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AS CORRESPONDÊNCIAS E NÃO CORRESPONDÊNCIAS ENTRE A LÍNGUA E CULTURA CHINESA E LUSÓFONA: ANÁLISE DE TERMOS DA BOTÂNICA

THE CORRESPONDENCES AND NONCORRESPONDENCES BETWEEN CHINESE AND LUSOPHONE LANGUAGE AND CULTURE: AN ANALYSIS OF BOTANICAL TERMS

Resumo

Apesar de pertencerem a duas famílias linguísticas totalmente distintas, encontra-se sempre uma traduzibilidade entre a língua chinesa e portuguesa. O primeiro dicionário Português-Chinês de Matteo Ricci e Michele Ruggieri do século XVII é a evidência mais persuasiva desse fato. Por um lado, não há carência de obras-primas de tradução nos dias de hoje e, por outro lado, o intercâmbio cultural intensifica-se a ritmo acelerado à medida que o processo de globalização se aprofunda. Torna-se premente prestar atenção à existência de diferenças existentes nas duas culturas diferentes e às não correspondências na sua tradução. O conhecimento parcial em relação a outra cultura pode originar uma tradução imprecisa e resultar em equívoco a respeito de outros conceitos associados em sequência. É indubitável que as diferenças de espécies biológicas e culturais são as que mais causam o fenômeno da não correspondência. Todavia, a procura de conceitos similares na cultura da língua de chegada é igualmente uma estratégia frequentemente utilizada, facilitando tanto o trabalho de tradutor, quanto a compreensão do público-alvo. Porém, a facilitação da tradução pode trazer mal-entendidos. No entanto, a não correspondência relativamente a hiperónimos e hipónimos entre as duas culturas dificulta, de certo modo, a tradução de alguns conceitos. O presente trabalho pretende exemplificar algumas das questões de não correspondências entre as duas línguas, com o objetivo de contribuir para a melhor compreensão entre a língua chinesa e portuguesa.

Palavras-chave
tradução; língua chinesa; língua portuguesa; hiperónimo; pragmática

Abstract

Despite belonging to two totally different language families, there is always a translatability between Chinese and Portuguese. The first Portuguese-Chinese dictionary by Matteo Ricci and Michele Ruggieri dating from the 17th century is the most persuasive evidence of this fact. On the one hand, there is no shortage of translation masterpieces today, and on the other hand, cultural exchange is intensifying at a rapid pace as the globalization process deepens. It is becoming urgent to pay attention to the differences existing in the two different cultures and the non-correspondences in their translation. Partial knowledge about another culture can lead to imprecise translation and result in equivocation of other related concepts in sequence. Undoubtedly, biological and cultural differences cause the phenomenon of non-correspondence the most. However, searching for similar concepts in the target language culture is also used as a frequent strategy, facilitating both the translator’s work and the target audience’s understanding. However, translation facilitation can bring misunderstandings. The non-matching of hyperonyms and hyponyms between the two cultures makes the translation of some concepts somewhat difficult. This paper aims to exemplify some of the issues of non-correspondence between the two languages, with the objective of contributing to a better understanding of the two cultures and the enhancement of translation between Chinese and Portuguese.

Keywords
translation; Chinese language; Portuguese language; hyperonym; pragmatics

Introdução

Pertencendo a uma língua isolante, o Mandarim e as outras variantes e dialetos da língua chinesa não possuem nenhuma flexão morfológica, distinguindo-se totalmente da língua portuguesa, que faz parte da família das línguas românicas. A língua chinesa carateriza-se pelos seus ideogramas, nomeadamente, os caracteres, porém, a língua portuguesa baseia-se num sistema de registo fonético. A partir de um ponto de vista sintático, essas duas línguas demonstram ainda mais diferenças inerentes. Sendo uma língua tópica-proeminente, o primeiro constituinte frásico na língua chinesa costuma revelar o tópico do contexto linguístico (Wu, 2015Wu, Zhongwei. (Org.). Chinês Contemporâneo. 3. ed. Beijing: Sinolíngua, 2015.), enquanto a ordem das palavras e relações intrafrásicas na língua portuguesa depende da estrutura sintática. De acordo com Mai (2012)Mai, Ran. Ensino de Chinês a Falantes de Português: O caso da Universidade de Aveiro. Tese (Doutorado em Linguística). Departamento de Línguas e Culturas, Universidade de Aveiro, Aveiro. 2012. http://hdl.handle.net/10773/9842.
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, as maiores distinções entre as duas línguas são o uso dos termos de unidades, os quais também são conhecidos como “palavras classificadoras” ou “palavras de medida”, função sintática de palavra determinada pela sua colocação na frase, ordem fixa de vários constituintes na frase, ausência de verbos de ligação, complemento predicativo, uso reduzido da voz passiva e estruturas ou palavras específicas sem correspondência na língua portuguesa.

Não obstante, apesar da existência das diferenças inerentes, trata-se sempre de uma traduzibilidade entre a língua chinesa e portuguesa, já que os dois povos compartilham as mesmas experiências de vida e pontos de vista sobre as realidades idênticas (Wang, 2015Wang, Suoying. Lexicultura na Língua Chinesa e na Lexicografia Bilingue de Chinês-Português. Tese (Doutorado em Linguística, especialização em Lexicologia, Lexicografia e Terminologia). Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2015. http://hdl.handle.net/10362/17164.
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; Jatobá, 2019Jatobá, Júlio Reis. “Poéticas do Traduzir a, na e para a China: uma proposta”. Cadernos de Tradução, 39(esp.), p. 120-147, 2019. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2019v39nespp120
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; Lang & Sun, 2020Lang, Sida & Sun, Yuqi. “Estranhamento como estratégia de tradução: categorização do estranhamento na poesia leminskiana e a sua recriação na língua chinesa”. Cadernos de Tradução, 40(3), p. 154-186, 2020. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2020v40n3p154
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; Zhang & Lou, 2023Zhang, Jianbo & Lou, Zhichang. “Tradução das palavras com carga cultural no romance 活着 (huó zhe, Viver) a partir da perspectiva da eco-translatologia”. Cadernos de Tradução, 43(1), p. 1-22, 2023. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2023.e86532
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). O primeiro dicionário Português-Chinês da autoria de Matteo Ricci e Michele Ruggieri publicado no século XVII é indubitavelmente a evidência mais persuasiva da possibilidade traduzível entre os idiomas. Na língua portuguesa moderna, ainda se encontram alguns vestígios que comprovam o intercâmbio comercial e cultural intensivo durante séculos entre a China e o mundo lusófono. Um dos exemplos mais representativos é a palavra “ganga”. No Português europeu, utiliza-se “ganga”, hoje em dia, para designar “brim”, isto é, um tipo de “tecido de algodão, muito resistente e bastante usado em vestuário informal, geralmente em tons de azul1 1 Retirado de: https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/ganga. ”. Porém, a origem etimológica desta palavra é, de fato, chinesa. Em “Glossário Luso-Asiático” de autoria de Dalgado publicado em 1919 (p. 421), “ganga” foi definida como “tecido de algodão muito conhecido, que vem da Ásia e de lá trouxe o seu nome”, explanando que:

Na Índia, porém, se entende atualmente por ganga <tecido de algodão, grosso, amarelado ou azulado de proveniência chinesa>. Os antigos missionários do Japão ortografam canga. De yang, no dialecto da côrte, provincialmente talvez káng. O chinês não tem palavras como g inicial. Littré no suplemento o vocábulo francês canque com o significado de <toile de coton de la Chine>, que vem ser a nossa ganga

(Dalgado, 1919Dalgado, Sebastião Rodolfo. Glossário Luso-Asiático. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1919., p. 421).

Jin (2015)Jin, Guoping” 金国平. “葡萄牙语和西班牙语中关于“松江布”的记载及其吴语词源考 [g(c)anga”as Recorded in Portuguese and Spanish and Investigation into Its Origin in Wu Dialect]. [Shi Lin] (01), p. 52-60, p. 220, 2015. acrescentou que o dialeto da corte correspondia ao conceito de Mandarim de hoje e a palavra “yang” devia ser “jiāng (江)” enquanto o idioma que se falava na província seria a língua wu, em que a pronúncia desta palavra era “kaon1”, indicando o local de proveniência do tecido, Sōng Jiāng (松江). Em conformidade com o autor, até ao século XIX, a mercadoria principal que se divulgava na “rota da seda marítima” jamais teria sido a seda, mas a ganga2 2 Palavras originais: “至19世纪所谓的海上丝绸之路运输货物的主体已经不是丝绸,代替它的是松江布。(Jin, 2015, p. 56)” (Jin, 2015Jin, Guoping” 金国平. “葡萄牙语和西班牙语中关于“松江布”的记载及其吴语词源考 [g(c)anga”as Recorded in Portuguese and Spanish and Investigation into Its Origin in Wu Dialect]. [Shi Lin] (01), p. 52-60, p. 220, 2015.).

Entretanto, da etimologia à pragmática, algumas palavras chinesas até apresentam certa semelhança com as portuguesas (Lang & Sun, 2020Lang, Sida & Sun, Yuqi. “Estranhamento como estratégia de tradução: categorização do estranhamento na poesia leminskiana e a sua recriação na língua chinesa”. Cadernos de Tradução, 40(3), p. 154-186, 2020. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2020v40n3p154
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; Zhang & Lou, 2023Zhang, Jianbo & Lou, Zhichang. “Tradução das palavras com carga cultural no romance 活着 (huó zhe, Viver) a partir da perspectiva da eco-translatologia”. Cadernos de Tradução, 43(1), p. 1-22, 2023. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2023.e86532
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), tendo como exemplo, o caractere “倒 (dào)” em Chinês, pode desempenhar a função de adjetivo e verbo, exprimindo respetivamente “verso, contrário ou de cima para baixo” e “virar, inverter ou fazer reviravolta”. No entanto, o mesmo caractere também pode ser utilizado como verbo transitivo com o significado de “verter líquido”. Todavia, a palavra portuguesa “verter” deriva de “vertĕre” no latim, significando “virar, voltar ou mudar”3 3 Retirado de: https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/verter/ . Com efeito, não carece de exemplos neste caso, sobretudo em relação à composição de algumas palavras, por exemplo, o nome de petróleo na língua chinesa é “石油 (shí yóu)”, em que o caractere “石” significa “pedra” enquanto “油” é usado para indicar óleo(s). Em Português, “petro-” é um prefixo derivante da língua grega, contendo igualmente o significado de “pedra”. Outro exemplo é o nome correspondente de “ferrovia” ou “caminho de ferro” em Chinês, “铁路 (tiě lù)”, pois o caracter “铁” se refere ao ferro e o segundo caractere chinês significa “rua” ou “caminho”.

Traduções e correspondências imprecisas

À luz de Franco Aixelá (2013, p. 187)Franco Aixelá, Javier. “Itens culturais-específicos em tradução”. Tradução de Mayara Matsu Marinho & Roseni Silva. In-Traduções, 5(8), p. 185-218, 2013., os códigos linguísticos são efetivamente sistemas arbitrários que é independente de qualquer “suposta relação objetiva de equivalência com o continuum denominado realidade”. A assimetria cultural entre duas diferentes comunidades pode resultar em opacidade e inaceitabilidade durante a transmissão de informações. Em conformidade com a observação de Mao (2019)Mao, Dun. “Sobre os métodos da tradução de livros literários”. Tradução de Ye Li. Cadernos de Tradução, 39(2), p. 379-388, 2019. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2019v39n2p379
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, não é possível encontrar sempre uma equivalência entre as palavras chinesas e as de origem ocidental em virtude das diferenças significativas em morfologia e estrutura linguística. Este fenômeno é ainda mais evidente em relação aos termos biológicos, considerando o isolamento geográfico e distinção de espécies entre a China e os países de língua portuguesa. Nas palavras de Martins (2018, p. 243)Martins, Sabrina de Cássia. “A variação denominativa na terminologia da fauna e da flora: (as)simetrias linguístico-culturais”. Cadernos de Tradução, 38(2), p. 241-262, 2018. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2018v38n2p241
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, “o surgimento dos nomes comuns provém da adequação do discurso à situação comunicacional em que é proferido, bem como ao grau de conhecimento de seus interlocutores”, determinando uma notável distinção do uso linguístico em certas situações.

Em Portugal, utiliza-se a palavra “feijão-verde” para indicar “vagem que contém a semente do feijão4 4 Retirado de: https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/feij%C3%A3o-verde. ” enquanto esta palavra é considerada, no Brasil, o sinónimo de “feijão-de-lima5 5 Retirado de: https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/feij%C3%A3o-verde/. ”, nomeadamente, Phaseolus lunatus. Se se traduz direta e literalmente “feijão-verde” para o Chinês, a palavra correspondente deve ser “绿豆 (lǜ dòu)”, em que o primeiro caractere, sendo adjetivo, significa “verde” e o segundo apresenta o significado de “feijão”. Todavia, lǜ dòu na língua chinesa designa Vigna radiata que é conhecido como “feijão-da-china6 6 Retirado de: https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/feij%C3%A3o-da-china/. ” no Brasil. Em vista disso, pode-se dizer que não existe uma correspondência relativamente à “feijão-verde” entre a língua chinesa e língua portuguesa nem entre Português de Portugal e do Brasil. Em Português europeu, tanto “cebolinho” como “cebolinha7 7 Retirado de: https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/cebolinha. ” podem ser utilizadas para chamar um condimento essencial na culinária não só portuguesa, mas também brasileira, Allium schoenoprasum. Contudo, segundo o dicionário Michaelis, a palavra “cebolinha” em Português do Brasil designa exclusivamente Allium fistulosum, erva originária da Sibéria8 8 Retirado de: https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/cebolinha/. . O uso de plantas da família do gênero Allium como condimentos culinários também é efetivamente comum na China e encontra-se o uso das duas plantas nos pratos. Em Chinês, costuma-se chamar o cebolinho de “小䓤 (xiǎo cōng)”, em que o caractere “”significa “pequeno”, enquanto a cebolinha é chamada “香䓤 (xiāng cōng)”, utilizando o adjetivo xiāng para indicar o seu aroma particular. Contudo, tomando em consideração do espaço territorial e diversidade biológica da China e caraterísticas similares das plantas, o uso dos termos xiǎo cōng e xiāng cōng na língua chinesa, muitas vezes, é confundido, tal como o que acontece em Português europeu. Porém, na culinária chinesa, ainda se usa outra espécie biológica da família Allium, nomeadamente, Allium fistulosum var. caespitosum Makino, cujo nome científico é “分葱 (fēn cōng)”, mas é igualmente confundida com “cebolinho” e “cebolinha”.

A erva fēn cōng é efetivamente uma variante da espécie Allium fistulosum, um legume comumente consumido no norte da China. Na língua chinesa, o seu nome é “大蒭 (dà cōng)”. Utiliza-se o caractere “大”, cujo significado é “grande”, para realçar o seu maior tamanho, se diferenciando das folhas finas das três espécies acima referidas. Todavia, na prática de tradução, muitas vezes é utilizado “alho-porro” (ou “alho-poró”) para referir-se a esta planta que é aparentemente um erro, visto que “alho-porro” é uma espécie completamente diferente, cujo nome binominal é Allium porrum. Em virtude da realidade ambiental e dificuldade de encontrar ingredientes originais, é verdade que os restaurantes chineses no Brasil e Portugal normalmente adotam alho-porro como um substituto de Allium fistulosum nos seus pratos, sobretudo, num dos mais conhecidos na culinária chinesa, Pato à Pequim, mas as diferentes espécies biológicas nunca devem nem podem partilhar o mesmo nome.

Quanto às palavras, objetos ou espécies biológicas que não se encontram uma correspondência na língua de chegada, em vez de optar pelo seu nome chinês ou pelo pinyin, um sistema de romanização da fonética da língua chinesa, a estratégia mais utilizada na prática ora é adotação de um conceito “semelhante”, ora é a invenção de um nome com o objetivo de facilitar o seu significado para o público-alvo, ignorando a particularidade tanto da palavra original como desse conceito optado. Encontra-se nos restaurantes chineses outro exemplo representativo que é a fruta de origem chinesa, Myrica rubra (em Chinês: 杨梅, yáng méi). Para muitos falantes da língua portuguesa, o nome mais familiarizado deve ser “morango chinês”, o qual é uma facilitação de tradução, associando esta com outra fruta totalmente diferente, porém mais encontrada no Brasil e em Portugal. Também há quem confunde esta fruta típica da Ásia com o medronho, nomeadamente, Arbutus unedo devido às suas caraterísticas similares apresentadas, cuja distribuição natural encontra-se na Bacia do Mediterrâneo. Entretanto, outro fenômeno muito comum é a tradução do legume “nabo” para “萝卜(luó bo)” em Chinês, uma vez que “nabo” é o nome popular de Brassica rapa enquanto o luó bo, de facto, se refere ao Raphanus raphanistrum, pertencendo a dois gêneros biográficos desiguais (figura 1). Apesar de existir alguma semelhança no concernente à aparência dos seus frutos, o nome correto de “nabo” na língua chinesa é “芜菁 (wú jīng)”, que é efetivamente uma planta menos conhecida na China e não muito amplamente utilizada na culinária deste país.

Figura 1
Designação em relação a “nabo” em Chinês na Infopédia da Porto Editora

No entanto, a associação de “amêndoa” com “杏仁 (xìng rén)” pode resultar numa confusão de conceitos (figura 2). A etimologia da palavra “xìng rén” tem origem na fruta damasco, cujo nome em chinês é “杏” enquanto nome binominal é Prunus armeniaca. A sua história de cultivo e consumo remonta a tempos longínquos na China. O significado de xìng rén é justamente o caroço ou o miolo do caroço de damasco, pois este tem sido consumido como um tipo de fruto seco no Extremo Oriente e usado na fitoterapia tradicional chinesa desde antiguidade. A respeito de “amêndoa”, é o fruto da amendoeira, designadamente, Prunus dulcis, e os seus nomes em Chinês são respetivamente “扁桃仁 (biǎn táo rén)” e “扁桃 (biǎn táo)”. No mercado chinês, amêndoa também é conhecida pelo seu nome popular “美国大杏仁 (měi guó dà xìng rén)”, cujo significado na língua chinesa é “grande miolo do caroço de damasco dos Estados Unidos”. Quer seja um erro na tradução, quer seja uma estratégia de marketing, o uso misto da palavra “xìng rén” já foi observado em 1889 (Kirschner & Hsieh, 2012Kirschner, Roland & Hsieh, Shelley Ching-yu. “Ginkgo, Apricot, and Almond: Change of Chinese words and meanings from the kernel’s perspective”. Ethnobotany Research & Applications, 10, p. 321-328, 2012.). Contudo, este uso misto pode causar o mal-entendido de um conjunto de conceitos, visto que estes são, de fato, duas espécies totalmente diferentes e os seus frutos contêm nutrientes distintos. Ademais, o damasco ainda é um tópos imprescindível e folclore na literatura clássica chinesa, cuja importância na sua cultura não se pode substituir por qualquer outra planta. Embora se encontre o primeiro registo escrito sobre amendoeira na dinastia Tang (618-906 d. C.), esta planta originária exótica não produziu um grande impacto na cultura chinesa e também por causa da sua origem da Ásia Central, amendoeira e o seu fruto possuem outro nome em Chinês, “巴旦木 (bā dàn mù)”, possivelmente derivada da língua uigur ou persa, bâdâm (Kirschner & Hsieh, 2012Kirschner, Roland & Hsieh, Shelley Ching-yu. “Ginkgo, Apricot, and Almond: Change of Chinese words and meanings from the kernel’s perspective”. Ethnobotany Research & Applications, 10, p. 321-328, 2012.).

Figura 2
Designação em relação a “amêndoa” em Chinês na Infopédia da Porto Editora

Nos anos recentes, tem aparecido no mercado chinês uma fruta chamada “车厘子(chē lí zǐ)”, cujo nome é evidentemente uma tradução baseada na pronúncia da palavra inglesa “cherries”. Esta fruta é conhecida pelo seu maior tamanho e cor de vermelho-escuro e pelo preço bem mais elevado do que as cerejas originárias da China, cujo nome binominal é Prunus pseudocerasus. Acredita-se que o nome chē lí zǐ também foi intencionalmente aplicada para a distinguir da espécie nativa. Esta nova fruta é uma espécie híbrida entre cereja-brava (Prunus avium) e cereja ácida (Prunus cerasus), que é mais conhecida por “ginja” em Portugal. Todavia, apesar de poder ser uma estratégia de marketing, a invenção do nome para fazer a distinção da Prunus pseudocerasus é considerada apropriada sob a perspetiva de tradução, evitando uma correspondência incorreta.

Ausência de hiperónimo e hipónimo em outra língua

Figura 3
Captura de ecrã relativamente à publicação sobre méi

Falando das espécies do subgênero Prunus do gênero deste nome idêntico da família botânica Rosaceae, o qual é conhecido por “ameixeira”, “ameixoeira” ou “amêixoa”, podem-se encontrar ainda mais não correspondências entre as duas línguas. Uma instituição pública chinesa sediada no Brasil publicou na sua página da rede social uma vez uma imagem com uma descrição “Como floresce no inverno, representa a virtude da força interior, mesmo diante de dificuldades” sobre a “flor da ameixeira”, uma das “Quatro Plantas Nobres” (figura 3). Com efeito, esta planta que pretendiam indicar era “梅 (méi)”, ou “mui”, que é entendido por Dalgado, (1919, p. 77)Dalgado, Sebastião Rodolfo. Glossário Luso-Asiático. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1919. como “nome que se dá em Macau às ameixas e aos abrunhos”, sendo igualmente um tópos importante na literatura chinesa. Contudo, a tradução de méi para “ameixeira” pode originar desentendimento, uma vez que a florescência desta planta ocorre na primavera e não no inverno como se ilustra na imagem. De fato, o nome binominal da méi é Prunus mume, sendo igual ao damasqueiro, vista como uma espécie biológica individual da seção Prunus armeniaca (tabela 1). Méi teve a sua origem na China e desempenha um papel bastante relevante na cultura chinesa, cujo impacto chegou a influenciar os países vizinhos ao longo da história, tais como, Japão e Coreia (Li & Liu, 2011Li, Yanmei & Liu, Qinglin. “Prunus mume: History and culture in China”. Chronica Horticulturae, 51(3), p. 28-35, 2011. https://www.ishs.org/chronica-horticulturae/vol51nr3
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). A partir disso, deu origem à palavra originária de Japonês “umê” em Português do Brasil, devido à influência migratória japonesa. Em conformidade com Franco Aixelá (2013, p. 191)Franco Aixelá, Javier. “Itens culturais-específicos em tradução”. Tradução de Mayara Matsu Marinho & Roseni Silva. In-Traduções, 5(8), p. 185-218, 2013., “em uma língua tudo é produzido culturalmente”, por outras palavras, a inexistência ou diferença relativamente ao seu valor cultural ocasiona o problema de aceitabilidade ou opacidade ideológica ou cultural. É, por isso, inquestionável que o contexto cultural faz uma parte indispensável na tradução, sobretudo quando a palavra possui um significado cultural sui generis na língua de partida. Segundo Mao (2019)Mao, Dun. “Sobre os métodos da tradução de livros literários”. Tradução de Ye Li. Cadernos de Tradução, 39(2), p. 379-388, 2019. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2019v39n2p379
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, isto é, com efeito, uma questão de escolha entre “aparência” e “espírito” quando não é possível manter simultaneamente os dois. A força comovente da língua reside no “espírito”, contudo isto também é mais difícil de preservar. Sendo membro do subgênero biológico Prunus, a adoção do nome “ameixeira” neste caso pode ocasionar equívoco, particularmente tomando em consideração o facto de desconhecimento da planta pelo público-alvo, falantes da língua portuguesa devido ao isolamento geográfico, já que, nas palavras de Martins (2018, p. 242)Martins, Sabrina de Cássia. “A variação denominativa na terminologia da fauna e da flora: (as)simetrias linguístico-culturais”. Cadernos de Tradução, 38(2), p. 241-262, 2018. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2018v38n2p241
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“é por meio do léxico que ordenamos, identificamos as semelhanças e as diferenças e estruturamos o mundo à nossa volta”.

Tabela 1
Taxonomia de ameixieira, damasqueiro e méi

De acordo com Wang (2015)Wang, Suoying. Lexicultura na Língua Chinesa e na Lexicografia Bilingue de Chinês-Português. Tese (Doutorado em Linguística, especialização em Lexicologia, Lexicografia e Terminologia). Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2015. http://hdl.handle.net/10362/17164.
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, as estruturas de hiperónimo e hipónimo na língua chinesa apresentam um aspeto ausente em Português. Um dos exemplos é o caractere “羊 (yáng)”:

É um caractere não apenas hiperónimo, mas sobretudo nocional, funcionando como uma designação genérica que abrange gado caprino, gado ovino, antílopes, gazelas e outros mamíferos ruminantes que têm uma figura semelhante, sejam machos ou fêmeas

(Wang, 2015Wang, Suoying. Lexicultura na Língua Chinesa e na Lexicografia Bilingue de Chinês-Português. Tese (Doutorado em Linguística, especialização em Lexicologia, Lexicografia e Terminologia). Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2015. http://hdl.handle.net/10362/17164.
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, p. 124).

Pode-se considerar que yáng na língua chinesa corresponde a “caprinos”, cujo conceito inclui “cabras, carneiros e ovelhas9 9 Retirado de: https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/caprino/. ”. Contudo, em Chinês costuma-se utilizar o mesmo caractere, ou mais especificamente, o caractere “羚 (líng)”, o qual contém também a radical de yáng à esquerda, ou a palavra líng yáng para designar os grupos de antílopes e gazelas, apesar de estes serem espécies bem distintas. Em visto disso, o caractere chinês yáng revela um âmbito ainda maior que “caprinos” na língua portuguesa.

O caractere “瓜 (guā)” é uma outra dificuldade relacionada com o hiperónimo, visto que guā em Chinês pode ser utilizado para indicar tanto frutas quanto legumes; alguns dos exemplos são “西瓜 (xī guā)” (melancia, Citrullus lanatus), “(番)木瓜 ((fān) mù guā)” (papaia, Carica papaya), “甜瓜 (tián guā)” (melão, Cucumis melo), “黄瓜 (huáng guā)” (pepino, Cucumis sativus), “南瓜 (nán guā)” (abóbora, Abobra tenuifolia), “丝瓜 (sī guā)” (bucha, lufa ou pepino de Egipto, Luffa aegyptiaca) e “佛手瓜 (fó shǒu guā)” (chuchu, Sechium edule). Em geral, as frutas e legumes acima referidos pertencem às famílias Cucurbitaceae e Caricaceae e partilham a caraterística de ter polpa volumosa. Na língua chinesa, guā é um termo utilizado para chamar esse tipo de frutos, porém esse conceito não existe na língua portuguesa e a nomeação de frutas e legumes também se diferencia bastante do Chinês, resultando, neste caso, em uma não correspondência.

Uso pragmático-linguístico diferentes

No entanto, o fenômeno de um certo termo em uma língua corresponder a mais de um conceito em outra língua é muito comum. Por exemplo, à luz do dicionário Michaelis, em Português, tanto “Substância externa, espessa e impermeável, que envolve plantas, frutos, sementes, ovos, tubérculos etc” como “cobertura óssea de um animal”, chamam-se “casca”10 10 Retirado de: https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/casca/. , correspondendo respetivamente a “皮 (pí)” e “壳 (ké)” em Chinês. Entretanto, o caractere “皮” também pode ser utilizado para se referir à “pele de animais”. A hábito e uso pragmático de uma língua nem sempre coincide à outra. Para classificar ou quantificar os bolbilhos de alho, usa-se a palavra “dente” na língua portuguesa que corresponde ao termo de unidade “瓣 (bàn)” em Chinês neste caso. Todavia, este termo de unidade também é aplicado no caso das frutas do gênero biológico Citrus, tal como, laranja, tangerina, mandarina, entre outras. Porém, esta correspondência não se mantém, pois perde o sentido, já que se deve utilizar a palavra “gomo” em vez de “dente” neste contexto na língua portuguesa. Outro exemplo representativo é a diferença do uso da palavra para quantificar os pedaços de bolo entre as duas línguas. Para os falantes da língua chinesa, a palavra classificadora que se deve usar neste caso é “块 (kuài)”, significando precisamente “pedaço” na língua portuguesa. Porém, em Português o nome “fatia” também é uma opção aceitável, o qual é normalmente traduzido para “片 (piàn)” em Chinês e utilizado para se referir a cortes finos.

A partir do uso linguístico, é possível descobrir os próprios ângulos de visão e pontos de vistas de cada povo em relação à realidade objetiva. Cada comunidade linguística ou comunidade linguística-nacional carateriza-se pelos seus próprios hábitos e julgamento de valores, os quais nem sempre são semelhantes (Franco Aixelá, 2013Franco Aixelá, Javier. “Itens culturais-específicos em tradução”. Tradução de Mayara Matsu Marinho & Roseni Silva. In-Traduções, 5(8), p. 185-218, 2013.). Um dos exemplos é o adjetivo “agridoce” na língua portuguesa, muitas vezes, é traduzido para “糖醋 (táng cù)” em Chinês, em que o primeiro caractere simboliza “açúcar” enquanto o segundo significa “vinagre”, enfatizando os condimentos utilizados em vez dos seus sabores apresentados. Falando da palavra “vinagre”, composta por aglutinação e derivada de duas palavras latinas, vinum e acetum, trata-se de um “líquido resultante da fermentação do ácido encontrado em certas bebidas, particularmente no vinho11 11 Retirado de: https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/vinagre/ ”. Porém, quanto à etimologia de em Chinês, o caractere “醋” tem o componente “西 (yǒu)” como o seu radical, o qual simboliza álcool ou alimento fermentado12 12 Palavras originais: “‘西’ 作为汉字的一个部首, 从其得声的字多与酒或因发酵而制成的食物有关, ‘酒’ 与 ‘醋’ 都是从 ‘酉’ 得声的字, 古时把 ‘醋’ 称之为 ‘苦酒’,可见二者关系密切, 可以从一侧面说明 ‘醋’ 正是起源于 ‘酒’ 的, 我们今天所说的 “醋” 就是指用酒或酒糟发酵而制成的一种酸味饮料。(Zhang, 2017, p. 56). (Zhang, 2017Zhang, Jiao. “张姣. “说‘醋’” [Falar sobre “cù”]. 文教资料 ” [Falar sobre “cù”]. [Wenjiao Ziliao] (Z1), p. 56-58, 2017.), revelando, de fato, uma certa similaridade com a língua portuguesa. A formação termológica das palavras de um idioma reflete a evolução da sociedade que as utiliza (Martins, 2018Martins, Sabrina de Cássia. “A variação denominativa na terminologia da fauna e da flora: (as)simetrias linguístico-culturais”. Cadernos de Tradução, 38(2), p. 241-262, 2018. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2018v38n2p241
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). A semelhança na termologia não apenas evidencia a inteligência dos povos antigos, mas também comprova o fato de que, apesar de terem residido em diferentes regiões, os povos de diferentes origens compartilham as experiências idênticas de vida, superando a limitação da língua.

No entanto, também é indispensável consciencializar-se das distinções possíveis em relação ao hábito e uso linguístico que existem em diferentes línguas. O uso linguístico pode ser restrito à cultura inerente da língua de partida ou por meio da transcrição de opiniões de uma certa comunidade linguística que são desconhecidos na cultura-alvo, apresentando uma codificação distinta (Franco Aixelá, 2013Franco Aixelá, Javier. “Itens culturais-específicos em tradução”. Tradução de Mayara Matsu Marinho & Roseni Silva. In-Traduções, 5(8), p. 185-218, 2013.). Por exemplo, para os falantes da língua chinesa, a expressão “comer sopa” ou “tomar sopa” na língua portuguesa pode soar muito irrazoável, uma vez que na língua chinesa, se aplica o verbo “喝 (hē)”, nomeadamente, “beber” em vez de “comer” ou “tomar”, considerando o facto de que a sopa é um alimento de natureza líquida.

De acordo com Franco Aixelá (2013)Franco Aixelá, Javier. “Itens culturais-específicos em tradução”. Tradução de Mayara Matsu Marinho & Roseni Silva. In-Traduções, 5(8), p. 185-218, 2013., a lacuna de itens culturais-específicos na língua de chegada pode ser preenchida por meio da tradução linguística de natureza denotativa ou não cultural. A etimologia da palavra portuguesa “chá” é justamente um exemplo excelente, cuja pronúncia iguala ao pinyin em Mandarim. E curiosamente, acredita-se que foi na língua portuguesa que se iniciou o uso da palavra “Mandarim” derivante de Malaio, cujo significado original é “magistrado, alto funcionário do extremo Oriente, especialmente na China” (Dalgado, 1919Dalgado, Sebastião Rodolfo. Glossário Luso-Asiático. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1919., p. 20), para se referir à língua franca chinesa. Isto, na opinião das palavras de Wang e Lu (2020, p. 23)Wang, Suoying & Lu, Yanbin. “Equivalência contextual na tradução entre Chinês e Português: análise de alguns casos concretos”. Diacrítica, 34(3), p. 156-179, 2020. DOI: https://doi.org/10.21814/diacritica.553
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, é a busca de uma correspondência real que não se mantém apenas na superfície textual:

Na prática de tradução, não estamos a traduzir as palavras ao pé da letra, ou seja, não estamos a estabelecer a equivalência literal, superficial e formal, apenas a nível de palavras isoladas do contexto, mas sim a equivalência real de significados no âmbito do contexto, ou a recontextualização de uma situação concreta.

Apesar de serem dois idiomas muito diferentes que pertencem a diferentes famílias linguísticas, existe sempre uma possibilidade de tradução entre a língua chinesa e portuguesa. Graças ao contato entre o povo chinês e o mundo lusófono desde século XVII e intensificação da comunicação intercultural e interpessoal em últimas décadas entre a China e os países de língua portuguesa, não é difícil estabelecer uma ponte entre as duas línguas. Contudo, com a análise minuciosa dos exemplos acima apresentados, entendemos que a realização de uma tradução de qualidade necessita ainda de um conhecimento aprofundado das respetivas culturas das línguas de partida e de chegada. Se bem que as barreiras sejam incontornáveis na tradução devido às diferenças culturais intrínsecas, de acordo com Franco Aixelá (2013)Franco Aixelá, Javier. “Itens culturais-específicos em tradução”. Tradução de Mayara Matsu Marinho & Roseni Silva. In-Traduções, 5(8), p. 185-218, 2013., trata-se sempre de uma estratégia praticável para traduzir os itens culturais-específicos para a língua-alvo. No entanto, as codificações distintas também não encobrem a inteligência dos nossos antepassados e experiências semelhantes e acumuladas no decorrer do tempo.

Considerações finais

O presente trabalho apresenta alguns exemplos característicos e representativos no que diz respeito às não correspondências entre a língua chinesa e portuguesa, a partir das diferenças de espécies biológicas entre as regiões, dos hábitos e julgamento de valores e do uso linguístico-pragmático. Porém, o desvendamento de existência das não correspondências não implica a impossibilidade de comunicação intercultural e interlingual (Jatobá, 2019Jatobá, Júlio Reis. “Poéticas do Traduzir a, na e para a China: uma proposta”. Cadernos de Tradução, 39(esp.), p. 120-147, 2019. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2019v39nespp120
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; Lang & Sun, 2020Lang, Sida & Sun, Yuqi. “Estranhamento como estratégia de tradução: categorização do estranhamento na poesia leminskiana e a sua recriação na língua chinesa”. Cadernos de Tradução, 40(3), p. 154-186, 2020. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2020v40n3p154
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; Zhang & Lou, 2023Zhang, Jianbo & Lou, Zhichang. “Tradução das palavras com carga cultural no romance 活着 (huó zhe, Viver) a partir da perspectiva da eco-translatologia”. Cadernos de Tradução, 43(1), p. 1-22, 2023. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2023.e86532
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). Muito pelo contrário, revela o fato de sempre existir uma melhor estratégia de tradução para transmitir o propósito da língua de partida para a de chegada. A língua é uma reflexão da sociedade, cultura, folclore, história e pensamento ideológico de um povo (Wang & Lu, 2020Wang, Suoying & Lu, Yanbin. “Equivalência contextual na tradução entre Chinês e Português: análise de alguns casos concretos”. Diacrítica, 34(3), p. 156-179, 2020. DOI: https://doi.org/10.21814/diacritica.553
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). Portanto, a tradução exige um conhecimento profundo e completo relativamente ao contexto social, histórico e cultural que as línguas em causa refletem. O distanciamento geográfico pode fazer a cultura de cada país sui generis e insubstituível. Contudo, existe sempre uma possibilidade de construir uma ponte de comunicação.

Espera-se que este trabalho contribua não apenas para os tradutores que trabalham com a língua chinesa e portuguesa, mas também para os aprendizes de estas duas línguas, enfatizando a importância do conhecimento global da cultura que a língua reflete. Tal como os exemplos analisados apresentam, um conhecimento parcial da cultura pode conduzir à ambiguidade na tradução e impedimento à transmissão de informações pretendidas. Não se pode negar o fato de que pode existir uma lacuna no que tange aos termos específicos, tendo como exemplo, espécies biológicas em determinada região geográfica e o seu significado cultural inerente, porém, existe sempre uma possibilidade de os traduzir para outra língua, mesmo que seja ela distante da língua de partida, dependendo significativamente do conhecimento cultural e linguístico do(a) tradutor(a) e da sua estratégia adotada. Considerando a restrição da categoria e número dos casos analisados no presente trabalho, é aconselhável que as pesquisas futuras se focalizem na análise da tradução dos termos específicos em outras áreas relacionadas com a importância sociocultural das duas línguas e optem pelos exemplos ainda mais representativos.

Agradecimentos

Gostaria de agradecer cordialmente à Professora Doutora Ana Berenice Peres Martorelli, não apenas pela revisão ortográfica e estilística do presente trabalho, mas também pela sua dedicação e contribuição para a divulgação da cultura chinesa e do ensino de Mandarim no Brasil e promoção de colaborações institucionais entre a China e o Brasil.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    13 Jun 2023
  • Aceito
    01 Dez 2023
  • Publicado
    Dez 2023
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