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Arranjo Federativo e Desigualdades em Saúde no Brasil e na Argentina * * A pesquisa que deu origem ao artigo contou com apoio da FAPEMIG, do CNPq (bolsa PQ) e da CAPES (PNPD).

Federative Arrangements and Health Inequalities in Brazil and Argentina

Arrangement Fédératif et Inégalités de Santé au Brésil et en Argentine

Acuerdo Federativo y Desigualdades en Salud en Brasil y Argentina

Resumo

Os objetivos do artigo são comparar o arranjo institucional da política de saúde de Argentina e Brasil, com foco nos arranjos federativos, e os resultados da política em relação à universalização e à igualdade entre níveis de governo. Buscou-se responder à questão recorrente no debate sobre federalismo: o formato das relações federativas tem consequências sobre a produção de políticas universais e igualitárias? O estudo é assentado em fontes documentais e bibliográficas para a comparação entre os arranjos institucionais, e em dados quantitativos relativos às dimensões consideradas na análise dos resultados: cobertura, recursos, qualidade da atenção, situação de saúde. Os indicadores de saúde das unidades federadas foram comparados a partir de medidas de dispersão e desigualdade. O artigo contribui para reforçar uma linha de argumentação que enfatiza a especificidades dos arranjos federativos e sua articulação com outras dimensões institucionais para interpretar resultados de políticas e para suprir lacunas de estudos comparativos.

federalismo; políticas de saúde; desigualdade; Brasil; Argentina

Abstract

The objectives of the article are to compare the institutional arrangements of Brazil and Argentina’s health policies while focusing on the countries’ federative arrangements, and the outcome of said policies in terms of universalization and equality between levels of government. We sought to answer a recurring question in the debate on federalism: does the format of federative relations have consequences on the making of universal and egalitarian policies? The study is based on original and bibliographic sources to compare institutional arrangements and on quantitative data of aspects addressed in the analysis of the results: coverage, resources, quality of care, and health situation. It compares the health indicators of the federated units using measures of dispersion and inequality. Finally, the article reinforces the argument emphasizing the peculiarities of federative arrangements and how they coordinate with other institutional dimensions to interpret policy results and to fill gaps in comparative studies.

federalism; health policies; inequality; Brazil; Argentina

Résumé

Les objectifs de l’article sont de comparer l’arrangement institutionnel de la politique de santé en Argentine et au Brésil, en mettant l’accent sur les arrangements fédératifs, et les résultats des politiques en matière d’universalisation et d’égalité entre les niveaux de gouvernement. Nous avons cherché à répondre à la question récurrente du débat sur le fédéralisme : le format des relations fédératives a-t-il des conséquences sur la production de politiques universelles et égalitaires ? L’étude s’appuie sur des sources documentaires et bibliographiques pour la comparaison des dispositifs institutionnels, et sur des données quantitatives liées aux dimensions considérées dans l’analyse des résultats : couverture, ressources, qualité des soins, situation sanitaire. Les indicateurs de santé des unités fédérées ont été comparés à l’aide de mesures de dispersion et d’inégalité. L’article contribue à renforcer une argumentation qui met l’accent sur les spécificités des dispositifs fédératifs et leur articulation avec d’autres dimensions institutionnelles pour interpréter les résultats des politiques et combler les lacunes des études comparatives.

fédéralisme; politiques de santé; Inégalités; Brésil; Argentine

Resumen

Los objetivos del artículo son comparar el arreglo institucional de la política de salud en Argentina y Brasil, centrándose en los arreglos federativos, y los resultados de la política en relación con la universalización y la igualdad entre niveles de gobierno. Se trató de responder a la pregunta recurrente en el debate sobre el federalismo: ¿tiene el formato de las relaciones federales consecuencias en la producción de políticas universales e igualitarias? El estudio se basa en fuentes documentales y bibliográficas para la comparación entre los arreglos institucionales, y en datos cuantitativos relacionados con las dimensiones consideradas en el análisis de los resultados: cobertura, recursos, calidad de la atención, situación sanitaria. Los indicadores de salud de las unidades federadas se compararon a partir de medidas de dispersión y desigualdad. El artículo contribuye a reforzar una línea argumental que hace hincapié en las especificidades de los arreglos federativos y su articulación con otras dimensiones institucionales para interpretar los resultados de las políticas y colmar las lagunas de los estudios comparativos.

federalismo; políticas de salud; desigualdad; Brasil; Argentina

Introdução: federalismo e políticas sociais

O debate sobre a importância do federalismo na produção de políticas públicas não é novo e se relaciona com a definição de competências entre os entes federados, a distribuição de recursos entre eles e as características das relações intergovernamentais. Particularmente, tem avançado os estudos comparativos que analisam a relação entre federalismo e políticas redistributivas (Obinger, Castles e Leibfried, 2005; Pierson, 1995; Souza, 2016Souza, Celina. (2016), “Federalismo e Políticas Públicas Nacionais: Diversidade ou Uniformidade?”, in Menicucci, Telma; Leandro, José Geraldo (orgs.), Gestão e Políticas Públicas no Cenário Contemporâneo: Tendências Nacionais e Internacionais. Rio de Janeiro, FIOCRUZ, pp. 131-153. ; Swank, 2001Swank, Duane. (2001), “Political Institutions and Welfare State Restructuring”, in Pierson, Paul (ed.), The New Politics of the Welfare State. Oxford, University Press, pp. 197-237. ). Uma ideia recorrente é a de que os arranjos institucionais do federalismo e do welfare state parecem desempenhar funções opostas: federalismo é um dispositivo institucional desenhado para assegurar unidade por meio de certo grau de diversidade enquanto o objetivo básico do welfare é garantir direitos sociais iguais. Decorre dessa contradição entre diversidade e unidade a suposição de que as políticas sociais em estados federais geram tensões e conflitos sobre quem obtém o quê, a que nível de governo deve ser atribuída a provisão de serviços sociais e os seus custos (Obinger, Castles e Leibfried, 2005).

Entretanto, há divergências na forma de entender essa relação ente federalismo e políticas sociais, particularmente aquelas de caráter universal e pretensões igualitárias. Parte da literatura, focada principalmente nos processos de descentralização política e fiscal do federalismo, destaca os riscos de segmentação dos níveis de provisão de serviços e as diferenças na acessibilidade a direitos e garantias nacionais. Isso porque a descentralização dispersa a receita e a despesa social, reproduzindo as desigualdades territoriais. Decorre daí que determinados níveis de autonomia dos governos subnacionais impõem restrições às capacidades redistributivas do governo central. Em consequência, enquanto forma específica de organização do Estado nacional, cuja principal característica é a divisão territorial do poder político, o federalismo tem efeitos na conformação e desenvolvimento das políticas sociais ao constranger propostas redistributivas e ou de conteúdo universal1 1 . Versão bastante preliminar desse artigo foi apresentado no encontro anual da ANPOCS, tendo seus dados posteriormente atualizados ( Menicucci, 2017 ). .

Estudos focados nos Estados Unidos corroboram esse argumento de que o federalismo é um inibidor das políticas de bem-estar social na medida em que dispersa o poder territorialmente, aumenta o número de atores com poder de veto no processo decisório, coloca o problema de coordenação política e dificulta a obtenção de suporte majoritário ao governo central para estabelecer políticas sociais. Tudo isso torna mais difícil expandir gastos sociais e formular políticas sociais de âmbito nacional ( Peterson, 1995Peterson, Paul. (1995), The price of Federalism. Washington D. C., The Brookings Institution. ; Swank, 2001Swank, Duane. (2001), “Political Institutions and Welfare State Restructuring”, in Pierson, Paul (ed.), The New Politics of the Welfare State. Oxford, University Press, pp. 197-237. ; Tsebelis, 2002Tsebelis, George. (2002), Veto Players: How Political Institutions Work. Princeton, Princeton University Press. ).

Mas os resultados contraditórios a partir de outros países federais atestam as dificuldades de encontrar padrões nas federações, destacando-se o estudo comparativo de seis federações organizado por Obinger, Castles e Leibfried (2005). Adotando a perspectiva do institucionalismo histórico, os autores e colaboradores agregam outras variáveis institucionais e, particularmente, a dimensão temporal para entender a associação entre federalismo e políticas de bem-estar, identificando uma relação recíproca, e não unilateral, entre os dois fenômenos. Há diferenças entre os países a partir da ordem temporal em que se deram os dois eventos: desenvolvimento de um federalismo democrático e surgimento do Estado de bem-estar, argumento sintetizado por Franzese e Abrucio (2013Franzese, Cibele; Abrucio, Fernando Luiz. (2013), “Efeitos Recíprocos Entre Federalismo e Politicas Pública no Brasil: os Casos dos Sistemas de Saúde, de Assistência Social e de Educação”, in Hochman, Gilberto; de Faria, Carlos Aurélio Pimenta (orgs), Federalismo e Políticas Públicas no Brasil. Rio de Janeiro, FIOCRUZ, pp. 361-386.: 370):

Nos casos em que o federalismo democrático funcionava antes da implementação do Welfare State, vigorava uma estrutura mais descentralizada. Por essa razão, as políticas sociais se consolidaram em âmbito nacional mais tardiamente e o aumento do gasto social ocorreu de modo mais lento. Em outras palavras, o federalismo teve de fato um papel de retardar e, em alguns casos, impedir a formação de políticas de bem-estar social em países como Estados Unidos, Canadá, Austrália e Suíça. No entanto, nos países em que o desenvolvimento do Estado de Bem-Estar social ocorre em contexto federativo centralizado e autoritário – como na Alemanha e na Áustria –, as políticas sociais são mais rapidamente implementadas em nível nacional e o gasto social apresenta um crescimento mais rápido e maior.

A partir do argumento da reciprocidade, o estudo comparativo apontou que o maior número de atores políticos com capacidade de veto em federações pode coibir a retração destas políticas na era de ajuste fiscal e reformas de Estado. Essas conclusões, em confronto com os estudos que enfatizam os efeitos inibidores do federalismo, não permitem produzir generalizações sobre a influência do federalismo na adoção ou não de políticas redistributivas ( Greer, 2009Greer, Scott. (2009), “How Does Decentralisation Affect the Welfare State? Territorial Politics and the Welfare State in the UK and US”. Journal of Social Policy, v. 39, n. 02, pp. 181-201. ; Souza, 2016Souza, Celina. (2016), “Federalismo e Políticas Públicas Nacionais: Diversidade ou Uniformidade?”, in Menicucci, Telma; Leandro, José Geraldo (orgs.), Gestão e Políticas Públicas no Cenário Contemporâneo: Tendências Nacionais e Internacionais. Rio de Janeiro, FIOCRUZ, pp. 131-153. ). Essas controvérsias levam à relativização dos efeitos do federalismo que, por si só, não pode ser visto como um obstáculo para o desenvolvimento de políticas sociais; seu impacto positivo ou negativo depende de sua configuração institucional e de outras variáveis contextuais, bem como do timing de seu desenvolvimento em relação ao desenvolvimento das políticas sociais. Como afirma Pierson (1995), federalismo claramente importa, mas como importa depende das características particulares do sistema federal e da maneira em que as instituições federais interagem com outras variáveis.

Essa conclusão remete à ideia, hoje consensual, de que o federalismo é um fenômeno múltiplo e caracterizado por diferentes arranjos institucionais e de que, nessa medida, pode ter efeitos diferenciados sobre as políticas públicas ( Arretche, 2012Arretche, Marta. (2012), Democracia, Federalismo e Centralização no Brasil. Rio de Janeiro, Editora FGV; Editora Fiocruz. ; Falleti, 2005, 2006; Obinger, Castles e Leibfried, 2005; Pierson, 1995; Stepan, 1999Stepan, Alfred. (1999), “Para uma Nova Análise Comparativa do Federalismo e da Democracia: Federações que Restringem ou Ampliam o Poder do Demos”. Dados, v. 42, n. 2, pp. 197-251. ). Além disso, pode assumir diferentes configurações em áreas específicas de políticas públicas, a depender do formato da descentralização jurisdicional e fiscal entre os níveis de governo e das regras institucionais que centralizam a autoridade política e definem mecanismos de coordenação nacional, que podem variar entre as políticas ( Arretche, 2012Arretche, Marta. (2012), Democracia, Federalismo e Centralização no Brasil. Rio de Janeiro, Editora FGV; Editora Fiocruz. ). Ou seja, mesmo que a descentralização política, ou distribuição territorial de autoridade, seja inerente ao federalismo dada a constituição de governos subnacionais autônomos, bem como algum nível de descentralização fiscal, que define a participação dos entes subnacionais nas receitas e despesas públicas, há diferentes tipos de descentralização e variações entre o grau de descentralização ( Arretche, 2004Arretche, Marta. (2004), “Federalismo e Políticas Sociais no Brasil: Problemas de Coordenação e Autonomia”. Revista São Paulo em Perspectiva, v. 18, n. 2, pp. 17-26. ; Riker, 1964RIKER, William. (1964), Federalism, origin, operation, significance. Boston, Little, Brown and Company. ; Soares e Machado, 2018Machado, Cristiani Vieira. (2018), “Políticas de Saúde na Argentina, Brasil e México: Diferentes Caminhos, Muitos Desafios”. Ciência & Saúde Coletiva, v. 23, n. 7, pp. 2197-212. ; Souza, 2008Souza, Celina. (2008), “Federalismo: Teorias e Conceitos Revisitados”. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais (BIB), n. 65, pp. 27-48. ). Consequentemente, os efeitos do federalismo não são uniformes entre e intra países, podendo haver variação entre áreas de atuação governamental e, além da forma de estado, outros fatores político-institucionais podem ser importantes para a produção de políticas sociais.

É nessa linha de argumentação que se situa este artigo, que tem como propósito geral analisar a relação entre os arranjos federativos específicos da área da saúde e os resultados das políticas de saúde em relação à universalização e à igualdade entre níveis de governo, tomando como casos dois países federais latino-americanos: Argentina e Brasil. Com foco nesse tipo de resultados, o artigo dialoga com o argumento geral de que o federalismo impacta as políticas sociais, particularmente no sentido de constranger (ou não) a construção de políticas universais e a obtenção de maior ou menor igualdade, dependendo de suas caraterísticas específicas. Nesse sentido, busca-se responder, com foco na saúde, a uma questão recorrente no debate sobre federalismo: o formato das relações federativas tem consequências sobre a produção de políticas de saúde universais e igualitárias?

Sem desconsiderar que esses arranjos específicos do setor expressam e se inserem no arcabouço institucional mais amplo do federalismo, apenas assume-se que o federalismo pode adquirir características específicas no âmbito da saúde e que se relacionam com a trajetória da política em cada país e com o seu desenho institucional. Além disso, consoante às conclusões de parte da literatura, assume-se que o federalismo de fato importa, mas como um dos fatores que explicam os resultados de uma política, sendo necessário considerá-lo em articulação com outras instituições ( Alonso, 2020Alonso, Guillermo. (2020), “Transiciones Desde el Bismarckismo. Los Proyectos de Reforma Universalista en los Sistemas de Salud. España, Brasil y Argentina”. Desarrollo Económico. Revista De Ciencias Sociales, v. 59, n. 229, pp. 387-418. ; Hacker, 1998Hacker, Jacobs. (1998), “The Historical Logic of National Health Insurance: Structure and Sequence in the Development of British, Canadian and U.S. Medical Policy”. Studies in American Political Development, v. 12, n. 1, pp. 57-130. ; Obinger et al , 2005; Pierson, 1995).

Partindo dessa perspectiva configuracional, defendemos o argumento de que o formato das políticas de saúde do Brasil e da Argentina e seus resultados quanto à universalidade e igualdade decorrem tanto da trajetória de suas respectivas políticas, na qual se mesclam fatores políticos contextuais – sendo o federalismo uma, entre outras, das variáveis institucionais a explicar os resultados das políticas de saúde –, bem como das diferenças entre os respectivos arranjos federativos setoriais que são expressão desta trajetória. Mais do que uma qualificação desses resultados de modo geral, o que se pretende analisar são aqueles relativos à igualdade entre as unidades federadas; tanto em relação à capacidade de produzir serviços de saúde, como em relação à situação de saúde de suas respectivas populações.

Para o interesse deste artigo serão consideradas algumas dimensões clássicas nos estudos do federalismo capazes de afetar a desigualdade e as hipóteses associadas:

  1. Centralização/descentralização jurisdicional, entendida como a capacidade de produzir legislação relativa ao desenho de políticas. Em relação à possibilidade de produzir políticas nacionais e universais, a hipótese é de que a maior centralização jurisdicional aumenta a capacidade do governo central para formular e coordenar políticas sociais favorecendo mudanças e maior inclusão social ( Arretche, 2012Arretche, Marta. (2012), Democracia, Federalismo e Centralização no Brasil. Rio de Janeiro, Editora FGV; Editora Fiocruz. , 2013Arretche, Marta. (2013), “Quando Instituições Federativas Fortalecem o Governo Central?” in Hockman, Gilberto; de Faria, Carlos Aurélio Pimenta (eds). Federalismo e Políticas Públicas no Brasil. Rio de Janeiro, Fiocruz, pp. 65-90. , 2009Arretche, Marta. (2009), “Continuidades e Descontinuidades da Federação Brasileira: de Como 1988 Facilitou 1995”. Dados, v. 52, n. 2, pp. 377-423. ; Faletti, 2005Faletti, Tulia. (2005), “A Sequential Theory of Decentralization: Latin America Cases in Comparative Perspective”. American Political Science Review, v. 99, n. 3, pp. 327-346. , 2006; Soares e Machado, 2020).

  2. Federalismo fiscal, que se relaciona à definição de receitas e despesas sociais entre os níveis de governo e à garantia de recursos financeiros aos governos subnacionais por arrecadação própria ou transferências intergovernamentais, podendo significar também a autonomia de gasto. A hipótese é que a centralização fiscal pode favorecer a alocação de despesas sociais mais igualitárias no território nacional (Obinger, Leibfried, Castles, 2005; Soares e Machado, 2020).

  3. Descentralização de competências (policy-making ), entendida como a responsabilidade pela execução de políticas públicas, e a descentralização da autoridade decisória (policy decision-making ), que se refere à autonomia decisória sobre essas atribuições e se relaciona com a descentralização jurisdicional. Em geral, a literatura assume que quanto maior a liberdade decisória, maior a desigualdade nos serviços prestados entre as jurisdições, significando que os Estados federativos produzem efeitos centrífugos sobre a produção de políticas públicas. Mas no caso em que a regulação central limite a autonomia decisória dos governos subnacionais é possível que esses efeitos centrífugos sejam mitigados ou eliminados, dado o impacto das relações verticais sobre a produção de políticas públicas. Decorre daí que os resultados de políticas públicas dependem do modo como se combinam três dimensões das políticas setoriais: autoridade para executar políticas, autoridade para tomar decisões com relação às regras de sua execução e o controle sobre recursos ( Arretche, 2012Arretche, Marta. (2012), Democracia, Federalismo e Centralização no Brasil. Rio de Janeiro, Editora FGV; Editora Fiocruz. ; Falleti, 2005, 2006).

A partir dessas dimensões, são comparados os arranjos federativos na área da saúde, do Brasil e da Argentina, e identificados resultados em relação à universalidade e igualdade entre os entes federados. A pesquisa foi assentada em fontes secundárias – documentais e bibliográficas –, e pela garimpagem de dados, nacionais e internacionais. Tendo em vista os objetivos do artigo, os dados de interesse são aqueles desagregados por unidade federativa2 2 . No caso da Argentina esses dados são escassos e nem sempre atualizados, o que colocou limites para a pesquisa. .

O artigo está estruturado em três seções. Na primeira, é feita uma brevíssima contextualização dos dois países federativos e uma cronologia esquemática da trajetória dos sistemas de saúde, que redundou nos seus respectivos arranjos institucionais da política de saúde. Esses arranjos são descritos na segunda seção, considerando: i) o desenho do sistema de saúde e seus princípios organizadores; ii) a divisão de competências, responsabilidades e de poder decisório entre os entes federados (centralização/descentralização jurisdicional); e iii) a divisão e o controle sobre recursos entre instituições e entes federados (federalismo fiscal), considerando também ações redistributivas do governo central.

Na terceira seção, a partir da dimensão da desigualdade, são comparados alguns indicadores de saúde das unidades federadas – particularmente, a cobertura, recursos disponíveis, qualidade da atenção à saúde e situação de saúde da população –, interpretando esses resultados como possíveis efeitos dos arranjos institucionais. São apresentados também alguns indicadores socioeconômicos capazes de afetar esses resultados que não podem ser atribuídos exclusivamente aos arranjos institucionais da política. Nessa seção é descrita a metodologia de levantamento e organização dos dados. Por fim, na quarta parte são sumarizadas algumas conclusões.

O desenvolvimento dos sistemas de saúde nas federações argentina e brasileira

O estado federal argentino é constituído por 23 províncias e a Cidade Autônoma de Buenos Aires (CABA). Cada nível de governo tem diferentes responsabilidades na provisão de bens e serviços públicos e diferentes atribuições em relação à imposição de cargas tributárias (Bertanou et al , 2015). As províncias possuem subdivisões administrativas e municípios, mas esses últimos são dependentes das primeiras, que têm a obrigação de organizar o regime municipal em seu território visando assegurar a autonomia dos municípios. Assim, existem de fato 24 sistemas municipais diferentes, com diversos graus de autonomia ( Smulovitz e Clemente, 2004Smulovitz, Catalina; Clemente, Adriana. (2004), Descentralización, Políticas Sociales y Participación Democrática en Argentina. Buenos Aires, IED-América Latina; Woodrow Wilson Center. ). As províncias são consideradas preexistentes à Nação e, no sentido constitucional, essa última só possui as atribuições que lhe são delegadas de forma explícita; todas as demais cabem às províncias que podem legislar, dentro de seu território, sobre quaisquer temáticas que não são de exclusividade do Congresso Nacional. Entre esses temas nos quais as províncias têm autonomia legislativa estão a saúde, a educação e a assistência social. Houve no país uma crescente descentralização de funções e gastos para o nível provincial e, ao mesmo tempo, um importante grau de centralização tributária no nível nacional ( Porto e Sanguinetti, 1996Porto, Alberto; Sanguinetti, Pablo. (1996), “Las Transferencias Intergubernamentales y la Equidad Distributiva: el Caso Argentino”. Serie Política Fiscal 88. Proyecto Regional de Descentralización Fiscal CEPAL/GTZ. Santiago, Chile, Comision Economica Para America Latina y el Caribe. ). O regime de coparticipação federal de impostos (CFI) é a transferência mais importante para as províncias, mas esses recursos não estão vinculados a nenhum uso específico e são sujeitos a mudanças em função de pactuações políticas. Estudo de Porto e Sanguinetti (2001)Porto, Alberto; Sanguinetti, Pablo. (2001), “Political Determinants of Intergovernmental Grants: Evidence From Argentina”. Economics and Politics, v. 13, n. 3, pp. 237-256. indica que a distribuição federal não pode ser explicada apenas por questões normativas, mas são associadas a variáveis políticas como a representação política das jurisdições no congresso.

O Brasil “também é uma república federativa formada pela União, 26 estados, 5.570 municípios e o Distrito Federal. Nesse federalismo de três níveis, os entes federados, inclusive os municípios, têm autonomia político-administrativa, mas caracterizam-se por heterogeneidades estruturais e desigualdades socioeconômicas. Há uma distribuição de competências e atribuições entre União, Estados e municípios, mas em muitas áreas a União tem competência privativa de legislar; os estados-membros têm reduzido número de competências exclusivas, algumas competências remanescentes e muitas competências concorrentes e compartilhadas. Por um lado, o federalismo brasileiro é caracterizado por alto grau de descentralização política, fiscal e de competências, particularmente para a execução das políticas sociais, sendo os municípios os principais provedores de serviços sociais básicos. Mas, por outro, há um grande desnível entre as competências administrativas e as possibilidades financeiras, sendo que a maioria dos municípios depende dos recursos das transferências federais (algumas constitucionais e outras condicionadas) que constituem a sua principal fonte de receita ( Menicucci, 2014Menicucci, Telma. (2014), “A Relação Entre o Público-Privado e o Contexto Federativo do SUS: uma Análise Institucional”. Série Políticas Sociais, n. 196. Santiago do Chile, Cepal.: 33). Esse desnível costuma ser associado a porte e região de inserção, e o Fundo de Participação dos Estados (FPE) e o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) são os principais mecanismos de transferências constitucionais cuja distribuição é quase proporcional à população – uma vez que há distorções decorrentes da divisão dos municípios em faixa populacionais, e inversamente proporcional à renda, com vistas à redução dos desequilíbrios regionais. Todavia, a Constituição brasileira confere ampla autoridade legislativa à União e limitadas oportunidades institucionais para o veto dos governos subnacionais ( Arretche, 2012Arretche, Marta. (2012), Democracia, Federalismo e Centralização no Brasil. Rio de Janeiro, Editora FGV; Editora Fiocruz. ). A União exerce poderosa influência e poder de regulação sobre as políticas dos governos subnacionais por meio da legislação específica de cada área e pelo maior poder de gasto, a despeito da descentralização política, fiscal e de competência. Por meio de transferências condicionadas são providos incentivos para o alinhamento dos governos locais às prioridades da agenda federal.

Pode-se dizer que nos dois casos existem governos centrais fortes, mas o Brasil apresenta maior grau de centralização jurisdicional. Na Argentina, a produção legislativa no âmbito nacional é mais restrita, deixando maior espaço para as províncias legislarem, inclusive sobre políticas sociais. Já o Brasil tem maior grau de descentralização das receitas tributárias, mas isso é contrabalanceado pela centralização jurisdicional que possibilita à União interferir na forma de gastar dos entes subnacionais. As diferenças de status conferidas ao município em ambos os países também têm implicações para o desenvolvimento das políticas sociais ( Soares e Machado, 2016Soares, Márcia; Machado, José Ângelo. (2016), Federalismo e Políticas Sociais na Argentina e no Brasil. 10º Encontro da ABCP, Anais... Belo Horizonte, Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP), pp. 1-27 . ).

Mesmo que Argentina e Brasil sejam consideradas federações centralizadas do ponto de vista jurisdicional e fiscal (Soares e Machado, 2020) – o que possibilitaria ao governo federal defender políticas universais e igualitárias – o governo federal brasileiro tem mais recursos institucionais para afetar o desenho e o financiamento das políticas sociais, o que favorece maior igualdade. Mas a reduzida centralização jurisdicional argentina em relação às políticas sociais e a dependência de barganhas entre os níveis de governo para a definição de regras de divisão de receitas e despesas, favorecem políticas territorialmente segmentadas com baixo poder equalizador. Políticas nacionais são negociadas diretamente pelo executivo nacional, que detém recursos, e os governadores provinciais, o que, associado à super-representação das províncias pequenas, faz com que o padrão de alocação de recursos tenda a favorecer as províncias menores (Gibson, Calvo e Falleti, 2004, apud Soares e Machado, 2020).

Trajetória das políticas de saúde

Diferentes processos históricos e políticos levaram à constituição dos respectivos sistemas de saúde nos dois países em momentos distintos e a partir de diferentes princípios. Se ambos os países pretenderam construir sistemas universais, as decisões relativas ao desenvolvimento da provisão de serviços de saúde na Argentina levaram à constituição de um setor fragmentado em três subsistemas, diferenciados pela população que cobrem, tipo de financiamento, serviços oferecidos e ente gestor. No Brasil, ao contrário, construiu-se um sistema único, universal e formalmente igualitário, sem deixar, contudo, de manter um sistema privado suplementar vigoroso. Os quadros abaixo sintetizam de forma esquemática a evolução do sistema de saúde nos dois países3 3 . Foge ao escopo deste artigo, cujo foco é analisar as desigualdades entre os entes subnacionais, reconstruir essas trajetórias em profundidade. Essa reconstrução fez parte da pesquisa que originou este trabalho e é analisado em outro artigo no prelo. .

Quadro 1
Cronologia do sistema de saúde da Argentina

Quadro 2
Cronologia do sistema de saúde do Brasil

Quadro 3
Resultados da política de saúde: Dimensões, Indicadores e Fontes
Quadro 4
Indicadores socioeconômicos e fontes

Características atuais dos sistemas de saúde na Argentina e no Brasil

A constituição da Argentina, reformada em 1994, menciona o direito à saúde apenas no artigo 42, parágrafo primeiro, vinculando-o aos direitos de consumidores e usuários de serviços. Entretanto, como foi integrado ao texto os Tratados e Convênios Internacionais sobre os Direitos Humanos , decorre daí que a saúde é incorporada como direito e responsabilidade do Estado (Plan Federal de Salud 2010-2016).

O arranjo institucional da saúde é segmentado em três subsetores ( Acuña e Chudnovsky, 2002Acuña, Carlos; Chudnovsky, Mariana. (2002), “El sistema de Salud en Argentina”. Documento 60. Universidad de San Andrés/Centro de Estudios para el Desarrollo Institucional, Fundación Gobierno y Sociedad. ; Alonso, 2020Alonso, Guillermo. (2020), “Transiciones Desde el Bismarckismo. Los Proyectos de Reforma Universalista en los Sistemas de Salud. España, Brasil y Argentina”. Desarrollo Económico. Revista De Ciencias Sociales, v. 59, n. 229, pp. 387-418. ; Bisang e Cetrángolo,1997Bisang, Roberto; Cetrángolo, Oscar. (1997), Descentralización de los servicios de salud em La Argentina. Santiago, ONU/CEPAL. ; Cetrángolo e Devoto, 2002Cetrángolo, Oscar; Devoto, Florencia. (2002), “Organización de la Salud en Argentina y Equidad. Una Reflexión Sobre las Reformas de los Años Noventa e Impacto de la Crisis Actual”. Apresentado na oficina: Regional Consultation on Policy Tools: Equity in Population Health”. Toronto, 17 de junho de 2002. ; Machado, 2018Machado, Cristiani Vieira. (2018), “Políticas de Saúde na Argentina, Brasil e México: Diferentes Caminhos, Muitos Desafios”. Ciência & Saúde Coletiva, v. 23, n. 7, pp. 2197-212. ; Repetto et al , 2001)4 4 . Embora em parte da literatura eles sejam denominados como subsistemas, consideramos mais adequado o termo mais usual de subsetores dado que, a rigor, não se pode falar de um sistema de saúde articulado na Argentina. . O primeiro é o Subsetor Público, de acesso universal, mas que na prática é o refúgio dos estratos populacionais de menor renda que não têm cobertura da seguridade social e nem capacidade de gasto privado, ou das pessoas que enfrentam restrições geográficas para acesso a serviços. Esse subsetor é de competência dos governos provinciais e financiado na sua maior parte pelos seus orçamentos por meio de recursos fiscais, secundariamente por algumas transferências do orçamento nacional e marginalmente por orçamentos municipais.

A supervisão cabe ao Ministério da Saúde da Nação, que formalmente tem como funções a condução e o direcionamento político do setor saúde em seu conjunto e que, por meio do Conselho Federal de Saúde (COFESA), vincula-se às jurisdições provinciais e municipais através do estabelecimento de convênios de adesão voluntária. Criado em 1981 e integrado pelo Ministério da Saúde da Nação e seus pares provinciais, esse conselho tinha como missão coordenar o desenvolvimento setorial, mas foi incapaz de construir consensos federais por lhe faltarem ferramentas para cumprimento das funções. Além disso, contava com poucos recursos e falta de equipes técnicas próprias ( Repetto e Alonso, 2004Repetto, Fabián; Alonso, Guillermo. (2004), “La Economía Política de la Política Social Argentina: una Mirada Desde la Desregulación y la Descentralización”. Serie Políticas Sociales, n. 97, CEPAL/Nações Unidas. ). O Conselho foi revitalizado nos anos 2000, tendo conseguido elaborar o primeiro Plano Federal de Saúde para 2004-2007. No nível provincial, o subsetor é supervisionado pelo Ministério da Saúde Provincial, responsável pela gerência, gestão política e técnica dos estabelecimentos em sua jurisdição.

Embora todos os níveis de governo tenham responsabilidades no desenho, financiamento e gestão das políticas de saúde, constitucionalmente, as províncias gozam de autonomia em matéria de saúde e a elas pertence, na prática, toda a capacidade instalada pública, sendo responsáveis pela administração dos serviços públicos localizados em seu território ( Mera e Bello, 2003Mera, Jorge; Bello, Julio. (2003), Organización y Financiamiento de los Servicios de Salud en Argentina: una Introducción. Buenos Aires, OPS. ). Esses incluem as unidades de atenção primária e os hospitais públicos, originariamente nacionais e descentralizados para as províncias em duas levas, a primeira na década de 1970 e a outra no início dos anos 1990. Essa transferência não fez parte de uma política de saúde coordenada e nem foram estabelecidas pautas comuns, tratando-se mais de uma política voltada para o ajuste fiscal das contas nacionais (Cetrángulo e Gatto, 2002). Como a descentralização dos hospitais se deu sem aporte de recursos correspondentes à transferência de responsabilidades, levou à deterioração dos serviços. A permissão de cobranças aos seguros de saúde pelos serviços prestados aos seus filiados, a partir de 2000, permitiu uma recuperação desses hospitais ao reduzir os subsídios cruzados entre o setor público e o subsetor da seguridade social; entretanto, essa política tende a se anular pela desatualização dos valores pagos e dificuldades de cobrança.

A atenção à saúde de baixa complexidade é atribuição dos municípios, dependendo da sua capacidade institucional e por delegação da província, assumindo características distintas. A província de Buenos Aires é peculiar por ter adotado a descentralização dos serviços de saúde para os governos locais, com instituição de um mecanismo de repartição de recursos (Chiara, De Virgilio e Ariovich, 2010).

Nos anos 2000 foram criados programas e planos nacionais que operam através de acordo com as províncias e transferência de recursos, e que buscam restaurar a presença e a coordenação estatal no setor. Por meio de incentivos financeiros, o governo nacional visa estimular os governos subnacionais a cumprir determinados objetivos e impulsionar ações concertadas. Destacam-se dois: i) Plano Nascer, posteriormente Programa Sumar, que tem por objetivo diminuir a morbimortalidade de mães e crianças menores de 6 anos, transferindo recursos às províncias para cada pessoa inscrita que não tenha cobertura por nenhum seguro público ou privado. A contrapartida das províncias inclui recursos humanos e capacidade instalada; ii) Programa Remediar, que visa garantir acesso da população em situação de pobreza a medicamentos para tratamento de 90% das patologias mais frequentes.

Entretanto, as transferências realizadas pelo governo nacional são pouco significativas e não guardam relação com as características de cada província, numa situação de muita heterogeneidade da atenção à saúde em função das capacidades próprias ( Repetto, 2009Repetto, Fabián. (2009), “La Historia Reciente de la Política Social Argentina: ¿Es Posible la Redistribucion?” Serv. Soc. Rev., v. 12, n. 1, pp. 89‐121. ). No subsetor público as províncias têm grande autonomia de gasto e definição de ações e prioridades, e os delineamentos do nível nacional têm valor apenas indicativo, inexistindo um marco regulatório abrangente na saúde (Cetrángulo e Gatto, 2002).

O segundo subsetor é o da Seguridade social, formado pelas Obras Sociais (OS) nacionais e provinciais. As nacionais são entidades de direito público não estatal, sem fins lucrativos, sujeitas a regulação estatal e que funcionam como ente financiador para prover serviços médicos. Desde sua criação, são administradas pelos sindicatos, embora com participação do governo, o que permitiu que os sindicatos concentrem muito poder e recursos e fortalecerem-se como atores políticos com grande poder de veto ao gerir o segmento mais importante da atenção à saúde no país.

As principais características desse subsetor são a natureza de seguro social de adesão obrigatória para trabalhadores (organizado por ramo de atividade), aposentados e pensionistas. O financiamento decorre dos descontos nos salários dos trabalhadores formais e dos aportes das empresas empregadoras e do governo, nas OS, para seus funcionários. As OS nacionais são a maioria e as provinciais são voltadas para a cobertura dos empregados públicos provinciais, incluindo trabalhadores das municipalidades integrantes da província. O Instituto Nacional de Serviços Sociais para Aposentados e Pensionistas (INSSPJ) é responsável pela execução do Programa de Assistência Médica Integral (Pami), sob controle estatal federal, sendo a OS com maior número de beneficiários5 5 . Destacam-se ainda o Instituto de Serviços Sociais para as Atividades Rurais e Afins (ISSARA) e o Instituto de Obra Social para o Pessoal dos Ministérios de Bem-estar Social e Trabalho. .

Apenas as obras sociais nacionais possuem um marco legal homogêneo. As demais têm regulamentações e jurisdições próprias, além de cobertura, gasto e prestação de serviços variados; há concentração de beneficiários e recursos em poucas instituições e diferenças no tamanho das organizações em função da atividade produtiva a que estão ligadas. O setor tem baixa capacidade instalada e tende para a contratação do setor privado para provisão de serviços; seus beneficiários usam também a rede pública num sistema de subsídios cruzados.

Registram-se iniciativas para imprimir algum grau de igualdade entre as OS, mas contrabalançadas por decisões em sentido inverso. Entre as primeiras, destaca-se o Programa Médico Obrigatório (PMO), criado em 1996, que definia um pacote de prestações básicas obrigatórias na tentativa de uniformizar minimamente os serviços prestados (Kweitel et al , 2003). Foi, contudo, modificado em 2007 para Programa Médico Obrigatório de Emergência (PMOE), pelo não cumprimento e dificuldade de efetivá-lo. Foi ainda permitido que a OS garantisse o PMO apenas para novos associados, introduzindo a diferenciação dentro de uma mesma OS.

Aprofundou essa tendência a associação entre algumas OS e empresas de medicina pré-paga ou obras sociais de pessoal de direção, que oferecem planos diferenciados, para captar a demanda de maior poder aquisitivo. Organizações intermediárias se colocam como pontes para deslocarem recursos da seguridade social para o sistema privado por meio de convênios nos quais o trabalhador utiliza o aporte obrigatório para uma OSN como parte do pagamento de um seguro privado. Ambos esses processos tendem a favorecer o aumento da iniquidade do sistema de saúde e a erodir o critério de solidariedade segmentada que era próprio das OSs ( Repetto e Alonso, 2004Repetto, Fabián; Alonso, Guillermo. (2004), “La Economía Política de la Política Social Argentina: una Mirada Desde la Desregulación y la Descentralización”. Serie Políticas Sociales, n. 97, CEPAL/Nações Unidas. ).

Uma reforma na década de 1990 realizou uma desregulação parcial e garantiu: i) livre escolha pelo trabalhador entre OS diferentes da atividade econômica do seu emprego; ii) livre escolha entre OS e seguro privado para o pessoal de posições hierárquicas de direção, favorecendo a ampliação da participação do setor privado na cobertura de saúde. Se a expansão das OS foi o centro articulador do desenvolvimento do setor saúde na Argentina, foi também do crescimento do setor privado ao orientar sua demanda para esse setor. A incorporação do sistema de livre escolha agravou as diferenças de cobertura que evoluíram da inserção em um setor de atividade para a renda pessoal. Os efeitos perversos foram agravados com a autorização de se criar planos diferenciados em cada instituição.

Uma segunda medida na busca de reduzir desigualdades foi a criação, em 1980, do Fundo Solidário de Redistribuição (FSR) como mecanismo de compensação entre OSN. O FSR sofreu várias modificações e, a partir de 2000, passou a ser formado por 15% ou 20% dos aportes destinados às OSs, dependendo da remuneração do trabalhador. Os recursos são destinados a financiar gastos administrativos, subsidiar os beneficiários de menor renda, garantir cobertura de patologias de alto custo e baixa incidência e de deficiências.

Outros subsídios foram implantados nos últimos anos que distribuem recursos entre as OSN, tais como: i) Sistema Único de Ressarcimento (SUR), para financiamento das prestações médicas de baixa incidência, alto impacto econômico e tratamento prolongado; ii) Subsídio Automático Nominativo (SANO), para distribuição da arrecadação do FSR através de uma matriz de risco, considerando os diferentes custos segundo idade, sexo e nível de renda dos beneficiários; iii) SUMA, para compensar as OS que apresentam menor nível de receita por afiliado e fortalecer aquelas com menos de 100.000 afiliados; iv) SUMARTE, subsídio de mitigação de assimetrias para regimes de trabalho especial (contribuintes individuais e domésticos); e v) SUMA70, que financia um valor per capita para afiliados maiores de 70 anos.

O terceiro subsetor que compõe o setor saúde na Argentina é o Seguro Privado. É formado por empresas de saúde pré-pagas, com variação de preços e serviços e baixa intervenção regulatória do estado, enfrentando a concorrência por meio da diversificação de planos e forte concentração de capital estrangeiro. O financiamento decorre do aporte voluntário dos usuários e o crescimento do setor está associado à sua consolidação como prestador do sistema de obras sociais, além das outras formas de imbricação com as OS com o sistema de livre escolha do pessoal de direção e com os convênios OS/empresas pré-pagas. O setor se beneficia de regulamentações nacionais em relação ao sistema de seguridade.

A principal característica desse arranjo institucional é a grande segmentação e heterogeneidade das formas de inserção nos subsetores e, principalmente, a falta de integração entre eles e a fragmentação dentro de cada um deles. No setor público falta articulação entre as jurisdições e de uniformidade territorial na provisão de serviços públicos, além de baixa capacidade para iniciativas ou ações redistributivas. Nos outros subsetores há um grande número de organizações heterogêneas. As diretrizes do governo nacional têm apenas valor indicativo e, na prática, o Ministério da Saúde tem um papel restrito, administrando alguns hospitais e alguns programas nacionais, participando da administração dos fundos da seguridade social e na definição da política relativa às Obras Sociais. Nesse arranjo, falta capacidade de coordenação ao governo nacional que seja capaz de contrabalançar a sua fragmentação e a heterogeneidade dentro de cada subsetor. Apesar do importante nível de gasto, conforme será visto adiante, há uma fragmentação dos direitos, o que torna o arranjo argentino inequitativo.

Nas primeiras décadas do século XXI, outras decisões, além da revitalização do COFESA e dos programas Remediar e Somar, apontam para um esforço regulador e de coordenação federal, como: i) o estabelecimento de um Marco Regulatório para as empresas de medicina pré-paga, planos de adesão voluntária e planos complementares (Lei 26.682/11), até então sem regulação específica, exceto a obrigatoriedade do PMO; ii) criação em 2014 do Conselho Federal Legislativo de Saúde (Cofelesa), como organismo deliberativo com objetivo de articulação e promoção de políticas legislativas comuns em matéria de saúde em todo o território nacional; iii) elaboração do Plano Federal de Saúde 2004-2007, articulado à estratégia do presidente Néstor Kirchner de criar consensos e propor reformas para o setor saúde com objetivos de maior equidade; e o Plano de 2010-2016, no governo de Cristina Kirchner, que reafirma a saúde como direito e se baseia nos princípios de solidariedade, equidade e justiça social; reconhece o papel do Estado como instrumento de redistribuição; e destaca a necessidade de obter consensos federais e o fortalecimento da planificação sanitária para assegurar a participação federal na formulação de políticas de saúde.

No caso do Brasil, a configuração institucional da política de saúde tem como divisor de águas a Constituição de 1988, cujos dispositivos promoveram uma ruptura com os marcos anteriores. Historicamente, a assistência à saúde individual se desenvolveu vinculada à previdência social, organizada de forma securitária e restrita aos trabalhadores segurados e seus dependentes. Para os cidadãos fora do mercado de trabalho formal restava uma assistência restrita de atendimento básico em postos de saúde precários e atendimento emergencial nos hospitais filantrópicos na condição de “indigente”. Um legado desse período foi a dependência do setor público em relação aos prestadores privados, uma vez que a assistência pública se desenvolveu principalmente pela via da compra de serviços – particularmente os hospitalares. Paralelamente ao setor público, e com subsídios públicos, desenvolveu-se também um mercado privado, autorregulado, de serviços de saúde por meio de empresas e cooperativas médicas para os segmentos mais bem colocados no mercado de trabalho e ou de rendas mais altas. Desde os anos 1980, com pequenas oscilações, essa atenção privada cobre cerca de 25% da população, segundo dados produzidos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar que regula o setor.

A constituição define explicitamente a saúde como direito de todos e dever do Estado, estabelecendo os princípios para a construção de um sistema público universal e gratuito. Para materialização desse direito, na legislação infraconstitucional (Leis 8.080 e 8.142/1990) foi instituído o Sistema Único de Saúde (SUS), formado pelo conjunto de ações e serviços públicos de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, e que tem como princípios e diretrizes : universalidade de acesso e gratuidade em todos os níveis da atenção; igualdade e integralidade da assistência; participação da comunidade no processo de formulação de diretrizes e prioridades para a política e na fiscalização, controle e avaliação de ações e serviços; descentralização político-administrativa, com ênfase na descentralização dos serviços para os municípios e a regionalização e hierarquização da rede de serviços. O financiamento do SUS é competência dos três entes federados, mediante recursos de seus orçamentos constitucionalmente vinculados à saúde e de contribuições sociais previstas no Orçamento da Seguridade Social (OSS)6 6 . A Constituição inseriu o conceito de seguridade social , entendo-o como voltado a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social, com criação de orçamento próprio. .

Essa vinculação só foi estabelecida pela Emenda Constitucional nº 29/2000, que definiu recursos mínimos para o financiamento do SUS – 12% de sua respectiva arrecadação para estados e 15% para municípios –, além de atrelar os gastos federais ao crescimento do PIB. Essa vinculação foi fundamental para garantir recursos estáveis para a atenção à saúde a partir do esforço contributivo uniforme dos entes federados, embora não garanta homogeneidade per capita de recursos em função da variação da capacidade arrecadatória ( Menicucci, 2014Menicucci, Telma. (2014), “A Relação Entre o Público-Privado e o Contexto Federativo do SUS: uma Análise Institucional”. Série Políticas Sociais, n. 196. Santiago do Chile, Cepal. , 2019Menicucci, Telma. (2019). “Política de Saúde do Brasil: Continuidades e Inovações”, in Arretche, Marta; Marques, Eduardo; de Faria, Carlos Aurélio Pimenta (orgs.), As Políticas da Política: Desigualdades e Inclusão nos Governos do PSDB e do PT. São Paulo, Editora UNESP, pp. 191-216. ).

Há consenso, entretanto, que o financiamento é o maior entrave para a efetivação do direito constitucional e o alcance dos amplos objetivos do sistema de saúde. O financiamento envolve tanto o volume, considerado insuficiente para um sistema que se pretende universal com integralidade da atenção, quanto a forma de repasse dos recursos do governo federal para estados e municípios, uma vez que a descentralização se fez na dependência dos recursos federais – principais responsáveis pelo financiamento das ações de saúde.

Do ponto de vista federativo, o SUS foi criado como um pacto assentado em uma concepção de cooperação entre as três esferas de governo. Cabem à União a normatização e coordenação geral do sistema de saúde no âmbito nacional e o Executivo federal, especificamente o Ministério da Saúde, detém o controle do processo decisório e define a destinação geral dos recursos transferidos. É responsável também pela regulamentação do processo de descentralização de responsabilidades e funções para os municípios e estados, o que é feito por meio de diversas portarias.

Há um conjunto grande de atribuições comuns aos três entes federados. Como foros de negociação e pactuação entre gestores em relação aos aspectos operacionais, financeiros e administrativos da gestão do SUS, concebida como compartilhada, atuam três tipos de Comissões Intergestores: Tripartite (CIT), formada por representantes das três esferas de governo; Bipartite (CIB), constituída em cada estado e formada por representantes dos secretários municipais e do estado; e Regionais (CIR), compostas pelos secretários municipais das regiões de saúde definidas no âmbito de cada estado e por representantes do gestor estadual.

O principal mecanismo de regulação e que define a natureza das relações intergovernamentais é a distribuição dos recursos para o custeio do sistema de saúde. A União tem um poderoso mecanismo institucional de coordenação, que é a maior disponibilidade de recursos, apesar de o financiamento ser responsabilidade de todos os entes federativos. O repasse “fundo a fundo” é a modalidade preferencial de transferência de recursos entre os três níveis de governo e independe de negociações ad hoc e de convênios. O financiamento com recursos federais é organizado e transferido em blocos que definem a separação e a utilização dos valores em subáreas e ações bem delimitadas, constrangendo as escolhas dos entes subnacionais, embora seja permitido algum remanejamento. Parte desses recursos são transferências condicionadas e dependem da adesão a programas e prioridades definidas nacionalmente e são um mecanismo para alinhar as decisões dos governos subnacionais às prioridades nacionais. Embora esses mecanismos normatizadores sejam pactuados na CIT, o controle do Governo Federal sobre a utilização dos recursos transferidos às subunidades governamentais é expressivo e tem permitido uma padronização mínima do funcionamento do SUS no país e possibilitado reduções das desigualdades entre os entes federados quanto à oferta e acesso aos serviços ( Arretche, 2012Arretche, Marta. (2012), Democracia, Federalismo e Centralização no Brasil. Rio de Janeiro, Editora FGV; Editora Fiocruz. ; Menicucci e Marques, 2016Menicucci, Telma; Marques, Alisson. (2016), “Cooperação e Coordenação na Implementação de Políticas Públicas: o Caso da Saúde”. Dados, v. 59, n. 3, pp. 823-865. ; Menicucci, Marques e Silveira, 2017; Paiva, Gonzalez e Leandro, 2017).

Entre esses mecanismos que contribuem para a homogeneização da assistência à saúde em todo o território nacional, destacam-se: i) incentivos para padronização da atenção primária como porta de entrada para o sistema, alicerçada na estratégia de saúde da família; ii) incentivos para fortalecimento da atenção primária por meio da criação de um mecanismo de cofinanciamento pelo governo federal – o Piso de Atenção Básica, constituído por transferências aos municípios de um valor per capita; iii) programas de incentivos ao desempenho e para construção de Unidades Básicas de Saúde; iv) contratação de médicos de família para atuar em municípios em situação de maior vulnerabilidade7 7 . A partir de 2016 o programa foi esvaziado; em 2019, descaracterizado e substituído pelo Programa Médico pelo Brasil, se tornando inócuo. ; v) incentivos para o estabelecimento de redes de atenção temáticas, para articular pontos de atenção localizados em diferentes municípios, garantindo a integralidade da atenção8 8 . A partir de 2015 o comportamento do governo federal tem sido no sentido de diminuir a coordenação com a flexibilização de regras. Atualmente, o governo praticamente abriu mão do papel constitucional de coordenador e fomenta o conflito federativo em substituição ao esforço de construção de pactos que caracterizara a política de saúde até então. .

Desde os anos 2000 tem havido mudanças constantes na definição de regras e instrumentos, por parte do Ministério da Saúde e pactuadas na CIT, com vistas a articular os entes federados para a construção de redes de saúde, que usualmente extrapolam os limites político-administrativos das unidades federadas. Essa intensa regulação nacional, entre 2000-2014, visou favorecer a construção de acordos e a cooperação entre os entes federados de forma a garantir a universalidade de acesso e a integralidade da atenção, dado que há variação entre municípios em relação à capacidade de prover serviços de saúde em diferentes níveis de complexidade. Se cada município é responsável final pelo atendimento à saúde de seus munícipes, isso não significa que esse atendimento deva ocorrer dentro do próprio município – daí a necessidade de acordo entre municípios para construção da rede.

Mas embora as regras nacionais sejam observadas de forma geral, a autonomia política e administrativa de estados e municípios, aliada às suas heterogeneidades políticas e econômicas, redunda em implementações diversas e particulares dos dispositivos nacionais que se traduzem em graus diferenciados de cooperação entre os municípios (Menicucci, Marques e Silveira, 2016; Ouverney, Ribeiro e Moreira, 2017; Ribeiro et al , 2017).

Completam o arranjo institucional do SUS as instâncias colegiadas que propiciam a participação da sociedade na definição das diretrizes e no processo decisório do sistema público: conferências e conselhos, previstos e atuantes para os três níveis de governo. Os conselhos atuam na gestão, avaliação e fiscalização, e as conferências na elaboração de diretrizes para a política de saúde ( Menicucci, 2014Menicucci, Telma. (2014), “A Relação Entre o Público-Privado e o Contexto Federativo do SUS: uma Análise Institucional”. Série Políticas Sociais, n. 196. Santiago do Chile, Cepal.: 44).

Concomitantemente à implantação do SUS deu-se o processo regulatório (Lei 9665/1998) das atividades privadas de assistência à saúde em expansão desde a década de 1960. Embora bastante institucionalizadas, até o final da década de 1990 funcionavam de forma autorreguladas, mas com importantes subsídios governamentais: nos anos 1960, sob a forma de repasses governamentais para as empresas que assumissem a assistência à saúde para seus empregados e, a partir da década de 1970, sob a forma de incentivos fiscais (dedução de imposto de renda para pessoas físicas e jurídicas). A regulação assumiu o formato institucional de agência reguladora (Agência Nacional de Saúde Suplementar) com alto grau de autonomia, embora vinculada ao Ministério da Saúde. De uma perspectiva econômico-normativa, a regulação teve como justificativa a correção de falhas do mercado; do ponto de vista econômico-financeiro, estabeleceu as condições de funcionamento e operação das empresas de planos de saúde; e da perspectiva assistencial, estabeleceu regras rígidas de proteção ao consumidor. Embora não tenha significado nenhuma mudança normativa na política nacional de saúde, a regulamentação fragilizou os princípios do SUS, particularmente a universalidade e a igualdade de acesso ( Menicucci, 2007Menicucci, Telma. (2007), Público e Privado na Política de Assistência à Saúde no Brasil: Atores, Processos e Trajetória. Rio de Janeiro, Fiocruz. , 2019Menicucci, Telma. (2019). “Política de Saúde do Brasil: Continuidades e Inovações”, in Arretche, Marta; Marques, Eduardo; de Faria, Carlos Aurélio Pimenta (orgs.), As Políticas da Política: Desigualdades e Inclusão nos Governos do PSDB e do PT. São Paulo, Editora UNESP, pp. 191-216. ).

Comparando os arranjos

Do ponto de vista institucional, há fortes diferenças entre os dois arranjos. No Brasil, existe uma política nacional de saúde fortemente regulada e concebida a partir da noção de direito explicitado na constituição. Essa política é concretizada por um sistema público articulado em todas as jurisdições e que é responsável pela atenção à saúde de aproximadamente três quartos da população como seus usuários exclusivos. A porção da população beneficiária de planos privados de saúde tem dupla cobertura e efetivamente também acessa o sistema público para um conjunto de procedimentos, como ações de prevenção, atendimentos emergenciais, procedimentos de alto custo, entre outros.

O arranjo institucional argentino é caracterizado pela segmentação. O segmento de maior cobertura é o da seguridade social, fundamentado no vínculo trabalhista e concebido como seguro. As diversas Obras Sociais, majoritariamente organizadas por ramos de atividade, apresentam variações quanto aos recursos disponíveis e aos serviços oferecidos em função da diversidade da massa salarial sobre a qual se baseia. A saúde como direito é assumida tacitamente a partir da adesão a tratados internacionais e o sistema, embora não tenha características de sistema, é considerado universal porque cobre a todos, mesmo que de forma pouco equitativa.

Do ponto de vista federativo, retomamos aqui as dimensões que orientam a comparação entre os dois arranjos específicos do setor saúde: i) a centralização/descentralização jurisdicional, que se refere à autoridade decisória dos entes subnacionais; ii) o federalismo fiscal, entendido como a distribuição de recursos entre os entes federados para financiamento da atenção à saúde; iii) a descentralização de competências, implicando a autoridade para executar políticas e decidir sobre as regras de tal execução, bem como o controle sobre os recursos.

No arranjo argentino, o setor público, gratuito e universal, embora com cobertura real menor do que a da seguridade social, é de responsabilidade das províncias tanto pela elaboração quanto pela execução da política de saúde, bem como pelo financiamento, com grande autonomia decisória e baixo poder de coordenação da Nação. Na saúde, assim como em outros setores sociais, há descentralização jurisdicional de tal forma que o ente subnacional detém a autoridade decisória e de execução no seu território, assim como o controle dos recursos próprios. Ao ente federal cabem responsabilidades restritas, orientações gerais sem poder vinculante e limitados recursos institucionais de coordenação da política de saúde, como definições legais que formalizem um papel mais amplo e, principalmente, pela ausência de definições legais quanto à coparticipação no financiamento específico da saúde. Embora a maior parte dos recursos provinciais gerais sejam decorrentes de transferências federais por meio do sistema de coparticipação, não existe nenhuma vinculação legal e obrigatória de gastos, ficando a cargo da província a definição de prioridades e gastos com saúde. A liberdade decisória e legislativa das províncias tende a produzir efeitos centrífugos sobre a produção de uma política pública nacional mesmo no âmbito do subsetor público. Reforça esses efeitos o fato de que os municípios são “criaturas das províncias” e suas atribuições são definidas nas constituições provinciais, variando entre elas; e, de modo geral, têm papel bastante residual no financiamento do setor.

Tentativas de assumir um papel de coordenação do sistema pelo governo central têm sido feitas e se expressam de diversas maneiras: i) criação de programas nacionais, por meio dos quais são repassados recursos para as províncias, mediante adesão e por meio de convênios, como incentivos para ações comuns a partir de prioridades definidas nacionalmente; ii) elaboração de planos federais de saúde, dialogados com as províncias por meio do Conselho Federal de Saúde e visando definir objetivos pactuados, mas que não tiveram continuidade; iii) criação do Conselho Federal Legislativo de Saúde (Cofelesa), que precisou ser formalmente aprovado por todas as províncias, as quais têm a titularidade das ações de saúde em seus territórios.

Do ponto de vista federativo, a centralização do subsetor com a prevalência de OSs nacionais não tem relação com a descentralização jurisdicional, mas com a natureza securitária que organiza o sistema nacionalmente a partir de ramos de atividade dos trabalhadores. Exceção está nas OS provinciais cujas regras e financiamento reproduzem a descentralização jurisdicional do subsetor público e são definidas de forma autônoma pelas províncias, dentro da característica descentralizadora do federalismo argentino em relação aos serviços assistenciais. Essas OS não são, inclusive, beneficiadas com as medidas redistributivas definidas para as nacionais.

O arranjo federativo do sistema de saúde público brasileiro é bastante distinto. No Brasil existe uma política de saúde nacional constitucionalizada e amplamente regulada por meio de legislação infraconstitucional, e que se organiza sob a forma de um sistema nacional do qual todas as jurisdições fazem parte de forma articulada e com muitas competências comuns e definidas a partir de uma concepção de gestão compartilhada.

Apesar disso, há grande centralização jurisdicional na União, que detém o poder normatizador e de coordenação geral do sistema; possui o controle do processo decisório, mesmo que em articulação com representantes dos entes subnacionais; e define a regulamentação do processo de descentralização. Residualmente, a União se responsabiliza diretamente pela prestação de serviços. Aos Estados cabe a coordenação do sistema de saúde estadual e a organização da rede de serviços no âmbito do estado a partir de pactos federativos, formulados em instâncias próprias de articulação Estado/municípios. A eles, cabe também a responsabilidade compartilhada com alguns municípios pelos procedimentos de alta complexidade e o apoio técnico aos municípios. Esses últimos, na condição de entes federados com autonomia política e administrativa, são os principais executores da política, sendo responsáveis pela atenção à saúde de seus munícipes. Dependendo de sua capacidade de prestação de serviços, essa prestação pode se dar dentro ou fora do município; nesse caso, a partir da cooperação interfederativa, também definida em marcos legais.

Os dois entes subnacionais detêm baixo poder decisório em relação à regulamentação mais geral da política, que é nacional, embora participem de arenas federativas bastante institucionalizadas que são as comissões intergestores – órgãos de pactuação e decisão formados por gestores dos diferentes níveis de governo e com funcionamento regular e ativo. A organização regionalizada do setor saúde expressa o ideal de gestão compartilhada do SUS e segue normatizações definidas a partir de 2001, com vistas a substituir a atitude de competição pela cooperação intermunicipal e com as Secretarias Estaduais de Saúde. Vários instrumentos foram sendo definidos e redefinidos para incentivar a cooperação e para integrar sistemas municipais de saúde, com vistas a superar as barreiras e os diferenciais de acesso entre cidadãos de diferentes localidades ( Machado, 2009MACHADO, José Ângelo. (2009) “Pacto de gestão na saúde – até onde esperar uma‘regionalização solidária e cooperativa’?” RBCS. v. 24, n. 71, pp.105-119. ; Menicucci e Marques, 2016Menicucci, Telma; Marques, Alisson. (2016), “Cooperação e Coordenação na Implementação de Políticas Públicas: o Caso da Saúde”. Dados, v. 59, n. 3, pp. 823-865. ).

Em relação ao federalismo fiscal, o papel da União no financiamento público da saúde no Brasil é preponderante, embora com redução relativa na última década, e garantido pela Constituição e legislação infraconstitucional. Também há definição constitucional sobre os gastos mínimos obrigatórios para os estados e municípios, calculados como percentuais de seus recursos fiscais para custeio do SUS, restringindo a autoridade de escolha. Além de baixa autoridade decisória, os entes subnacionais têm também baixa autoridade sobre a forma de utilização dos recursos próprios e dos recebidos por meio de transferências obrigatórias e que independem de adesão, embora associadas em alguns casos a condicionalidades. A centralização jurisdicional garante alguma uniformidade de ações em todo o território brasileiro, a distribuição mais igualitária de recursos nacionais que seguem regras legais e não são objeto de barganhas políticas e, em menor medida, dotam a União de alguma capacidade redistributiva, particularmente na atenção básica. Nesse caso, estudo de Vasquez (2011)Vasquez, Daniel Arias. (2011), “Efeitos da Regulação Federal Sobre o Financiamento da Saúde”. Cadernos de Saúde Pública, v. 27, n. 6, pp.120-12. mostra que as transferências condicionadas, que oferecem incentivos para implantação de determinadas políticas, levaram à diminuição da desigualdade horizontal, considerando os recursos per capita para a atenção básica. Piola, França e Nunes (2016) mostram também que as regiões Norte e Nordeste, mesmo registrando o menor gasto municipal per capita em saúde, são as que registraram recursos de transferências federais relativamente maiores, em 2016.

Na Argentina, as transferências da Nação para o sistema efetivamente público se limitam a programas específicos e a responsabilidade maior pelo financiamento do setor público é das províncias; os municípios têm papel bastante residual no financiamento desse setor. Por sua vez, as OS são custeadas prioritariamente pelos trabalhadores e empregadores e contam com vários subsídios com objetivos redistributivos, mas de pouco impacto. Regulações sobre esse subsetor tem favorecido a expansão do setor privado. A tabela abaixo descreve a proporção de gasto governamental em saúde segundo esfera federativa nos dois países.

Tabela 1
Gasto governamental em saúde (%) segundo esfera federativa, 2017.

Desigualdades federativas em saúde e condições socioeconômicas

Nesta seção buscamos inferir, de forma comparada, uma possível relação entre os arranjos institucionais; particularmente os arranjos federativos dos sistemas de saúde da Argentina e do Brasil e os resultados das políticas de saúde em relação à universalização e à igualdade entre os níveis subnacionais de governo, províncias ou estados. Parte-se do pressuposto de que arranjos distintos produzem resultados diferentes. Em que pese a relevância dos municípios na execução da política de saúde na federação brasileira, optou-se por não os considerar dada a diferença do seu status em relação à Argentina.

Para analisar os resultados da política de saúde foram consideradas quatro dimensões e alguns indicadores em cada uma, tradicionalmente utilizados no campo da saúde, conforme apresentados abaixo:

A dimensão 1 (cobertura) busca diferenciar a cobertura por serviços públicos ou por seguros previdenciários ou privados. A dimensão 2 inclui indicadores clássicos para avaliar a capacidade de provisão de serviços de saúde. A dimensão 3 inclui indicadores que permitem inferir a qualidade da atenção prestada: o registro de óbitos por doenças desconhecidas sinaliza que não houve assistência médica anterior ao óbito, sugerindo dificuldade de acesso; mortalidade materna é um indicador da qualidade do pré-natal e da assistência ao parto. Por fim, a dimensão 4 inclui indicadores da situação de saúde que é resultado, em parte, do acesso a serviços de saúde e, principalmente, das condições de vida.

Essas condições afetam também os recursos disponíveis e, consequentemente, a qualidade da atenção à saúde, numa relação bidirecional. Daí que comparamos também as unidades subnacionais de governo em relação a indicadores de condições socioeconômicas, descritos abaixo.

Para se ter um parâmetro comparativo temporal foram considerados dois anos distintos, sendo um mais recente e outro com intervalo aproximado de uma década, com alguma variação dos anos devido à indisponibilidade de dados em alguns casos.

As desigualdades foram avaliadas a partir de duas medidas que mensuram esse fenômeno de forma diferente: o Coeficiente de Gini, que sintetiza as diferenças, e o Coeficiente de Variação, que aponta a dispersão das observações. Além dessas medidas, para visualizar melhor as diferenças foram aprestadas para cada indicador a média, valor mínimo e valor máximo. Embora o coeficiente de Gini seja mais utilizado para medir a desigualdade de renda, ele pode ser utilizado para qualquer distribuição desigual, como na educação e na saúde (Schneider, et al , 2002) e tem a vantagem de ser de fácil interpretação, cujo valor é independente da escala, da média da distribuição e do tamanho da população ( Medeiros, 2012Medeiros, Marcelo. (2012), Medidas de Desigualdade e Pobreza. Brasília, Editora UnB. ). Reconhece-se o efeito de subestimação da desigualdade medida pelo Gini quando o mesmo é calculado a partir de um pequeno número de casos. Contudo, essa medida foi utilizada exclusivamente para comparação relativa entre países, o que a torna uma referência aceitável. O pequeno número de casos e indisponibilidade de dados para uma série histórica ampla, no caso da Argentina, dificultaram a realização de análises estatísticas mais sofisticadas e robustas, restringindo o trabalho a análises descritivas.

Antes de analisar os dados por províncias e estados, na tabela seguinte os mesmos indicadores são mostrados para uma comparação geral entre Brasil e Argentina:

Tabela 2
Resultados nacionais da política de saúde e condições socioeconômicas: Brasil e Argentina

A primeira coisa a observar, e que tem relação com os respectivos arranjos institucionais da saúde nos dois países, é que a cobertura exclusivamente pelo sistema público no Brasil é bem maior, considerando o menor percentual de pessoas com cobertura por outros tipos de seguros ou planos de saúde. No geral, a Argentina apresenta condições socioeconômicas melhores do que as do Brasil, com IDH superior nos dois anos considerados e menor desigualdade de renda, embora também significativa. Em relação ao percentual de pobres, o país sofreu uma piora significativa em 2018 quando comparado com 2010, superando o Brasil que, ao contrário, apresentou redução da pobreza em 2019 em relação a 2010. Detém maiores recursos para a atenção a saúde com maior número de médicos e leitos, apresentando gasto em saúde muito maior do que o Brasil, que ainda apresenta redução de recursos, exceto em relação ao número de médicos por 1000 hab. A situação do Brasil em relação aos indicadores de situação de saúde, que é afetada em grande parte pelas condições de vida e ainda pelo acesso e qualidade dos serviços de saúde, é também um pouco inferior à da Argentina, mas com diferença bem menor em relação às dimensões anteriores. A respeito dos indicadores que sinalizam a qualidade da atenção à saúde, mais uma vez a Argentina registra uma situação melhor.

Os dados dessa análise agregada sugerem duas hipóteses iniciais. Em primeiro lugar, a conhecida e testada relação entre as condições socioeconômicas e os resultados em saúde parece se confirmar e, em segundo, intuitivamente, o arranjo segmentado da Argentina não parece ter efeitos negativos sobre os resultados em saúde se comparados aos do Brasil. Mas se dados agregados são úteis para grandes comparações, escondem as diferenciações internas, o que remete ao nosso objetivo de identificar possíveis desigualdades entre os níveis subnacionais de governo que possam estar relacionadas com esses arranjos. A tabela 3 sintetiza os dados sobre as desigualdades em relação aos resultados em saúde nos dois países nos indicadores selecionados.

Tabela 3
Medidas de posição, dispersão e desigualdade aplicadas às características e resultados da política de saúde entre os estados brasileiros e entre as províncias argentinas

A segmentação do arranjo institucional da Argentina é uma primeira fonte de desigualdade entre suas províncias. Em média, 37,93% da população das províncias, em 2010, não era coberta por nenhum seguro – o subsetor mais relevante do país. Mas essa proporção variava de 16,9% em Santa Cruz a 57,9% na província de Chaco, com um coeficiente de variação de cerca de 30%, apontando para a heterogeneidade entre as províncias, embora o Gini não seja muito alto. A cobertura por algum seguro foi ampliada em 2018, como reflexo da recuperação econômica do país e consequente ampliação do emprego, que fundamenta a cobertura pela seguridade. Contudo, a heterogeneidade entre as províncias foi mantida. Por exclusão, a cobertura média pelo setor público entre as províncias é de aproximadamente 30% da população, reconhecidamente de pior qualidade. No Brasil, expressando a força do sistema público universal, em média, cerca de 83% da população dos estados nos anos de 2010 e 2018 era coberta exclusivamente pelo SUS, havendo pequena variação entre estados (CV) e baixa desigualdade (Gini). A cobertura efetiva pelo sistema público é inferior a 70% da população apenas nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, justamente aqueles mais ricos e com maior cobertura por planos privados de saúde, os quais têm dupla cobertura.

Excluindo-se a cobertura, a análise dos resultados em saúde a partir dos demais indicadores selecionados e apresentados na tabela 3 confluem para conclusões similares. Em média, as províncias argentinas apresentam melhores resultados em praticamente todos os indicadores, tanto em relação aos recursos disponíveis quanto à qualidade da atenção e a situação de saúde. Constitui-se exceção o percentual de óbitos por doenças desconhecidas, indicador no qual o Brasil não apenas apresenta resultado melhor do que a Argentina, como melhora no período analisado. Esse indicador é uma proxi de acesso a serviços, uma vez que sinaliza a ocorrência do óbito sem assistência médica, sugerindo que a cobertura universal no Brasil garante acesso em todo território.

Em contrapartida, as desigualdades entre as províncias argentinas são muito superiores às registradas entre os estados brasileiros, embora esses também apresentem desigualdades relevantes em quatro dos oito indicadores utilizados: médicos/1000, habitantes, gasto em saúde per capita, % de óbitos por doenças desconhecidas e mortalidade materna. As variações de resultados entre as províncias são muito grandes e isso se expressa na amplitude (diferença entre o menor e o maior valor) dos indicadores, no coeficiente de variação e pelo Gini. Em 2010, o CV chegou a atingir cerca de 125% em relação ao gasto per capita com saúde na Argentina, alcançando valores inferiores a 20%, o que indica uma distribuição homogênea, apenas para o caso de mortalidade materna e somente para 2018. Como esperado, o Gini se mostrou menos sensível às diferenças entre as provinciais em função do pequeno número de casos, mas acompanhou as tendências observadas para o coeficiente de variação. Chama atenção a grande desigualdade entre as províncias argentinas em relação aos indicadores de qualidade da atenção à saúde, com CV superiores a 70%, o que sugere também o efeito da segmentação da assistência e a qualidade diferenciada da assistência por subsetor.

O gasto em saúde per capita, embora tenha apresentado aumento significativo nos dois países, é o indicador que aponta para as maiores desigualdades, tanto entre províncias argentinas quanto entre os estados brasileiros, se comparados com os indicadores de capacidade instalada (médicos e leitos). No caso brasileiro, essa desigualdade mostra que mesmo como a similaridade relativa de investimentos em saúde definidos constitucionalmente e com as ações redistributivas da União, principalmente na atenção básica, as diferenças na capacidade de gasto entre os estados se reflete nos gastos alocados na saúde.

Mas a situação de saúde de uma população e os recursos disponíveis para a provisão de serviços são fortemente afetados pelas condições socioeconômicas. E, nesse aspecto, a situação da Argentina, em que pese a expressiva melhoria do Brasil, ainda é melhor nos indicadores selecionados ( tabela 4 ). As condições socioeconômicas médias das províncias argentinas, medidas principalmente pelo IDH, pela desigualdade de renda e percentual de pessoas abaixo da linha de pobreza, continuam superiores à média dos estados brasileiros, embora com tendência à redução dessas diferenças. Isso pode justificar os melhores indicadores de situação de saúde, que são pouco relacionados à oferta de serviços de saúde.

Tabela 4
Condições socioeconômicas: Brasil e Argentina

O IDH argentino, em 2017, era de 0,843, enquanto o do Brasil era apenas de 0,749. E ambos apresentaram baixíssimo coeficiente de variação e de Gini, apontando para similaridades entre as unidades federadas nesse aspecto. A desigualdade de renda medida pelo Gini é bem menor na Argentina, embora o Brasil tenha experimentado forte redução, entre 2010 e 2015, de forma uniforme entre os estados. Isso se expressa também pelo percentual de pessoas abaixo da linha de pobreza, bem maior no Brasil, embora com leve redução no período 2012-2018. O inverso ocorreu na Argentina, cuja média percentual de pessoas abaixo da linha de pobreza nas províncias mais do que duplicou no mesmo período, se aproximando bastante da situação brasileira. Ao mesmo tempo, a desigualdade entre as províncias, medida pelo Gini, e a heterogeneidade entre elas, medida pelo CV, reduziram consideravelmente, indicando que a pobreza aumentou em todas as províncias. No Brasil, manteve-se no período um grau considerável de heterogeneidade entre os estados (CV acima de 40%), com variações de 8% no Estado de Santa Catarina a 53% de pobres no Maranhão; a desigualdade entre os estados se manteve no mesmo patamar no período, mas superando a da Argentina em 2018.

Diferentemente, as diferenças nos indicadores relativos aos recursos e à qualidade da atenção à saúde entre as províncias argentinas podem ser interpretadas como decorrentes, pelo menos em parte, da segmentação do sistema de saúde que institucionalmente é fonte de diferentes tipos de iniquidades. Embora o Brasil disponha, me média, de menos recursos para a saúde e situação mais desfavorável em relação à atenção à saúde, as desigualdades entre os estados são bem menores.

Federalismo importa para desigualdades?

Este artigo dialogou com proposições da literatura sobre federalismo e sua relação com as políticas sociais, decorrentes da tensão entre a autonomia dos entes federados e a possibilidade de políticas nacionais de cunho universalista e tendentes a igualdade. Com foco no arranjo institucional do federalismo no âmbito do setor saúde da Argentina e do Brasil, partiu do suposto de que esses arranjos podem variar entre países, mas também entre áreas de políticas e, portanto, seus efeitos não são uniformes. Esses arranjos foram analisados a partir da centralização/descentralização jurisdicional, do federalismo fiscal na saúde e em relação à descentralização de competências e de autoridade decisória. A partir dessas dimensões, foram avaliadas a pertinência de algumas hipóteses: i) a maior centralização jurisdicional aumenta a capacidade do governo central para formular e coordenar políticas sociais favorecendo mudanças e maior inclusão social; ii) a centralização fiscal pode favorecer a alocação de despesas sociais mais igualitárias no território nacional; iii) Estados federativos produzem efeitos centrífugos sobre a produção de políticas públicas, mas esses efeitos podem ser mitigados no caso em que a regulação central limite a autonomia decisória dos governos subnacionais. Considerando essas hipóteses, buscou-se comparar os arranjos institucionais da Argentina e Brasil e identificar possíveis resultados da política de saúde da perspectiva da igualdade ou desigualdade entre os entes federados subnacionais.

A análise dos dois casos apontou que os efeitos das características institucionais do federalismo não devem ser considerados isoladamente, pois outras variáveis políticas e institucionais afetam a natureza e formato das políticas públicas moldados historicamente e, consequentemente, de forma relacional, têm efeitos sobre a igualdade ou desigualdade federativa. Além disso, o efeito das condições socioeconômicas sobre os resultados de saúde mais uma vez se mostrou de maior impacto sobre esses resultados, como fatores exógenos ao setor.

A comparação dos arranjos institucionais da atenção à saúde dos dois países apontou diferenças acentuadas. No Brasil existe uma política fortemente regulada nacionalmente, concebida a partir da noção de direito de cidadania, a partir da qual se constitui um sistema único universal que garante uma atenção à saúde relativamente homogênea, em termos de seus parâmetros e diretrizes, em todo o território nacional e que cobre toda a população – sendo cerca de três quartos dela coberta de forma exclusiva.

A participação da União é ativa na normatização e coordenação do sistema, mas também no financiamento, e com algumas ações redistributivas. A autonomia decisória dos entes subnacionais é restringida pela legislação que, inclusive, define constitucionalmente percentuais mínimos da sua receita para gastos em saúde. E o governo federal tem instrumentos para definir a agenda dos estados, particularmente o controle da maior parte dos recursos e a função de coordenação da política. Há também instrumentos de articulação e de pactuação entre os entes federados. Isso significa que nesse arranjo federativo não há impedimentos para políticas universais; ao contrário, pode favorecer soluções integradas e compartilhadas. O sistema privado é suplementar e opcional, bastante regulado e garante dupla cobertura a um quarto da população.

Em suma, as unidades subnacionais de governo têm baixo poder jurisdicional em relação à União, mas existe garantia constitucional de recursos para a execução da política de saúde, seja por transferências automáticas do governo federal, seja pela obrigatoriedade de alocação de recursos pelos entes subnacionais, inclusive municípios. Mesmo que o subfinanciamento seja crônico no SUS, há garantia de recursos mínimos, o que favorece certa homogeneidade da política no território nacional. Todavia, isso não significa necessariamente igualdade, uma vez que os recursos regionais e locais variam grandemente em função das capacidades fiscais das unidades subnacionais.

Por sua vez, o arranjo institucional argentino tem como principal marca a segmentação em três subsetores, sendo o principal de caráter securitário baseado na inserção no mercado de trabalho, gerido pelos sindicatos e diferenciado internamente por ramos de atividade. Esse arranjo constituído historicamente encontra nos sindicatos fortes veto players para propostas de mudanças no sentido de maior controle nacional sobre o sistema, maior integração dos subsetores e correções das iniquidades. Essa diferenciação do setor se expressa na diversificação da atenção à saúde, que não é prioritariamente decorrente da autonomia federativa, mas da segmentação. No setor securitário a gestão é prioritariamente centralizada e as desigualdades são decorrentes do contingente de população empregada nas unidades federadas e das categorias profissionais predominantes.

No segmento público, o efeito centrífugo da autonomia das províncias se faz sentir, uma vez que no arranjo federativo argentino as províncias gozam de autonomia, o governo nacional tem pouca influência nas políticas provinciais e baixo poder de controle e capacidade de coordenação – além de financiar de forma discricionária apenas alguns programas de saúde de baixo impacto redistributivo. Nesse arranjo, pode se esperar desigualdades que não se limitam às diferentes capacidades de financiamento, mas também às opções políticas locais. Mas além do arranjo federativo que favorece a quase completa autonomia das províncias, o arranjo da saúde, como um todo, é produtor de desigualdade; dado seu caráter segmentado e ausência (ou tentativas mal sucedidas) de uma regulação nacional que vise a unificação ou a homogeneidade nacional entre segmentos e entre unidades federadas.

Tentar identificar os efeitos desses arranjos institucionais sobre os resultados em saúde, do ponto de vista da igualdade entre os entes federados e da universalidade, foi o segundo desafio deste artigo. As principais conclusões extraídas das informações que foram possíveis de serem obtidas apontam que a universalidade do acesso aos serviços de saúde é garantida nos dois países, mas de formas muito diferenciadas. Na Argentina, a maior parte da população acessa os serviços pela via dos seguros alicerçados nas formas de inserção no mercado de trabalho; parte menor acessa pela via do segmento público de qualidade diferenciada entre as províncias; e parcela pequena acessa pela via dos seguros privados, podendo ter dupla ou tripla cobertura. A autonomia das províncias no segmento público coloca constrangimentos a propostas redistributivas e/ou de conteúdo universal, confirmando, apenas nesse caso, as hipóteses da literatura.

A existência de uma política nacional no Brasil, que se reproduz de forma mais ou menos homogênea nas unidades federadas, não é capaz de eliminar desigualdades entre elas, embora tenda a minimizá-las. Desigualdades nos recursos disponíveis e em indicadores relativos à própria atenção à saúde são observadas entre as unidades subnacionais, embora em grau muito mais baixo do que na Argentina. Esta, apresenta maiores recursos que o Brasil, mas essa situação tende a piorar no período analisado. Mas as diferenças entre os gastos per capita com saúde apontam para a diversidade destes recursos entre as províncias argentinas. As ações redistributivas observadas no segmento da seguridade social são de baixo impacto.

Se no Brasil as diferenças entre os estados em relação à capacidade instalada são menos significativas, há grandes diferenças nos gastos em saúde, que apontam para a capacidade de gasto diferenciada entre os estados e que os investimentos públicos e as medidas redistributivas não tem logrado eliminar, mesmo que possam minimizá-las.

Em relação aos indicadores da qualidade da atenção à saúde, observou-se no Brasil melhorias no período de 2010-2018 e maior homogeneização entre os estados. Ao contrário da Argentina, que apresentou maiores diferenciações entre as províncias, embora, em média, uma situação mais favorável que o Brasil. Esses resultados sugerem efeitos benéficos da universalização do sistema de saúde e da acentuada capacidade normativa e de coordenação da política pela União no arranjo federativo brasileiro. Em se tratando do sistema público, o tipo de arranjo federativo importa para produzir uma política de saúde efetivamente nacional, maior igualdade ou, pelo menos, menor desigualdade9 9 . No Brasil, movimentos dos governos nacionais no sentido de abrir mão da coordenação do sistema de saúde, a partir de 2015, podem colocar em risco a homogeneidade do sistema. Enquanto na Argentina esforços continuam no sentido de tornar a atenção à saúde mais equitativa. .

A menor desigualdade interestadual no Brasil em relação à Argentina, em indicadores relacionados diretamente à atenção à saúde, se reproduz em grau mais moderado nos indicadores do estado de saúde de uma população. A Argentina apresenta maior heterogeneidade entre suas províncias, mas num patamar melhor do que o Brasil. Isso remete a fatores exógenos ao sistema de saúde e se relaciona com a situação socioeconômica que afeta fortemente o estado de saúde de uma população. Em que pese a melhoria observada no Brasil em relação aos indicadores selecionados, a situação da Argentina se mantém mais favorável, mesmo com tendência à redução das diferenças.

Em síntese, os resultados apontam desigualdades e heterogeneidades entre as unidades federadas em relação aos recursos e à atenção à saúde muito maiores na Argentina do que no Brasil. Essas evidências tornam plausível supor que essas desigualdades e dispersão podem ser atribuídas, em grande parte, ao arranjo institucional do setor, sendo que arranjos nos quais existe uma coordenação e uma política nacionais tendem a favorecer a implantação de políticas universais e promover maior igualdade federativa.

Entretanto, se isso permite uma interpretação da menor desigualdade federativa, fazendo do Brasil um caso paradigmático, o exemplo argentino suscita uma reflexão mais ampliada sobre esses arranjos institucionais, nos quais a dimensão federativa é apenas uma das instituições a ser considerada. Se, em parte, a autonomia das províncias argentinas tende a produzir desigualdade, o arranjo segmentado parece ser um grande produtor de desigualdades e que não estão relacionadas ao arranjo federativo.

O tipo de arranjo federativo importa, podendo tanto contribuir para maior igualdade quanto para irradiar forças centrífugas. Mas importa em parte, e outros fatores institucionais e econômicos também importam e podem tanto tender à produção de igualdade quanto à de desigualdade.

Os casos analisados confirmam que fatores externos ao sistema de saúde têm impacto forte na situação de saúde de uma população. Enquanto na Argentina o arranjo segmentado e a autonomia dos entes federados tendem a produzir desigualdades, a situação de saúde da população pode ser beneficiada por condições socioeconômicas mais favoráveis.

Em função das limitações de dados e da necessidade de aprofundamento e maior imersão nos dois casos para explorar as interações entre os diversos fatores produtores de desigualdades, o desafio colocado nesse esforço comparativo permitiu inferências que, mais do que apontar conclusões definitivas, abrem uma agenda de pesquisa.

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Notas

  • 1
    . Versão bastante preliminar desse artigo foi apresentado no encontro anual da ANPOCS, tendo seus dados posteriormente atualizados ( Menicucci, 2017Menicucci, Telma. (2017), “Efeitos do Arranjo Federativo na Política de Saúde do Brasil e da Argentina”, in 41º Encontro Anual da ANPOCS. Anais... Caxambú: Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS). pp. 1-29. ).
  • 2
    . No caso da Argentina esses dados são escassos e nem sempre atualizados, o que colocou limites para a pesquisa.
  • 3
    . Foge ao escopo deste artigo, cujo foco é analisar as desigualdades entre os entes subnacionais, reconstruir essas trajetórias em profundidade. Essa reconstrução fez parte da pesquisa que originou este trabalho e é analisado em outro artigo no prelo.
  • 4
    . Embora em parte da literatura eles sejam denominados como subsistemas, consideramos mais adequado o termo mais usual de subsetores dado que, a rigor, não se pode falar de um sistema de saúde articulado na Argentina.
  • 5
    . Destacam-se ainda o Instituto de Serviços Sociais para as Atividades Rurais e Afins (ISSARA) e o Instituto de Obra Social para o Pessoal dos Ministérios de Bem-estar Social e Trabalho.
  • 6
    . A Constituição inseriu o conceito de seguridade social , entendo-o como voltado a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social, com criação de orçamento próprio.
  • 7
    . A partir de 2016 o programa foi esvaziado; em 2019, descaracterizado e substituído pelo Programa Médico pelo Brasil, se tornando inócuo.
  • 8
    . A partir de 2015 o comportamento do governo federal tem sido no sentido de diminuir a coordenação com a flexibilização de regras. Atualmente, o governo praticamente abriu mão do papel constitucional de coordenador e fomenta o conflito federativo em substituição ao esforço de construção de pactos que caracterizara a política de saúde até então.
  • 9
    . No Brasil, movimentos dos governos nacionais no sentido de abrir mão da coordenação do sistema de saúde, a partir de 2015, podem colocar em risco a homogeneidade do sistema. Enquanto na Argentina esforços continuam no sentido de tornar a atenção à saúde mais equitativa.
  • *
    A pesquisa que deu origem ao artigo contou com apoio da FAPEMIG, do CNPq (bolsa PQ) e da CAPES (PNPD).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    06 Out 2020
  • Revisado
    06 Set 2021
  • Aceito
    07 Dez 2021
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