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TRADUZINDO VALONGO: A TRADUÇÃO DA PROPOSTA DE INSCRIÇÃO DO SÍTIO ARQUEOLÓGICO CAIS DO VALONGO NA LISTA DO PATRIMÔNIO MUNDIAL DA UNESCO

TRANSLATING VALONGO: TRANSLATION OF THE NOMINATION OF VALONGO WHARF ARCHAEOLOGICAL SITE FOR INSCRIPTION ON THE UNESCO WORLD HERITAGE LIST

Resumo

Este texto busca analisar a tradução de um trecho do dossiê de candidatura do Sítio Arqueológico Cais do Valongo a Patrimônio Mundial da UNESCO pela lente da Linguística Sistêmico-Funcional. O cais, descoberto em 2011 durante os trabalhos de reurbanização no centro do Rio de Janeiro, foi construída em 1811 para o desembarque dos africanos escravizados no país. A análise enfoca um trecho do dossiê que descreve a chegada e o processamento dos africanos recém-chegados no Rio de Janeiro e as traduções para o inglês produzidas por alunos de tradução. Partes do texto em que as traduções dos alunos divergem do original são analisadas, trazendo à tona aspectos marcantes do texto, como a utilização de nominalizações e de construções verbais passivas, induzindo um efeito de apagamento dos atores históricos e distanciamento dos autores dos acontecimentos que narram. Alterações sutis identificadas em algumas das traduções, como a troca de construções passivas por verbos na voz ativa, ou vice-versa, revelam a agência ou interferência do tradutor na representação do texto de origem.

Palavras-Chave
Valongo; Tradução; Formação de Tradutores; Discurso; Linguística Sistêmico-Funcional

Abstract

This text analyses the translation of a passage from the nomination dossier of Valongo Wharf Archaeological Site for inscription on the UNESCO World Heritage List through the lens of Systemic Functional Linguistics. The wharf, discovered in 2011 during the redevelopment of the centre of Rio de Janeiro, was built in 1811 to receive enslaved Africans in the country. The analysis focuses on a passage from the dossier that describes the arrival and processing of the newly arrived Africans in Rio de Janeiro and the translations produced by students of translation. Parts of the text where the students’ translations diverge from the original are analysed, bringing to light some key aspects of the text, such as the use of nominalization and passive verb forms, erasing the agency of the historical actors and distancing the authors from the events they are narrating. Subtle shifts identified in some of the translations, such as the exchange of passive constructions for verbs in the active voice or vice-versa, reveal the agency or interference of the translator in the representation of the source text.

Keywords
Valongo; Translation; Translator Training; Discourse; Systemic Functional Linguistics

Desde a década de 1970, os Estudos da Tradução vêm ganhando corpo graças ao intercâmbio com as ideias da linguística funcional. Entre as muitas abordagens investigadas, a Linguística Sistêmico-Funcional (LSF) vem fornecendo insumos de grande valia na análise tanto do processo tradutório e dos produtos tradutórios como do ensino da tradução.1 1 Ver, por exemplo: Alves, F., Pagano, A. e Da Silva, I.A.L. “Modeling (Un)Packing of Meaning in Translation: Insights from Effortful Text Production”. Copenhagen Studies in Language 41 (2011): 153-164; Munday (2001): 141-168; Hatim e Mason (1997); Bell, Roger. Translation and Translating: Theory and Practice. London e Nova York: Longman, 1991. Morinaka, E.M. “Estudos da Tradução e Linguística Sistêmico-Funcional”. Sitientibus 42 (2010): 73-85. Lörscher, W. “A Model for the Analysis of Translation Processes within a Framework of Systemic Linguistics”. Cadernos de Tradução 2.10 (2002): 97-112.

A LSF, formulada pelo linguista britânico Michael Halliday, oferece uma sistematização funcional das línguas naturais que tem o contexto como aspecto inseparável do fenômeno linguístico propriamente falando. Todo ato de comunicação, ou texto, é visto como instanciação do sistema linguístico, que, por sua vez, é a realização do nível semântico dentro de determinado contexto. Os estratos da comunicação vão desde o contexto de cultura (o contexto “macro”), passando pelo contexto de situação (o contexto específico de determinado ato comunicacional), a semântica (onde as ideias se formam), o sistema lexicogramatical (a realização em palavras e gramática das ideias no nível semântico), e finalmente, na via oral, pela fonologia e fonética, ou, na via escrita, pela ortografia (Halliday & Matthiessen 24-6Halliday, M.A.K. An Introduction to Functional Grammar. Londres: Edward Arnold, 1994.).

Segundo Margaret Berry (43)Berry, M. “Stratum, delicacy, realisation and rank”. The Routledge Handbook of Systemic Functional Linguistics, Bartlett T. e O’Grady G. (Eds.). Londres/Nova York: Routledge, 2017. p. 42-55., a LSF é uma das poucas abordagens linguísticas que tem o contexto como componente inerente ao objeto de estudo: por ser uma teoria da linguagem como escolha – isto é, uma teoria paradigmática da linguagem – as escolhas linguísticas sofrem forte influência do contexto em que ocorrem. Ademais, entende-se que a interdependência mútua linguagem-contexto é uma via de mão dupla: da mesma forma em que o contexto molda o sistema linguístico e as instanciações possíveis dentro dele (os textos possíveis, diante das escolhas disponíveis), as próprias manifestações linguísticas efetuam, ao longo do tempo, alterações no contexto em que ocorrem.

Uma contribuição fundamental da LSF é a sistematização do contexto em três elementos interdependentes, que podem ser analisados juntos e separados para lançar luz sobre determinado texto. Esses elementos são o campo (a natureza da atividade social em que o texto é produzido), a relação (os status e papéis dos participantes da situação) e o modo (a interação linguística na situação como um todo) (Halliday apudBerry 47Berry, M. “Stratum, delicacy, realisation and rank”. The Routledge Handbook of Systemic Functional Linguistics, Bartlett T. e O’Grady G. (Eds.). Londres/Nova York: Routledge, 2017. p. 42-55.). Juntos, constroem o registro do texto.

Partindo do estrato do contexto para a lexicogramática, esses três elementos são realizados em três metafunções – a ideacional, a interpessoal e a textual. A análise metafuncional envolve a análise de orações e complexos oracionais e sua organização dentro do texto. Parte-se do pressuposto de que todo texto manifesta aspectos das três metafunções – tal como todo contexto se constrói dentro de determinado campo em que há relações específicas entre os participantes, que optam por modos diferentes de usar a linguagem. A metafunção ideacional é ligada ao campo, no sentido em que trata dos significados experienciais das orações e a lógica da sua interligação em complexos oracionais. O sistema de transitividade é a ferramenta fundamental da análise dessa metafunção, iluminando os processos em jogo e como se expressam. Em essência, trata do conteúdo do texto. A metafunção interpessoal, por sua vez, é a expressão lexicogramatical da relação (no nível contextual), onde as interações são analisadas usando a análise de modo e modalidade, revelando as intenções por trás das interações e as atitudes dos participantes. Por fim, a análise da metafunção textual – realização, no nível lexicogramatical, do modo – investiga quais aspectos de uma mensagem são priorizados e como a linguagem é usada na comunicação da mensagem (Ravelli 35-58Ravelli, L. Getting started with functional analysis of texts. Researching Language in Schools and Communities: Functional Linguistic Perspectives, Unsworth L. (Ed.). Londres/Washington: Cassell, 2000. p. 27-64.).

Este trabalho tem como objetivo investigar, à luz da LSF, as dificuldades encontradas em um texto traduzido pela autora e, posteriormente, por alunos de tradução da pós-graduação em tradução (lato sensu) de uma universidade particular brasileira.2 2 O termo “versão” em português se refere à tradução inversa – quando o tradutor produz um texto em língua estrangeira a partir de um texto fonte na sua língua nativa. Não será abordada aqui a relativa dificuldade da tradução inversa vis-à-vis a direta, quando o tradutor produz um texto na sua língua nativa a partir de um texto em língua estrangeira. A análise focará nos níveis contextual e metafuncional para investigar aspectos salientes do texto em si e da sua tradução.

Dossiê de candidatura do Cais do Valongo a Patrimônio Mundial da UNESCO

O texto a ser investigado aqui é um pequeno trecho do dossiê de candidatura do Sítio Arqueológico do Cais do Valongo a patrimônio mundial da UNICEF.3 3 Ao preparar esse trabalho, a autora percebeu que grande parte do trecho em análise não existe na versão do dossiê em português online (IPHAN). Ao consultar o coordenador do projeto, Milton Guran, foi informada que a versão online não é a versão final, aprovada pelos avaliadores da UNESCO em Cracóvia em 2017. Apenas um parágrafo do trecho analisado aqui estava nessa versão anterior, em p.86. O trecho em análise se encontra no anexo. A justificativa da candidatura foi o fato de o cais – descoberto em 2011 durante as obras de revitalização do centro e da zona portuária do Rio de Janeiro – ser o traço físico mais importante da chegada de africanos escravizados no continente americano, constituindo o local de entrada do maior número de africanos no continente.4 4 Ver as estimativas no banco de dados Trans-Atlantic Slave Trade Database, disponível em: https://www.slavevoyages.org. Situado a poucos metros do centro comercial do Rio em um local pobre e carente de infraestrutura e serviços, o cais rapidamente se tornou o foco de um movimento, liderado e integrado por diversos atores e grupos sociais, pelo reconhecimento do legado afrodescendente do país e da contribuição dessa parcela da população à formação econômica, social e cultural tanto da cidade quanto do país como um todo, haja vista a grande capilaridade do sistema escravagista Brasil afora.

O trabalho foi coordenado por um grupo de acadêmicos das áreas de antropologia, história, arqueologia e arquitetura, com o apoio institucional do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), autarquia federal responsável pela preservação do patrimônio cultural brasileiro, e da Prefeitura do Rio de Janeiro durante o governo neoliberal do prefeito Eduardo Paes. A descoberta do cais e a decisão de apoiar sua candidatura a Patrimônio Mundial aconteceram em meio a um período de franca expansão econômica no país e, em especial, no Rio de Janeiro, que incluiu grandes projetos de “reurbanização” para a zona portuária, tudo em preparação para os Jogos Olímpicos de 2016. Foi um período em que os olhos do mundo estavam voltados para o Brasil e para o Rio de Janeiro.

Coincidentemente, a Organização das Nações Unidas (ONU), na Assembleia Geral de 23 de dezembro de 2013, proclamou que os dez anos entre 1 de janeiro de 2015 e 31 de dezembro de 2024 receberiam a designação da Década Internacional de Afrodescendentes, com o tema “Afrodescendentes: reconhecimento, justiça e desenvolvimento”,5 5 O texto da Resolução, em inglês, se encontra disponível em: https://undocs.org/A/RES/68/237. O site da ONU sobre a Década é: https://www.un.org/en/events/africandescentdecade/index.shtml. fomentando pesquisas sobre o tráfico transatlântico e outros assuntos relacionados em vários países. A existência dessa iniciativa global pode ter sido um fator de influência tanto na iniciativa brasileira como na aceitação por parte do governo municipal de apoiar a candidatura, e até na concessão do título, que aconteceu em 2017.

Em contrapartida pelo título da UNESCO, o governo municipal do Rio assumiu uma série de compromissos, tais como a disseminação da coleção arqueológica, a criação de informações para turistas sobre o legado africano, a sinalização do sítio e das áreas adjacentes e a viabilização de pesquisas continuadas no sítio arqueológico (IPHAN 157-8IPHAN, Sítio Arqueológico Caís do Valongo: proposta de inscrição na lista do Patrimônio Mundial. (coord. Milton Guran). Rio de Janeiro, 2016. 16/06/2019. http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Dossie_Cais_do_Valongo_versao_Portugues.pdf.
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). Pode-se ver nessa conjuntura um encontro feliz entre os interesses neoliberais dos governantes com os objetivos socioculturais dos idealizadores da candidatura, que localizaram essa ação dentro de um “projeto maior de valorização da cultura de matriz africano” (Costa 12Costa, L. “Milton Guran: O Caís do Valongo está abandonado. Entrevista com Milton Guran”. Cult. 238, (2018): p.10-12.).

O dossiê é dividido em nove seções e dez anexos, e é ricamente ilustrado com fotos contemporâneas e históricas do local, de manifestações culturais e de artefatos retirados do sítio durante a pesquisa arqueológica, além de reproduções de obras de arte históricas. Assim, constitui um texto multimodal.6 6 Para mais sobre multimodalidade, ver: Vieira, J. e Silvestre, C.Introdução à Multimodalidade. Brasília: Universidade de Brasília, 2015. Esse aspecto se tornou, na prática, um fator complicador do processo tradutório porque o texto foi enviado para os tradutores sem as imagens. Em determinados momentos, foi preciso recuperar as imagens online ou pedir ao cliente que as fornecesse. Entretanto, mesmo sendo uma das questões tradutórias encontradas, a multimodalidade não será abordada em detalhes aqui.

Valongo – traduzindo o contexto

A descrição detalhada das circunstâncias da produção do texto fonte serve para contextualizar nossa análise. E isso é fundamental para o tradutor, tendo em vista que seu trabalho constitui a transposição de textos entre contextos linguísticos diferentes. Como comenta Nord (45-8)Nord, C. “Defining Translation Functions. The Translation Brief as a Guideline for the Trainee Translator”. Ilha do Desterro. 33, (1997): 41-56. Portal de Periódicos da Universidade Federal de Santa Catarina. 16/06/2019. https://periodicos.ufsc.br/index.php/desterro/article/view/9208/9484.
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, o tradutor precisa ter acesso a algumas informações contextuais básicas para poder tomar decisões congruentes a respeito de como traduzir o texto – pensando tanto no contexto fonte como no contexto e no público de chegada.

Na LSF de Halliday, o contexto de cultura é o estrato maior, englobando o sistema linguístico e todo seu potencial. Os diferentes gêneros textuais seriam ao mesmo tempo expressão desse contexto e elementos que o moldam. Os gêneros são atividades em que participantes de determinada cultura buscam atingir objetivos, observando para tal uma série de etapas (Martin apudEggins 55Eggins, S. An Introduction to Systemic Functional Linguistics. Nova York/Londres: Continuum, 2004.). Ou seja, no nível do gênero, tende a haver normas que regulam como se prossegue em determinado evento comunicativo (Hatim 46Hatim, B. Translating Text in Context. In: Munday J. (Ed.), The Routledge Companion to Translation Studies. Londres/Nova York: Routledge, 2009. p. 35-53.).

A análise do dossiê do Cais do Valongo como um todo revela que ele não se situa dentro de um gênero só; contem elementos diversos, cada qual com um propósito específico. Assim, poderia ser classificado como um “tipo textual” (Halliday 525Halliday, M.A.K. e Matthiessen, C.M.I.M. An Introduction to Functional Grammar. Londres: Hodder Arnold, 2004.) – uma forma intermediária institucional entre sistema e texto – ou um “macro-gênero” (Martins apudEggins 70Eggins, S. An Introduction to Systemic Functional Linguistics. Nova York/Londres: Continuum, 2004.), que teria um propósito “guarda-chuva”, dentro do qual cada texto, representando um gênero diferente, buscaria atingir um propósito intermediário. No caso em questão, o objetivo macro é o de obter o título de Patrimônio Mundial para o sítio arqueológico; as etapas para isso são essencialmente prescritas pela UNESCO. Incluem textos acadêmicos e jurídicos, resumos de planos e projetos, mapas, plantas, etc.

O fato de o gênero ter sido “imposto” aos autores do texto em português pelo público alvo da tradução é uma informação de fundamental importância para o tradutor. Como Christiane Nord (46-8)Nord, C. “Defining Translation Functions. The Translation Brief as a Guideline for the Trainee Translator”. Ilha do Desterro. 33, (1997): 41-56. Portal de Periódicos da Universidade Federal de Santa Catarina. 16/06/2019. https://periodicos.ufsc.br/index.php/desterro/article/view/9208/9484.
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explica, o tradutor, tal como um advogado, se guia no seu trabalho pelas instruções dadas pelo cliente; ou seja, pelo translation brief.7 7 Termo que Nord atribui a Janet Fraser. Muitas vezes, essas informações são escassas e o tradutor se vale da própria experiência para se orientar. Porém, como a própria Nord explica, o aluno de tradução muitas vezes precisa de mais orientação sobre o contexto da tradução que o profissional já mais experiente. Um brief mais detalhado seria indicado para conscientizar os alunos a respeito das questões contextuais específicas de cada tarefa.

O segundo estrato do contexto, segundo a LSF, é o contexto de situação. É nesse nível que a abordagem oferece um ferramental especialmente poderoso. Como dito anteriormente, o registro é constituído de três elementos: o campo, a relação e o modo do discurso, cada qual realizado em uma metafunção específica.

O campo do trecho em análise aqui é uma narrativa histórica que trata da chegada, processamento e armazenamento dos africanos escravizados no Rio de Janeiro (ver Anexo). A metafunção ideacional é marcada por processos materiais, representando ações e eventos do mundo externo. Entretanto, muitos dos verbos que representariam esses processos, principalmente no trecho descrevendo o processamento dos africanos, são nominalizados – transformados em substantivos – enquanto os processos em si são “esvaziados”.

Em termos textuais, a nominalização permite a organização retórica e maior densidade lexical (Eggins 95Eggins, S. An Introduction to Systemic Functional Linguistics. Nova York/Londres: Continuum, 2004.), sendo por esse motivo característica de textos acadêmicos, embora exista em outros gêneros. Os autores da narrativa histórica sobre o Cais do Valongo são acadêmicos, e pode-se entender que, para dar legitimidade ao texto perante os leitores da UNESCO, marcaram o texto com essa e outras características do registro acadêmico.

Entretanto, há algumas características do texto que indicam que há mais por trás dessa estratégia textual. Vejamos a segunda frase: “na época de maior atividade do Cais do Valongo, ali era realizada a contagem dos cativos que seriam desembarcados e a verificação da documentação, seguida pela inspeção da Junta da Saúde e o encaminhamento para o local de quarentena na Ilha do Bom Jesus”. A frase representa quatro etapas do processamento dos recém-chegados, mas todas essas ações são nominalizadas: contagem, verificação, inspeção e encaminhamento. O efeito disso, junto com a receptividade das orações (com processos passivos), inclusive a oração sem nominalização (“que seriam desembarcados”), é de distanciamento: nem os autores se fazem presentes, nem os próprios atores das ações sendo narradas.

Um paralelo ilustrativo pode ser feito com a mesma estrutura sintática em outro tipo textual: o artigo acadêmico empírico-experimental, tipicamente na seção “materiais e métodos”. Na frase “a quantificação de 16 agrotóxicos foi realizada por cromatografia líquida de alta eficiência”, tirada de um texto desse tipo, o verbo “determinar” aparece nominalizado (determinação) e o processo (realizar) é esvaziado de conteúdo. Tal como no texto sobre Valongo, o autor e o ator das ações estão ausentes; entretanto, no caso do texto científico, isso é motivado pela convenção de que em textos desse tipo, não se menciona o ator, pois o que importa é o processo. O distanciamento faz parte do registro mais “objetivo” do texto acadêmico empírico-experimental.

A tradução mais natural da frase sobre cromatografia seria: “16 pesticides were quantified by high-performance liquid chromatography”, recuperando o verbo da nominalização, porém mantendo a oração receptiva. É interessante que vários manuais de escrita acadêmica em inglês alertam contra o uso excessivo da nominalização, embora reconheçam que faz parte do registro acadêmico.8 8 Ver, por exemplo: Kamler, B. e Thomson, P. Helping Doctoral Students Write: Pedagogies for supervision. Londres/Nova York: Routledge, 2014, p. 95; Kirkman, J.Good Style: Writing for Science and Technology. Abingdon/Nova York: Routledge, 1992, p. 40-1. No caso do Valongo, uma tradução que procurasse manter a nominalização (p.ex. “that was where the counting of the slaves ... [and] the verification of the documentation ... took place”) seria pouco fluida e destoante. A reversão dos substantivos aos verbos de origem garante a fluidez e naturalidade da frase em inglês (p.ex. “it was there that the captives were counted ... and the documents were checked”). De 21 alunos que fizeram essa tradução, 11 mantiveram a nominalização.

No trecho em análise, mesmo quando os verbos não são nominalizados, há uma predominância de orações receptivas: os africanos que “eram considerados” em condições adequados “eram desembarcados”; depois eram “entregues” aos mercadores. Com a exceção dos mercadores, que “conduziam” os africanos e “ali atuavam”, as orações operativas aparecem mais com atores não humanas: o local “tornou-se cenário”; estabelecimentos “vendiam”; o movimento e a chegada “passou [sic] a fazer”; as casas “funcionavam”. Em termos de relação, há um nítido movimento de evitar a menção de quem fazia o que a quem; e de os próprios autores não se envolverem diretamente com as ações que narram. O tradutor que não capta essas sutilezas do trecho corre o risco de deturpá-lo na sua tradução. A maioria dos alunos da turma de 21 conseguiu criar frases adequadas com orações receptivas, mas dois usaram orações operativas (com processos ativos), assim descaracterizando o texto (atribuindo agência onde não havia no texto fonte).

Um termo relacionado a isso, que também suscitou discussão na sala de aula, foi “africanos escravizados”, em comparação com o termo “escravos”. Uma leitura dessa terminológica informada pela LSF mostra que o primeiro termo nada mais é que a “desocultação” do processo por trás do substantivo “escravo”. Se há escravo, é porque em algum momento essa pessoa foi escravizada – ou seja, foi alvo de um processo material cujo ator, no caso do tráfico transatlântico, foi o homem branco ocidental. Esse nível de análise não é necessário para ensinar ao aluno a procurar o termo certo, mas o ajuda a compreender que aquilo não é apenas um caso de “politicamente correto”.

Outro erro observado em duas das 21 traduções feitas por alunos do texto em análise ocorreu no mesmo trecho (“ali era realizada a contagem dos cativos que seriam desembarcados e a verificação da documentação”). Em vez de usar o artigo definido “the” com a palavra “documentação”, usaram o pronome possessivo “their”, com a ideia implícita que os africanos teriam documentos próprios. Isso mostra mais uma camada de complexidade do contexto nesse trecho. Por mais que o contexto fonte seja brasileiro e os tradutores também o sejam, há um abismo entre o contexto de cultura do tradutor contemporâneo e a realidade sendo narrada, não só em termos temporais, mas também em termos de convivência atual. O tradutor que confiar demais nos seus conhecimentos de mundo, achando que, por ser brasileiro, conhece o contexto de cultura por completo, vai acabar imprimindo “seu” contexto na sua tradução.

Como mencionado anteriormente, o dossiê é um texto multimodal e tem muitas ilustrações. O trecho em análise é acompanhado de duas imagens: uma do posto de alfândega, nas proximidades da rua do mesmo nome, e uma da rua do Valongo. A primeira imagem (Figura 1) mostra que o posto nas “proximidades” da rua da Alfândega ficava na água: os africanos nem eram desembarcados nesse momento. É uma lacuna de conhecimento de contexto que, para o tradutor desavisado, pode levar a erros de tradução. Os dois alunos que traduziram a localização da alfândega sendo “in the street” passaram outra ideia da logística envolvida, embora o próprio texto fale em quarentena numa ilha (o que revela o medo e a segregação que reinavam nos procedimentos envolvendo os “pretos novos”).

Figura 1
Controle na Alfândega do Rio de africanos escravizados recém-chegados. Johann Moritz Rugendas, ca 1822-1825.

A segunda imagem (Figura 2) mostra uma cena bucólica: uma enseada com mar calmo e algumas embarcações, duas pessoas conversando, uns casarões com vista para o mar; o tipo de imagem que poderia suscitar reações de nostalgia de tempos passados, paisagens intocadas, uma vida mais tranquila. Daí vem o contexto que faltava ao nosso olhar: “muitas das casas que vemos na rua funcionavam como armazéns de escravos”. Nesse ponto, o autor se coloca em cena e fala diretamente com o leitor: olha essa cena; não é bucólica, era lugar de cativo e de maus tratos. O tradutor que não perceber essa mudança de relação entre autor e leitor (deixando de lado, temporariamente, o distanciamento mais “objetivo”) deturpará seu efeito na tradução. Das 21 traduções feitas pela turma de tradução, cinco evitaram o uso de “we”, usando formas passivas (“seen” ou “represented”).

Figura 2
Aquarela de autoria de Thomas Ender, 1817, intitulada “Cercanias de Val-Longo”.

Discussão e considerações finais

A análise textual informada pela LSF oferece ao tradutor um nível de compreensão de aspectos de contexto e registro que poderiam, de outra forma, passar despercebidos. Os contextos entre os quais o tradutor opera a transposição de textos às vezes são opacos ou simplesmente desconhecidos. Pesquisar os assuntos tratados nos textos é sempre indicado, mas a análise do registro, usando a abordagem da LSF, lança uma luz ainda mais esclarecedora sobre o campo do texto, as relações em jogo entre os atores (dentro e fora do texto) e o papel da linguagem na transmissão da mensagem.

Vimos, nessa análise de um curto trecho do dossiê de candidatura do Sítio Arqueológico Cais do Valongo, como pequenas mudanças – ou translation shifts (Munday 55Munday, J. Introducing Translation Studies. Londres/Nova York: Routledge, 2001.) – podem ocorrer no processo tradutório. Enquanto há situações em que tais mudanças são necessárias para adequar o texto às normas do gênero na língua de chegada – como no caso da redução da carga de nominalização no registro acadêmico em inglês, comparada com o português – há outras em que podem transformar, mesmo que de forma sutil, a textualidade. No pequeno trecho analisado, foi destacada, nas traduções de alunos de tradução: a atribuição de agência onde não existe no texto original; a troca de uma preposição, alterando significativamente as circunstâncias de um processo material; a troca de um artigo definido por um pronome pessoal, atribuindo “personalidade jurídica” ao africano escravizado; e o uso de um verbo na forma passiva, anulando o único momento em que o autor se faz presente.

A nominalização – encontrada no trecho do texto que narra o processamento dos recém-chegados no Rio de Janeiro – recebe na LSF o nome de metáfora gramatical (Halliday 352-3Halliday, M.A.K. An Introduction to Functional Grammar. Londres: Edward Arnold, 1994.). Trata da condensação de um processo em substantivo, uma operação que, em textos científicos, teria uma função útil: o processo (técnico) representado pelo substantivo seria conhecido pelos leitores do texto, integrantes do mesmo campo discursivo, e a nominalização seria uma espécie de atalho discursivo que facilitaria a comunicação nesse campo específico. Entretanto, transferido para outro gênero ou tipo textual, esse mesmo efeito de generalização e abstração (Fairclough 144Fairclough, N. Analysing Discourse. Textual analysis for social research. Londres/Nova York: Routledge, 2003.) pode ser usado para tornar ações opacas e evitar a menção de atores, suscitando perguntas sobre os motivos por trás dessa ocultação, como é o caso do texto sobre Valongo.

Há ainda outras metáforas no texto: as lexicais. Nesse caso, objetos inanimados são tratados como se fossem os atores de processos materiais: os estabelecimentos que vendiam a chamada mercadoria humana; as casas que funcionavam como armazéns de escravos, etc. Mais uma vez, as pessoas por trás das ações se escondem nesse texto.

Num país como o Brasil, com sua história de colonização e exploração, um dos últimos países do mundo a abolir a escravidão, onde veio só em 2003 a aprovação de uma lei10 10 Lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003; disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm. que tornou obrigatório o ensino sobre história e cultura afro-brasileira, bem como de história da África e dos africanos nos estabelecimentos de ensino públicos e privados, a discussão do sistema escravagista e seu legado na atualidade ainda é incipiente e sensível. Por mais que o texto tenha sido escrito para um público estrangeiro, o projeto como um todo recebeu o patrocínio institucional dos governos municipal e federal, o que pode ter induzido os autores a recorrer ao uso da metáfora. Cabe ainda relembrar que, na versão inicial dessa narrativa histórica (que está disponível online), nenhum detalhe do processamento dos “pretos novos” foi incluído; entende-se que foi incorporado ao texto a pedido da UNESCO.

Outra forte influência institucional no texto é a própria UNESCO, que deteve o poder não só de estabelecer as regras do gênero usado pelos proponentes como também o de aceitar ou rejeitar a candidatura conforme conceitos de patrimônio estabelecidos por ela própria. Nesse caso, os autores do texto fonte tiveram que observar, em português, as normas e a nomenclatura da UNESCO, ficando os tradutores encarregados de converter o texto “de volta”, respeitando esses aspectos do contexto de recepção na tradução. Um exemplo que demonstra isso é o termo “declaração de valor excepcional” (IPHAN 13IPHAN, Sítio Arqueológico Caís do Valongo: proposta de inscrição na lista do Patrimônio Mundial. (coord. Milton Guran). Rio de Janeiro, 2016. 16/06/2019. http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Dossie_Cais_do_Valongo_versao_Portugues.pdf.
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), que nada mais é que a tradução para o português de um termo consagrado da UNESCO: “statement of outstanding value”. De 36 alunos que traduziram essa declaração sobre o Cais do Valongo, 20 erraram esse termo, ou colocando a palavra “declaration” ou a palavra “exceptional” ou as duas. Faltou-lhes entendimento da intertextualidade do texto-fonte: a “presença nele de elementos de outros textos (e daí, possivelmente, outras vozes além da do autor) com os quais pode relacionar de várias formas” (Fairclough 218Fairclough, N. Analysing Discourse. Textual analysis for social research. Londres/Nova York: Routledge, 2003.).

As decisões tomadas pelo tradutor em meio a forças sociais às vezes conflitantes não são triviais (ver análise de Hatim & Mason cap. 1). Para o tradutor em formação, a consciência das implicações das decisões que toma ainda precisa ser desenvolvida. Ademais, a realidade enfrentada pela maioria dos tradutores profissionais autônomos no Brasil os força a aceitar trabalhos de gêneros diversos (em vez de permitir que se especializem em uma área apenas), o que demanda deles uma versatilidade ainda maior em termos de registros e gêneros textuais nos dois (ou mais) idiomas de trabalho. As ferramentas da LSF poderiam ser colocadas ao serviço do ensino da tradução – na formação de professores da tradução – para contribuir para a capacitação de tradutores mais capazes de julgar onde e como intervir nos textos que traduzem, levando em consideração os contextos e as forças sociais em jogo, e ainda reconhecendo sua própria agência no ato comunicativo.

  • 1
    Ver, por exemplo: Alves, F., Pagano, A. e Da Silva, I.A.L. “Modeling (Un)Packing of Meaning in Translation: Insights from Effortful Text Production”. Copenhagen Studies in Language 41 (2011Alves, F., Pagano, A.; Da Silva, I.A.L. “Modeling (Un)Packing of Meaning in Translation: Insights from Effortful Text Production”. Copenhagen Studies in Language. 41, (2011): 153-164.): 153-164; Munday (2001)Munday, J. Introducing Translation Studies. Londres/Nova York: Routledge, 2001.: 141-168; Hatim e Mason (1997)Hatim, B.; Mason, I. The Translator as Communicator. Londres/NovaYork: Routledge, 1997.; Bell, RogerBell, R.T. Translation and Translating: Theory and Practice. Oxford: Oxford University Press, 1991.. Translation and Translating: Theory and Practice. London e Nova York: Longman, 1991. Morinaka, E.M. “Estudos da Tradução e Linguística Sistêmico-Funcional”. Sitientibus 42 (2010Morinaka, E.M. “Estudos da Tradução e Linguística Sistêmico-Funcional”. Sitientibus. 42, (2010): 73-85.): 73-85. Lörscher, W. “A Model for the Analysis of Translation Processes within a Framework of Systemic Linguistics”. Cadernos de Tradução 2.10 (2002Lörscher, W. “A Model for the Analysis of Translation Processes within a Framework of Systemic Linguistics”. Cadernos de Tradução. 2.10, (2002): 97-112. Portal de Periódicos UFSC. 16/08/2019. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/traducao/article/view/6146/5704.
    https://periodicos.ufsc.br/index.php/tra...
    ): 97-112.
  • 2
    O termo “versão” em português se refere à tradução inversa – quando o tradutor produz um texto em língua estrangeira a partir de um texto fonte na sua língua nativa. Não será abordada aqui a relativa dificuldade da tradução inversa vis-à-vis a direta, quando o tradutor produz um texto na sua língua nativa a partir de um texto em língua estrangeira.
  • 3
    Ao preparar esse trabalho, a autora percebeu que grande parte do trecho em análise não existe na versão do dossiê em português online (IPHANIPHAN, Sítio Arqueológico Caís do Valongo: proposta de inscrição na lista do Patrimônio Mundial. (coord. Milton Guran). Rio de Janeiro, 2016. 16/06/2019. http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Dossie_Cais_do_Valongo_versao_Portugues.pdf.
    http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfin...
    ). Ao consultar o coordenador do projeto, Milton Guran, foi informada que a versão online não é a versão final, aprovada pelos avaliadores da UNESCO em Cracóvia em 2017. Apenas um parágrafo do trecho analisado aqui estava nessa versão anterior, em p.86. O trecho em análise se encontra no anexo.
  • 4
    Ver as estimativas no banco de dados Trans-Atlantic Slave Trade Database, disponível em: https://www.slavevoyages.org.
  • 5
    O texto da Resolução, em inglês, se encontra disponível em: https://undocs.org/A/RES/68/237. O site da ONU sobre a Década é: https://www.un.org/en/events/africandescentdecade/index.shtml.
  • 6
    Para mais sobre multimodalidade, ver: Vieira, J. e Silvestre, C.Vieira, J.; Silvestre, C. Introdução à Multimodalidade. Brasília: Universidade de Brasília, 2015.Introdução à Multimodalidade. Brasília: Universidade de Brasília, 2015.
  • 7
    Termo que Nord atribui a Janet Fraser.
  • 8
    Ver, por exemplo: Kamler, B. e Thomson, PKamler, B.; Thomson, P. Helping Doctoral Students Write: Pedagogies for supervision. Londres/Nova York: Routledge, 2014.. Helping Doctoral Students Write: Pedagogies for supervision. Londres/Nova York: Routledge, 2014, p. 95; Kirkman, J.Kirkman, J. Good Style: Writing for Science and Technology. Abingdon/Nova York: Routledge, 1992.Good Style: Writing for Science and Technology. Abingdon/Nova York: Routledge, 1992, p. 40-1.
  • 9
  • 10
    Lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003; disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm.
  • 11
    Pereira, Julio Cesar Medeiros da Silva. “Revisitando o Valongo [...]”. Revista de História Comparada, Rio de Janeiro, 7,1: 218-243, 2013, p.225.

Referências

  • Alves, F., Pagano, A.; Da Silva, I.A.L. “Modeling (Un)Packing of Meaning in Translation: Insights from Effortful Text Production”. Copenhagen Studies in Language 41, (2011): 153-164.
  • Bell, R.T. Translation and Translating: Theory and Practice Oxford: Oxford University Press, 1991.
  • Berry, M. “Stratum, delicacy, realisation and rank”. The Routledge Handbook of Systemic Functional Linguistics, Bartlett T. e O’Grady G. (Eds.). Londres/Nova York: Routledge, 2017. p. 42-55.
  • Costa, L. “Milton Guran: O Caís do Valongo está abandonado. Entrevista com Milton Guran”. Cult 238, (2018): p.10-12.
  • Eggins, S. An Introduction to Systemic Functional Linguistics Nova York/Londres: Continuum, 2004.
  • Fairclough, N. Analysing Discourse. Textual analysis for social research Londres/Nova York: Routledge, 2003.
  • Halliday, M.A.K. An Introduction to Functional Grammar Londres: Edward Arnold, 1994.
  • Halliday, M.A.K. e Matthiessen, C.M.I.M. An Introduction to Functional Grammar Londres: Hodder Arnold, 2004.
  • Hatim, B. Translating Text in Context. In: Munday J. (Ed.), The Routledge Companion to Translation Studies Londres/Nova York: Routledge, 2009. p. 35-53.
  • Hatim, B.; Mason, I. The Translator as Communicator Londres/NovaYork: Routledge, 1997.
  • IPHAN, Sítio Arqueológico Caís do Valongo: proposta de inscrição na lista do Patrimônio Mundial (coord. Milton Guran). Rio de Janeiro, 2016. 16/06/2019. http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Dossie_Cais_do_Valongo_versao_Portugues.pdf
    » http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Dossie_Cais_do_Valongo_versao_Portugues.pdf
  • Kamler, B.; Thomson, P. Helping Doctoral Students Write: Pedagogies for supervision Londres/Nova York: Routledge, 2014.
  • Kirkman, J. Good Style: Writing for Science and Technology Abingdon/Nova York: Routledge, 1992.
  • Lörscher, W. “A Model for the Analysis of Translation Processes within a Framework of Systemic Linguistics”. Cadernos de Tradução 2.10, (2002): 97-112. Portal de Periódicos UFSC. 16/08/2019. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/traducao/article/view/6146/5704
    » https://periodicos.ufsc.br/index.php/traducao/article/view/6146/5704
  • Morinaka, E.M. “Estudos da Tradução e Linguística Sistêmico-Funcional”. Sitientibus 42, (2010): 73-85.
  • Munday, J. Introducing Translation Studies Londres/Nova York: Routledge, 2001.
  • Nord, C. “Defining Translation Functions. The Translation Brief as a Guideline for the Trainee Translator”. Ilha do Desterro 33, (1997): 41-56. Portal de Periódicos da Universidade Federal de Santa Catarina. 16/06/2019. https://periodicos.ufsc.br/index.php/desterro/article/view/9208/9484
    » https://periodicos.ufsc.br/index.php/desterro/article/view/9208/9484
  • Ravelli, L. Getting started with functional analysis of texts. Researching Language in Schools and Communities: Functional Linguistic Perspectives, Unsworth L. (Ed.). Londres/Washington: Cassell, 2000. p. 27-64.
  • Vieira, J.; Silvestre, C. Introdução à Multimodalidade Brasília: Universidade de Brasília, 2015.

Anexo

História e Desenvolvimento

[...]

A passagem pela alfândega, tal como desenhada por Rugendas, se realizava nas proximidades do final da rua que até os nossos dias leva esse nome: Rua da Alfândega, no centro do Rio de Janeiro. Na época de maior atividade do Cais do Valongo, ali era realizada a contagem dos cativos que seriam desembarcados e a verificação da documentação, seguida pela inspeção da Junta da Saúde e o encaminhamento para o local de quarentena na Ilha do Bom Jesus. Após esse período, os que eram considerados em condições razoáveis de saúde eram desembarcados no Valongo. Tal como narra o historiador

No período da quarentena, recebiam às vezes uma muda de roupa e tinham suas chagas cuidadas para depois serem entregues aos mercadores que os conduziam até a Rua do Valongo, onde se estabeleceram grandes galpões – ou armazéns, como preferiu chamar o Marquês – nos quais cabiam de 300 a 400 escravos. O Valongo, como se sabe, deu nome à toda parte nordeste da cidade, que hoje compreenderia os bairros da Saúde e Gamboa, pertencentes, antigamente, à freguesia de Santa Rita.11 11 Pereira, Julio Cesar Medeiros da Silva. “Revisitando o Valongo [...]”. Revista de História Comparada, Rio de Janeiro, 7,1: 218-243, 2013, p.225.

A transferência do desembarque e do mercado de africanos escravizados para a enseada do Valongo fez com que se incrementasse a ocupação da área, ainda no século XVIII. Até o início do século XVIII era fundamentalmente ocupada por chácaras nos morros do seu entorno e atividade pesqueira na sua orla, mas, a partir da transferência do local de desembarque de africanos escravizados, tornou-se cenário de um intenso crescimento urbano, com a construção de edificações nas quais foram instalados depósitos e armazéns de produtos agrícolas e manufaturados e também aqueles estabelecimentos que vendiam a chamada mercadoria humana. A atividade portuária se dinamizou na região, junto com o comércio escravista. Uma população numerosa de africanos escravizados e libertos, empregados nas atividades portuárias e comerciais, passou a circular no Valongo juntamente com os mercadores que ali atuavam e os compradores. O movimento de embarque e desembarque, a chegada constante de embarcações com produtos e pessoas, principalmente trazidas da África, passou a fazer do Valongo, uma região da cidade e do país já de maioria negra e voltada para o continente de origem, uma referência para africanos escravizados e libertos que viviam no Rio de Janeiro ou por lá passavam.

O caminho do Valongo passou a ser chamado de Rua do Valongo [...] e a praia do Valongo, que começava na pedreira conhecida como Pedra do Sal, tinha duas denominações. A primeira pequena enseada [...] se chamava Valonguinho. Em seguida a esta, a enseada entre o Morro do Livramento e o Morro da Saúde era o Valongo propriamente dito. [...]

A rua do Valongo era até 1820 a única ligação por terra entre a cidade e o complexo comercial do Valongo. [...] O pintor austríaco Thomas Ender executou um detalhado registro em aquarela da paisagem da Rua do Valongo, no trecho entre os morros, no ano de 1817. Muitas das casas que vemos na rua funcionavam como armazéns de escravos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Abr 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2021

Histórico

  • Recebido
    08 Set 2020
  • Aceito
    30 Nov 2020
  • Publicado
    Jan 2021
Universidade Federal de Santa Catarina Campus da Universidade Federal de Santa Catarina/Centro de Comunicação e Expressão/Prédio B/Sala 301 - Florianópolis - SC - Brazil
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