EDITORIAL EDITORIAL
O novo paradigma demográfico
Ana Amélia Camarano
Instituto de Políticas Econômicas Aplicadas (IPEA)
Os aproximados 190 milhões de habitantes residentes no Brasil, contados pelo Censo Demográfico de 2010, são resultados de uma História populacional iniciada há mais de 100 anos.
As migrações internacionais foram responsáveis pela sua miscigenação e crescimento acentuado na virada do século XIX. A redução da mortalidade infantil, iniciada no final da Segunda Guerra Mundial, aliada à alta fecundidade gerou um crescimento populacional elevado no período 1950-1970 e uma população muito jovem. Esse período, conhecido como baby boom, foi marcado pelo temor de uma explosão demográfica.
O baby boom foi mais curto que o esperado; durou apenas duas décadas. A partir dos anos 1970, a fecundidade iniciou um processo de queda acelerada e sustentada, acompanhada pela continuação da redução da mortalidade que hoje beneficia mais a população em idade avançada. Esses dois processos ocorreram em curto período de tempo e, simultaneamente, em quase todos os países em desenvolvimento.
Desde o começo deste século, a fecundidade das mulheres brasileiras está abaixo da taxa que garante a reposição da população. Atualmente, a taxa de fecundidade total está em torno de 1,7 filho por mulher. Nos anos 1950 foi de 6,1. Hoje, um brasileiro vive em média 73,5 anos, 43 a mais que no início do século passado. Sumarizando, nasce menos gente e vive-se mais.
Já se notam duas consequências desse processo: contração da população e superenvelhecimento. O Brasil não é mais um país de jovens. É provável que o Censo de 2030 encontre o número máximo de brasileiros que se pode vislumbrar, cerca de 208 milhões, dos quais 20% serão idosos. A partir daí, mantidas as mesmas tendências, esse contingente começará a diminuir e o formato da pirâmide etária se inverterá. Os baby boomers estão envelhecendo e se transformando nos elderly boomers. A preocupação com o "excesso" de crianças está dando lugar para o "excesso" de idosos.
Outras mudanças importantes ocorreram no período: aumento da escolaridade da população e da participação da mulher no mercado de trabalho, redução nos diferenciais por gênero na vida privada e social, mudanças nos arranjos familiares, especialmente na nupcialidade, menor duração das uniões conjugais, mudanças nos contratos tradicionais de gênero, redução no número de cuidadores familiares e um novo perfil epidemiológico.
O envelhecimento populacional está acontecendo antes de o Estado brasileiro resolver as necessidades sociais básicas, como educação e saúde, e entrou na agenda das políticas públicas, a partir de uma visão negativa do processo. No entanto, esta visão foi responsável pela legitimação de alguns direitos sociais como a universalização da aposentadoria, filas especiais, assentos reservados nos transportes públicos, gratuidade nos transportes urbanos, meia entrada e outros.
Apesar disso, várias questões não estão resolvidas e podem se agravar em um futuro próximo. Enquanto se pode ter certeza sobre um crescimento acelerado da população idosa nos próximos 30 anos, não se sabe sobre como sobreviverão os longevos em termos de saúde, autonomia e renda. Essas são condições importantes para a dependência ou não de qualquer grupo populacional.
Espera-se que a mortalidade continue a se reduzir e a vida a se alongar, mas reconhece-se que é difícil projetar o limite desse alongamento. A redução da oferta de força de trabalho implicará em uma diminuição no número de contribuintes para a seguridade social, o que leva a se perguntar se será possível para o Brasil continuar mantendo a dissociação entre envelhecimento e pobreza. O cuidado do idoso frágil é também uma questão não resolvida. Essa responsabilidade continua sendo atribuída à família sem considerar as mudanças que nela ocorrem.
Sumarizando, o que se sabe é que se está diante de um fato novo na História: envelhecimento e redução da população. Portanto, diante de novos desafios.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
19 Nov 2013 -
Data do Fascículo
Dez 2013