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Kasperska, Iwona; Villegas, Irlanda; Donés, Amaia M. Ideologías en traducción: literatura, didáctica, cultura. Frankfurt am Main: Peter Lang, 2016, 284 p.

Kasperska, Iwona; Villegas, Irlanda; Donés, Amaia M.. Ideologías en traducción: literatura, didáctica, cultura. Frankfurt am Main: Peter Lang, 2016. 284 p.

Em um mundo de condutas e discursos individualistas, Ideologías en traducción: literatura, didáctica, cultura é um trabalho a várias mãos. Fruto do empenho de pesquisadores, docentes, tradutores e intérpretes da Espanha, México e Polônia, esse volume coletivo de 284 páginas é composto por 15 artigos que abordam os aspectos ideológicos da tradução. São exploradas, entre outras, a intersecção da tradução com a literatura comparada, os estudos culturais, a comunicação intercultural, a dramaturgia e os estudos da tradução.

Idealizado durante os preparativos do projeto IDEO-TRANS (Implicações ideológicas da tradução intercultural) e coeditado pelas pesquisadoras Iwona KasperskaKasperska, Iwona; Villegas, Irlanda & Donés, Amaia M. Ideologías en traducción: literatura, didáctica, cultura. Frankfurt am Main: Peter Lang, 2016, 284 p., Irlanda Villegas e Amaia Donés Mendia, o livro examina desde a seleção dos textos a serem traduzidos à recepção de textos canônicos e periféricos nas culturas de chegada. São examinadas, ainda, a tradução de documentos oficiais e textos teatrais, a reescrita e novas leituras de textos antigos e as estratégias e políticas de tradução e edição.

Apesar dos posicionamentos distintos, os autores compartilham a importância da ideologia nos textos e nos discursos e entendem a ideologia como processo e como resultado. Assim, os artigos mencionam o entrelaçamento da ideologia com a tradução e afirmam a impossibilidade de neutralidade nos processos tradutórios, sob a premissa geral de que todo sujeito é um ser ideológico.

Cada texto de Ideologías en traducción: literatura, didáctica, cultura constitui um capítulo, listado no índice do volume. A introdução menciona, de maneira objetiva, o título, o autor e o tema central de cada texto, de forma que o leitor pode direcionar a ordem da leitura segundo o seu interesse:

Lailao la deliberada invisibilidade de la cultura catalana, de Pilar Arnau i Segarra: trata da prática da autotradução, e toma como exemplo o romance De Nador a Vic (2004) de Laila Karrouch, traduzido do catalão para o castelhano como Laila. Explora a “psicose autoral” dos autores que se autotraduzem, diferencia a autotradução opaca da transparente, e, principalmente, questiona as raízes ideológicas do apagamento das marcas de identidade catalã na tradução para o castelhano.

La traducción de intencionalidades de la literatura medieval a una lengua moderna: un aspecto más para tener en cuenta, de Miguel Ayerbe Linares: observa as dificuldades dos tradutores, suas decisões e resultados tradutórios no que diz respeito às denominações medievais referentes à Virgem Maria, dado o dilema de diferenciá-la das outras mulheres casadas, ante o propósito da perpetuação da virgindade da figura religiosa como mulher, mãe, esposa e virgem. Para tanto, faz um estudo comparativo1 1 Com as versões de Carlos Búa, Mª Pilar Fernández e Ignacio Juanes e a de Macià Riutort. de Heliand, um poemário sobre a vida de Cristo.

Canon poético y traducción creativa en una cadena de traducciones: de Miłosz a Pacheco, de Carmen Dolores Carrillo Juárez: ressalta a contribuição do poeta mexicano José Emilio Pacheco ao transportar para o domínio público os poemas do polonês Miłosz. Tais poemas, traduzidos pelo próprio Miłosz para o inglês e posteriormente por Pacheco para o espanhol, são considerados, nessa cadeia de traduções, como “aproximações”, ou seja, textos poéticos embasados nos poemas de Miłosz. Trata-se de mais um caso de autotradução.

Gombrowicz en español a cargo de Sergio Pitol: ¿traducciones irrelevantes o relevante falta de interés? de Monika Dabrowska: analisa a recepção da tradução da obra de Gombrowicz para o inglês, o francês e o espanhol, e questiona a diferença (ou a indiferença) da recepção das versões do tradutor mexicano Sergio Pitol, com a suspeita de um olhar eurocêntrico por parte dos estudiosos da obra, que considerariam as versões hispânicas periféricas.

Traducción o transliteración del texto teatral. Ejercicio minimalista de la pieza teatral Karol de Sławomir Mrożek, de Carlos Dimeo Álvarez: trata das peculiaridades dos textos teatrais quanto aos processos de tradução, e leva em consideração a participação de outros atores nesses processos, tais como o dramaturgo, o diretor de cena e o elenco.

Tendencias, criterios y divergencias en la traducción de un antiguo canto nahua, de Miguel Figueroa-Saavedra: analisa cinco versões traduzidas para o castelhano e para o inglês do canto nahua Xopancuicatl, otoncuicatl, tlamelauhcayotl, realizadas por tradutores diferentes em um intervalo de cem anos. Leva em consideração a função social atribuída à tradução, a interpretação do passado segundo os nossos próprios dilemas, os momentos históricos e os aspectos ideológicos dessas traduções.

Una novela posmemorial polaca en España. El caso de Tworki de Marek Bieńczyk, de Małgorzata Gaszyńska-Magier: enfoca os contextos de recepção da tradução para o castelhano2 2 Tradução de Maila Lema Quintana. do romance polonês Tworki, levando em consideração os aspectos geográficos, históricos, culturais e literários desses contextos, evidenciando a censura espanhola sob o regime franquista.

Pierre Loti e Isla de Pascua: diarios, traducciones, visiones, de Zuzanna Jakubowska-Vorbrich: observa as manipulações e o empobrecimento dos aspectos antropológicos e culturais, nas traduções para o espanhol e para o inglês do diário de viagem de Pierre Loti3 3 Pseudônimo do francês Julien Viaud. à Ilha de Páscoa, no século XIX. Tais manipulações, baseadas em fontes pouco fidedignas, contribuíram para uma visão distorcida e estereotipada dos habitantes da Ilha de Páscoa.

¿Están libres de ideología la enseñanza y el aprendizaje de la traducción? de Iwona Kasperska: aponta como as crenças e as opiniões dos sujeitos ideológicos envolvidos direta e indiretamente nos processos de ensino/aprendizagem da tradução se refletem na pedagogia da tradução, influenciando aspectos como a escolha dos textos, as estratégias didáticas e os programas de estudo. Destaca o papel da universidade como representante ideológica do Estado, enquanto subordinada ao Ministério da Educação, e defende o rompimento com a assimetria entre docente e estudante, por meio de uma prática baseada em projetos de pesquisa, para uma verdadeira autonomia nos processos de aprendizagem.

La traducción de John Milton en Hispanoamérica, de Mario Murgia: analisa diferentes traduções da obra de John Milton para o castelhano, com enfoque na bagagem ideológica e no contexto em que tais obras foram escritas, traduzidas e lidas, além de questionar o porquê da tradução tardia da obra do poeta e político inglês, de aspectos revolucionários e humanistas, para o mundo hispânico.

La ideología dominante en la traducción como ruptura de genealogías feministas, de María Reimóndez Meilán: dentre vários exemplos, faz uma análise crítica das traduções de Under Western Eyes, de Chandra Talpade Mohanty, ao castelhano4 4 Versões de María Vinós e Pilar Cuder. , com enfoque na (in)visibilização das tradutoras, suas condições de trabalho, a violação de seus textos e o apagamento de suas marcas ideológicas. Destaca a premissa de que nem o processo nem o produto de uma tradução são neutros ideologicamente, por mais que a pedagogia da tradução pregue a neutralidade e a objetividade da prática.

La transculturalidad en la literatura fronteriza: el problema del code switching y su traducción, de Anna Skonecka: ressalta a identidade híbrida das populações fronteiriças, manifestada por meio do code switching. Para tanto, utiliza como exemplo o romance The Brief Wondrous Life of Oscar Wao, do escritor Junot Díaz5 5 Escritor estadunidense-dominicano. , fazendo uma análise do texto fonte em inglês e de duas traduções6 6 Traduções de Achy Obejas e Jerzy Kozłowski. , uma para o espanhol e outra para o polonês, analisando as estratégias de tradução, as decisões de como lidar com nomes próprios e o dilema de expor ou ocultar as marcas de latinidade como caráter exótico.

La interpretación y explicación del texto especializado (documentos oficiales): el papel del traductor/intérprete, de Edyta Kwiatkowska-Faryś e Agata Wolarska: analisa uma série de documentos oficiais no par espanhol/polonês para explicar o caráter ideológico dos textos oficiais e jurídicos, apontando como esse tipo de texto especializado reflete a parte legal de uma sociedade e o tratamento dado aos setores que a compõe. Ressalta também as estratégias de tradução resultantes do conhecimento de mundo e dos preceitos ideológicos dos tradutores, os quais, de acordo com as autoras, correm o perigo de recair no que chamam de “abuso interpretativo”.

Situación de la literatura polaca sobre la Segunda Guerra Mundial en España, de Joanna Wyszyńska: evidencia a posição periférica do polissistema literário espanhol em relação ao polonês, no que diz respeito à literatura acerca da Segunda Guerra Mundial, por meio de estudo centrado na situação, no contexto europeu, das traduções para o espanhol de cinco obras canônicas: Diario del levantamiento de Varsovia de Miron Białoszewski, Nuestro hogar es Auschwitz de Tadeusz Borowski, Un mundo aparte de Gustaw Herling-Grudziński, Medallones de Zofia Nałkowska e Una mujer en Birkenau de Seweryna Szmaglewska. A autora compara as políticas editoriais de diversos países para entender a postura das editoras espanholas em relação a esse tipo de literatura, apontando as condições sociais, políticas, históricas e ideológicas do contexto espanhol.

Procesos traductorales en el aula intercultural: ejercicios discursivos y vigilancia de hábitos para la transformación epistémica, de Irlanda Villegas: demonstra como docentes e estudantes, enquanto tradutores culturais, podem insistir para uma transformação epistêmica através da ruptura da estrutura acadêmica típica de terceiro mundo que imita identidades hegemônicas. Utiliza como exemplo a experiência do uso de três exercícios dialógicos diferentes em uma aula intercultural, com base nas noções de “estético” como “deslocamento do desejo” de Spivak (2012). Reforça a necessidade de uma pedagogia transformadora e plural e o papel da educação estética como ferramenta de desmantelo de hábitos de enraizados, a fim de construir uma prática de aprendizagem intercultural.

Para as coeditoras deste volume, Ideologías en traducción: literatura, didáctica, cultura “oferece sólidas propostas de estudo e possíveis vertentes de investigação” (p. 17) para pesquisadores futuros. Conforme afirmam, o conteúdo do livro passou por “rigorosa revisão a fim de cumprir com as mais altas normas disciplinares” (p. 18). No entanto, cabe ressaltar que, apesar da premissa comum e inicial de que todo sujeito é um ser ideológico e que a tradução é permeada ideologicamente em seu processo e resultado, nem todos os textos dedicam à ideologia o mesmo grau de relevância dão à tradução. Embora os artigos de Iwona Kasperska e de María Reimóndez Meilán se destaquem pelo forte embasamento teórico mencionando autores como Althusser, Teun A. van Dijk, Lefevere, Maria Tymoczko, Tahir-Gürçaglar, Arrojo, Mona Baker e Venuti, dentre tantos outros, os artigos de Carlos Dimeo Álvarez e Carmen Dolores Carrillo Juárez fazem breves suposições de possíveis motivações ideológicas, se atendo quase que exclusivamente à tradução. A impressão final é que um artigo complementa o outro, e que, no conjunto, o volume é bem equilibrado.

  • 1
    Com as versões de Carlos Búa, Mª Pilar Fernández e Ignacio Juanes e a de Macià Riutort.
  • 2
    Tradução de Maila Lema Quintana.
  • 3
    Pseudônimo do francês Julien Viaud.
  • 4
    Versões de María Vinós e Pilar Cuder.
  • 5
    Escritor estadunidense-dominicano.
  • 6
    Traduções de Achy Obejas e Jerzy Kozłowski.

Referências

  • Kasperska, Iwona; Villegas, Irlanda & Donés, Amaia M. Ideologías en traducción: literatura, didáctica, cultura Frankfurt am Main: Peter Lang, 2016, 284 p.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    24 Jun 2022
  • Aceito
    14 Out 2022
  • Publicado
    Dez 2022
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