Open-access Problemas enfrentados por extensionistas rurais brasileiros e sua relação com suas concepções de extensão rural

Problems faced by Brazilian rural extensionists and their relationship with their conception of rural extension

Resumos

Tanto na América Latina como no Brasil assistimos a um retorno e fortalecimento do interesse público pela extensão rural. Neste trabalho, são analisados os problemas enfrentados na sua prática por uma amostra de extensionistas rurais brasileiros e sua relação com suas concepções de extensão rural. Cinquenta e dois extensionistas rurais de diferentes estados responderam a uma enquete enviada por e-mail. Concluiu-se que (1) as dificuldades associadas com o trabalho grupal ou em parceria entre agricultores são o problema mais mencionado, (2) nos técnicos, tende a persistir uma perspectiva difusionista da extensão rural, mesmo contra as diretrizes participativas e dialógicas estabelecidas pela política pública e (3) existe um olhar autocrítico limitado dos extensionistas, os quais tendem a ver os produtores como problema.

extensão rural; concepções; difusionismo; problemas


In both, Latin America and Brazil, rural extension is recovering acknowledgment in the context of public policy. In this paper, the problems faced in their practice by a sample of Brazilian rural extensionists are described and how they relate to their conception of rural extension is analyzed. 52 rural extensionists of different Brazilian states were surveyed via email. It is concluded that (1) difficulties related to group or associate work among farmers are the most mentioned, (2) a diffusionist conception of rural extension tend to persist, even against the participatory and dialogical principles established by public policy and (3) rural extensionists have a limited self-critical attitude and tend to perceive the farmers as a problem.

rural extension; conceptions; diffusionism; problems


INTRODUÇÃO

A América Latina possui altos níveis de iniquidade, pobreza rural e insegurança alimentar (ARCHANJO et al., 2007). Nesse contexto, fica evidente a importância da assistência técnica e extensão rural (ATER) enquanto ferramenta de desenvolvimento (OMAR et al., 2011; ABDU-RAHEEM & WORTH, 2012; SELIS, 2012; ZWANE, 2012). Os sistemas de ATER surgiram na América Latina em meados do século passado, inspirados no modelo estadunidense (SCHALLER, 2006). Seu objetivo fundamental era a modernização e incremento da produtividade da agricultura através da transferência de tecnologias (BRITO et al., 2012; DA ROS, 2012). No Brasil, a ATER surgiu no final dos anos 40, a partir da implementação de diferentes iniciativas pontuais (THORNTON, 2006) firmadas progressivamente até a criação da Empresa Brasileira de ATER (EMBRATER) em 1975. Durante a década de 80, assistimos a uma crise da ATER (TAVEIRA & OLIVEIRA, 2008). Por um lado, a nível internacional, ganharam força propostas privatizadoras (DIESEL et al., 2008). Por outro lado, no Brasil, se fortaleceram as críticas ao modelo de desenvolvimento rural produtivista, que era aquele que dava sentido à ATER difusionista que estava sendo implementada (DA ROS, 2012). No ano 1990, o governo brasileiro decidiu extinguir a EMBRATER (MEDEIROS & BORGES, 2007). Isto levou a uma redução repentina do financiamento das empresas estaduais de ATER (EMATER). No contexto de um renovado interesse pela ATER na América Latina, o governo federal aprovou uma nova Política Nacional de ATER (PNATER) no ano de 2004. Esta estabeleceu como diretrizes para a prática da ATER no país voltar-se para a agricultura familiar, basear-se nos princípios da agroecologia e apoiar-se em metodologias participativas (MEDEIROS & BORGES, 2007). Finalmente, em fins de 2013, o governo federal criou a Agência Nacional de ATER, abrindo-se, dessa maneira, novas perspectivas para a ATER no Brasil.

Observamos que, na última década, assistiu-se a uma mudança sem precedentes no modo de compreender a ATER no Brasil. Passou-se de uma concepção centrada na transferência de tecnologia para outra que incorpora ações voltadas à organização dos agricultores, a gestão de processos participativos, o apoio à comercialização e a articulação interinstitucional desde uma perspectiva territorial, todo no contexto de uma forte preocupação ambiental e da focalização na agricultura familiar. No contexto dessas mudanças, surgem duas perguntas. Primeiro, considerando a maior complexidade das tarefas atuais de ATER, quais as dificuldades e limitações que encontram os extensionistas quando implementam ações nos territórios? Nesse sentido, autores brasileiros assinalaram: dificuldades para a comercialização de produtos da agricultura familiar (SILVA & LEITÃO, 2009; LUCCHESE, 2013), escassa participação dos produtores em projetos e iniciativas (BOAS & GOLDEY, 2005; CHIODI et al., 2013), falta de adequação de políticas, projetos e ações às necessidades dos beneficiários (TAVEIRA & OLIVEIRA, 2008; GAZOLLA & SCHNEIDER, 2013) e resistência à adoção de tecnologias (HENZ, 2010; SALVADOR, 2010), entre outros. Segundo, visto que as mudanças institucionais não necessariamente modificam os modos em que os agentes de ATER levam à frete seu trabalho, tem cabimento a pergunta: qual é o impacto destas novas políticas nas concepções e nas práticas de ATER? Respondendo a isto, diferentes autores indicaram a persistência de práticas de ATER difusionistas e produtivistas no Brasil (SARAIVA & CALLOU, 2009; ALMEIDA et al., 2010; ZUIN et al., 2011), contrárias às novas abordagens de ATER propostas pelas autoridades.

Estas investigações mencionadas, se bem que resultam de interesse, em sua maioria, têm duas limitações fundamentais. Primeiro, sustentam-se em estudos de caso específicos, o que limita a possibilidade de chegar a conclusões territorialmente mais amplas; segundo, não conseguem quantificar a importância relativa destes problemas. Assim, neste trabalho, procura-se descrever as dificuldades enfrentadas pelos extensionistas rurais brasileiros e suas concepções de ATER, quantificando os resultados. Este artigo faz parte de uma investigação mais abrangente, voltada ao estudo comparado dos problemas e concepções de ATER na América Latina. Neste artigo, estuda-se em profundidade o caso brasileiro.

No próximo ponto, desenvolve-se a metodologia de investigação utilizada. Em seguida, apresentam-se e discutem-se as tabelas correspondentes aos problemas enfrentados e às concepções de ATER dos inquiridos. Finalmente, apresentam-se as conclusões deste estudo.

MATERIAL E MÉTODOS

Realizou-se uma enquete por e-mail a 52 extensionistas que trabalham em seis EMATERs. Considerando este procedimento e o tamanho da amostra, os resultados não podem ser considerados como representativos do total nacional, mas podem fornecer informação útil para pensar os temas a serem abordados. A amostra esteve composta por 31 homens e 21 mulheres, 31 de Minas Gerais, 13 do Paraná, 4 de São Paulo, 2 do Rio de Janeiro, 1 do Espírito Santo e 1 de Rondônia. A enquete não perguntou em que escritório regional trabalhavam os participantes. Além da informação sociodemográfica, a enquete incorporou diferentes perguntas. As duas primeiras visaram a identificar os problemas enfrentados pelos extensionistas no trabalho de ATER. Conjuntamente, incorporaram-se três perguntas que, além de procurar atingir objetivos que ultrapassam este trabalho, juntam-se às anteriores na tarefa de identificar as concepções de ATER implícitas nos discursos dos inquiridos. As cinco perguntas enumeram-se a seguir.

1. De acordo com sua experiência, quais são os principais problemas enfrentados pelos pequenos produtores para progredirem e se desenvolverem? Podem ser incluídos problemas de todo tipo (sociais, psicológicos, econômicos, culturais, produtivos, políticos, institucionais, etc.).

2. Muitas vezes, os projetos de extensão e desenvolvimento rural com pequenos produtores não atingem os resultados esperados. Além do mencionado na pergunta anterior, que outras dificuldades surgem no trabalho de extensão rural? Na sua resposta, podem ser incluídas dificuldades de todas as dimensões (sociais, psicológicas, econômicas, culturais, produtivas, políticas, institucionais, etc.).

3. Quais dificuldades ou problemas mencionados nas perguntas 1 e 2 a psicologia poderia ajudar a resolver?

4. Que outras contribuições poderia fazer a psicologia ao trabalho de extensão rural?

5. Se não tiver mencionado em alguma das respostas anteriores, de que forma pensa que os psicólogos poderiam contribuir ao trabalho de extensão? Em que atividades ou ações concretas poderiam atuar?

Para analisar as respostas, procedeu-se à categorização dos resultados, empregando-se o software Atlas Ti, seguindo os princípios gerais da metodologia conhecida como Teoria Fundamentada (GIRALDO, 2011). Esta metodologia foi aplicada do seguinte modo. A nível operativo, realizaram-se dois processos de análise diferentes, um para identificar os problemas e outro para descrever as concepções de ATER. Em cada caso, realizou-se uma primeira leitura das respostas. Em seguida, nas leituras subsequentes, identificaram-se indutivamente problemas ou afirmações sobre ATER que apareciam em diferentes enquetes. Estas afirmações similares constituíram-se como as categorias de análise da investigação. Depois de ler todas as respostas em várias oportunidades e de ter identificado as categorias de maior frequência, procedeu-se a construir uma definição do conteúdo de cada uma delas. Com estas definições e com o apoio do software, procedeu-se a marcar todos os fragmentos das respostas que entravam na definição das diferentes categorias. Para evitar possíveis erros, realizou-se pelo menos uma leitura posterior de revisão. Para quantificar os resultados, cada categoria foi considerada como uma variável dicotômica, considerando-se presença da variável nas enquetes quando existia pelo menos um fragmento categorizado com ela, e ausência quando inexistia. Levando em conta que a amostra utilizada está concentrada em dois estados e que a realidade da ATER pode diferir em cada um deles, junto às categorias/variáveis mencionadas nos resultados, indica-se se existem ou não diferenças estatisticamente significativas nas respostas dos extensionistas de Minas Gerais, do Paraná e do resto da amostra, para conferir se os resultados podem ser devidos a situações de índole local. Para isso, utiliza-se o Coeficiente de Contingência. Nas tabelas de resultados indicam-se os problemas e as crenças sobre ATER que aparecem em mais do 25% das enquetes, a fim de analisar apenas aqueles elementos que tenham presença significativa.

RESULTADOS E DISCUSSÃO:

Na tabela 1, apresentam-se os problemas enfrentados pelos extensionistas no trabalho de ATER e, na tabela 2, os elementos que compõem sua concepção de ATER. O signo % corresponde à percentagem de enquetes nas quais a categoria é mencionada sobre o total de enquetes.

Tabela 1:
Problemas para o desenvolvimento e o trabalho de extensão com pequenos produtores.
Tabela 2
: Elementos-chave da concepção da tarefa de extensão rural.

O problema mais mencionado refere-se ao individualismo e à dificuldade dos produtores para trabalharem em grupo. Isto se expressa como "falta de união" ou "dificuldade de organização, falta de tradição em associativismo e cooperativismo". Este problema foi indicado em diferentes estudos sobre ATER, tanto no Brasil (SARAIVA & CALLOU, 2009; HENZ, 2010) como noutros países latino-americanos (LANDINI, 2007). Os inquiridos articulam este problema com dificuldades para comercializar. Por exemplo, "falta de organização dos produtores rurais (cooperativas/associações) para apoio na comercialização de produtos". Esta relação entre cooperativismo e possibilidades de comercialização também foi indicada na bibliografia especializada (SILVA & LEITÃO, 2009). Pelo fato de a ATER brasileira estar focada na agricultura familiar, evidenciam-se as dificuldades destes produtores para gerarem os volumes de produto necessários para negociarem no mercado. Assim, o trabalho associativo aparece como uma alternativa superadora. Analisando as possíveis causas dos problemas para o trabalho associativo, LANDINI (2007) assinala que cooperar implica depender de outrem, a fim de conseguir atingir os próprios objetivos, o que envolve o risco de ser enganado ou aproveitado. No caso dos agricultores familiares, o que costuma arriscar-se não é um investimento econômico, mas a possibilidade mesma de satisfazer necessidades básicas. Isto acarreta uma incerteza vital, apesar de que a parceria resulte determinante em termos de volume. Ao mesmo tempo, é evidente que pensar as dificuldades para o trabalho associativo como um problema relaciona-se com uma concepção de ATER, que põe o foco no trabalho com grupos e/ou associações, algo mencionado como fazendo parte da tarefa de ATER pelos 62% dos inquiridos. Nesse contexto, tem cabimento a pergunta: será que os agricultores familiares são particularmente individualistas, ou será que só com eles procura-se trabalhar associativamente? De fato, é infrequente trabalhar com estratégias cooperativas com produtores não familiares. Assim, é possível que a estratégia de intervenção seja a que faça visibilizar só no setor da agricultura familiar o que é próprio dos produtores agropecuários ou inclusive da sociedade em geral. Por outra parte, colocar o trabalho associativo como parte das tarefas de ATER leva a pensar na importância de adotar uma perspectiva interdisciplinar. Nesse sentido, chama a atenção que apenas 13% dos inquiridos tenham mencionado a necessidade de interdisciplina. Evidentemente, parece visibilizar-se o problema, mas não suas implicações em relação à abordagem de trabalho necessário para tratá-lo.

A falta de recursos humanos para trabalhar em ATER aparece como segundo problema, o que implica "poucos profissionais na área de extensão rural". Isso tem relação tanto com a grande quantidade de produtores que requerem atenção como com a disponibilidade limitada de recursos para contratações. Este problema também é mencionado na literatura científica. Por exemplo, SEPULCRI & PAULA (2008) assinalam a falta de reposição de pessoal como um dos problemas enfrentados pela EMATER-PR. Isso contrasta com o incremento dos extensionistas em países vizinhos como Argentina e Paraguai (LANDINI & BIANQUI, 2014) e com o renovado interesse na ATER no Brasil. Juntamente com o problema da falta de recursos humanos, também pode colocar-se o que os inquiridos descrevem como a falta de apoio dos governos aos pequenos produtores e, em termos gerais, ao desenvolvimento rural. Isto é expresso como "falta de políticas públicas que beneficiem o produtor". Nesse contexto, cabe perguntar se as referências frequentes a problemas relacionados com a falta de apoio público são consequência de uma falta real de interesse dos governos ou simplesmente da percepção de que ainda fica muito por fazer, a fim de reposicionar a agricultura familiar no contexto brasileiro, o que parece mais razoável? Continuando com os problemas relacionados com a política pública, também deve-se salientar que não apenas se fala em falta de políticas, mas também do caráter mutável ou de curto prazo delas, o que reforça a ideia da falta de uma política pública consistente voltada à agricultura familiar. No entanto, quanto ao caráter mutável das políticas, resulta necessário uma análise mais aprofundada, visto que o estudo tem detectado diferenças estatísticas em relação à procedência dos inquiridos, o que não pode ser analisado com a informação disponível neste estudo.

O terceiro problema refere-se à escassa adoção de tecnologias por parte dos produtores, o que costuma expressar-se como "resistência à adoção de novas tecnologias". Este problema articula-se com o número 11, o qual expressa uma atitude crítica a respeito dos saberes e das práticas produtivas dos agricultores. Em certo sentido, chama a atenção que a resistência à adoção apareça em terceiro lugar, enquanto que as tecnologias inapropriadas façam-no no décimo primeiro, visto que o problema tecnológico seria prévio e mais amplo que a falta de adoção. No entanto, fica claro que o uso de tecnologias tradicionais não é o que mais preocupa os inquiridos (visto que trabalhar neste tema faz parte da tarefa de extensão). Em contrapartida, o vivido como problema é que as ações de ATER realizadas não tenham o correlato esperado de adoção de tecnologias. Os problemas de falta de adoção e de uso de tecnologias tradicionais foram assinalados de forma insistente na bibliografia, tanto no Brasil quanto no estrangeiro (ver, por exemplo, DOMIT et al., 2008). Contudo, o mais importante do caso não é tanto a existência desses problemas, mas a concepção difusionista de ATER que os subjaz. De fato, 46% dos inquiridos realizaram afirmações nas suas enquetes que os relacionam com um modelo de extensão difusionista, enquanto que apenas 8% afirmam uma visão dialógica e horizontal da ATER. Isso evidencia, conforme assinalam diversos autores, a persistência de uma ATER difusionista, ainda contra as propostas dialógicas e participativas da PNATER, vigente no Brasil desde 2004 (TAVEIRA & OLIVEIRA, 2008; ZUIN et al., 2011; LELIS et al., 2012).

Nesse contexto, chama a atenção que 37% dos inquiridos reconheçam a importância da participação e de levar em conta as necessidades e cultura dos produtores, propostas conforme com uma extensão dialógica não difusionista. Seria possível pensar que aqueles que valorizam a participação não são os que têm um olhar difusionista. No entanto, não existe relação estatística entre ambas as variáveis (χ²: 0,20(1), P=.68), o que mostra que, apesar de serem contraditórias a nível teórico, podem coexistir a nível psicológico (LANDINI, em prensa). Esta coexistência, junto à aposta das políticas públicas por uma ATER horizontal e participativa, poderia sugerir que a abordagem difusionista persiste, mas de maneira implícita, associada a identidades e às concepções de mundo dos extensionistas. Assim, surge a geração de espaços de reflexão e análise das práticas, em que os extensionistas possam tomar consciência desta contradição e repensar criticamente seu fazer quotidiano (LANDINI, BIANQUI et al., 2013).

Adicionalmente, entre os problemas assinalados pelos extensionistas, menciona-se o baixo nível educativo dos beneficiários, aspecto assinalado também por HENZ (2010), o que incidiria na sua capacidade para adquirir e/ou compreender certos conhecimentos técnicos. Contudo, a pergunta que aqui surge é: por que pensarmos nas limitações dos produtores para 'adquirir' certos conhecimentos e não nas dos extensionistas para pensarem formas pedagógicas apropriadas para o contexto? Algo similar se passa com a ideia de 'resistência à adoção de tecnologias'. Em ambos os casos, os inquiridos afirmam que o problema 'são os produtores', evidenciando-se escassa capacidade autocrítica para pensarem sua própria responsabilidade nestes processos, por exemplo, a partir das limitações da abordagem difusionista adotada. Por outro lado, sem dúvidas, tanto o problema da 'baixa escolaridade dos agricultores' como aquele que se refere à sua escassa dotação de capital têm relação com a opção da PNATER de trabalhar com os setores rurais mais desprotegidos, algo característico da ATER latino-americana na última década.

Cabe ainda mencionar dois problemas. Por um lado, a emigração das zonas rurais, particularmente de jovens, que é explicado assim por um dos inquiridos: "a baixa rentabilidade [...] está levando os jovens a saírem para as cidades em busca de melhores oportunidades". Trata-se, sem dúvidas, do problema da sucessão na agricultura familiar (MENDONÇA et al., 2013), um problema que gerou importante preocupação no contexto brasileiro. Finalmente, o último problema mencionado é a falta de olhar empresarial dos produtores, o que se expressa em que eles "não veem sua propriedade como uma empresa" e leva a "problemas com o gerenciamento da atividade rural". Si bem que é inegável a utilidade potencial de certas práticas empresariais para a agricultura familiar, também deve-se notar que o enquadramento deste problema assume que as práticas corretas são as que os extensionistas propõem e que os produtores apenas deveriam adotá-las, o que mais uma vez coloca-nos numa visão difusionista da ATER, em que o problema são os produtores e não a estratégia de ATER utilizada. Como alternativa, poderiam ser geradas alternativas que dialogassem com as prioridades e lógicas dos produtores, sem assumir que o melhor para eles é incorporação de práticas empresariais ou produtivas valorizadas pelos técnicos, mas que não se identificam com sua racionalidade (LANDINI, 2011).

CONCLUSÃO

Em primeiro lugar, esta pesquisa permitiu identificar o caráter central que as dificuldades relacionadas com o trabalho com grupos e associações de produtores têm para os inquiridos. De fato, esta foi a dificuldade mais mencionada. Diante disso, segue a necessidade de fortalecer a formação dos extensionistas na área, incorporar profissionais com formação específica e, inelutavelmente, avançar para uma ATER interdisciplinar, algo até certo ponto invisibilizado pelos inquiridos.

Segundo, observa-se a persistência de um olhar difusionista da ATER, o que se articula diretamente com a experiência de que os produtores resistem, de alguma maneira, à adoção de tecnologias. A importância disso é fundamental, pois muitas das críticas à ATER dos anos 80 eram diretamente críticas a esta abordagem. Ao mesmo tempo, o Brasil é o único país latino-americano que estabeleceu, ao nível de política pública, a implementação de uma ATER radicalmente não difusionista. Esse aspecto também está associado com a limitada autocrítica dos inquiridos, que tendem a identificar nos outros a causa dos problemas que surgem no seu trabalho, em particular nos produtores, sem refletir na parte que eles próprios jogam na manutenção destes problemas, particularmente adotando uma abordagem difusionista de ATER.

Finalmente, também a falta percebida de políticas públicas e iniciativas institucionais (permanentes) de apoio ao desenvolvimento rural deve ser comentada. No contexto latino-americano, não é possível dizer que o Brasil não conta com políticas de desenvolvimento rural e, particularmente, de apoio à agricultura familiar. Contudo, fica claro que estas políticas têm limitações que resulta necessário abordar, particularmente sua integração no contexto de uma economia nacional e internacional, que segue excluindo a quem não possui suficiente capital e a quem não concebe sua vida e sua atividade produtiva em termos da lógica que impõe o mercado.

AGRADECIMENTOS

À ANPCyT e à Universidade de la Cuenca del Plata pelo apoio e financiamento outorgado ao projeto de pesquisa que deu origem a este trabalho (código de projeto PICT 0192-2011).

Referências bibliográficas

  • COMITÊ DE ÉTICA E BIOSSEGURANÇA O presente artigo desenvolve resultados correspondentes ao projeto PICT 0192-2011. Tem sido aprovado desde o ponto de vista ético e de conteúdo pela Agencia Nacional de Promoción Científica (ANPCyT) do Ministerio de Ciencia y Tecnología (Argentina).

Datas de Publicação

  • Data do Fascículo
    Fev 2015

Histórico

  • Recebido
    20 Abr 2014
  • Aceito
    03 Jun 2014
location_on
Universidade Federal de Santa Maria Universidade Federal de Santa Maria, Centro de Ciências Rurais , 97105-900 Santa Maria RS Brazil , Tel.: +55 55 3220-8698 , Fax: +55 55 3220-8695 - Santa Maria - RS - Brazil
E-mail: cienciarural@mail.ufsm.br
rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
Acessibilidade / Reportar erro