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Agrotóxicos

DEBATE

Agrotóxicos

Waldemar de Almeida I; José FiúzaII; Cláudio Marques MagalhãesIII; Celso Merola JungerIV

IUNICAMP

IISUCAM

IIIEMBRATER

IVAssociação dos Engenheiros Agrônomos do Rio de Janeiro

Hoje, o Centro de Estudos da Escola Nacional de Saúde Pública traz para debates um tema que é discutido em todo o Brasil nesse momento: os agrotóxico s. E particularmente vamos discutir, hoje, as relações do uso de agro tóxicos com a saúde humana. Vamos também tocar em outros pontos mais, relacionados não apenas com a saúde do homem. Trouxemos, pura nos falar sobre esse tema, o Dr. Waldemar de Almeida, professor do Departamento de Medicina Preventiva da Universidade de Campinas, o Dr. José Fiúza, superintendente da SUCAM, o Dr. Cláudio Marques Magalhães, da EMBRATER, e o Dr. Celso Merola Junger, da Associação de Engenheiros Agrônomos do Estado do Rio de Janeiro. Vamos passar a palavra ao Dr. Waldemar de Almeida, da UNICAMP, para que inicie sua exposição.

WALDEMAR F. ALMEIDA

Meus amigos, inicialmente agradeço a gentileza do convite do Centro de Estudos da Escola Nacional de Saúde Pública para esta palestra, que desejaria considerar como uma mesa-redonda, ou melhor, um debate informal sobre o assunto.

A parte que vamos desenvolver é relacionada com os pesticidas ou praguicidas usados na agricultura, melhor conhecidos como agrotóxicos, também chamados produtos fitos-sanitários, ou mesmo "defensivos agrícolas"; neste último caso, principalmente por aqueles que tentam vendê-los cada vez mais, para serem aplicados de modo excessivo, abusivo e indiscriminado, como tem ocorrido até agora, visando lucros para os fabricantes, sem consideração para os riscos de intoxicação dos trabalhadores agrícolas, nem da população em geral que consome os alimentos com níveis altos de resíduos de agrotóxicos.

CLASSIFICAÇÃO

Os agrotóxicos podem ser classificados, de acordo com a praga a que se destinam, como inseticidas (contra insetos em geral), larvicidas (contra larvas de insetos), formicidas (contra formigas), acaricidas (contra ácaros de plantas) carrapaticidas (contra Garrapatos de animais), nematicidas (contra nematóides parasitas de plantas, que formam nodulos ou "galhas" nas raízes), moluscicidas (para combate a moluscos), rodenticidas (para combate a roedores em geral), raticidas (para combate a ratos, em particular), avicidas (para controle de algumas aves comedoras de sementes), fungicidas (contra fungos), herbicidas (contra ervas daninhas e outros vegetais indesejáveis, mesmo do porte de arbustos ou árvores).

Por extensão, incluem-se também na definição de agrotóxicos os agentes desfolhantes (p. ex., 2, 4-D e 2, 4, 5-T), os antibrotantes (p. ex., hidrazida malêica, que tem como impureza a hidrazina, que é um produto cancerígeno), os dessecantes (p. ex., o paraquat) e os conservadores de madeiras (p. ex., pentaclorofenol, com algumas impurezas como o hexaclorobenzeno — responsável por uma síndrome denominada porfiria cutânea tardia — e uma dioxina bastante tóxica).

POPULAÇÃO EXPOSTA

Os trabalhadores das indústrias de síntese e de formulação de agro tóxicos estão, em geral, expostos a concentrações elevadas destes produtos. Por outro lado, estes operários estão relativamente bem protegidos, em geral, e as operações, freqüentemente, são automáticas. Como exceções, lembramos os trabalhadores de pequenas fábricas de formulações que operam em péssimas condições e sem os equipamentos indispensáveis de proteção. Algumas pequenas indústrias produzem, sem autorização, licença ou registro, praguicidas extremamente tóxicos, que são vendidos mesmo em supermercados do interior. Como exemplo, citamos arsenicais que estão sendo vendidos como raticidas. Isto traduz também a completa falta de fiscalização, quer a nível federal, estadual ou municipal.

Na agricultura, os aplicadores de agrotóxicos estão sempre mal protegidos, sem os equipamentos individuais de proteção. Também não são informados sobre os perigos a que se expõem e a que expõem toda a população consumidora dos alimentos tratados. Como agravante, a maioria destes trabalhadores não sabe ler e, portanto, as recomendações impressas nos rótulos nada significam para eles. Pior ainda, vendedores inescrupulosos, para melhorar suas comissões, insistem nas aplicações excessivas, mesmo em culturas para as quais certos praguicidas não estão licenciados.

Para comparar, lembramos que os aplicadores de pesticidas das campanhas de Saúde Pública são sempre bem treinados e recebem retreinamento semestral. Estes aplicadores de DDT (contra os mosquitos da malária) e de BHC (contra os "barbeiros" transmissores da enfermidade de Chagas), além do treinamento periódico, também possuem roupas, luvas, botas e máscaras adequadas.

Além do pessoal profissionalmente ligado aos praguicidas, toda a população está exposta aos agrotóxicos pela ingestão de alimentos com resíduos destes produtos, muitas vezes ultrapassando os limites máximos tolerados. Estes resíduos são, em geral, responsáveis por casos subagudos ou crônicos de intoxicação que escapam ao diagnóstico. Entretanto, em alguns casos, os resíduos nos alimentos são tão altos que acarretam intoxicações agudas que, infelizmente, já temos observado.

Os agrotóxicos poluentes passam da terra para os pastos; em seguida, são transferidos para a carne do boi e para o leite da vaca. Da carne e do leite, passam depois para o homem, onde vão, progressivamente, se acumulando até atingir um patamar de saturação.

Os laboratórios de análises de resíduos do Ministério da Agricultura e também os dos grandes frigoríficos analisam, cuidadosamente, por amostragem, toda a carne que recebem e todos os produtos cárneos para exportação, para evitar que sejam devolvidos pelos países desenvolvidos aos quais são vendidos. Evidentemente, as partidas de carne com altos níveis de resíduos ficam no Brasil, para consumo de nossa população. Por conseguinte, o interesse de nossas autoridades está centrado nos cuidados com a exportação, sem o menor interesse para a saúde da população brasileira.

Na cidade de São Paulo está sendo feito rotineiramente o monitoramento dos resíduos de inseticidas presentes em frutas e hortaliças oferecidas à venda no Centro Estadual de Abastecimento (CEAGESP). Estas análises são semanalmente efetuadas pelo Instituto Biológico de São Paulo. Uma prova biológica prévia, com Drosophilas que são altamente sensíveis, revela os lotes positivos. Em seguida, nestes lotes, é feita a análise por cromatografia de fase gasosa, para a identificação e quantificação dos resíduos.

ALGUNS DADOS TOXICOLÔGICOS

Os inseticidas poluentes ambientais (p. ex., DDT, BHC, aldrin, dieldrin, endrin, clordano, heptacloro e mirex), que pertencem ao grupo dos compostos clorados orgânicos, têm sido proibidos em numerosos países, por causa de sua longa persistência no solo, nos alimentos e nos seres vivos, inclusive no homem. A proibição destes poluentes é também devida ao fato de serem eles cancerígenos para camundongos e para ratos, produzindo tumores malignos primários no fígado.

Os inseticidas organo-fosforados (p. ex., paration, dissulfoton, malation, etc.) e os carbamatos (p. ex., carbaril, carbofuran, aldicarbe, propoxur, metomil, etc.) pertencem ao grupo dos compostos inibidores das colinesterases. Muitos deles são extremamente ou altamente tóxicos para o homem e, infelizmente, ainda são de venda livre no Brasil, porque a obrigatoriedade da receita agronômica não está em vigor na maioria dos Estados. Alguns inseticidas fosforados orgânicos acarretam lesões de nervos longos, com perda da bainha de mielina, produzindo paresias e paralisias por ação neurotóxica retardada.

Um grupo de inseticidas novos é formado pelos piretróidês. São menos tóxicos do que os clorados orgânicos e os inibidores das colinesterases; entretanto, são responsáveis por numerosos casos de irritação ocular e de acessos de asma. Em doses altas, produzem também lesões neurotóxicas retardadas.

O clordimeforme (Galecron ou Fundai) é um acaricida muito eficiente para ácaros que são pragas de algodão e de citros; entretanto, ele acarreta cistite hemorrágica no homem e também tumores malignos na bexiga de ratos e de camundongos. Por estes motivos, o clordimeforme tem sido bastante restringido em muitos países e é proibido em outros, inclusive no Brasil.

Os dinitrofenóis (p. ex., Dinoseb, DNOC, etc.) e o penta-clorofenol (p. ex., Pentox, Penetrol, etc.) acarretam lesões nos centros termorreguladores de mamíferos, com conseqüente hipertermia, que pode ser extremamente grave para o homem.

Entre os herbicidas, destaca-se o paraquat (ou Gramoxone) por sua elevada toxicidade para o homem. Apresenta ação corrosiva para as mucosas e produz uma fib rose pulmonar irreversível no homem, levando à morte em cerca de duas semanas.

Outro grupo de herbicidas é constituído pelo 2,4-D e pelo 2,4,5-T. Estes compostos produzem neurite periférica e também um quadro diabetiforme com glicemia alta e glicosúria no homem. O 2,4,5-T apresenta uma impureza extremamente tóxica, a dioxina TCDD, responsável por lesões teratológicas e por morte fetal.

Estes herbicidas (2,4-D e 2,4,5-T) foram aplicados no percurso da linha de transmissão de energia elétrica que vai desde Tucuruí até Barcarena (perto de Belém do Pará), passando por Marabá, Raiais, Goianésia e Tailândia. O relatório elaborado após um estudo cuidadoso do problema assinala a ocorrência de intoxicações (com neurite periférica) na população da área e também morte de animais silvestres e domésticos.

Os fungicidas do grupo dos compostos trifenil-estânicos (p. ex., Outer e Brestan) interferem com a produção dos leucocitos imunologicamente competentes e acarretam, por isso, baixa das defesas orgânicas.

Os fungicidas mercuriais orgánicos, do grupo metilmercúrico, têm sido responsáveis por surtos gravíssimos de lesões cerebrais irreversíveis, como o ocorrido no Iraque há alguns anos atrás e também na Guatemala, pela ingestão de pão preparado com farinha proveniente de sementes tratadas e que deveriam ser exclusivamente destinadas ao plantio.

Um outro fungicida, o tridemorfo (ou Calixin), acarreta atrofia testicular. O DBCP (ou Dibromocloropropano) é um nematicida, já proibido no Brasil, que produz azospermia com conseqüente esterilidade masculina.

VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA

Não há, no Brasil, nem em outros países em desenvolvimento, dados completos sobre morbidade e mortalidade por plaguicidas. Apenas são conhecidos alguns casos mais graves, ou mesmo mortais, que chegam a ser diagnosticados. No Estado do Paraná, por exemplo, em 1982, foram encontrados 1.600 casos de intoxicações por agrotóxicos, com 26 mortes. São os casos que chegaram ao conhecimento dos engenheiros agrônomos que estavam trabalhando neste setor. Os casos coletados pelo Instituto Biológico de São Paulo, no período de 1967 a 1979, também têm sido destes níveis.

Nestes três últimos anos, a Universidade Estadual de Campinas — UNICAMP — com o apoio da Secretaria de Saúde do Município, está desenvolvendo um programa de Vigilância Epidemiológica em Ecotoxicologia de praguicidas. Uma equipe agromédica visita periodicamente as propriedades agrícolas da região e também os centros de saúde, hospitais e Casas de Agricultura. Durante estas visitas, além do exame clínico dos trabalhadores expostos, é feito também um doseamento da taxa de colinesterase sangüínea, para detectar os casos subclínicos e determinar a intensidade dos casos clínicos de intoxicações por inseticidas fosforados orgânicos. Já foram examinados mais de 3.000 trabalhadores agrícolas e encontramos 19% de casos de intoxicação, incluindo os leves, médios e graves. Em outras palavras, em cada cinco a seis pessoas examinadas, temos encontrado um indivíduo intoxicado ou, pelo menos, já com lesão bioquímica indicando um caso subclínico.

No centro do Rio Grande do Sul, na região de Santa Rosa, um engenheiro agrônomo de alto dinamismo está desenvolvendo um programa semelhante e está encontrando cerca de 24% de indivíduos intoxicados; isto é, um resultado bastante semelhante ao nosso.

Programas semelhantes de vigilância epidemiológica de trabalhadores agrícolas expostos a pesticidas estão começando em várias outras regiões; por exemplo, no Vale do Ribeira, no Estado de São Paulo, com o apoio da Secretaria da Saúde do Estado, e também em Belo Horizonte, com a coordenação do Departamento de Medicina do Trabalho da Universidade Federal de Minas Gerais.

É interessante notar que, quando recebemos a informação de um caso de intoxicação e vamos à propriedade agrícola onde ocorreu, encontramos lá outros casos que não haviam, ainda, sido diagnosticados; são os chamados "contactados", isto é, indivíduos que estavam trabalhando junto com a pessoa que se intoxicou, ou que estavam indiretamente expostos a agrotóxicos.

A confirmação do diagnóstico, no caso de intoxicações por inseticidas fosforados orgânicos, é feita pelo doseamento do teor da colinesterase do sangue total, em condições de campo, pelo método de Edson, com o comparador colorimétrico de Lovibond. É este um método muito prático que utiliza apenas uma gota de sangue obtida por punção digital.

RESÍDUOS NO HOMEM

Com o uso amplo e excessivo de DDT desde a década de 40, seus resíduos persistentes no solo foram sendo transferidos para as plantas e para o homem, que está no fim da cadeia alimentar. Atualmente, todos nós temos DDT armazenado no tecido adiposo e circulando no sangue periférico. As crianças já nascem com DDT que receberam através da placenta. Em seguida, ingerem mais DDT que contamina também o leite materno.

Nos países chamados desenvolvidos, o uso do DDT e de outros praguicidas clorados orgânicos poluidores ambientais tem sido bastante diminuído e mesmo proibido nestes últimos 20 anos. Em conseqüência, os resíduos no tecido adiposo, no sangue e no leite humano foram diminuindo gradativamente. Os últimos trabalhos indicam que o leite humano, nestes países, apresenta resíduo de DDT comparável ao máximo permitido em leite de vaca pela OMS e pela FAO.

Ao contrário, nos países em desenvolvimento, o uso abusivo do DDT e de outros poluentes ambientais tem continuado, sem quaisquer medidas eficientes para seu controle. Como reflexo desta situação, o nível de DDT no leite materno continua bastante alto. Trabalhos efetuados em muitos países da América Latina têm demonstrado claramente este triste quadro. Também no Brasil, o teor de DDT no leite materno é cerca de quatro vezes mais elevado do que o máximo permitido no leite de vaca, conforme trabalho recentemente efetuado no Instituto Adolfo Lutz da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo.

As atividades dos laboratórios de análises do Ministério da Agricultura e também dos grandes frigoríficos no Brasil cooperam para diminuir os resíduos de praguicidas clorados orgânicos na. população dos países importadores; porém nada de eficiente é feito para reduzir os altos níveis de resíduos de pesticidas na população brasileira.

APLICADORES HABILITADOS

Todos os aplicadores de pesticidas em campanhas de Saúde Pública são bem treinados e estão, realmente, habilitados para as tarefas que executam com cuidado e eficiência.

É de fundamental importância iniciar um programa semelhante, para os trabalhadores agrícolas, de modo a dar-lhes um treinamento prévio, formando os "aplicadores certificados" ou "aplicadores habilitados", que irão pulverizar os agrotóxicos de modo correto, evitando os acidentes e a contaminação dos alimentos.

Cerca de 600 mil dólares foram dados pelo Banco Mundial ao Ministério do Trabalho do Brasil, com a finalidade de executar um programa para a formação de aplicadores de agrotóxicos. A FUNDACENTRO é responsável pela estruturação e execução deste programa e conta com o apoio e cooperação da EMBRATER, das EMATERs de vários Estados e da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral — CATI — no Estado de São Paulo. Esperamos que este programa seja bem executado e que dele resulte a formação de um número suficiente de "aplicadores habilitados" que serão os responsáveis pelo uso seguro e eficiente dos agrotóxicos no país, evitando a ocorrência dos casos de intoxicação por estes biocidas.

Para o desenvolvimento agrícola do país sem riscos de intoxicação dos trabalhadores nem da população em geral é indispensável que as pragas da lavoura sejam combatidas pelo sistema de controle integrado. Os agrotóxicos devem ficar para situações em que não existam outros meios menos perigosos; devem eles ser prescritos por engenheiros-agrônomos fitossanitaristas (após visita à cultura e diagnóstico do problema) e manipulados, diluídos e aplicados unicamente por trabalhadores bem treinados, periodicamente atualizados e credenciados como Aplicadores Habilitados.

JOSÉ FIÚZA

Inicialmente nós, em nome da SUCAM, queremos agradecer à Escola Nacional de Saúde Pública e a seu Centro de Estudos por nos terem convidado para participar dessa reunião, o que é para nós mais uma oportunidade de colocar claramente e esclarecer, na medida do possível, a participação da SUCAM nos programas de saúde pública e o uso de inseticidas. Porque, nos últimos meses, o que mais temos feito é explicar por que a SUCAM usa em saúde pública HBC e DDT, quando esses produtos estão proibidos em agricultura. E isso tem causado graves problemas para os programas em alguns Estados, com recusas de se fazer a borrifação, principalmente no que se refere ao BHC. Há uns dois ou três anos atrás, nos questionavam sobre a existência de 50% de área considerada chagásica — com transmissão da doença de Chagas — concluindo que a SUGAM e o Ministério da Saúde não faziam absolutamente nada; éramos criticados por não fazer e agora somos também criticados por fazer. É uma situação um pouco difícil, mas vou tentar dar aqui alguns esclarecimentos. Cabe dar uma informação muito básica a respeito do problema, e pretendo me centrar mais na doença de Chagas — isso poderia valer também para a malária, porque, no controle dos vetores da malária, nós usamos o DDT intradomiciliarmente. A doença de Chagas, todos nós sabemos, foi descoberta no início do século por um cientista brasileiro e, ao longo dos anos e das décadas, esteve relegada a um plano secundário em termos de atenção, em termos de preocupação das autoridades médicas, ou das autoridades sanitárias. Na maioria das vezes, o discurso de prioridade, na prática, não representava uma ação concreta em termos de execução de uma ação de controle. A partir praticamente da década de 50, se começou, de uma forma regular, o controle da doença de Chagas no país, numa área bastante restrita, em tomo de 50% daquela área que era considerada chagásica. Ao longo desse tempo, alguns inquéritos foram feitos — por exemplo, o inquérito que permitiu dar a dimensão do problema da doença de Chagas — e temos hoje uma estimativa de cerca de 5 milhões de pessoas infectadas. Em termos de óbitos, em números absolutos, temos registrados — isso seguramente não representa a totalidade — mais de 5 mil óbitos em 82, por doença de Chagas, no país. Provavelmente o sub-registro deve ser bastante alto, e esse número deve ser bem maior. A partir do ano passado, de 1982 mais propriamente, o Ministério da Saúde começou a receber recursos oriundos do Finsocial, para expandir o programa de controle da doença de Chagas em todo o país, o que começou a ser feito em 1983, e hoje nós trabalhamos em toda a área conhecida e considerada como transmissora da doença de Chagas — em 17 Estados, abrangendo 2 mil municípios. Historicamente, o trabalho de controle da doença de Chagas no país, desde a década de 50, é feito, como eu disse anteriormente, de forma não seqüencial ao longo do tempo. Os órgãos de saúde pública vêm usando, há mais de 30 anos, o BHC como inseticida, no controle do vetor. E por que se vem usando o BHC? Algumas coisas são fundamentais: nós, até hoje, não dispomos de uma vacina para fazer a prevenção da doença de Chagas; não dispomos de um medicamento eficaz, que possa curar o doente chagásico — podemos tratar a doença de Chagas, naqueles casos na fase aguda, sob rigoroso controle hospitalar. Então a alternativa que nos resta, e é o que vem sendo feito, é o uso do inseticida intradomiciliar. Foge também do setor saúde uma questão que é importante, eu diria mesmo fundamental, mas que, isoladamente, também não é a solução, que é a melhoria habitacional. O atual Secretário de Saúde de Minas Gerais, em determinado momento, dizia que o problema da doença de Chagas no Brasil se resolveria com o BNH e não com o BHC. Na verdade, hoje isso também dá para se contestar um pouco. O fato da crise que os mutuários do BNH atravessam; provavelmente o BNH hoje também não resolveria. Então, esses são alguns elementos, para colocar de uma forma muito simples e muito rápida o porquê do uso do BHC. Também cabe uma questão que o Professor Waldemar anteriormente colocou: a diferenciação entre o uso na agricultura e o uso na saúde pública. São duas coisas completamente diferentes. Temos tido vários problemas, em alguns Estados, e vários desses problemas partindo, muitas vezes, de um desconhecimento, eu diria até de órgãos como a EMATER, fundamentalmente. Temos problemas, tanto é que, no Rio Grande do Sul, hoje, em cerca de 40 municípios, o trabalho de controle da doença de Chagas está parado, há transmissão, e as novas pessoas infectadas continuam morrendo. A pergunta que cabe é: de quem é a responsabilidade desses novos casos, dessas novas pessoas infectadas naquele Estado? Toda a rejeição foi orientada através de uma informação que, eu diria, é dada pela metade à comunidade, fundamentalmente pelo pessoal da EMATER e de grupos de ecologia, de preservação da natureza, mas que não estão se preocupando em preservar a saúde da população, com essa restrição ao uso do BHC. Porque o raciocínio aparentemente seria lógico: se é proibido na agricultura, como pode ser usado em saúde pública? Evidentemente a proibição na agricultura se dá pelo fato que todos nós sabemos que a grande massa de intoxicação por inseticidas é através da contaminação de alimentos, através da ingestão. Vamos examinar isso ainda mais: fora de intoxicação por uso na agricultura, nós temos, por exemplo, um dado recente, que é do Rio Grande do Sul, onde este ano há casos registrados, sete óbitos por ingestão, como suicício, de um dos inseticidas apresentados aqui, um raticida. Isso é um dado importantíssimo para diferenciar o uso. Em saúde pública, o uso que se faz é intradomiciliar, não existe risco de contaminação ambiental, o pessoal que aplica é treinado, diferentemente do uso na agricultura. Então, todos esses dados e essa massa de informação que existe hoje, e a discussão muitas vezes feita num clima totalmente ou predominantemente emocional, em que a voz razão fica relegada ao segundo plano, é muito difícil tentar colocar algumas questões que são do conhecimento científico. São coisas que conhecemos de uma forma bastante aprofundada, e essa argumentação cai por terra quando se cria um clima através inclusive, algumas vezes, de interesses. Eu acho que esse é outro aspecto importante, interesses que existem por trás, em determinados momentos, na substituição de alguns inseticidas, no caso o BHC e o DDT, que são inseticidas de fácil fabricação. Por exemplo, hoje temos de importar DDT, porque o seu uso foi proibido na agricultura — não sou eu a pessoa para falar se foi correta ou não a sua proibição. O fato é que isso levou, em decorrência, à paralisação de produção de DDT no Brasil, e assim temos de importar DDT, poique até o momento não existe um inseticida com as especificações para uso no controle da malária; e corremos o risco de, amanhã ou depois, também fechar a única fábrica de produtos BHC para o controle de Chagas no Brasil, e conseqüentemente vamos ter de importar, ou vamos ter de comprar sucedâneos do BHC, com um custo muito mais elevado. Portanto, essas considerações são muito importantes na hora de se decidir. Evidentemente que todos esses inseticidas — e a SUCAM está trabalhando em termos de ter inseticidas alternativos, tanto para doença de Chagas, como para malária — apresentam um risco à saúde daqueles que aplicam e dos residentes. Todos eles têm um grau. Agora, temos que balancear entre o risco do uso do inseticida e o risco da transmissão da doença. Para se ter uma idéia, somente em relação à malária, tivemos registrados no ano passado, no Brasil, e 99% desses casos localizados na região amazônica, mais de 300 mil casos de malária. Com todos aqueles mesmos problemas que existem em relação à doença de Chagas: não temos uma vacina, temos problemas de resistência à cloroquina, que é um dos principais medicamentos utilizados no tratamento da malária, e com uma série de problemas ainda de ordem operacional. Então, acho que é importante nós participarmos de uma reunião, ouvirmos opiniões. Nós, da SUCAM, de maneira alguma nos consideramos os donos da verdade em relação a isso; procuramos, através de debates — não temos nunca nos furtado de participar — clarear essas coisas e explicar esse aspecto, essa diferenciação fundamental do uso em saúde pública, como vem sendo feito ao longo dos anos, e do uso na agricultura. Nós não consideramos, no uso em saúde pública, esses inseticidas como agrotóxicos. Pode ser tóxico para o vetor, isso é a sua função principal, mas na verdade essa postura tem causado transtornos como esses que eu relatei. Eu gostaria de citar um episódio que ocorreu há uns dois meses atrás, em Minas Gerais: uma manchete no jornal dizia que o BHC teria sido a causa de quatro óbitos registrados no interior, por borrifação daqueles domicílios. No momento em que se fez a investigação de como ocorreram aqueles óbitos, verificou-se que as pessoas teriam morrido não com o diagnóstico final, mas provavelmente por intoxicação por organofosforados no uso na agricultura, na produção de algodão, e que os óbitos ocorreram do mês de maio a outubro do ano passado, enquanto o trabalho da SUCAM com BHC, naquela região, havia começado em novembro, ou seja, o trabalho começou posteriormente aos óbitos; mas, no jornal, os óbitos foram imputados ao BHC utilizado pela SUCAM na borrifação intradomiciliar. Vários desses episódios têm ocorrido, e é interessante, é uma coincidência, ocorrem parece que de uma forma bastante simultânea. Em vários Estados, ocorre quase que concomitantemente esse tipo de coisa. Sem querer ver fantasmas, isso nos faz pensar. Participei de uma reunião, na semana passada, promovida pela EMATER, no Distrito Federal, não como convidado, mas como ouvinte, e qual não foi a minha surpresa vendo o programa em que se discutia o problema de agrotóxicos, e que tinha inclusive a presença de um Professor que na verdade introduziu o Centro de Informação Toxicológica lá no Rio Grande do Sul, e que hoje existe em vários Estados, em várias cidades do país. Em determinado momento, um representante — aliás, apareceram dois; um dia apareceu um de um laboratório produtor de inseticida que não estava no programa. Ele apareceu de uma hora para a outra, fazendo marketing, e é interessante o método utilizado, porque apresentava a posição da fábrica, os cuidados, o controle de qualidade, depois dava uma informação técnica. E o representante da outra indústria, da mesma forma. Eu presenciei a participação de um deles, e não estava no programa; ele entrou depois de o programa estar definido. Então, acho que esta questão tem de ser examinada: a pressão que existe para a troca por inseticidas que usem uma tecnologia mais desenvolvida, substituindo os de tecnologia de fácil fabricação, como é o caso do DDT e do BHC. Eu não faço aqui a defesa deles, tanto é que nós estamos usando em algumas áreas outro inseticida — o piretróide — que no início os próprios vendedores diziam que era totalmente inócuo. Quando fomos aplicar no programa de Chagas, quase desistimos, porque os problemas que ocorreram em relação aos aplicadores foram graves, de forma aguda, inclusive com sangramento nasal nos aplicadores da SUCAM. Então a coisa não é bem assim. Agora estou tendo informações — que não existiam anteriormente — de outros efeitos colaterais que os piretróides podem causar. Esse clima de irracionalidade nos remete a uma outra questão, para finalizar: temos já um conhecimento de 25, 30 anos com o uso desses inseticidas. Esses novos são muito recentes, e querer-se, de uma hora para a outra, abandonar alguma coisa de que se tem um conhecimento adequado, não existindo problema de resistência ao inseticida, por outro que tem uma tecnologia muito mais sofisticada, várias vezes mais caro, com o risco muito grande que corremos de ficar sem aquele primeiro e de não poder usar o seguinte, pelo seu alto custo em termos de saúde pública. Eu acredito que são idéias, quem sabe colocadas de uma forma não-metodológica, mas que, mais adiante, poderão dar origem a mais discussões. Muito obrigado.

CLÁUDIO MAGALHÃES

Em primeiro lugar, eu queria agradecer ao convite formulado à EMBRATER para participar desse debate, e apresentar as excusas do Dr. Glauco Olinger, presidente da nossa empresa, que hoje tinha um compromisso já assumido na Câmara dos Deputados, em Brasília, onde está se desenvolvendo um semimário sobre política agrícola. Eu vou representá-lo, dizendo o que é a EMBRATER e como age a EMBRATER, dentro desse enfoque dos agrotóxicos, dos defensivos agrícolas ou produtos fitossanitários, como queiram chamar, acho que o nome aqui não é importante. O importante é saber usá-los adequadamente. A EMBRATER é uma empresa pública, vinculada ao Ministério da Agricultura, que tem por objetivo coordenar o serviço de assistência técnica e extensão rural no país. Essa coordenação é feita através das suas associadas em todos os Estados: as Ematers, as Asters, nos territórios, e a Cati, em São Paulo. A nossa força de trabalho, hoje, de técnicos no campo está ao redor de 9.800 técnicos, diretamente ligados ao produtor, e em 3.166 escritórios distribuídos nos municípios. Por essa mesma razão é que, dentro desse enfoque dos produtos fitossanitários, ou agrotóxicos, nós estamos conscientes da responsabilidade que o serviço de extensão rural tem, porque está na linha de frente, está junto com o produtor, junto com o usuário. Então este é o trabalho feito diretamente com o produtor, e a nossa preocupação é exatamente em capacitar esses técnicos, porque o problema vem se desenvolvendo bastante. Fui extensionista durante 11 anos, trabalhei na região de Santa Rosa, citada aqui pelo Dr. Waldemar. Em 1968, com pequenos e médios produtores, cheguei numa lavoura de soja, totalmente perdida pelo ataque de lagarta, e perguntei ao produtor se ele não tinha visto, não tinha tomado providências. Ele havia perdido a lavoura, e disse: não, doutor, eu chamei um benzedor e ele benzeu a lavoura, mas não funcionou. Então ele perdeu a lavoura por causa disso. Depois, passados alguns anos, em 1973, eu estava exercendo as funções de extensionista no oeste do Paraná, na grande expansão da soja, quando o preço da soja estava muito alto, havia uma euforia muito grande, o crédito agrícola favorecia o uso de insumos. Havia, nessa época, um uso, abusivo até, de defensivos. Nesse momento, produtores que eu assistia diziam: doutor, o senhor vai visitar a minha lavoura, porque, se o senhor encontrar um percevejo na minha lavoura de soja, eu lhe dou 100 cruzeiros — no tempo em que 100 cruzeiros valiam dinheiro. Aí vocês vêem, são dois extremos entre duas situações: aquele produtor que, numa época, simplesmente perdia a lavoura, por não utilizar nenhum tipo de insumo para controlar o ataque de pragas, e, outro, numa época em que havia crédito subsidiado, o preço da lavoura compensava uma aplicação preventiva, e os produtores a faziam. Então era status para o produtor, na época, fazer aplicações preventivas de defensivos, utilizando-os. Era com orgulho que ele dizia não haver nenhum inseto na lavoura. Dessa maneira, chegou-se a um nível de exagero, provocando todo o tipo de problemas, dos quais hoje, felizmente, a sociedade como um todo está consciente, estando os técnicos também preocupados com isso. De lá para cá, então, vem havendo uma evolução, no sentido de substituição ou diminuição desses produtos. Eu pessoalmente acho que nós temos que ficar no meio termo: nem dizer que não se use nenhum tipo de agrotóxico, nem aconselhar o uso indiscriminado, totalmente preventivo. A nossa preocupação no momento, de uns anos para cá, tem sido em capacitar os nossos técnicos, mesmo porque, nos próprios currículos das Faculdades de Agronomia, dava-se ênfase ao controle químico, e hoje já existe essa conscientização, e estamos dando ênfase ao controle integrado de pragas, ao controle biológico, ao controle cultural, ao controle genético e à receita, para que o extensionista recomende o inseticida somente no momento em que a praga, ou a doença, ou a erva daninha atinja um nível de dano econômico, em que realmente a partir dali, se não houver um combate, um controle, haverá prejuízo para o produtor. Então, é dentro desse enfoque que a extensão rural vem trabalhando e dando ênfase especial ao manejo integrado de pragas. No Rio Grande do Sul, está se desenvolvendo uma campanha com baculovírus na lavoura da soja, e lá já existe também o receituário agronômico implantado, embora ainda existam algumas distorções na aplicação da receita. Há um problema que a gente se depara na receita agronômica, porque, dentro desse universo de produtores que existe por todo o país, o número de técnicos para atendê-los ainda é reduzido, e generalizar uma receita para todo o país é quase inviável. Já existem alguns locais no Rio Grande do Sul em que o técnico fica em um escritório, à disposição dos produtores, somente para prescrever receitas de agrotóxicos. Isso é uma distorção, porque, como falou o Dr. Waldemar, a receita deve ser dada com todo o conhecimento da propriedade, com o histórico da propriedade, para saber se realmente há necessidade de aplicação de um produto ou não. O manejo integrado de pragas também não se restringe apenas à situação quando se está atacando a praga, mas é um problema que um técnico consciente, que assiste a um produtor, deve, desde o início do preparo de solo, da escolha da área, estar atento, informar ao produtor qual a melhor época de plantio, quais as variedades mais resistentes. Os produtores devem conhecer os inimigos naturais das pragas e, quando necessário realmente, atingido aquele nível de dano econômico, fazer a aplicação com todos os cuidados, preservando o meio ambiente, um produto seletivo que não vá também eliminar os inimigos naturais das pragas. Nós temos desenvolvido diversos treinamentos, um deles já foi comentado pelo Dr. Waldemar, que é o primeiro passo, que é o treinamento para os nossos gerentes de defensivos, a nível estadual. Esses gerentes foram treinados em São Paulo, junto com a FUNDACENTRO, com o CENAR e com outras entidades, e estão treinando, por sua vez, os técnicos de campo, e já para São Paulo estão sendo treinados aplicadores credenciados. Isso é um primeiro passo, então, para minimizar a utilização desses insumos, reduzindo os riscos, os acidentes de trabalho, e também orientando no uso dos equipamentos adequados. Porque, com a receita feita nos escritórios, muitas vezes o produtor não tem equipamentos adequados para fazer aquela aplicação ou para aquele produto indicado. Então, ele precisa conhecer a situação do produtor, para saber se ele pode aplicar este ou aquele inseticida. O que fazer depois com as embalagens usadas? Porque, por ignorância às vezes do próprio produtor, como muitas embalagens são atrativas, são bonitas, ele utiliza aquela embalagem até para botar água ou outro alimento dentro. Tudo isso são problemas para os quais nós estamos alertando nossos técnicos, e eles, por sua vez, estão trabalhando junto às famílias rurais nesse sentido. Esse ano ainda, no mês de dezembro, faremos um treinamento envolvendo a região centro-sul e, em janeiro, já teremos outro treinamento envolvendo a região norte-nordeste, visando capacitar, cada vez mais, nossos técnicos nesse sentido. A EMBRATER, como empresa do Ministério da Agricultura, também participou da elaboração desse anteprojeto de lei que está sendo encaminhado ao Congresso, porque a legislação que hoje existe é uma legislação de 1934, portanto com 50 anos de defasagem. Então, junto com cinco Ministérios, com cerca de 22 órgãos participantes, elaborou-se uma minuta, e depois a minuta do anteprojeto foi discutida nas cinco regiões do país, com a participação de diversas entidades, especialistas do setor, onde foram colhidas sugestões, e muitas delas foram anexadas a esse projeto. Nós acreditamos que, com essa nova legislação, muita coisa vai ser eliminada, muitos desses problemas que vêm acontecendo vão diminuir, porque, além de envolver cinco Ministérios — da Agricultura, da Saúde, da Indústria e Comércio, o Ministério do Interior, através da SEMA e o Ministério do Trabalho, na área de prevenção e riscos no trabalho — ela também responsabiliza a todos os segmentos envolvidos na produção desses insumos, desde o fabricante, o comerciante, o técnico que prescreve a receita até o usuário. Então, todos eles têm a sua responsabilidade dentro desse contexto, e nós acreditamos que isso aí vai minimizar bastante a situação que hoje existe. Em linhas gerais, era esse o comentário que eu queria fazer e deixaria tempo para debates e maiores esclarecimentos.

CELSO MEROLA JUNGER

Em primeiro lugar, gostaria de agradecer o convite para a participação da Associação de Engenheiros Agrônomos do Rio de Janeiro neste debate e tentar dar uma contribuição no sentido do nosso trabalho com legislação no Estado do Rio de Janeiro. Eu também sou engenheiro agrônomo do Ministério da Agricultura e trabalho exatamente na fiscalização da comercialização de defensivos agrícolas. Vou fazer uma análise dessa legislação de 1934 e os entraves que ela apresenta para a fiscalização. Posteriormente, vou fazer uma pequena análise do projeto de lei que foi enviado ao Congresso, segunda-feira retrasada, em regime de urgência, a nosso ver contrariando o que a população deseja atualmente. Esse projeto tem de ser profundamente discutido, porque ele, no seu bojo, traz algumas coisas incluídas que são contrárias aos interesses da Nação, inclusive. O regulamento da defesa sanitária vegetal, de 12 de abril de 1934, no seu capítulo sexto, é que trata dos defensivos agrícolas. Esse decreto é um suporte para as empresas do setor produzirem, comercializarem seus produtos. O decreto que eu citei vem sendo utilizado pelos órgãos que fazem a fiscalização durante esses 50 anos que se passaram. Ele traz sérios entraves para um trabalho sério realmente nesse setor. Ele prevê somente a fiscalização de fungicidas e inseticidas, na época não havia o herbicida. No caso dos Estados, essa fiscalização é executada pelo Ministério da Agricultura, sendo que, em alguns Estados — São Paulo, Paraná — ela é delegada pelo Ministério da Agricultura à Secretaria de Agricultura. No caso do Paraná, um dos Estados onde essa fiscalização é bastante eficiente, eles usam esse decreto, e os entraves são seriíssimos, quer dizer, no caso da fiscalização de herbicidas, quando ocorre fraude pelas firmas produtoras (isso é raro), elas nem recorrem, porque em determinado momento da discussão poderia surgir o caso dessa incapacidade da lei para julgar os herbicidas, o que não está previsto nesse decreto. Outro caso muito sério é o das multas; as multas são irrisórias, os valores são de 1934, corrigidos, e elas variam de um centavo a cinco cruzeiros. São coisas absurdas; para sé ter uma idéia, somente a Bayer foi multada 74 vezes, no Paraná, por problemas de concentração inadequada. No caso de um produto, o Triadimefon, é o Bayleton, um produto caríssimo, que há um ano atrás custava 30 mil cruzeiros a embalagem de um quilo, usado para combater ferrugem do trigo, principalmente naquela região do oeste paranaense, 74 vezes ela foi multada, e é muito cômodo para a empresa pagar uma multa dessas. Ela nem recorre, paga essa multa, e o Banco do Brasil, hoje, não está aceitando, porque é mais caro o formulário do que o valor pago por ela. Então, durante 50 anos, a gente ficou com uma legislação ultrapassada. Para se ter uma idéia, nós tivemos 78 portarias que tentaram complementar essa legislação, e essas portarias criam sérias dificuldades para os profissionais que trabalham na área, porque 78 portarias complementando um decreto de 1934 criam dificuldades seriíssimas para um indivíduo se capacitar, para estar atualizado. Quer dizer, você vai se deslocar para fazer uma fiscalização, tem que levar um monte de papel. Como no caso de corantes para sementes tratadas, em que tivemos cinco portarias, com intervalo de um mês aproximadamente. O Ministério da Agricultura tem sérias dificuldades para acompanhar o desenvolvimento desse setor, porque o Serviço Público Federal foi sendo esvaziado pelos baixos salários, quer dizer, os profissionais mais capacitados iam se afastando devido aos péssimos salários que eram pagos. As pessoas que foram ficando foram as mais acomodadas. Para vocês terem uma idéia, o Ministério da Agricultura, no Rio, com tanta gente desempregada, tem 42 vagas para agrônomo que não são preenchidas, pelas restrições à contratação de pessoal. Além disso, a gente sente também que existe uma defasagem muito grande. A centralização que o governo central exerceu durante esse período todo concentrou nas mãos de alguns o conhecimento sobre agrotóxicos, de tal forma que hoje nós temos pouquíssimas pessoas que realmente conhecem o assunto. Então, sentimos que os próprios profissionais da área, os engenheiros agrônomos, ficaram altamente defasados. Eu me lembro de uma época, na Faculdade, em que um professor passou um trabalho sobre, defensivos agrícolas, em que você tinha que fazer pesquisas sobre determinados princípios ativos. Foi uma dificuldade enorme para se conseguir fazer esse trabalho, de tal forma que somente um pequeno grupo conseguiu fazê-lo, porque não tínhamos como chegar a esses dados, visto o Ministério centralizar isso nas mãos de alguns, ou seja, ele editava alguns boletins, mas de circulação restrita, e com um emaranhado de dados enorme, com dificuldades de análise e tudo. Essa centralização somente favorece os interesses dos grupos que se estabeleceram no país e que têm alta lucratividade com isso. Bom, esse decreto levou 50 anos para ser mudado. Com esse anteprojeto que foi agora para o Congresso — 50 anos se passaram e não se fez nada, e, de uma hora para a outra, uma legislação é preparada e é enviada com urgência ao Congresso Nacional. A nosso ver, o interesse principal dessa legislação é coibir, prejudicar o trabalho que, nos Estados, tem sido feito no sentido de se ter legislação estadual para se trabalhar nesse assunto. O Brasil é um país extremamente grande, e achamos que cada Estado deveria ter, pelo menos naquele caso em que a Constituição permite — no seu artigo oitavo, a Constituição permite que o Estado legisle para o bem-estar da saúde da sua população. Fizemos uma pequena análise desse anteprojeto — infelizmente eu tinha uma versão antiga, não a atual, mas a versão de 20 de agosto. Porque esse projeto foi sendo elaborado e foi sendo mudado aos poucos, em função de uma pressão da comunidade organizada, dos grupos ecológicos, associações dos engenheiros agrônomos, o próprio pessoal que trabalha com toxicologia, o Dr. Waldemar, entre outras pessoas. Então, ele foi sendo adaptado a uma realidade, mas a gente sente que, ainda, no fundo, ele tem muitas coisas que a gente não gostaria que contivesse. No seu artigo primeiro, ele invalida o esforço dos Estados, através da legislação estadual, de lidar com o assunto — ele diz que é de exclusividade do Governo Federal legislar nessa área. No seu artigo terceiro, no item tal, todas as autorizações, da produção ao uso, ficam privativas dos órgãos federais — a nosso ver, os Estados têm o direito de estabelecer legislação supletiva e complementar. O artigo oitavo da Constituição prevê isso. Dessa maneira, vamos continuar tendo esses dados muito centralizados. No seu artigo quarto, ele é muito vago; não menciona o número de provas básicas que o indivíduo deve ter para avaliação toxicológica, etc. O Dr. Waldemar tem maiores dados sobre isso. No artigo quinto, no item primeiro, ele delega ao Ministério da Agricultura a fiscalização, desde a produção até a utilização, inclusive a autorização de uso. Bem, sou funcionário do Ministério da Agricultura, acho que posso falar das dificuldades que o Ministério da Agricultura tem para fazer isso com exatidão. O Ministério da Agricultura foi esvaziado ao longo desses anos por essa política que nós tivemos aí. Os nossos salários, hoje, estão muito baixos, não existe um programa de .capacitação profissional: temos aí uma quantidade enorme de vagas para profissionais da área, e o Ministério da Agricultura, hoje, é apenas uma capa, um invólucro. Sentimos que existem muito poucos trabalhos realmente sérios dentro do Ministério da Agricultura. Nesse mesmo artigo quinto, no item dois, compete ao Ministério da Saúde fiscalizar quanto aos aspectos de saúde pública. Quanto ao Ministério da Saúde, as pessoas aqui presentes, que são seus funcionários, podem melhor do que eu falar. O Ministério da Saúde não tem feito nada também nesse sentido. Temos visto que, no setor de fiscalização desses produtos, não se tem feito nada, e, na verdade, é o Ministério da Saúde que estabelece os padrões toxicológicos. Bom, deixo esse assunto para se pensar — acho que essa delegação ao Ministério da Saúde vai cair novamente no vazio. No artigo sexto, no seu parágrafo primeiro, vemos a burocracia que vai ser para registrar esses produtos no Governo Federal — passar por cinco Ministérios. Da mesma forma, se um desses produtos vier a ser cancelado pela comprovação de algum dado toxicológico sério para a saúde, também vai ter que passar novamente por essa burocracia de retorno. Outra coisa é o receituário agronômico: no artigo sétimo (agora deve ser o artigo oitavo) fala do receituário agronômico. Nós, como profissionais da área, durante algum tempo temos acompanhado o trabalho de implantação desse receituário agronômico. Durante muito tempo, no Rio Grande do Sul, onde começou essa discussão desde 1973. O receituário foi implantado pela Portaria 007, de 13 de janeiro de 1981, e previa o receituário para os defensivos da classe I e II. Notamos o seguinte: essa portaria não foi cumprida até hoje. Você pode comprar qualquer produto da classe I e II em qualquer loja, chegando ao absurdo de, no Rio de Janeiro, terem produtos da classe I e II à venda em supermercados, sendo esses supermercados registrados como comerciantes desses produtos. Por quê? Exatamente esse decreto de 1934 não podia prever a existência de supermercados tão grandes, como o Carrefour, lá na Barra da Tijuca, que comercializassem de tudo. Então, eles deixavam um claro dentro da legislação, e as pessoas que trabalhavam com essa burocracia não tinham discernimento bastante para coibir esse tipo de ação. No caso, também o Ministério da Saúde deveria fiscalizar isso, não permitir que se vendessem esses produtos dentro de supermercados, mas isso não ocorre. Bom, o receituário agronômico, para ser implantado realmente, precisa de uma série de medidas — por exemplo, a contratação de profissionais. Como o Dr. Cláudio falou, existe uma necessidade muito grande de profissionais da área de agronomia, capacitados realmente para trabalhar no campo, para poderem fazer o receituário de acordo com o que a ética profissional estabelece. Para fazer um receituário agronômico decente, o profissional tem de ir ao campo, olhar a propriedade como um todo, analisar profundamente, e a gente sente que isso atualmente não vem ocorrendo. As próprias cooperativas no Paraná — a cooperativa sofreu uma distorção da sua real finalidade; hoje elas são muito mais vendedoras de insumos, inclusive, elas forçavam os profissionais a ficar no escritório fazendo receita, atendendo ao agricultor que ia comprar o produto na sede. Então, o profissional tinha de ficar no escritório, fazendo receita, numa mesa. Muitas vezes forçavam o profissional — e a gente vê aí atrás a pressão do mercado de trabalho sobre esses profissionais — a fazer receita em cima de nota fiscal. Existe uma pressão muito grande desses grupos internacionais, das multinacionais principalmente, que vêem aí apenas um mercado, e, através de técnicas de marketing muito aprimoradas, elas pressionam. Qualquer cidade no interior pode ver, no horário nobre da televisão, anúncios e mais anúncios desses produtos da classe I e II sendo veiculados, produtos que só podem ser vendidos com receituário agronômico. A nosso ver, seria extremamente útil uma legislação federal moderna, eficiente, que realmente pudesse dar proteção à agricultura, com segurança para a saúde pública e para o meio ambiente. No entanto, esse anteprojeto parece ter apenas a finalidade principal de tentar eliminar as recentes legislações estaduais a respeito dos agrotóxicos.

DEBATE

Mário Aragão — ENSP

— Eu desejava fazer uma pergunta ao Dr. Waldemar. Existe uma publicação da Organização Mundial da Saúde e da Agência para o Meio-Ambiente da ONU, que fala que foram examinadas, aqui no Brasil, pessoas que haviam trabalhado como borrifadores durante mais de seis anos, e que, nesse grupo, não havia nenhuma diferença de saúde entre eles e pessoas que nunca tinham mexido com inseticidas. A pergunta que eu quero fazer é a seguinte: se ele sabe quem fez esse exame e em que pessoal foi feito esse exame — se no pessoal da SUCAM, da SUCEN... Acho que no pessoal da SUCAM não foi, porque já perguntei ao Dr. Pedro Tauil e ele disse que não sabia disso.

Waldemar de Almeida — UNICAMP

— Durante 12 anos (de 1967 a 1979), nós acompanhamos trabalhadores agrícolas que borrifavam inseticidas e outros pesticidas agrícolas e encontramos muitos casos de intoxicação. Seguramente temos mais de 1.500 casos de intoxicação por ano, variando entre 25 a 30 mortes anuais. Na área de saúde pública, seguimos, durante seis anos, o pessoal da SUCEN e da SUCAM, que aplicava DDT. Examinamos cerca de 300 borrifadores de DDT e 600 testemunhas. Encontramos cerca de 0,8 a 0,9 ppm de DDT no sangue dos aplicadores e 0,3 ppm nas pessoas dos grupos-testemunhas. Não encontramos sintomas clínicos relacionados com a aplicacão do DDT em nenhuma das pessoas que estavam trabalhando com este inseticida. Alguns trabalhadores da SUCAM e da SUCEN, no início dos trabalhos, às vezes têm uma dermatite, uma irritação, alguns problemas assim de hipersensibilidade ao DDT. Estas pessoas são transferidas para trabalhos em que não lidam com inseticidas. Por conseguinte, o pessoal que trabalha em saúde pública aplicando DDT, no Brasil, não apresenta sintomas clínicos de intoxicação. Ao contrário, na Venezuela, com a aplicação de Dialdrin no combate à Chagas, houve numerosos casos de intoxicação por este inseticida clorado altamente tóxico.

Mário Aragão — ENSP

— Há pouco tempo, numa reunião que houve aqui, na Câmara Municipal, um rapaz, que eu tenho impressão até que era médico, de Campinas, contou que estavam fazendo uma triagem para detectar resíduos em alimentos, utilizando Drosophilas. O senhor está a par disso e podia dar um pouco mais de detalhes, porque me pareceu uma coisa interessantíssima por causa do preço do exame.

Waldemar de Almeida — UNICAMP

— Realmente, se formos fazer análise de resíduos de pesticidas em alimentos, precisamos de um cromatógrafo de fase gasosa, com detector de captura de elétron e solventes de alta pureza. Uma análise custa hoje, só de solventes, cerca de 100 mil cruzeiros. O Dr. Durval de Mello, do Instituto Biológico de São Paulo, esteve na Dinamarca, na Universidade de Copenhague, durante seis meses, e lá ele viu estas provas biológicas com Drosophilas, que são tão sensíveis quanto um cromatógrafo. Faz-se uma extração do material, seja de uma fruta, de uma verdura, ou mesmo de um conteúdo gástrico, ou do fígado, em caso de um acidente mortal, seja de animal ou do homem. Este extrato é colocado num papel de filtro e secado. Em seguida, coloca-se o papel de filtro num tubinho de vidro e, dentro, cerca de 20 Drosophilas de um a três dias de idade. Essas moscas morrem quando há inseticidas e são sensíveis a uma série grande de produtos e tão sensíveis quanto o cromatógrafo. Elas apenas não dizem qual é o inseticida. Está hoje adaptado, em São Paulo, este sistema de monitoramento. Assim, colhem-se as amostras de verduras e frutas na CEAGESP; estas amostras são extraídas rapidamente com um solvente muito mais barato que os solventes "nanogrades" e colocadas em contato com as Drosophilas. Naqueles casos em que há morte de Drosophilas, é feita a cromatografia de fase gasosa. Este sistema é muito mais barato e também eficiente.

Mauro Marsochi — FIOCRUZ

— Eu queria fazer um ligeiro comentário. Nós trabalhamos, no Paraná, no início da década de 70, numa época de grande desenvolvimento agrícola, como se relatou, onde predominavam as lavouras de soja e algodão, em que a quantidade de organoclorados usados nessas lavouras era extremamente grande. Então, era uma época em que se respirava, se bebia, se ingeria inseticidas organoclorados. Concomitantemente, nessa época, um número muito grande de carcinoma hepato-celular foi identificado no norte do Paraná; nós, então, organizamos um grupo de pesquisa de saúde ocupacional, para chamar atenção. Primeiro, para denunciar o uso excessivo, o uso indevido de inseticidas nessas lavouras e chamar a atenção para um problema que continua até o presente momento questionável. Mas acontece que o número de casos de carcinoma hepato-celular era extremamente grande, comparado a outras regiões no país. Bem, essas discussões iniciais redundaram numa revisão que foi publicada e republicada, a pedidos, inclusive pela revista da FUNDACENTRO, do Instituto Nacional do Câncer, em que se relatava a série de contribuições que existia na época, enaltecendo inclusive o trabalho pioneiro do Professor Waldemar, em relação à divulgação dos problemas. Ora, mais de uma década depois, o que me surpreende é o desconhecimento ainda grande que paira, do ponto de vista técnico, em relação aos organoclorados. As recentes denúncias de intoxicação da comunidade por inseticidas organoclorados utilizados pelos órgãos de saúde pública são um fato recente, e nos deixou alarmados a passividade da SUCAM e do Ministério da Saúde em não propiciar um esclarecimento à comunidade. Então, a sugestão que eu faço é que o Ministério assuma uma posição de esclarecimento da opinião pública, ainda mais pelas dificuldades por que passa o país, porque os únicos inseticidas que têm realmente ação, e de baixo custo, ainda são os organoclorados, que, usados de forma correta em saúde pública, são a única alternativa, a única solução para os graves problemas de doenças endêmicas que assolam o nosso país. Um recente caso de controle efetivo foi o que a regional da SUCAM implantou no Rio de Janeiro, no controle da leishmaniose visceral humana. Não fosse uma atuação eficiente da SUCAM, um surto de grandes proporções de leishmaniose visceral humana teria assolado o município do Rio de Janeiro, e graças ao uso do inseticida organoclorado é que esse grupo pôde ser controlado.

José Fiúza — SUCAM

— Eu estou de acordo. Isso, na verdade, não deixa de ser um vício de quem é sanitarista, de quem trabalha em saúde pública. Geralmente o trabalho do sanitarista é bastante anônimo, não se procura divulgar nas campanhas a necessidade de uso de organoclorados nesses programas. Acho que faz parte da estrutura do sanitarista brasileiro, pelo menos. Por outro lado, a forma como essas campanhas são realizadas induz a esse tipo de coisa. Aqui eu faço uma crítica aos chamados programas verticais. A coisa é feita mais em termos de arrastão. Isso eu já tive oportunidade de dizer em várias reuniões. Quem sabe a SUCAM tem um pouco de culpa em não divulgar mais, não falar mais a respeito da importância que tem o uso desses inseticidas. Estou de acordo que há necessidade de se fazer, mas muitas vezes não se tem espaço. O Ministério da Saúde não tem como comprar espaço através das agências de divulgação e das rádios e televisões. O que temos, às vezes, é algum espaço oficial. Por exemplo, a incompreensão é tão grande que, quando se lançou a expansão do combate à doença de Chagas, recebemos uma crítica muito grande de um deputado do Rio Grande do Sul, dizendo que era um absurdo o Ministério da Saúde estar gastando dinheiro comprando inseticida, viabilizando uma indústria. Ele dizia até que o Ministério provavelmente estaria associado com essa indústria que produz BHC para jogar inseticida lá no Rio Grande do Sul, onde não existia a transmissão da doença. Além de toda a incompreensão e o desconhecimento do problema que também, quem sabe, faz parte da nossa estrutura.

Volnei Câmara — UFRJ

— Eu estava prestando atenção à explanação do Dr. Cláudio, e ele citou o exemplo de um produtor que recebeu um crédito subsidiado — crédito rural — e fez aplicação de defensivo agrícola. Então, pensando nisso, gostaria de fazer uma pergunta aos participantes da mesa. Eu andei — por causa de um estudo, de uma tese de doutoramento — estudando o crédito rural e a relação com a aplicação de uso de defensivos agrícolas. Assim, fiz uma coletânea das resoluções do Banco Central até 1983. O produtor agrícola que consegue o financiamento, o crédito subsidiado, o crédito rural, é obrigado a usar parte desse financiamento comprando defensivos agrícolas e adubos. Eu tenho essa legislação do Banco Central, até 1983, essas resoluções que dizem isso. Mas eu não tenho informações de como é que está agora. Gostaria de perguntar a alguém da mesa se sabe se essa prática continua existindo, ou seja, se todo produtor, para receber o dinheiro do crédito agrícola, seria obrigado a comprar o defensivo agrícola.

Cláudio Marques Magalhães — EMBRATER

— É, realmente a sua pergunta é muito interessante, e o crédito rural, nesse período que você estudou, foi um dos incentivadores do uso de insumos, principalmente de agrotóxicos. A própria extensão rural, dentro do contexto da política que se desenvolvia, embarcou nessa canoa. Hoje, felizmente, há dois parâmetros que limitam esse uso: em primeiro lugar, porque o crédito rural não é mais subsidiado; hoje, o crédito rural é a juros de mercado e isso aí está diminuindo muito a procura do crédito. Em segundo lugar, porque esses insumos estão altamente caros e aumentam muito o custo de produção. Então, por esses dois motivos, hoje o produtor procura fugir do crédito rural, porque ele está pagando taxas de mercado. Em terceiro lugar, porque ele procura também evitar o uso indiscriminado, como havia naquela época que eu citei, em que eles faziam aplicações preventivas, porque ele sabe que aquilo ali vai incidir no custo de sua lavoura, Então, procura sempre utilizar métodos biológicos, métodos culturais, outras formas de controle, evitando ao máximo o uso desses insumos. Por isso, nesse momento, a queda do subsídio é benéfica nesse sentido.

Waldemar de Almeida — UNICAMP

— Uma palavra só, para relatar as barbaridades feitas no passado a esse respeito. Por exemplo: há cerca de 15 anos atrás, no Rio Grande do Sul, para haver um subsídio de crédito rural, as pessoas que trabalhavam com trigo eram obrigadas a tratar as sementes com fungicida mercurial orgânico. Depois vimos quantos problemas trouxe este fungicida que acarreta lesões cerebrais. Estas sementes de trigo não eram plantadas logo, quando não germinavam, eram consideradas "grãos" e usadas para fazer farinha. Quanto problema houve! Aos agrônomos do Banco do Brasil cumpria verificar se realmente as sementes estavam tratadas com fungicidas mercuriais. Foi, realmente, um período lamentável, de uso de um produto extremamente perigoso para o homem.

Celso Merola — Associação dos Engenheiros Agrônomos do Rio de Janeiro

— Uma complementação: em 1980, fiz concurso para a EMATER — Paraná, fui contratado exatamente para acompanhar o PROAGRO, o feijão da seca, o famoso feijão do Delfim, que em 1980 todo mundo plantou a crédito subsidiado, a juros baixíssimos, e praticamente não deu nada de feijão — feijão plantado em junho. Uma das recomendações feitas pelas pessoas que nos orientaram na época era de acompanharmos o produtor e ver se ele tinha usado todo o inseticida que ele tinha sido obrigado a comprar no ato do custeio, porque ele pegava o dinheiro e esse dinheiro era repassado diretamente ao comerciante, no caso dessa parte dos insumos. Então, você tinha que especificar no laudo se ele tinha usado ou não o produto — se ele não fosse usado, a gente descontava o valor do que ele ia receber de ressarcimento.

Pedro Monteiro Gondim — Fundação SESP

— Sabemos realmente que o BHC é o produto de eleição para o combate ao vetor da doença de Chagas. Então, nossa primeira pergunta seria no seguinte sentido: se o fato de estarmos usando BHC há longos anos não traz alguma preocupação à SUCAM, de que possa haver o desenvolvimento de resistência nesses nossos vetores, existentes no Brasil, da mesma maneira que ocorreu na Venezuela com o Rhodnius prolixus, que eles depois tiveram que mudar para o Dieldrin, e atualmente eu nem sei o que é que eles estão usando.

José Fiúza — SUCAM

— Bem, nós já concluímos um estudo em relação ao piretróide, que se mostrou altamente eficaz em comparação ao BHC, inclusive com uma ação, um efeito residual bem maior, e continuamos com outras pesquisas. Está presente aqui o Professor Gilbert, que nos tem assessorado na tentativa de trabalhar com inseticidas alternativos, não só com vistas à questão de resistência, mas também com vistas a alternativas em termos de preço, porque, se nós tivermos no mercado dois, três ou quatro inseticidas, teremos uma concorrência em termos de preço. Então, isso permite-nos escolher o inseticida mais adequado, tendo pesquisas em andamento. Já temos uma concluída em relação ao piretróide, e estamos desenvolvendo outra, com organofosforado associado a partículas de lenta liberação — PVC — no sentido de viabilizar, porque organofosforados têm uma ação residual muito reduzida. Então é um trabalho que está em andamento, também.

Debatedor não identificado

— Na área agrícola, por que até hoje não foi regulamentado o decreto que instituiu a aviação agrícola?

Mário Aragão — ENSP

— Quando fizemos o manual que a SUCAM teve a bondade de editar — o "Praguicidas em Saúde Pública" —, nós andamos vendo essas coisas, e há legislação sobre isso: só pode dirigir avião agrícola quem tiver aquele curso de Ipanema, daquela Escola de Mecanização Agrícola de São Paulo; assim, eu não sei se existe qualquer coisa que não seja regulamentada. Pelo menos, nosso manual fala que tem de ser piloto formado por essa escola.

Waldemar de Almeida — UNICAMP

— Realmente, os pilotos agrícolas são aplicadores habilitados, muito bem treinados. Infelizmente, a legislação é omissa e não especifica os limites de segurança para borrifar. Por exemplo: poder-se-ia borrifar algodoais que estão em volta de hospitais, perto de casas, perto de nascentes de rio. No caso do "bicudo" do algodoeiro, em 1983, em Campinas, o Ministério da Agricultura, intempestivamente, quis aplicar inseticidas com helicópteros em algodoais pequenos e junto a casas, chácaras, hortas e hospitais universitários.

Mário Aragão — ENSP

— Sobre esse caso do bicudo, o senhor vai me dar licença de discordar. As únicas entidades que foram beneficiadas com isso foram as empresas fabricantes de inseticida, porque iam aplicar o Malation. Esse mesmo inseticida vem sendo aplicado, há vários anos, na zona sul aqui da cidade, primeiro pela FEEMA e agora pela COMLURB. Esse Malation é aplicado a ultrabaixo volume, como seria feito nos algodoais de Campinas e nunca provocou nenhuma intoxicação.

Benjamin Gilbert — Instituto de Pesquisas da Marinha

— Eu queria fazer uma pergunta sobre a reportagem, na imprensa e em outros lugares, sobre inseticidas ou herbicidas, que ignora dados químicos e toxicológicos. Fala-se em organoclorados ou em organofosforados como se fossem uma coisa só e todos iguais. Quando se fabrica um produto como o pentaclorofenol, ou 245 T, produz-se dioxina, isso é inevitável. A dioxina é removida com processo de cristalização. Quem compra um pesticida desse tipo num fabricante idôneo, compra o 245 T ou o pentaclorofenol. Quem faz a licitação para comprar mais barato, arrisca-se a comprar a outra fração da cristalização, isto é, aquela fração que contém concentrada toda a dioxina. Quando se vê uma reportagem sobre um acidente, como ocorreu aqui no Rio com o pó-da-China, e como ocorreu também aparentemente na linha Eletronorte, em Tucuruí, quando se noticiou a morte de pessoas e animais. Comparado com os dados toxicológicos experimentados em ratos para esses produtos, vê-se que uma pessoa, para morrer, teria de ingerir ou lamber uma superfície de 10 a 20 metros quadrados, no mínimo, para ingerir uma dose com 50% de chance de morrer, e, provavelmente, em muitos casos, teria de ingerir toda a vegetação em lOOm2 para poder ingerir uma dose letal. Então, depende da dose que foi aplicada. Agora, quando se vê isso, percebe-se que não poderia ter sido um desses produtos que causam a morte. O produto que causa a morte seria dioxina, e o produto comprado teria sido a fração que devia ter sido rejeitada no processo de fabricação, mas que foi vendida barato para quem, ignorantemente, comprou sem verificar a qualidade do produto comprado. Este mesmo problema acontece no caso do Malation que foi mencionado agora. O Malation também, por fabricação mal feita, destilação mal feita, usando uma fração da destilação errada, contém isomalation. Vamos comentar que o Malation é um organo-fosforado que difere por duas ordens de grandeza da toxidez do Paration, que é outro organofosforado, isto é, entre 100/1.000 vezes menos tóxico. Quando nós podemos ter facilmente um óbito com o Paration, dificilmente teremos um óbito — eu acho quase impossível, a não ser um suicídio, com o Malation. É praticamente impossível, mesmo borrifando uma pessoa diretamente com Malation ultrabaixo volume, não vejo maneira daquela pessoa morrer, é impossível, porque a dose letal é da ordem de 4.000 miligramas por quilograma. A pessoa teria de mergulhar numa piscina de Malation para poder morrer por intoxicação, enquanto que o Paration, algumas gotas, quando as pessoas colocam na cabeça para matar piolhos, são suficientes para causar a morte. Então eu pergunto se não deveríamos procurar qualificar um pouco a nossa classificação de inseticidas e não simplesmente falar em organoclorado, organofosforado.

Waldemar de Almeida — UNICAMP

— Realmente, o senhor trouxe um ponto muito importante que deve ser sempre pensado. É o caso, por exemplo, da impureza do isomalation no malation, responsável por 2.500 casos de intoxicação no Paquistão, com cinco mortes do pessoal que estava aplicando esse produto no combate à malária. O senhor lembrou, do ponto de vista químico, que o senhor conhece bem. Há outros exemplos: o pentaclonitro-benzeno (PCNB) tem um resíduo do hexaclorobenzeno ou HCB (não confundir com o BHC). O HBC é proibido no Brasil. O HCB é usado como protetor de sementes, na Argentina, mas há resíduos deste agrotóxico na carne bovina no Brasil. É também interessante mencionar que o fungicida Carbendazin não é cancerígeno por si; entretanto, como ele é corrosivo para as latas, as formulações contêm nitrito; este último, junto com o Carbendazin, dá uma nitrosamina que é cancerígena. No caso do sal de dietilamina do 24-D, também há problema de corrosão. Então põe-se nitrito na formulação. O sal de dietilamina mais o nitrito forma uma nitrosamina, cancerígena. Um outro caso é o do herbicida trifluralina que contém, como impureza, cerca de 150 a 500 ppm de nitrosamina, cancerígena. Até o presente, não há legislação no país referente a estas impurezas tão perigosas.

Frederico Simões Barbosa — ENSP

— Acho que nós estamos de parabéns por esse seminário. Aprendi muita coisa. Essa área não é da minha especialidade, evidentemente, mas me toca muito de perto, pela experiência muito longa que todos nós temos em uso de inseticidas e moluscicidas em pesquisa. Acho que todos os expositores retrataram muito bem o problema. Estamos trabalhando num país subdesenvolvido, sujeito a todas as pressões econômicas externas. Isso cria, naturalmente, um ciclo de poder facilmente identificável: os grandes produtores de insumos, de produtos químicos, os intermediários desse ciclo e os que os utilizam na periferia. Estes últimos desconhecendo completamente o problema. Isso evidentemente é um ciclo difícil de romper, muito semelhante ao problema do fumo, nos anúncios na televisão tão bonitos ou mais bonitos que os dos agrotóxicos. O problema da medicalização é a mesma coisa. Os que trabalham nessa conjuntura, os sanitaristas, de um modo geral, como foi bem exposto aqui pelo Dr. Fiúza, se preocupam com a utilização desses tóxicos que são essenciais à proteção da população. Acho que todos concordam que o problema é estrutural — de estrutura econômica, de modelo econômico e dependência econômica. Temos de trabalhar, entretanto, com essa conjuntura, e fiquei muito satisfeito de ouvir a opinião do Dr. Fiúza, da necessidade que nós temos de usar BHC, de usar DDT e outros produtos como ele mesmo mencionou, repelindo insinuações daquelas empresas que estão querendo propor outros tipos de inseticidas que talvez não nos interessem ou interessem menos ao país e vão custar ainda mais caro. A diferença fundamental também salientada aqui, vale a pena tornar a mencionar, entre o uso em saúde pública e o uso indiscriminado na agricultura. O exemplo que eu poderia mencionar aqui, que talvez fosse bastante esclarecedor, é o uso do pentaclorofenol. Durante muitos anos — não é do tempo do Dr. Fiúza, é anterior, talvez nas décadas de 50 ou 60 — usamos o pentaclorofenol como moluscicida manipulado por guardas do antigo DENERU, em pesquisa de campo. Na minha área, por exemplo, utilizei diretamente o produto, trabalhando com os guardas, e nunca tivemos nenhum problema de intoxicação. Por quê? Aqueles tambores eram recebidos, colocados em lugar adequado, cobertos, tampados, todas as instruções eram passadas aos guardas que trabalhavam com o material, e não me lembro nem mesmo de problemas de queimaduras de pele, porque o guarda era fardado, vestia inclusive luvas, usava um pequeno defensivo — um filtro para evitar a aspiração do produto —, tinha instrução de como abrir o tambor, etc., e não houve nenhum problema. Notem, então, a diferença entre a aplicação sanitária, com pessoal qualificado, instruído para esse fim, e a aplicação indiscriminada na agricultura por indivíduos que não têm evidentemente nenhum conhecimento dos riscos que estão correndo. Eu gostaria de fazer uma última pergunta, essa de caráter muito geral: até onde o governo brasileiro, através de suas agências específicas para esse fim — e eu menciono particularmente a EMBRAPA na sua atividade de pesquisa — está se preocupando de fato em desenvolver pesquisas genuinamente brasileiras, capazes de desenvolver a tecnologia apropriada para combater as grandes pragas brasileiras? Refiro-me a tecnologias alternativas, não tóxicas, particularmente o controle biológico.

José Fiúza — SUCAM

— Eu só queria dar um esclarecimento: o BHC, felizmente, já é produzido no Brasil, uma indústria nacional produz. O DDT é que parou de ser produzido, durante duas oportunidades. Tivemos de importar da Itália e agora estamos importando da Indonésia, com todo um sacrifício que desgasta a parte administrativa da SUCAM. O processo para a importação do DDT leva, às vezes, um ano. É um negócio que desgasta, que é terrível, terrível mesmo. Só um comentário em relação à pressão e à ousadia das multinacionais: há questão de um mês atrás, recebemos um telex de uma delas que dizia o seguinte: conhecedores das dificuldades financeiras pelas quais passa a SUCAM, nós, estudando o problema, estamos oferecendo, a preços 15 a 20% mais baixos, tal inseticida. São X toneladas, etc., aguardamos sua resposta. E nós respondemos que temos um processo administrativo para compra e, quando houver interesse, eles serão devidamente informados pela norma geral de compra. Eles, não satisfeitos, voltaram a oferecer de uma forma agressiva, a venda de inseticida. Um negócio terrível!

Cláudio Marques Magalhães — EMBRATER

— Com relação à pesquisa, embora eu não seja da EMBRAPA, mas temos um relacionamento muito grande, porque a EMBRAPA gera pesquisa e nós difundimos a pesquisa. Então, está sendo montado em São Paulo, em Campinas, o Centro Nacional de Defensivos Agrícolas, que vai exatamente desenvolver atividades nesse sentido. Já, hoje, existe uma série de alternativas geradas pela EMBRAPA e postas em prática pela EMBRATER, que é o caso do Baculovírus anticársia, que este ano foi muito usado — houve um ataque muito grande de lagarta na soja, e houve uma redução bastante grande do uso de inseticidas, porque o produtor está coletando lagartas infectadas, fazendo uma calda e fazendo aplicação. Então isso aí está reduzindo bastante o custo. Ele pode inclusive guardar essa calda na geladeira para utilizar no ano seguinte, é um sistema bastante prático, bastante fácil para o produtor, e outros sistemas estão sendo utilizados. O combate ao pulgão do trigo com controle biológico, por exemplo, já existe uma série de atividades nesse sentido, embora incipientes, mas que estão funcionando.

Waldemar de Almeida — UNICAMP

— É muito interessante a questão da pesquisa aplicada na agricultura, mas, às vezes, há um divórcio entre a área agrícola e a área de saúde pública. A EMBRAPA pesquisa, por exemplo, um novo inseticida para ser usado contra uma determinada praga. Publica este resultado e recomenda que o produto seja utilizado, mas geralmente os técnicos não vão procurar saber se esse produto já é permitido pela saúde para ser colocado na cultura em pauta, se esse inseticida que a EMBRAPA está recomendando é para o feijão, ou para o algodão, ou para o arroz, se realmente eleja é permitido no Brasil para essa cultura e qual seria o intervalo de segurança entre a última aplicação e a colheita. É muito importante que os estudos agronômicos sejam complementados com estudos toxicológicos.

Há uma outra questão, eu gostaria de perguntar ao Dr. Fiúza a respeito do BHC. Estamos de pleno acordo que o BHC é a solução mais barata; entretanto, este produto é uma mistura de vários isômeros, onde o isômero gama (ou lindano) é o componente ativo. Os demais isômeros (principalmente o alfa e o beta) constituem a maior parte do produto e são poluentes ambientais, persistentes no ambiente e no homem, e produzem tumores malignos no fígado de camundongos. Por conseguinte, o BHC deve ser substituído por um outro inseticida menos perigoso para o homem.

José Fiúza — SUCAM

— Só dando um esclarecimento: o BHC que nós usamos é 30% de isómero gama; o 12 é um pouco abaixo, ele é usado menos até, 3%, na lavoura de cacau. O nosso é 30%. Então, o problema do Lindano é esse, é a questão do custo. Na medida em que se tivessem 90%. . seriam 90% de isómero gama, o custo aumentaria na proporção, no percentual do aumento do teor de isómero gama. Agora, o que a gente está procurando fazer é isso: tentar novos inseticidas. Estamos usando, em algumas áreas preferencialmente, em função da espécie vetora prevalente, os piretróides, que têm o seu problema, a questão do preço, eles são adquiridos numa outra moeda, o preço não é em cruzeiro, é em dólar, então torna-se inviável a continuidade, tanto é que nós estamos tentando agora utilizar também a permetrina, que é um outro piretróide, fabricado e encontrado no comércio, mas que também esbarra na questão do custo.

Ernani Ferreira — SUCAM

— Queria fazer uma referência aqui com relação ao uso do DDT nas campanhas da SUCAM. Como entomologista, eu tenho informações seguras de que não existe, no momento, entre as espécies de vetores do país — A. albitarsis, A. darlingi, A. aquasalis, e duas espécies de Kertezia, no sul do país —, nenhum que tenha dado sinal de resistência. No caso do darlingi, que ainda é o nosso grande vetor do interior do país, a transmissão se dá exclusivamente dentro de casa, onde a borrifação intradomiciliar controla perfeitamente o vetor. Este é um aspecto técnico. O aspecto administrativo-logístico: nós fazemos duas borrifações anuais. Então, com um outro inseticida que tivéssemos que substituir, seria praticamente inviável do ponto de vista econômico. Atingir, por exemplo, duas borrifações em área amazônica seria impraticável. Na Amazônia, nós conseguimos grande parte da redução malárica em áreas de A. darlingi. Hoje, estamos esbarrando ainda com alguns problemas na área de Rondônia, que eu acredito que possam ser vencidos com algumas correções de ordem operacional. No caso do A. albitarsis, há que se fazer um reparo em áreas do Paraná, onde o uso do DDT na lavoura — como referiu aqui o Dr. Mauro — foi intenso. Nós temos sinais, com o albitarsis, de resistência. Não temos ainda uma comprovação, há sinais. Nós nunca utilizamos o DDT na malária como larvicida; sempre foi utilizado intradomiciliarmente como combate ao adulto. Com relação à divulgação desses dados, alguns deles estão publicados. Na maioria das vezes, o nosso pessoal de campo, sempre que tem oportunidade — médicos sanitaristas, educadoras-sanitarias — está alertando a população sobre os benefícios desse inseticida em saúde pública. Queria, agora, fazer uma pergunda ao Dr. Waldemar — elogiá-lo primeiro, pelo brilhante trabalho que está sendo feito em Campinas — gostaria de saber qual é a sua orientação sobre o destino das embalagens dos agrotóxicos.

Waldemar de Almeida — UNICAMP

— Muito obrigado. O senhor fez uma pergunta difícil. O que fazer com essas embalagens todas, principalmente, como já foi dito aqui, porque essas embalagens são cada vez mais bonitas, mais atrativas, feitas mesmo de propósito para que a gente guarde água ou mantenha alimentos. Eu acho que é um comportamento de fato antiético, da parte das indústrias, fazerem embalagens de duração longa, atrativas de modo a serem reutilizadas. Isto já é falta de honestidade das indústrias. As embalagens vazias devem ser perfuradas, destruídas, enterradas e, se possível, até queimadas. É uma campanha difícil de ser feita, mas é preciso uma conscientização popular para conseguirmos isso. Obrigado.

Cláudio Marques Magalhães — EMBRATER

— Ainda respondendo a sua pergunta — o que fazer com as embalagens —, vou lhe passar um folheto de uma campanha que está sendo feita pela EMATER do Distrito Federal. Aqui mostra como o produtor deve proceder com as embalagens: enterrar, cercar e colocar pedra britada, calcário, pedra regular, fazer um poço longe de coleções d'água e que não possa trazer qualquer tipo de prejuízo ao meio ambiente. Eu passo às suas mãos, já respondendo a sua pergunta.

Maria do Carmo Leal — CEENSP

— Vamos então encerrar. Terminamos aqui, agradecendo aos expositores. Tivemos, hoje, um grande momento, um ponto alto do nosso Centro de Estudos. Acho que foi sábia a decisão de gravar esse debate para sair na nossa revista, porque ele realmente foi de alto nível. Agradeço a cada um dos apresentadores e desejo que venham outras vezes estar aqui conosco, na Escola Nacional de Saúde Pública. Agradeço à platéia que participou e contribuiu tanto, também, nesse debate. Até uma próxima oportunidade. Está encerrada a sessão.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Abr 2006
  • Data do Fascículo
    Jun 1985
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