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ENTREVISTA COM ELIZABETH RAMOS

Elizabeth Ramos é professora e pesquisadora da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e um dos grandes nomes dos Estudos da Tradução e da Literatura no Brasil. Com uma notável trajetória na Literatura, também herança do seu avô, Graciliano Ramos, Beth, como é carinhosamente chamada, escreveu sua própria história. Percorreu, no campo dos Estudos da Tradução, os caminhos da prática, estudo, ensino e pesquisa. Nesta entrevista, ela nos conta um pouco de sua história, desde o começo, com seus primeiros trabalhos em tradução, suas primeiras tentativas, passando pela sua evolução profissional e seu trabalho com estudos shakespearianos, até chegar na atualidade, apresentando-nos a grande contribuição em tradução que trouxe para a UFBA e para a Bahia. Tanto no campo da tradução interlingual e, ousadamente, no campo da tradução intersemiótica, Beth (re)desperta o interesse da comunidade acadêmica pela literatura, revisitando e revivendo personagens e narrativas clássicas desde os livros até as mais diferentes mídias. Atualmente ela trabalha na Assessoria Internacional da UFBA contribuindo para o processo de internacionalização da Universidade, mas continua fazendo pesquisa, orientando e formando tradutores e tradutoras.

Cadernos da Tradução (CT): Você pode contar um pouco da sua trajetória desde o seu ingresso nos Estudos da Tradução?

Elizabeth Ramos (ER): Estou ligada à literatura desde o dia em que eu nasci. A literatura faz parte de mim. Nasci no meio da literatura. Nasci no meio da arte. Meu avô era escritor. Apesar de ter morrido quando eu tinha dois anos de idade, ele me pegou no colo, foi meu padrinho, ainda que fosse ateu. Assim, sua influência sobre mim e meus primos foi sempre muito grande. Nós sempre nos ligamos muito à literatura. Tanto à literatura do Brasil como de fora do Brasil e a literatura de fora do Brasil, claro, chega à gente, em primeiro lugar, através da tradução, não é verdade? Assim a tradução chegou a mim.

CT: Então o contato com literatura traduzida despertou algum interesse pela tradução?

ER: Não só isso. Ainda muito jovem, com 18 ou 19 anos, fui para fora do Brasil viver um programa de intercâmbio. Fui para Nova York. E numa época sensacional. Numa época em que o Brasil politicamente estava em ebulição, uma coisa horrorosa, e os Estados Unidos também em ebulição, outra coisa horrorosa, por conta da guerra do Vietnã. Então, fui para um programa de intercâmbio, onde estudantes de setenta e tantos países se encontraram. E a gente viveu um ano de descobertas. Naquele ano, descobri que existia um país chamado Micronésia, por exemplo. E fiz amizades com europeus, asiáticos, com latino americanos, muitos latino americanos e africanos. Foi uma experiência muito rica. Quando voltei dessa minha experiência, eu voltei para Brasília. Meu pai tinha sido transferido para lá, enquanto eu estava fora, e aí, prestei vestibular. Eu tinha me preparado para prestar vestibular para Medicina, mas terminei prestando para Jornalismo, para a tristeza do meu pai. Mas como não consegui me libertar da rebeldia dos meus anos dourados em Nova York, larguei a universidade e fui jubilada.Então, comecei a trabalhar, porque eu tinha que viver. Dei aula de inglês, me casei muito menina, morei em vários lugares e me fixei no Rio de Janeiro, onde tive meus dois filhos. Foi nesta época, acho que com uns vinte e quatro anos, que traduzi meu primeiro livro, O Iluminado. (King,1987King, Stephen. O iluminado. Tradução de Betty Ramos Albuquerque. Nova Cultural, 1987.)

CT: E por que você começou com O Iluminado?

ER: Porque eu fiquei com vontade de traduzir. Então, fui à editora Record, que editava os livros do meu avô. Eu precisava ter uma âncora, eu precisava de pessoas que soubessem e pudessem ter confiança em mim. Eu me apresentei como neta do meu avô (coisa que raramente faço) e me dei uma chance. Fizeram um teste comigo, eu passei e me entregaram O Iluminado. Esta obra era uma ilustre desconhecida, ninguém conhecia. A tradução do título The Shining, foi a última coisa que eu fiz junto com um senhor muito querido, cujo sobrenome não me lembro, realmente – Tito – não sei se está vivo, já faz muito tempo. Conversamos e decidimos pelo nome de O Iluminado, pois The Shining era, de fato, a capacidade do menino de antever as situações. Pois muito bem, eu traduzi. Traduzi, e então eu percebi que a obra virou filme. E um filme dirigido por um grande diretor. Aí pensei que isso era uma coisa boa, não é? Só que eles me pagaram uma merreca e eu me senti muito frustrada. Eu não tinha direitos autorais e não tinha nada?

CT: Mas você ganhou os créditos pela tradução da obra?

ER: Sim. Está com a grafia do meu nome quando eu estava nos Estados Unidos, Betty, e o sobrenome do primeiro casamento, Ramos Albuquerque. Essa experiência foi legal, mas, agora veja: eu traduzia de noite, quando todo mundo estava dormindo, porque tinha filho pequeno. Traduzia numa máquina de escrever, Lettera 22. Era assim que eu traduzia. Eles, na editora, nos davam as laudas em papel num número sempre maior que o número de páginas do livro, porque é claro que seria mais longo. A gente tinha um número de linhas que podia datilografar. E era um inferno, porque eu batia, errava e a minha máquina não tinha corretor. Então, eu tinha que puxar de volta e passar um líquido corretor. Tinha também uns papeizinhos, mas esses papeizinhos eram caros e eu, recém mãe, usava pouco. Tinha que voltar lá no lugar do erro e bater a letra, sobre aquele papelzinho que apagava o que precisava ser corrigido. Então, quer dizer, foi assim que eu traduzi O Iluminado. Tenho ainda a máquina, lá em casa. É uma coisinha pequenininha. Em seguida, me deram outro livro. Outro dia, achei esse livro num desses sebos da vida. Acho que foi em São Paulo. Era o The Eye of the Tiger, de Wilber Smith, que traduzi como O Olho do Tigre. Uma porcaria. Eu acho que as editoras, na época, ao contrário do mercado editorial de hoje, publicavam e publicavam e, portanto, traduziam, traduziam e traduziam.

CT: Isso foi em que década?

ER: Foi na década de 1970. De meados da década para a segunda parte. E aí me deram esse livro e eu traduzi, mas me perguntava o motivo de terem me dado uma porcaria tão grande, por que um livro tão ruim? Só sei que o sucesso de O Iluminado sem direitos autorais de tradutora, junto com um livro ruim traduzido em seguida trouxeram uma sensação... um desconforto muito forte, que me levaram a abandonar a tradução. Hoje, eu me arrependo muito.

Nessa época, assumi um cargo que me fazia viajar pelo mundo. Só depois que vim para Salvador, retomei a universidade, aos quarenta e poucos anos. Fiz a graduação em Letras, fiz o mestrado e o doutorado. E foi uns dois anos depois do meu doutoramento que prestei concurso para a UFBA. E aqui, como em qualquer outra universidade, é uma correria. A gente leciona muitas aulas e tem uma série de outras atividades de pesquisa e extensão.

CT: E como você voltou para a tradução, desta vez por uma perspectiva mais acadêmica?

ER: O meu orientador aqui era um professor que estimulava os Estudos da Tradução, o Professor Luiz Angélico da Costa. Ele já faleceu, infelizmente. Era um homem brilhante que tinha um amor imenso aos Estudos da Tradução. Então, quando voltei para a universidade e optei por Letras, fiz um curso de Letras com ênfase em Tradução.

CT: Na UFBA?

ER: Não. Era uma faculdade particular, a UNIFACS. Aí, então, comecei a me interessar de novo, pela tradução. A minha monografia foi uma pesquisa sobre a tradução de Vidas Secas para o inglês. Eu queria saber como foi o tratamento da linguagem regional do Nordeste do Brasil para o inglês. E aí, ao mesmo tempo que fazia o curso, eu me perguntava como havia conseguido traduzir dois livros, ainda que de literatura de massa, sem saber de técnica da tradução, sem saber de teoria da tradução. E, então, volto ao início do meu discurso: a minha convivência com a literatura, a minha intimidade com a literatura me permitiram usar o bom senso e plica-lo nas minhas soluções. Então foi assim que me tomei de amores pelos Estudos da Tradução, porque entendi que a teoria e a prática são necessárias, afinal nem todo mundo tem essa intimidade com a literatura que eu tive desde o dia que nasci. A partir daí, decidi trabalhar junto ao meu orientador, que já estava aposentado, quando entrei na Universidade. Um pouco depois, meu orientador morreu, e resolvi continuar nos Estudos da Tradução aqui, e muito por amor a ele, por admiração. Se você observar meu currículo, deve perceber que minhas orientações são todas nesse campo. A tradução também me libertou, no sentido de que a minha pesquisa era muito relacionada a obra do meu avô. Quando meu primo, poucos anos depois, entrou na USP, para fazer mestrado se dedicando à obra do nosso avô, percebi que não era possível um pesquisador em uma universidade e outro noutra universidade trabalhando o mesmo autor, tendo ambos uma ligação de sangue com ele. E foi aí que eu decidi que queria trabalhar algum autor que mergulhasse na natureza humana tanto quanto meu avô. Assim, decidi trabalhar Shakespeare. Tudo isso, me exigiu muita coragem, porque uma coisa é assistir às peças, e outra coisa é estudar as obras... orientar alunos em torno delas. Abracei Shakespeare e uni os Estudos da Tradução aos estudos shakespearianos. Carrego o meu sobrenome e o orgulho de ser neta do meu avô, mas ao mesmo tempo, posso fazer a minha pesquisa sem rótulos genéticos. Não me nego a falar do meu avô, não me nego a trabalhar sobre ele, isso sempre me dá muita emoção e muito prazer, mas eu precisava marcar a minha assinatura. Então, é isso que eu faço. Tenho um projeto, que acho, só vou realizar depois que me aposentar: traduzir comédias shakespearianas. Este projeto foi iniciado durante o pós-doutorado, que eu fiz lá na USP. Quero construir uma linguagem sapeca. Essa linguagem que não nos faz dar gargalhadas, mas rir e refletir.

CT: Esse projeto é de traduzir ou de analisar ou o que já está traduzido?

ER: Esse projeto é de traduzir. Recentemente, traduzi dois livros no campo dos Estudos Culturais de dois professores norte-americanos. Cultures of Development, de Johathan Warren, da Routledge, junto ao meu orientando Denilo Santos, e Culture Studies in the Future Tense, de Lawrence Grossberg, da Duke University Press, junto a outro orientando, Hildeberto Reis Júnior. Então, aos poucos, estou voltando à prática de tradução, com tradução acadêmica, tradução de textos acadêmicos por esse viés dos Estudos Culturais.

CT: E como você enveredou para o campo da tradução intersemiótica? Seus projetos de pesquisa parecem ser sempre numa mesma linha com uma proposta semelhante, “Shakespeare passeia [...]”

ER: “[...] pela contemporaneidade”, “[...]no mundo juvenil, por exemplo. Sim, com apoio de outras mídias. No projeto atual, estamos trabalhando com cinema. Estamos trabalhando a questão político-religiosa do renascimento inglês. Pensamos em como isso pode ter alimentado a criatividade de Shakespeare. Então, pensamos nas peças de moralidade, pois, se pararmos para observar com cuidado, nos estudos de Shakespeare, a moralidade é muito visível nessas peças. É certo que ele não faz uso de um vilão só como vilão, ou um herói só como herói. Há acentuada quebra do maniqueísmo. O que quero dizer é que ele abre a natureza humana em todas as perspectivas. Então, percebi que existe um viés de moralidade, que caminha mano a mano com a religião. Nisso, trouxemos os sete pecados capitais e revimos a linguagem dos sete pecados capitais nos vícios. Cada pesquisadora, então, escolheu uma peça para analisar vícios que Shakespeare explora, para então entender como esses vícios são construídos no cinema contemporâneo. Esta é a pesquisa que estamos terminando agora.

CT: Você pode dar um exemplo de um resultado que vocês já encontraram?

ER: Posso. Por exemplo, Falstaff é uma personagem shakespeariana bem forte. Nas “As alegres comadres de Windsor”, ele aparece querendo enganar, querendo mentir, querendo trapacear, sempre para levar vantagem. E acaba se dando mal. É justamente nisso que há um quê de moralidade. Então quais são os vícios em Falstaff? A mentira? Ou a gula? Porque Falstaff é também representado como um cara gordo, barrigudo, beberrão, e muito exagerado. Na primeira parte do projeto, trabalhamos com a “parte teórica”, ou seja, o que era esse lado moralista, religioso da renascença inglesa. Agora, na segunda parte, estamos aplicando o que a gente estudou nas peças, na tradução intersemiótica. Por que que eu abracei a tradução intersemiótica? Eu não tinha tempo para me dedicar à tradução interlingual. Ensinava a disciplina de teoria e prática da tradução, mas não é a mesma coisa que traduzir. Os alunos gostam, alguns gostam muito, outros não suportam. Outros acham que a tradução cai do céu, que qualquer um é capaz de traduzir. E isso, também, o que o senso comum acha, justificando o tradutor ser mal pago. Qualquer um pode traduzir qualquer coisa. Então, ministrei a disciplina de Shakespeare no cinema. E foi um grande sucesso e percebi que poderia andar por esse caminho. Ou seja, tentar usar a tradução intersemiótica como um veículo que estimulasse os alunos ou outras comunidades a se interessarem por literatura. Então eu abracei a parte social da tradução intersemiótica. Eu estava agora mesmo revendo o relatório de conclusão de um projeto de uma aluna de levar Shakespeare para um condomínio residencial do “Minha Casa, Minha Vida”, numa região periférica de Salvador. Nós selecionamos uma faixa etária entre 15 e 20 anos de estudantes secundaristas e desenvolvemos o projeto juntas, com a preocupação de estimular esses estudantes. Sugeri que a minha aluna fizesse o contrário do que fazemos aqui na universidade. Aqui, primeiramente, lemos a peça, depois assistimos ao filme, na sua versão mais tradicional e depois a uma adaptação mais contemporânea. Na atividade em questão foi o contrário. Esquecemos a peça. Afinal, como é que o morador de uma zona periférica da cidade de Salvador pode ir ao teatro e assistir Shakespeare? Pensa bem. Quantas releituras de Shakespeare estão no palco de Salvador? Então é muito difícil mesmo. É como se essa camada da população não tivesse acesso à “dramaturgia clássica”. E uma dramaturgia que pode nos ensinar tanto sobre a natureza humana. Que pode nos ensinar tanto sobre o fato de que ninguém é totalmente bom e ninguém é totalmente ruim. Que pode ajudar essa população a ter uma noção mais real do que que é, por exemplo, votar. Quando voto, voto sabendo que fulano de tal é muito bom nisso, é muito ruim naquilo, tem isso daqui que eu não gosto, porque não vamos encontrar a perfeição em nada nem em coisa nenhuma. Então, selecionamos os textos fílmicos e a meninada entrou em delírio. A partir dessa experiência querem saber de Shakespeare. São essas belezas que me levaram para a tradução intersemiótica.

CT: A tradução intersemiótica, especialmente adaptações fílmicas, fala muito com a geração dos alunos, que são mais jovens. Ela toca os alunos mais profundamente, além do contato e acesso mais fácil.

ER: É isso. Ás vezes também no próprio YouTube podemos encontrar releituras curtinhas, sketches sensacionais. Isso é algo que me fascina, a capacidade que o ser humano tem de reescrever o que encontrou. O nosso projeto agora para o futuro é de Shakespeare em outras artes. Julieta na escultura, Lady Macbeth no cinema e Catarina e Bianca Minola no balé. Nosso objetivo é perceber como outros artistas reconstroem essas personagens femininas. E é isso, essa é a minha cachaça... e dela gosto muito mesmo.

CT: Você tenta então mapear as traduções intersemióticas de Shakespeare? São tantas abordagens diferentes de suas obras. Em “Shakespeare passeia pelo mundo do juvenil”, por exemplo, você trabalhou com desenho animado? E o projeto de “Vilões shakespearianos passeiam pela contemporaneidade”. Você trabalhou só com vilões?

ER: Isso, trabalhei com desenhos animados. E depois, só com vilões, com relações de poder, e também com personagens femininas no cinema... na televisão. E, no próximo projeto, retomaremos às personagens femininas, não só no cinema como também em outras artes.

CT: Por não serem adaptações fílmicas “clássicas”, mas de certa forma “novas” narrativas, como você consegue detectar nesses personagens as características de personagens shakespearianos?

ER: Este é o exercício das pesquisadoras. Fico por trás, chamando a atenção para certos aspectos específicos. E é muito divertido. Na verdade, este é meu contato com quem eu sou de fato, professora e pesquisadora. Às sextas-feiras à tarde, saio da Assessoria Internacional da UFBA e vou lá para Letras trabalhar com as minhas meninas. E é uma diversão. Aproveito, ainda, para orientar os “mais velhos”. E aí o que me deixa muito feliz com esses projetos de PIBIC é que desses projetos saíram alunos que hoje estão se doutorando. Alunos de graduação que fizeram sua monografia em Estudos da Tradução, seja interlingual ou intersemiótica, que foram para o mestrado, foram muito bem-sucedidos e seguiram para o doutorado. Você vê, o Denilo Santos, que traduziu comigo, está traduzindo Dickens, como parte de sua tese de doutorado, e nunca trabalhou com Shakespeare, concentrou-se em Dickens como um projeto de vida, e hoje é professor substituto na UFBA, ou seja, a grande maioria desses orientandos já começa a integrar o quadro de professores substitutos. Fico feliz em poder deixar alguma coisa para esses estudantes. Fico feliz que tenham absorvido muita coisa, fico feliz em vê-los num caminho bacana. Fico feliz de ter despertado neles um interesse no mundo da Literatura e dos Estudos da Tradução.

CT: Você faz outros trabalhos também que me parece ter deixado a UFBA, ou o Instituto de Letras da UFBA, mais forte em tradução. Eu observo, por exemplo, o seu trabalho no NUPEL1 1 NUPEL (Núcleo Permanente de Extensão) oferece cursos de línguas para a comunidade através de um programa de formação de professores que é ministrado pelos alunos de Letras e orientados pelos professores de Letras da UFBA. O programa também trabalha com formação de tradutores, oferecendo este trabalho para a comunidade acadêmica. . Você pode comentar um pouco sobre esse trabalho?

ER: Posso. O NUPEL é um projeto que sempre me encantou, porque diz respeito à formação de professores. Assim começou. É uma suplementação da vivência dos alunos, da sua formação como docentes, no Instituto de Letras. Passei vários anos no NUPEL pensando que deveríamos acrescentar formação de tradutores, exatamente por causa da minha trajetória. Mas até montar um projeto foi muito difícil. Que tipo de projeto poderíamos construir? Aí a primeira coisa que me pareceu viável foi traduzir o material da própria UFBA... construir um site multilíngue da universidade, que infelizmente até hoje não saiu do papel. Enfim, nesse meio tempo, o discurso de internacionalização começou a tomar força nas universidades públicas. Tivemos, então a sorte, de contar com o apoio do Pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação, o professor Olival Freire, que nos solicitou traduzir as páginas dos programas de pós-graduação com conceito 5, 6 e 7, porque a CAPES estava avaliando os programas e um dos pontos de atribuição de conceito era justamente a página do programa ser traduzida, pelo menos para a língua inglesa. Assim, a Pró-reitoria de Pesquisa e Pós-graduação ofereceu a esses programas da Universidade Federal da Bahia a possibilidade de terem seus sites traduzidos para a língua inglesa, com o apoio da própria pró-reitoria, que concede bolsa para dois tradutores em formação em língua inglesa e um em língua espanhola. E a iniciativa foi uma maravilha para os tradutores em formação, porque é uma linguagem muito específica, pois cada programa de pós-graduação lida com um assunto diferente, com um tema diferente, e isso exige muito no processo de treinamento, ao mesmo tempo que exige um comprometimento enorme. Afinal, o que fazem os tradutores? Tradutores não traduzem só o que sabem. Tradutores precisam pesquisar para saber. E isso enriquece muito sua formação. Todos gostam muito. E são tão jovens. Fazem com afinco, me procuram pedindo para eu dar feedbak, para eu ajudar como orientadora. E nisso também aprendem e articulam mais a língua inglesa na escrita, ou a língua espanhola, com seu orientador.

CT: Eles normalmente traduzem para o inglês?

ER: Sempre para o inglês, sob a minha orientação. A atividade faz com que pensem em uma série de questões, dentre elas, as variantes do inglês, por exemplo, se estão traduzindo para o inglês britânico ou inglês americano, se é postgraduate course ou se é graduate course. Dá muito prazer fazer parte desse pequeno grupo e contribuir para a formação de nossos alunos.

CT: Eu vejo a profissão tradutor como a grande opção para alguém que se forma em Letras. As opções são Licenciatura ou o Bacharelado. Licenciatura forma professores, mas o Bacharelado forma o quê? Traduzir é de fato uma profissão.

ER: É sim. Mas ela não cai do céu. Por isso, a relevância da formação do NUPEL. Ainda que trabalhem somente textos acadêmicos. Mas de qualquer modo, a prática vai dando aos alunos a confiança que precisam. E uma das exigências para ingressar no programa de formação de tradutores é justamente que tenham cursado a disciplina de teoria e prática da tradução oferecida no curso de graduação.

CT: E a tradução no currículo da UFBA, o que já existia antes de você entrar e o que você acrescentou?

ER: Já havia alguma coisa, mas muito pouco. O professor Décio Torres colaborou, criando, por exemplo, a disciplina Shakespeare no cinema. A professora Eliana Franco, que já não trabalha mais conosco, contribuiu muito, inserindo as disciplinas legendação e legendagem no programa, além de áudio-descrição. As professoras Marlene Holzhausen e Silvia Anastácio desenvolveram projetos de tradução no campo de audiolivros, em inglês e alemão. A professora Elizabeth Teixeira trabalha ativamente com LIBRAS, a língua brasileira de sinais.

CT: Atualmente você está trabalhando como Assessora Internacional. Isso tem, de alguma forma, relação no mundo dos Estudos da Tradução também?

ER: Tem muita. E fiquei muito feliz quando eu vi que havia essa relação, que acontece, em particular, graças ao projeto de internacionalização das universidades públicas brasileiras, o CAPES PRINT. No caso da UFBA, coube-me traduzir aproximadamente as quatrocentas páginas que compuseram nosso projeto. E é um trabalho muito dinâmico. Eu recebo visitas do mundo inteiro que vem conversar com o nosso Reitor. Temos também um o tradutor oficial da UFBA, que autentica os documentos de alunos que vão para o exterior. Traduzi, também, o manual “UFBA em números”, quando nossa universidade fez setenta anos, documento que permite aos nossos visitantes construir um cenário da UFBA. No mais, eu gostaria de agradecer o interesse pela minha trajetória. Nesta entrevista, acabei fazendo uma retrospectiva e parei um pouco para pensar na minha vida, sempre tão corrida.

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    NUPEL (Núcleo Permanente de Extensão) oferece cursos de línguas para a comunidade através de um programa de formação de professores que é ministrado pelos alunos de Letras e orientados pelos professores de Letras da UFBA. O programa também trabalha com formação de tradutores, oferecendo este trabalho para a comunidade acadêmica.

Referências

  • King, Stephen. O iluminado Tradução de Betty Ramos Albuquerque. Nova Cultural, 1987.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Nov 2019
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    27 Abr 2019
  • Aceito
    15 Jun 2019
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