SALMON, Wesley C. Scientific Explanation and the Causal Structure of the World. Princeton, Princeton University Press, 1984.
  • SCHMIDT, Brian C. On the History and Historiography of International Relations. In: CARLSNAES, Walter; RISSE, Thomas; SIMMONS, Beth A. (org.). Handbook of International Relations. 2ed., Londres, SAGE, 2013, pp.3-28.
  • SCOTT, Joan Wallach. Gender: Still a Useful Category of Analysis? Diogenes (225), 2010, pp.7-14 [ http://doi.org/10.1177/0392192110369316 - acesso em: 16 abril 2024].
    » http://doi.org/10.1177/0392192110369316
  • SHEPHERD, Laura J. Gender, Violence and Global Politics: Contemporary Debates in Feminist Security Studies. Political Studies Review (7), 2009, pp.208-219 [ https://doi.org/10.1111/j.1478-9299.2009.00180.x - acesso em: 16 abr. 2024].
    » https://doi.org/10.1111/j.1478-9299.2009.00180.x
  • SHEPHERD, Laura J. Gender, Violence & Security. Londres, Zed Books, 2008.
  • SJOBERG, Laura. ¿Qué son y dónde se sitúan los Estudios Feministas de Seguridad? Relaciones Internacionales (48), Madri, 2021, pp.15-30 [ https://doi.org/10.15366/relacionesinternacionales2021.48.001 - acesso em: 16 abr. 2024].
    » https://doi.org/10.15366/relacionesinternacionales2021.48.001
  • SJOBERG, Laura. Feminist Security and Security Studies. In: GHECIU, Alexandra; WOHLFORTH, William C. (org.). The Oxford Handbook of International Security. Oxford, Oxford University Press, 2018, pp.45-49.
  • SJOBERG, Laura. Introduction to Security Studies: Feminist Contributions. Security Studies (18, 2), 2009, pp.184-214 [ https://dx.doi.org/10.1080/09636410902900129 - acesso em: 16 abr. 2024].
    » https://dx.doi.org/10.1080/09636410902900129
  • SMITH, Steve. Positivism and beyond. In: SMITH, Steve; BOOTH, Ken; ZALEWSKI, Marysia (org.). International Theory: positivism and beyond. Cambridge, Cambridge University Press, 1996, pp.11-44.
  • SOUZA, Natália Maria Félix de. When the Body Speaks (to) the Political: Feminist Activism in Latin America and the Quest for Alternative Democratic Futures. Contexto Internacional (41), Rio de Janeiro, 2019, pp.89-111 [ https://doi.org/10.1590/S0102-8529.2019410100005 - acesso em: 16 abr. 2024].
    » https://doi.org/10.1590/S0102-8529.2019410100005
  • SOUZA, Natália Maria Félix de; SELIS, Lara Martim Rodrigues. Gender violence and feminist resistance in Latin America. International Journal of Feminist Politics (24), Londres, 2022, pp.5-15 [https://dx.doi.org/10.1080/14616742.2021.2019483 - acesso em: 16 abr. 2024].
    » https://dx.doi.org/10.1080/14616742.2021.2019483
  • STREVENS, Michael. Depth: An Account of Scientific Explanation. Cambridge, Harvard University Press, 2008.
  • SYLVESTER, Christine. Feminist International Relations: An Unfinished Journey. Cambridge, Cambridge University Press, 2000.
  • SYLVESTER, Christine. Feminist Theory and International Relations in a Postmodern Era. Cambridge, Cambridge University Press, 1994.
  • TICKNER, J. Ann. What is Your Research Program? Some Feminist Answers to International Relations Methodological Questions. International Studies Quarterly (49), 2005, pp.1-21.
  • TICKNER, J. Ann. Gendering World Politics. Nova Iorque, Columbia University Press, 2001.
  • TICKNER, J. Ann. You Just Don't Understand: Troubled Engagements Between Feminists and IR Theorists. International Studies Quarterly (41), 1997, pp.611-632 [ https://doi.org/10.1111/1468-2478.00060 - acesso em: 16 abr. 2024].
    » https://doi.org/10.1111/1468-2478.00060
  • TICKNER, J. Ann. Gender in International Relations: Feminist Perspectives on Achieving Global Security. Nova Iorque, Columbia University Press, 1992.
  • TICKNER, J. Ann. Hans Morgenthau's Principles of Political Realism: A Feminist Reformulation. Millennium: Journal of International Studies (17, 3), 1988, pp.429-440 [ https://doi.org/10.1177/03058298880170030801 - acesso em: 16 abr. 2024].
    » https://doi.org/10.1177/03058298880170030801
  • TICKNER, J. Ann; SJOBERG, Laura. Feminism. In: DUNNE, Tim; KURKI, Milja; SMITH, Steve (org.). International Relations Theories: Discipline and Diversity, 5ed. Oxford, Oxford University Press, pp.182-196.
  • TRUE, Jacqui. Violence against Women: What Everyone Needs to Know®. Oxford, Oxford University Press, 2021.
  • TRUE, Jacqui. Feminism and Gender Studies in International Relations Theory. Oxford Research Encyclopedia of International Studies, 30 nov. 2017.
  • WEBER, Cynthia. Queer International Relations: Sovereignity, Sexuality and the Will to Knowledge. Oxford, Oxford University Press, 2016.
  • WEBER, Cynthia. Why is there no Queer International Theory? European Journal of International Relations (21, 1), 2015, pp.27-51 [https://dx.doi.org/10.1177/1354066114524236 - acesso em: 16 abr. 2024].
    » https://dx.doi.org/10.1177/1354066114524236
  • WENDT, Alexander. Social Theory of International Politics. Cambridge, Cambridge University Press, 1999.
  • WENDT, Alexander. On constitution and causation in International Relations. Review of International Studies (24, 5), Cambridge, 1998, pp.101-117 [ https://dx.doi.org/10.1017/S0260210598001028 - acesso em: 16 abr. 2024].
    » https://dx.doi.org/10.1017/S0260210598001028
  • WIGHT, Colin. Agents, Structures and International Relations: Politics as Ontology. Cambridge, Cambridge University Press, 2006.
  • WIGHT, Colin. Critical Realism: some responses. Review of International Studies (38), 2012, pp.267-274 [https://http://doi.org/10.1017/S0260210511000684 - acesso em: 16 abr. 2024].
    » https://http://doi.org/10.1017/S0260210511000684
  • WOODWARD, James. Making Things Happen: A Theory of Causal Explanation. Oxford, Oxford University Press, 2003.
  • YACOB-HALISO, Olajumoke. Intersectionalities and access in fieldwork in postconflict Liberia: Motherland, motherhood, and minefields. African Affairs (118), Abingdon, 2019, pp.168-181 [ https://doi.org/10.1093/afraf/ady046 - acesso em: 16 abr. 2024].
    » https://doi.org/10.1093/afraf/ady046
  • YLIKOSKI, Petri. Micro, Macro, and Mechanisms. In: KINCAID, Harold (org.). The Oxford Handbook of Philosophy of Social Science. Oxford, Oxford University Press, 2017, pp.21-45.
  • ZALEWSKI, Marysia. Distracted reflections on the production, narration, and refusal of feminist knowledge in International Relations. In: ACKERLY, Brooke A.; STERN, Maria; TRUE, Jacqui (org.). Feminist Methodologies for International Relations. Cambridge, Cambridge University Press, 2006, pp.19-41.
  • ZALEWSKI, Marysia. Feminism After Postmodernism: Theorising Through Practice. Londres, Routledge, 2000.
  • ZURN, Perry . Feminist curiosity. Philosophy Compass (16), 2021, e12761 [ https://doi.org/10.1111/phc3.12761 - acesso em: 16 abr. 2024].
    » https://doi.org/10.1111/phc3.12761
  • 1
    Para mais detalhes, ver Dowding (2016)DOWDING, Keith. The Philosophy and Methods of Political Science. Londres, Palgrave, 2016., para uma discussão mais centrada nas implicações para as Ciências Sociais; e Godfrey-Smith (2021)GODFREY-SMITH, Peter. Theory and Reality: An Introduction to the Philosophy of Science. 2ed., Chicago, Chicago University Press, 2021., para uma discussão centrada nos desdobramentos históricos e filosóficos do modelo DN e as reações a ele.
  • 2
    Essa tradução, e todas as demais, foram feitas pela autora.
  • 3
    Nas RI, a ideia de contrafactuais tem sido utilizada como forma de avançar explicações causais da forma “se a condição C não tivesse acontecido, o evento E não teria ocorrido” (Dowding; Miller, 2019DOWDING, Keith; MILLER, Charles. On prediction in political science. European Journal of Political Research (58), 2019, pp.1001-1018 [ https://dx.doi.org/10.1111/1475-6765.12319 - acesso em: 16 abril 2024].
    https://dx.doi.org/10.1111/1475-6765.123...
    ; Fearon, 1991FEARON, James. Counterfactuals and hypothesis testing in political science. World Politics (43), 1991, pp.169-195 [ https://doi.org/10.2307/2010470 - acesso em: 16 abril 2024].
    https://doi.org/10.2307/2010470...
    ). Nos debates filosóficos mais contemporâneos, o modelo intervencionista de Woodward (2003)WOODWARD, James. Making Things Happen: A Theory of Causal Explanation. Oxford, Oxford University Press, 2003. consubstancia a ideia de causalidade no formato “o que aconteceria se as coisas tivessem sido diferentes”, que presume a capacidade de manipular condições/fatores causais de modo contrafactual.
  • 4
    Tradicionalmente, a história da disciplina é narrada por meio da sequência cronológica de três debates teóricos que contrapuseram, a cada momento, diferentes conjuntos de teorias (primeiramente, realismo vs. idealismo; em um segundo momento, tradicionalistas vs. behaviouristas; e, finalmente, o terceiro debate entre neopositivistas vs. pós-positivistas). É no contexto do terceiro debate, lançado nos anos 1980, que os feminismos adentram a disciplina: na ocasião, teorias pós-positivistas desferem variadas críticas ao cânone (neo)positivista, representado pelas teorias neorrealistas e neoliberais. O cânone é compreendido pela combinação de uma epistemologia empiricista com abordagens metodológicas quantitativas e formais, e é justamente em contraposição a essa visão dominante que teóricas críticas, feministas, pós-modernas, pós-estruturalistas, pós-coloniais e decoloniais oferecem alternativas e novas possibilidades de análise dos fenômenos internacionais. Para mais detalhes, ver Schmidt (2013)SCHMIDT, Brian C. On the History and Historiography of International Relations. In: CARLSNAES, Walter; RISSE, Thomas; SIMMONS, Beth A. (org.). Handbook of International Relations. 2ed., Londres, SAGE, 2013, pp.3-28.; Tickner; Sjoberg (2021) SJOBERG, Laura. ¿Qué son y dónde se sitúan los Estudios Feministas de Seguridad? Relaciones Internacionales (48), Madri, 2021, pp.15-30 [ https://doi.org/10.15366/relacionesinternacionales2021.48.001 - acesso em: 16 abr. 2024].
    https://doi.org/10.15366/relacionesinter...
    .
  • 5
    Na filosofia da ciência, a distinção entre explicação e compreensão é inócua, vez que explicar presume compreender. Para uma crítica informada, ver Chernoff (2007)CHERNOFF, Fred. Theory and Metatheory in International Relations: Concepts and Contending Accounts. Nova Iorque, Palgrave Macmillan, 2007..
  • 6
    Frequentemente, esses debates são representados na literatura pelas divisões entre positivistas vs. pós-positivistas ou racionalistas vs. reflexivistas (Keohane, 1989b; Kurki, 2008KURKI, Milja. Causation in International Relations: Reclaiming Causal Analysis. Cambridge, Cambridge University Press, 2008.). A partir dos anos 1980, as teorias de relações internacionais abriram-se para as contribuições de outras disciplinas, ampliando seu léxico para além dos termos estadocêntricos das teorias realistas e liberais. O feminismo adentra nesse contexto, sendo incorporado pelo lado pós-positivista/reflexivista, precisamente devido ao seu apelo a epistemologias que reposicionam os indivíduos na política internacional; transformam o pessoal em internacional; ressignificam a matriz ontológica da disciplina ao incorporar as construções sociais e discursivas da realidade; e reconsideram as próprias estruturas de poder subjacentes à produção de conhecimento. Para mais detalhes sobre essa historiografia, ver Schmidt (2013)SCHMIDT, Brian C. On the History and Historiography of International Relations. In: CARLSNAES, Walter; RISSE, Thomas; SIMMONS, Beth A. (org.). Handbook of International Relations. 2ed., Londres, SAGE, 2013, pp.3-28.; para uma introdução à história dos feminismos nas RI, ver Monte (2013) e Lenine (2021) LENINE, Enzo. Relaciones internacionales feministas: silencios, dia´logos y ausencias. Estudios Internacionales (200), 2021, pp.79-104 [ http://dx.doi.org/10.5354/0719-3769.2021.61213 - acesso em: 16 abril 2024].
    http://dx.doi.org/10.5354/0719-3769.2021...
    .
  • 7
    Sugiro ver o debate entre Caprioli, 2004 CAPRIOLI, Mary. Feminist IR Theory and Quantitative Methodology: A Critical Analysis. International Studies Review (6), 2004, pp.253-269 [ https://dx.doi.org/10.1111/j.1521-9488.2004.00398.x - acesso em: 16 abril 2024].
    https://dx.doi.org/10.1111/j.1521-9488.2...
    , e Tickner, 2005TICKNER, J. Ann. What is Your Research Program? Some Feminist Answers to International Relations Methodological Questions. International Studies Quarterly (49), 2005, pp.1-21.; assim como Davies; True, 2015DAVIES, Sara E.; TRUE, Jacqui. Reframing conflict-related sexual and gender-based violence: Bringing gender analysis back in. Security Dialogue (46, 6), 2015, pp.495-512 [ https://dx.doi.org/10.1177/0967010615601389 - acesso em: 16 abril 2024].
    https://dx.doi.org/10.1177/0967010615601...
    , e Reiter, 2015 REITER, Dan. The Positivist Study of Gender and International Relations. Journal of Conflict Resolution (59, 7), 2015, pp.1301-1326 [ https://doi.org/10.1177/0022002714560351 - acesso em: 16 abril 2024].
    https://doi.org/10.1177/0022002714560351...
    .
  • *
    Este artigo resulta da pesquisa conduzida no âmbito do projeto intitulado “Causa, causação e causalidade: uma investigação da explicação causal em Ciência Política e Relações Internacionais”, cadastrado em 2022 junto ao Departamento de Ciência Política da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    01 Maio 2023
  • Aceito
    06 Mar 2024
Núcleo de Estudos de Gênero - Pagu Universidade Estadual de Campinas, PAGU Cidade Universitária "Zeferino Vaz", Rua Cora Coralina, 100, 13083-896, Campinas - São Paulo - Brasil, Tel.: (55 19) 3521 7873, (55 19) 3521 1704 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: cadpagu@unicamp.br