RESUMO
O artigo discute, a partir de um marco neoinstitucionalista, como um mesmo recurso institucional (a transmissão ao vivo) impacta de modo diverso o Legislativo e o Judiciário brasileiros. Para tanto, contrasta resultados de dois trabalhos mais amplos, baseados em entrevistas semiestruturadas com membros de cada Poder e na observação de transmissões ao vivo. O artigo tem quatro seções: na primeira, discutimos como a agenda de transparência impacta as instituições, as razões pelas quais elas procuram aumentar sua exposição pública e como contexto e cultura institucional interferem na apropriação do mesmo recurso por duas instituições diferentes; na segunda, historiamos como se deu a abertura para as câmeras em cada Poder; na terceira, analisamos as diferentes apropriações e linguagens desenvolvidas pelo Legislativo e pelo Judiciário no televisionamento de suas sessões; na última, discutimos como a influência da opinião pública que deriva das transmissões impacta a relação entre os Poderes no Brasil hoje.
Legislativo; Judiciário; midiatização; TV; transparência
ABSTRACT
This article discusses how live broadcasting affects the institutional performance of Brazilian legislatures and Constitutional Court. In order to do so, we draw from two broader research projects, based on semi-structured interviews with members of each branch and the observation of their live broadcasts. The article has four sections: on the first one, we discuss how the demands for transparency and openness impact the institutions and impel them to foster their public exposure; then, we focus on the implementation of live broadcasts on each power; on the third section, we analyze different uses and languages developed by the Legislative and the Judiciary branches on their live broadcasts; finally, we discuss how the influence of the public opinion impacts the relationship among the Powers in Brazil nowadays.
Parliament; Judiciary; Mediatization; TV; Transparency
RÉSUMÉ
L’article examine, à partir d’un cadre néo-institutionnaliste, comment la même ressource institutionnelle (diffusion en direct) impacte le Législatif et le Judiciaire brésiliens de différentes manières. Pour ce faire, il confronte les résultats de deux travaux plus larges, basés sur des entretiens semi-directifs avec des membres de chaque Puissance et sur l’observation d’émissions en direct. L’article comporte quatre sections : dans la première, nous discutons de l’impact de l’agenda de la transparence sur les institutions, des raisons pour lesquelles elles cherchent à accroître leur exposition publique et de la manière dont le contexte et la culture institutionnels interfèrent dans l’appropriation de la même ressource par deux institutions différentes ; dans la seconde, nous racontons comment s’est déroulée l’ouverture des caméras dans chaque Puissance ; dans la troisième, nous analysons les différentes appropriations et langages développés par le Législatif et par le Judiciaire dans la télédiffusion de leurs séances ; dans le dernier, nous avons discuté de la manière dont l’influence de l’opinion publique qui découle des émissions affecte les relations entre les puissances au Brésil aujourd’hui.
Législatif; Judiciaire; Médiatisation; Télé; Transparence
RESUMEN
El artículo discute, desde un marco neoinstitucionalista, cómo un mismo recurso institucional (la transmisión en vivo) impacta de manera diferente en los poderes Legislativo y Judicial brasileños. Para ello, contrasta los resultados de dos estudios más amplios, basados en entrevistas semiestructuradas con miembros de cada Poder y en la observación de emisiones en vivo. El artículo tiene cuatro secciones: en la primera, se discute cómo la agenda de la transparencia impacta en las instituciones, las razones por las que buscan aumentar su exposición pública y cómo el contexto y la cultura institucional interfieren en la apropiación de un mismo recurso por parte de dos instituciones diferentes; en la segunda, se historiza cómo se produjo la apertura a las cámaras en cada poder; en la tercera, se analizan las diferentes apropiaciones y lenguajes desarrollados por el Legislativo y el Judicial en la transmisión de sus sesiones; en la última, se discute cómo la influencia de la opinión pública derivada de las transmisiones impacta en la relación entre los poderes del Estado en el Brasil actual.
Legislativo; Judicial; cobertura mediática; TV; transparencia
INTRODUÇÃO
Este artigo propõe uma reflexão sobre como um mesmo recurso institucional pode afetar de modo diverso o desempenho de duas instituições na arena política. A partir de um marco teórico neoinstitucionalista (em sua vertente histórica), analisamos como as transmissões ao vivo impactam a ação do Legislativo e do Judiciário brasileiros. Com isso, pretendemos jogar luz sobre pontos relevantes que contribuíram para a ascensão do Judiciário na arena política brasileira, como decorrência do aumento de sua visibilidade, assim como para os fatores que tornam as transmissões uma importante ferramenta de transparência e de legitimação do Poder Legislativo.
O artigo está dividido em quatro seções. Inicialmente, discutimos como a agenda de transparência afeta o funcionamento das duas instituições e as razões pelas quais elas procuram aumentar sua exposição pública. Essa discussão inicial revela o contraponto entre um Legislativo que se apresenta orgulhosamente como “casa de vidro” e um Judiciário que busca maior visibilidade, mas é reticente em reconhecer explicitamente o peso dessa escolha em seu desempenho institucional. Em seguida, historiamos brevemente como se deu a abertura para as câmeras em cada Poder. Buscamos dar relevo à dinâmica própria do Legislativo e do Judiciário, evidenciando como desenhos institucionais e padrões de comportamento culturalmente estabelecidos levaram cada um a rumos distintos após eventos equivalentes (o início da transmissão televisiva de seus trabalhos). Na terceira seção, analisamos as diferentes apropriações e linguagens desenvolvidas pelo Legislativo e pelo Judiciário no televisionamento de suas sessões. Encerramos tentando contribuir para um debate que consideramos relevante: existe um ponto de equilíbrio entre a almejada transparência e a possível perda de credibilidade em razão da má utilização desse recurso? Se existe, ele seria o mesmo para o Legislativo e o Judiciário?
TRANSPARÊNCIA COMO IMPERATIVO?
As últimas décadas viram um grande crescimento das cobranças sociais e dos mecanismos institucionais relacionados à ampliação da transparência, abertura e publicidade1 1 . Usaremos aqui o termo transparência de forma intercambiável com abertura e publicidade, pois o conceito de transparência “engloba uma série de outras categorias (openness, surveillance, accountability) voltadas a garantir o direito dos cidadãos de acompanharem e fiscalizarem a atuação do governo” (Marques, 2016:60). Segundo Fernando Filgueiras (2016:86), a “transparência é conceituada como o princípio pelo qual os cidadãos devem obter informação sobre operações e estruturas dos Estados e das corporações, representando ela abertura, divulgação da informação e vigilância por parte do público”. . Este movimento é intimamente relacionado à evolução das tecnologias de comunicação e à tendência global de avanço nas legislações sobre acesso à informação. Como aponta Francisco Marques (2016Marques, Francisco. (2016), “Internet e Transparência Política”, in: R. Mendonça; M. Pereira; F. Filgueiras (orgs.), Democracia Digital: Publicidade, Instituições e Confronto Político. Belo Horizonte, Editora UFMG.:4), “ao longo da segunda metade do século XX, a transparência passou a fazer parte da agenda dedicada a criar mecanismos capazes de aprofundar a democracia”.
A transparência é valorizada tanto por seu valor intrínseco como por seu papel instrumental. Do ponto de vista normativo, faz parte do sistema de valores das democracias modernas e dos direitos humanos (Silva, 2016Silva, Sivaldo. (2016), “Transparência Digital em Instituições Democráticas: Horizontes, Limites e Barreiras”, in: R. Mendonça; M. Pereira; F. Filgueiras (orgs.), Democracia Digital: Publicidade, Instituições e Confronto Político. Belo Horizonte, Editora UFMG.:28; Marques, 2016Marques, Francisco. (2016), “Internet e Transparência Política”, in: R. Mendonça; M. Pereira; F. Filgueiras (orgs.), Democracia Digital: Publicidade, Instituições e Confronto Político. Belo Horizonte, Editora UFMG.:56). Do ponto de vista instrumental, a transparência seria capaz de: expor injustiças, corrupção e outros males; disciplinar instituições e dirigentes; promover eficiência e reduzir falhas de gestão; ampliar a confiança em governos e instituições; reduzir o déficit de informações entre governantes e governados, permitindo que o público tome decisões políticas mais informadas e participe mais ativamente de deliberações; ampliar a responsabilidade política e a accountability; estimular o uso de razões públicas; fomentar a participação política e oferecer insumos para mobilizações civis (Chambers, 2004Chambers, Simone. (2004), “Behind Closed Doors: Publicity, Secrecy, and the Quality of Deliberation”. The Journal of Political Philosophy, v. 12, n. 4, pp. 389-410.:390; Etzioni, 2010Etzioni, Amitai. (2010), “Is Transparency the Best Disinfectant?”. The Journal of Political Philosophy, v. 18, n. 4, pp. 389-404.:5; Filgueiras, 2011Filgueiras, Fernando, (2011), “Além da Transparência: Accountability e Política da Publicidade”. Lua Nova, v. 84, pp. 65-94.:75; Silva, 2016Silva, Sivaldo. (2016), “Transparência Digital em Instituições Democráticas: Horizontes, Limites e Barreiras”, in: R. Mendonça; M. Pereira; F. Filgueiras (orgs.), Democracia Digital: Publicidade, Instituições e Confronto Político. Belo Horizonte, Editora UFMG.:32-36; Stiglitz, 1999Stiglitz, Joseph. (1999), On liberty, the Right to Know, and Public Discourse: The Role of Transparency in Public Life. Oxford, Amnesty Lectures.:23).
Como resultado dessas expectativas elevadas, existe o risco de uma supervalorização: a transparência pode ser vista como uma “espécie de panaceia para as delinquências do homem público e a ineficácia institucional” (Filgueiras, 2011Filgueiras, Fernando, (2011), “Além da Transparência: Accountability e Política da Publicidade”. Lua Nova, v. 84, pp. 65-94.:75) e a abertura pode se tornar um “valor absoluto”, mesmo que, a princípio, tenha sido apenas um meio prático de combater os segredos do absolutismo e da política de gabinete (Schmitt, 2000Schmitt, Carl. (2000), The Crisis of Parliamentary Democracy. Cambridge, MIT Press.:38).
Yehezkel Dror (1999Dror, Yehezkel. (1999), “Transparency and Openness of Quality Democracy”, in: M. Kelly (org.), Openness and Transparency in Governance: Challenges and Opportunities. Maastricht: NISPAceeforum. [Acesso: 15/01/15]. Disponível em http://unpan1.un.org/intradoc/groups/public/documents/NISPAcee/UNPAN006507.pdf
http://unpan1.un.org/intradoc/groups/pub...
:64-65) menciona várias patologias institucionais causadas pelo excesso de transparência, como a valorização exagerada da “engenharia de imagem”, prejudicando a qualidade e a substância da atuação política em nome das aparências. A cultura do escândalo e da denúncia também pode ser vista como efeito colateral e indesejável da ampliação da transparência (Balkin, 1999Balkin, Jack. (1999), “How Mass Media Simulate Political Transparency”. Cultural Values, v. 3, n. 4, pp. 393-413.:404). Mais exposição, escrutínio público e vulnerabilidade podem levar ao desgaste da confiança do cidadão e ao descrédito das instituições (Noleto Filho, 2014:210-211; Silva, 2016Silva, Sivaldo. (2016), “Transparência Digital em Instituições Democráticas: Horizontes, Limites e Barreiras”, in: R. Mendonça; M. Pereira; F. Filgueiras (orgs.), Democracia Digital: Publicidade, Instituições e Confronto Político. Belo Horizonte, Editora UFMG.:49).
Simone Chambers (2004)Chambers, Simone. (2004), “Behind Closed Doors: Publicity, Secrecy, and the Quality of Deliberation”. The Journal of Political Philosophy, v. 12, n. 4, pp. 389-410. defende que a presunção a favor da publicidade não nega a necessidade de segredo. A publicidade é vista como um antídoto contra interesses privados; no entanto, abre as portas para a razão plebiscitária, igualmente prejudicial para a democracia. A razão plebiscitária baseia-se em valores considerados públicos para agradar o maior número de pessoas possível, mas usa argumentos rasos, fracamente fundamentados ou com conteúdo suspeito (Chambers, 2004Chambers, Simone. (2004), “Behind Closed Doors: Publicity, Secrecy, and the Quality of Deliberation”. The Journal of Political Philosophy, v. 12, n. 4, pp. 389-410.:393). Ela tem como estratégias a manipulação (demagogia, desinformação, retórica inflamada), a bajulação (dizer o que a audiência quer ouvir) e a manutenção da imagem (preocupação com a forma como o discurso público fortalece ou prejudica uma imagem, e não sua relação com propostas e argumentos) (Chambers, 2004Chambers, Simone. (2004), “Behind Closed Doors: Publicity, Secrecy, and the Quality of Deliberation”. The Journal of Political Philosophy, v. 12, n. 4, pp. 389-410.:398-399). Logo, para Chambers (2004Chambers, Simone. (2004), “Behind Closed Doors: Publicity, Secrecy, and the Quality of Deliberation”. The Journal of Political Philosophy, v. 12, n. 4, pp. 389-410.:394), decisões tomadas em segredo podem ser benéficas para combater a razão plebiscitária e fomentar o componente racional das deliberações, ao permitir que os membros falem francamente, mudem de posição e aceitem compromissos. Obviamente, não há garantia de que as sessões fechadas atingirão tais objetivos, mas estarão ausentes muitas das pressões para adotar razões plebiscitárias (como a preocupação exagerada com a reeleição e uma possível influência perniciosa da opinião pública e da imprensa).
Se aceitamos a premissa de que há necessariamente momentos de publicidade e outros de privacidade, devemos perguntar quais condições justificam o segredo na política e nas instituições públicas. John Parkinson (2013)Parkinson, John. (2013), “How Legislatures Work – and should Work – as Public Space”. Democratization, v. 20, n. 3, pp. 438-455. defende que a privacidade pode contribuir para a eficiência do trabalho e a efetividade da deliberação, especialmente quando há conflitos profundos e intratáveis. Mas alerta que esta não pode ser a estratégia geral de atuação e que a decisão para que as reuniões sejam fechadas deve ser defensável em público. “Ou seja, a decisão sobre criar uma política ou processo que ocorra em segredo deve ser justificada publicamente” (Filgueiras, 2011Filgueiras, Fernando, (2011), “Além da Transparência: Accountability e Política da Publicidade”. Lua Nova, v. 84, pp. 65-94.:82).
O parlamento pode ser considerado “o mais transparente dos poderes” (Noleto Filho, 2014:203), com as vantagens e desvantagens do título. A abertura estreita os laços entre representantes e representados e contribui para filtrar e eliminar do debate os interesses puramente privados, forçando os representantes a oferecer razões públicas (Habermas, 1997Habermas, Jürgen. (1997), Direito e Democracia: Entre Facticidade e Validade, volume II. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro.:72; Parkinson, 2013Parkinson, John. (2013), “How Legislatures Work – and should Work – as Public Space”. Democratization, v. 20, n. 3, pp. 438-455.:440-41). A instituição deve funcionar como uma “casa de vidro”, exposta ao escrutínio e controle da opinião pública (Bodei, 2011Bodei, Remo. (2011), “From Secrecy to Transparency: Reason of State and Democracy”. Philosophy and Social Criticism, v. 37, n. 8, pp. 889-898.:894). Isso faz com que as atividades de autoapresentação e gerenciamento da visibilidade sejam parte crucial da atuação dos parlamentares.
Contudo, é importante notar que parece haver uma relação entre a ampliação gradual da visibilidade dos procedimentos parlamentares, incluindo sua transmissão audiovisual, e a criação de novas zonas de segredo e opacidade. Como apontam Wolfgang Müller e Ulrich Sieberer (2014:240), certas comissões trabalhando a portas fechadas têm mais chances de alcançar consenso do que arenas expostas ao público; logo, há razões para manter isoladas algumas atividades. Tony O’Donnell (1992O’Donnell, Tony. (1992), “Europe on the Move: The Travelling Parliament Roadshow”, in: B. Franklin (ed.), Televising Democracies. London, Routledge.:267) reforça o coro da necessidade de privacidade, afirmando que grande parte do “trabalho real” do parlamento se distanciou do alcance da cobertura televisiva.
Em relação às cortes constitucionais, o cultivo de certa reserva em relação à exposição pública parece ser a regra, embora se perceba uma tendência a maior prestação de contas de suas atividades, coerente com o aprofundamento da agenda atual de transparência. A literatura em judicial politics atribui expressiva importância à opinião pública como fonte de legitimidade institucional para as cortes constitucionais e sinalizadora de seus limites de atuação política. Na ciência política norte-americana, denomina-se “suporte difuso” da sociedade à corte constitucional a reserva de capital político que a auxilia quando o contexto político a coloca em potencial conflito com o Executivo e/ou o Legislativo, ou com forte desgaste perante grupos de pressão.
Vários trabalhos destacam a importância deste suporte difuso à Suprema Corte (Caldeira, Gibson, 1992; Friedman, 2003Friedman, Barry. (2003), “Mediated Popular Constitutionalism”. Michigan Law Review, v. 101, n. 8/4, pp. 2596-2636. e 2009; Staton, 2010Staton, Jeffrey K. (2010), Judicial Power and Strategic Communication in Mexico. Cambridge, Cambridge University Press.; Clark, 2011Clark, Tom. (2011), The Limits of Judicial Independence. Cambridge, Cambridge University Press., dentre outros). Segundo eles, é esta reserva de apoio da população para com a instituição que permite aos justices tomarem ocasionalmente criticadas decisões contramajoritárias, sem que a legitimidade da Corte, seus poderes e seu desenho institucional sejam postos em causa.
O suporte difuso assenta-se, em boa parte, na percepção geral sobre o desempenho institucional da Corte e sobre a imparcialidade e tecnicidade de seus julgados. A exposição pública de debates acalorados, ou da manipulação estratégica de recursos institucionais ordinários2 2 . Um exemplo é o pedido de vista. Em nossas entrevistas, ministros do STF afirmam que tais solicitações podem funcionar como tática de “obstrução quase-parlamentar”. pode, então, minar a confiança da sociedade na Corte e, por consequência, fragilizá-la politicamente diante de outros atores. Não surpreende, portanto, que a grande maioria das cortes constitucionais cultive com mais tenacidade um processo decisório menos exposto publicamente, no qual os termos das decisões possam ser negociados entre os julgadores envolvidos3 3 . Um exemplo paradigmático é encontrado nas pesquisas de Lee Epstein e Jack Knight (1998), ancoradas em arquivos pessoais de justices da Suprema Corte norte-americana. Elas revelam uma intensa negociação em relação aos termos da decisão para que o justice designado para escrever o voto obtenha o acompanhamento da maioria. e os comportamentos estratégicos dos membros possam ser ocultados dos jurisdicionados. O temor da perda de credibilidade supera os benefícios da exposição, pois seus membros não têm preocupações de ordem eleitoral.
A abertura midiática, se porventura cogitada institucionalmente, envolve então uma delicada equação: como promover uma transparência que legitime e aproxime a Corte da sociedade e, ao mesmo tempo, evitar uma exposição que a normalize (e a seus membros) como ator(es) político(s), revelando eventualmente afinidades partidárias, antagonismos internos e ações estratégicas mais próprias da arena parlamentar?
Essa talvez seja a grande diferença entre Judiciário e Legislativo no tocante à exposição pública: embora os membros de cortes constitucionais sejam inegavelmente atores políticos (e não só operadores do Direito), normalmente não desejam se apresentar assim. Disso decorre que a maneira de se relacionarem com processos de midiatização apresenta diferenças sensíveis, tanto nas encenações para o público externo quanto na criação de zonas de segredo e opacidade. A cultura judicial de independência decisória, que incentiva o julgador a se isolar até mesmo de influências dos colegas, pode, a depender das características pessoais dos magistrados, dificultar a obtenção de consensos internos que evitem a exposição pública dos dissensos da Corte. É claro o contraste com o Legislativo e sua cultura de composição para representar interesses diversos, que assume a negociação de compromissos como algo inerente à atividade parlamentar, por maiores que fossem os antagonismos no momento anterior.
A ABERTURA PARA AS CÂMERAS E AS CONSEQUÊNCIAS INSTITUCIONAIS IMPREVISTAS
Uma das formas como as instituições abraçam a transparência é através da transmissão ao vivo de suas atividades. No Brasil, a Lei 8.977/1995 estabeleceu a criação de canais básicos de utilização gratuita para o Legislativo municipal, estadual e federal. Sete anos depois, a Lei 10.461/2002 acrescentou a previsão de “um canal reservado ao Supremo Tribunal Federal, para a divulgação dos atos do Poder Judiciário e dos serviços essenciais à Justiça”4 4 . O canal de televisão do Poder Executivo federal (NBR) não tem como carro-chefe as transmissões ao vivo de reuniões e, portanto, afasta-se do escopo do presente artigo. Em abril de 2019, ocorreu a fusão da NBR e da TV Brasil, mas esta característica não foi alterada. . Há, contudo, uma diferença crucial: o Legislativo brasileiro se insere em um movimento global, que inclui a criação de canais próprios dos parlamentos e a hegemonia das transmissões via internet; já o nosso Judiciário é um caso atípico no contexto internacional, pois só Brasil, México e Reino Unido permitem que as sessões de suas cortes constitucionais sejam televisionadas. Vejamos, de forma breve, como se deu historicamente a abertura para as câmeras em cada poder.
Segundo o Museum of Broadcast Communications (Miller, 2015Miller, Toby. (2015), Parliament, Coverage by Television. Chicago, Museum of Broadcast Communications. [Acesso: 21/11/15]. Disponível em http://www.museum.tv/eotv_2015.htm.
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), o primeiro teste de cobertura de mídia eletrônica do Congresso norte-americano aconteceu em 1922, mas foi uma iniciativa esporádica. Os primórdios da transmissão regular das atividades legislativas remontam à Alemanha Ocidental, no período após a Segunda Guerra Mundial. O Bundestag teve uma política de abertura em relação à televisão ao longo das décadas de 1950/1960, com o objetivo de ajudar a estabelecer tradição e legitimidade para o parlamento, provando seu compromisso com a democracia e sua efetividade dentro do novo arranjo institucional (Schatz, 1992Schatz, Heribert. (1992), “Televising the Bundestag”, in: B. Franklin (ed.), Televising Democracies. London, Routledge.:234-35). No final da década de 1970, foram criados os primeiros canais dedicados prioritariamente à transmissão dos trabalhos legislativos, no Canadá (Canada’s Cable Public Affairs Channel – CPAC, 1977) e nos EUA (Cable-Satellite Public Affairs Network – C-Span, 1979).
A disseminação das transmissões televisivas foi rápida – já na década de 1980, mais de 20 legislativos nacionais permitiam a cobertura de suas reuniões – e sempre direcionada para a expansão (Crain, Goff, 1998:15). Segundo os autores, uma vez adotada, a transmissão não foi eliminada por nenhum legislativo nacional. Na América Latina, o processo remonta à década de 1990. O desenvolvimento aqui também foi veloz e esteve “intrinsecamente relacionado ao avanço das democracias na América Latina, traduzido numa maior exigência da sociedade por transparência e participação” (Queiroz, 2007Queiroz, Dulce. (2007), Jornalismo Institucional nas TVs Legislativas: Os Casos do Brasil e do México. Dissertação de Mestrado em Comunicação, Universidade de Brasília, Brasília, Brasil.:71).
O Brasil5 5 . A TV Assembleia de Minas Gerais foi a primeira emissora legislativa da América Latina (Queiroz, 2007:9) e entrou em operação em 30/11/1995. Em 5/2/1996, foi seguida pela TV Senado, de alcance nacional. foi o pioneiro na região. Como aponta Dulce Queiroz (2007Queiroz, Dulce. (2007), Jornalismo Institucional nas TVs Legislativas: Os Casos do Brasil e do México. Dissertação de Mestrado em Comunicação, Universidade de Brasília, Brasília, Brasil.:200-201), os parlamentares buscavam “um contraponto ao discurso promovido pela mídia tradicional em torno do parlamento, calcado principalmente na denúncia e na espetacularização”. O advento das TVs legislativas foi recebido aqui com ressalvas e desconfiança (Queiroz, 2007Queiroz, Dulce. (2007), Jornalismo Institucional nas TVs Legislativas: Os Casos do Brasil e do México. Dissertação de Mestrado em Comunicação, Universidade de Brasília, Brasília, Brasil.:79): matérias publicadas na época ressaltavam os altos custos envolvidos e o caráter “chapa-branca” das emissoras. Mas as iniciativas se firmaram e, atualmente, o País conta com: dois canais dedicados ao nível federal (TV Câmara e TV Senado); transmissão audiovisual dos trabalhos das Assembleias de todos os estados (através de cabo, rede aberta e/ou internet); transmissão das atividades de inúmeras câmaras municipais, com graus variados de recursos financeiros, desenvolvimento tecnológico e escopo de cobertura.
Se hoje as transmissões televisivas se apresentam como realidade inescapável para muitos órgãos legislativos, o panorama no Judiciário é bastante distinto e indica relevantes diferenças entre os dois ambientes institucionais. No mundo, apenas três cortes constitucionais transmitem ao vivo suas sessões6 6 . Toda a literatura consultada por nós aponta apenas esses três casos isolados, em um conjunto bastante expressivo de cortes constitucionais na América Latina, América do Norte, Europa e Ásia. Por óbvias questões logísticas, não foi possível confirmar empiricamente a inexistência de outros casos, mas podemos afirmar que a transmissão das sessões é exceção na experiência histórica das cortes constitucionais. : o Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro; a Suprema Corte de Justiça da Nação mexicana (SCJN) e a Suprema Corte do Reino Unido (SCRU). O STF foi o pioneiro e transmite regularmente suas sessões do plenário. A SCJN transmite ao vivo sessões plenárias às segundas, terças e quintas-feiras e as disponibiliza na internet, ao passo que a SCRU transmite as sessões apenas quando a mídia requisita.
Quando decidiram transmitir suas sessões, essas três cortes constitucionais buscavam firmar um novo espaço na arena política e tornar-se atores proeminentes. O STF tivera pouca relevância no período militar, exceção feita a condutas pessoais de alguns ministros mais combativos. Até a década de 1990, a SCJN também era um ator político pouco relevante e fora usada muitas vezes como passagem para ascensão de quadros do Partido Revolucionário Institucional (PRI) na burocracia partidária (Staton, 2010Staton, Jeffrey K. (2010), Judicial Power and Strategic Communication in Mexico. Cambridge, Cambridge University Press.:66-67). A SCRU foi criada apenas em 2009, como decorrência da retirada de poderes judiciais da House of Lords. Ao contrário de cortes constitucionais que haviam passado por um processo histórico de consolidação de seu papel político-institucional, essas três cortes tinham maiores incentivos para se abrir ao escrutínio público.
Todavia, como nos lembram Howard Gillman e Cornell Clayton (1999:06), o comportamento judicial (e o mesmo vale para o Legislativo) não é apenas estruturado pelas instituições: elas acabam participando de sua constituição, na medida em que os valores que elas encarnam dão sentido e direcionam a ação dos atores judiciais. A diferença entre o desempenho de parlamentos e cortes decorre então, em boa medida, da trajetória percorrida pela instituição ao longo do tempo, antes mesmo da existência das transmissões televisivas estatais. A mudança institucional, quando incide sobre instituições com códigos culturais há muito consolidados, eventualmente gera caminhos inesperados de desenvolvimento institucional. Os objetivos inicialmente visados pela mudança – como a agenda da transparência – podem ser o gatilho para interações institucionais inesperadas, as quais acabam por impactar o desempenho final da instituição em uma perspectiva que não fora inicialmente planejada ou almejada.
Nessa linha, é importante notar como o imaginário da “casa de vidro”, relacionado intimamente à transmissão televisiva dos parlamentos, pode ser enganador. Segundo Jack Balkin (1999Balkin, Jack. (1999), “How Mass Media Simulate Political Transparency”. Cultural Values, v. 3, n. 4, pp. 393-413.:394), a metáfora da transparência assume que o meio é separado conceitualmente do objeto retratado e que o processo não altera substantivamente a natureza do objeto. Porém, ambas as premissas seriam falsas neste caso: meio e objeto se misturam, porque a governança acontece através do uso da TV; além disso, a transmissão televisiva modifica substancialmente o objeto retratado. Ou seja, a televisão não funciona como “janela”, mas cria novas formas de realidade política que existem apenas porque são exibidas pela TV (Balkin, 1999Balkin, Jack. (1999), “How Mass Media Simulate Political Transparency”. Cultural Values, v. 3, n. 4, pp. 393-413.:396). As transmissões televisivas de parlamentos e cortes mostram como a transparência pode ser simulada, pois as emissoras não cobrem todas as reuniões, nem todos os espaços em que as decisões são tomadas (Balkin, 1999Balkin, Jack. (1999), “How Mass Media Simulate Political Transparency”. Cultural Values, v. 3, n. 4, pp. 393-413.:409). A própria retórica da transparência faz parte desse efeito ilusório, ao minimizar ou eclipsar a existência de áreas opacas. De outro lado, as transmissões reestruturam as regras do jogo e podem reconfigurar o próprio processo decisório da instituição, ao permitirem que um agente estratégico se utilize do diálogo velado com a opinião pública para atingir objetivos que não se enquadram no escopo inicial da agenda da transparência.
O PODER AO VIVO
A incorporação da comunicação de massa ao cotidiano das instituições é reflexo de alterações mais amplas na sociedade e na política. O momento atual seria de uma abundância comunicativa sem precedência histórica em termos de velocidade, escopo e complexidade (Keane, 2013Keane, John. (2013), Democracy and Media Decadence. Cambridge, Cambridge University Press.). Nesse contexto, os líderes devem lidar com sua hiperexposição e os cidadãos cada vez mais se veem na posição de espectadores e consumidores (Gomes, 2004Gomes, Wilson. (2004), Transformações da Política na Era da Comunicação de Massa. São Paulo, Paulus.:113). A comunicação de massa passa a ter um papel crucial para a formação das opiniões do público e, consequentemente, torna-se uma ferramenta central para a conquista de legitimidade. “Não haveria, portanto, decisão nem ação possível no campo político sem a consideração da opinião, para cuja fabricação as mídias intervêm” (Charaudeau, 2013Charaudeau, Patrick. (2013), Discurso Político. São Paulo, Contexto.:25). As mudanças exigem um esforço para entender como as democracias estão sendo reformatadas pelas novas ferramentas e pela retórica da comunicação (Keane, 2013Keane, John. (2013), Democracy and Media Decadence. Cambridge, Cambridge University Press.:25).
Apesar de ainda não ter atingido tal status, a midiatização caminha a passos largos para se tornar o processo interacional de referência em nossa sociedade, aquele considerado como parâmetro ou critério de validade para os demais. Neste caminho, os outros processos não desaparecem, mas se ajustam, se redirecionam e se remodelam (Braga, 2007Braga, José Luiz. (2007), “Mediatização como Processo Interacional de Referência”, in: A. Médola, D. Araújo, F. Bruno (orgs.), Imagem, Visibilidade e Cultura Midiática: livro da XV Compós. Porto Alegre, Sulina.:142). Lógicas anteriores de interação buscam, através da midiatização, maior abrangência, alcance, duração e eficiência (Braga, 2015Braga, José Luiz. (2015), “Lógicas da Mídia, Lógicas da Midiatização?”, in: A. Fausto Neto et al. (org.) Relatos de Investigaciones sobre Mediatizaciones. Rosario, UNR Editora.:148)
Contudo, há variações entre meios e atores, entre países e no interior deles, criando ilhas de maior e menor midiatização. O grau de midiatização é, portanto, uma questão empírica e contextual: instituições que dependem do envolvimento ativo dos cidadãos e do apoio do público são afetadas de maneira mais forte, enquanto sistemas mais exclusivos são menos receptivos à midiatização (Esser, Strömbäck, 2014:235). A midiatização afeta sobremaneira a dramaturgia do poder (Hajer, 2009Hajer, Maarten. (2009), Authoritative Governance: Policy-making in the Age of Mediatization. Oxford, Oxford University Press.:53; Parkinson, 2015Parkinson, John. (2015), “Performing Democracy: Roles, Stages, Scripts”, in: S. Rai; Reinelt (eds.), The Grammar of Politics and Performance (interventions). New York, Routledge.:20), que se aproxima da gramática da comunicação política de massa.
As transmissões ao vivo das sessões são uma manifestação específica deste fenômeno mais amplo. Através delas, amplia-se exponencialmente o público potencial7 7 . Há um contraste entre o potencial das emissoras e sua realidade cotidiana. Em momentos cruciais, é possível que todos se interessem pelo que acontece no Legislativo ou no Judiciário e que as emissoras alcancem uma audiência massiva (Santos, 2008:69). No dia a dia, porém, sua audiência é limitada e podem ser consideradas como canais de nicho (Santos, 2008:150). Há uma tendência entre pesquisadores, profissionais e políticos a minimizar a relevância dos índices de audiência para essas emissoras (Rowley, Kurpius, 2005:175; Grundy, 2000:34; Lamb, 1992:229). O importante não seria a quantidade de espectadores e, sim, o “princípio do acesso”, pois a mera existência destes canais permite que os cidadãos acompanhem os trabalhos sem depender das decisões editoriais das emissoras comerciais (Mitchell, 1992:90; Jardim, 2008:282). Além disso, o monitoramento através da imprensa comercial garantiria uma expansão indireta do alcance do conteúdo (Crain, Goff, 1998:24). das reuniões (Renault, 2004Renault, Letícia. (2004), Comunicação e Política nos Canais de Televisão do Poder Legislativo no Brasil. Belo Horizonte, Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais.:95; Freitas, 2004Freitas, Luiz. (2004), A Midiatização do Parlamento: A TV Senado e as Transformações na Atividade Político-parlamentar no Senado Brasileiro. Dissertação de Mestrado em Comunicação Social, Universidade de Brasília, Brasília, Brasil.:58) e, com isso, também sua heterogeneidade. Quando o conteúdo passa a circular em diversas mídias, é consequentemente exposto a diferentes públicos e interpretações.
Essa multiplicidade permite que parlamentares e ministros possam, em uma mesma fala, dirigir-se a diversos destinatários, consecutiva ou simultaneamente. A midiatização não inaugura esta variedade de destinatários – independente dela, os atores podem utilizar as sessões para falar com o público nas galerias, com a imprensa ou “mandar recados” para outros atores políticos –, mas inegavelmente interfere no processo, pois contribui para alterar as regras internas das instituições e implica novas interferências sobre suas atividades.
Sob a perspectiva da “política em cena”, o público “é uma instância de recepção a qual se endereça a atuação da política” (Gomes, 2004Gomes, Wilson. (2004), Transformações da Política na Era da Comunicação de Massa. São Paulo, Paulus.:403) e, ainda que não esteja fisicamente presente, a audiência é pressuposta pelos atores (Rai, 2015Rai, Shirin. (2015), “Performance and Politics”, in: S. Rai; J. Reinelt (eds.), The Grammar of Politics and Performance (interventions). New York, Routledge.:159). Mas, mesmo quando age com o pensamento voltado para fora, o parlamentar ou ministro tem objetivos imediatos de ação dentro da própria instituição. As sessões transmitidas ao vivo permitem a eles atuar o tempo todo em dois planos, que se inter-relacionam e se afetam mutuamente, o interno e o externo. Nesse sentido, os espaços do Plenário e da TV se misturam e se confundem, pois, frente à midiatização, os atores políticos precisam considerar que aquilo que dizem em um palco, para um público específico, muitas vezes vai atingir outros públicos quase instantaneamente, suscitando interpretações e reações diversas (Hajer, 2009Hajer, Maarten. (2009), Authoritative Governance: Policy-making in the Age of Mediatization. Oxford, Oxford University Press.:9).
As transmissões ao vivo do Legislativo e do Judiciário têm diversas similaridades, advindas da linguagem e gramática da televisão e do funcionamento geral dessas instituições. Porém, não há uma estrutura rígida ou formato obrigatório a ser seguido: em cada órgão, as transmissões podem assumir características próprias, singulares, que refletem seu contexto, sua cultura institucional e sua composição interna.
A seguir, analisamos as diferentes apropriações dos recursos televisivos feitas pelo Legislativo e pelo Judiciário. A discussão concentrou-se em dois aspectos: os diferentes estilos de atuação adotados pelos parlamentares e ministros; e a maneira como a encenação (exacerbada pela midiatização) impacta a discussão.
Este artigo não propõe uma exploração empírica profunda, mas contrasta resultados de dois trabalhos anteriores mais amplos, baseados em entrevistas com os membros de cada Poder e na observação de suas transmissões ao vivo8 8 . É importante registrar que os corpora de tais trabalhos não são paralelos, pois em cada um foi desenvolvido um desenho de pesquisa visando objetivos e recortes distintos. Ou seja, os estudos anteriores apresentam pontos de contato frutíferos, mas também importantes diferenças, que impedem a comparação sistemática. É relevante, para os objetivos deste artigo, destacar que um dos estudos observou o Poder Legislativo estadual (e não federal), enquanto o outro abordou o STF. Do ponto de vista metodológico, embora ambos tenham se baseado em entrevistas semiestruturadas, um deles garantiu o anonimato dos entrevistados, enquanto o outro identifica os respondentes nominalmente. Além disso, os questionários utilizados por cada pesquisador são distintos, com apenas algumas questões similares. Acreditamos que a exploração preliminar feita aqui indica uma agenda de pesquisa profícua. Estudos futuros podem se beneficiar de um desenho de pesquisa que permita a comparação sistemática entre a atuação dos dois poderes diante da mídia. . Em um deles, foram feitas 34 entrevistas presenciais e semiestruturadas, sendo 28 com deputados estaduais de Minas Gerais e seis com servidores de TVs legislativas (TV Assembleia / MG, TV Câmara e TV Senado). Em outro, foram feitas entrevistas com nove ministros do STF (em atividade ou aposentados), também presenciais e semiestruturadas. Parte dos resultados ilumina as análises nas próximas páginas, permitindo aproximação e contraste entre a relação do Legislativo e do Judiciário com a visibilidade midiática e, em especial, com a transmissão televisiva de suas sessões.
ESTILOS DE ATUAÇÃO
No palco do plenário transmitido ao vivo, as atuações não são padronizadas e uniformes. As encenações são corporificadas, encarnadas, histórica e culturalmente específicas (Rai, 2014Rai, Shirin. (2014), “Political Performance: A Framework for Analysing Democratic Politics”. Political Studies, v. 63, n. 5, pp. 1179-1197.:5), incrustradas em relações sociais, nas formas como os indivíduos se posicionam em relação aos outros. Os papéis misturam características pessoais, afinidades políticas, compromissos eleitorais e/ou institucionais e pressupõem estilos de interpretação, formas de abordar temas e de se relacionar com seus públicos. Todos os líderes atuam neste espaço, cada um a seu modo: uns mais histriônicos, outros exaltados, alguns comedidos e ponderados. Tudo que é feito ali é, em alguma medida, uma encenação9 9 . Erving Goffman (2005:9) destaca que toda interação envolve também representação, que depende da forma como o indivíduo apresenta a si mesmo e a suas atividades. Sempre que atua junto ou à vista de outros, o indivíduo “em lugar de meramente realizar sua tarefa e dar vazão a seus sentimentos, expressará a realização de sua tarefa e transmitirá de modo aceitável seus sentimentos” (Goffman 2005:66). Mas, para a discussão que fazemos aqui, é importante reconhecer que nem todas as atividades pressupõem parcelas e formas de encenação equivalentes. Existem momentos em que o esforço de encenação é mais presente, mais consciente para quem o executa ou mais perceptível para quem o assiste. Por exemplo, as representações que um líder constrói em reuniões privadas são diferentes daquelas que produz em encontros públicos, altamente visíveis, abertos a audiências variadas. , visando múltiplas audiências.
Em frente às câmeras de TV, o parlamentar “trabalha de artista”, diz o deputado Hely Tarqüínio (Partido Verde - PV)10 10 . O status dos entrevistados como deputados estaduais em exercício e suas afiliações partidárias refletem a situação no momento das entrevistas (conduzidas entre novembro de 2014 e maio de 2016). . Seu “estilo” ao se apresentar na tribuna reflete formas de se relacionar com o espaço, com os parceiros de encenação, com as câmeras:
A partir do momento que os deputados percebem que o seu discurso, que a sua atuação está sendo gravada de alguma forma, está sendo filmada, eles têm às vezes umas posições mais lights ou até um pouco mais contundentes, sabendo sobretudo que os seus eleitores podem amanhã ver e gostar de determinada ação, comentário que você fez. (...) Tem deputados que gostam, sobretudo, de jogar para a plateia, e aí sobem em tribuna para fazer esse tipo de colocação (deputado Gustavo Corrêa / Democratas – DEM).
O deputado Missionário Márcio Santiago (Partido Trabalhista Brasileiro – PTB) aponta que a transmissão ao vivo faz com que alguns se expressem de forma mais agressiva, incisiva, exaltada, para mostrar força para seus representados. “Se não tivesse câmera, você pode ter certeza que seria muito mais ameno o clima, apaziguador”, completa. Os estilos dependem tanto das imagens que os deputados conscientemente escolhem projetar, quanto de fatores além do seu controle, como a emoção. Há momentos em que as atuações são mais calculadas e outros em que se rompem os planos e transbordam imagens não intencionais.
A consciência de que estão atuando fica clara na naturalidade com que se relacionam com as câmeras e se dirigem aos públicos externos. O teatro nos fornece conceitos para compreender melhor este tipo de estratégia. A “quarta parede” é uma convenção teatral que cria distanciamento: os personagens agem como se estivessem apenas em seu próprio mundo, e não atuando para uma plateia. Esta parede é quebrada quando o personagem se dirige para fora do contexto diegético (em geral, para os espectadores) ou revela que está engajado em uma encenação, destruindo a ilusão de realidade (Brown, 2012Brown, Tom. (2012), Breaking the Fourth Wall: Direct Address in the Cinema. Edimburgo, Edinburgh University Press.). A presença ou ausência da quarta parede distingue tipos de teatro e pode ser usada como recurso para diversos fins, como envolver o espectador na história, levá-lo a questionar o que assiste, encorajar sua visão crítica.
O plenário é um palco simultaneamente teatral e televisivo, em que os políticos atuam tanto para a plateia presente in loco, nas galerias, quanto para aquela distante fisicamente. Há momentos, inclusive, em que públicos externos tornam-se o foco central dos discursos. Os deputados olham diretamente para as câmeras, interpelam o telespectador, gesticulam em direção a ele – quebram, portanto, a quarta parede. É o que podemos ver nos exemplos abaixo:
Nós, do movimento social, estamos preparando um plebiscito para a Semana da Pátria (...) Quero fazer um apelo: você, que concorda comigo, pode ajudar a fazer esse plebiscito popular. (…) Você pode organizá-lo na sua casa, no seu comércio, na sua escola, na sua rua (deputado Pompílio Canavez / Partido dos Trabalhadores – PT, reunião de Plenário da Assembleia Legislativa de Minas Gerais – ALMG, 25/6/14).
Quero falar para você, contribuinte de Minas Gerais, pagador de impostos de Minas Gerais, que está ficando caro para você. O governador Pimentel criou mais secretarias, mais órgãos. (...) E você está pagando a conta! (...) Você que está me assistindo. Isso está na sua conta de luz, no biscoito que você comprou para o seu filho (deputado João Leite / Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB, reunião de Plenário da ALMG, 28/5/15).
Quando optam por priorizar os públicos externos, muitas vezes os discursos assumem um tom didático – é a “pedagogia da democracia” identificada por Renault (2004Renault, Letícia. (2004), Comunicação e Política nos Canais de Televisão do Poder Legislativo no Brasil. Belo Horizonte, Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais.:93). Se o discurso é voltado para os leigos, precisa necessariamente explicar detalhes que, para os colegas, são básicos e já conhecidos. Até o endereçamento aos pares pode ser um recurso dramatúrgico, mais do que uma interação efetiva. Segundo Renault (2004Renault, Letícia. (2004), Comunicação e Política nos Canais de Televisão do Poder Legislativo no Brasil. Belo Horizonte, Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais.:88), as câmeras teriam transformado “a figura do presidente ou dos colegas senadores e deputados em figuras de retórica, nas quais o parlamentar apoia o discurso com a clara intenção de dirigir-se ao telespectador”. O uso deste tipo de endereçamento dá mais naturalidade às falas, cria a sensação de que há um debate ou diálogo ocorrendo no plenário. Ou seja, mesmo quando não interpelam diretamente os telespectadores, os oradores possivelmente os levam em conta.
A derrubada da quarta parede não é característica inescapável da transmissão ao vivo. Há outros tipos de encenação possíveis, que se pretendem mais “naturalistas” ou “realistas”. Um exemplo são as transmissões televisivas das sessões do STF: obviamente, os ministros têm consciência de estarem sendo acompanhados pelos cidadãos e pela imprensa e, em muitos momentos, atuam para eles; mas, mesmo assim, buscam manter a ilusão de que seu desempenho não é afetado pela presença das câmeras (agem como se houvesse a quarta parede). Ou seja, a performance midiática dos ministros, conquanto também guarde forte componente teatral, tende, por uma questão de cultura institucional, a ser mais contida. O cultivo da imagem de imparcialidade e tecnicidade colabora para a contenção encenada, pois, em princípio, não é esperado que um julgador demonstre paixão excessiva pela causa em jogo, ao contrário de um parlamentar que defende certa bandeira.
Assim, em comparação com o Legislativo, são muito mais raras nas sessões do STF as menções ao público externo, os olhares para as câmeras e a interpelação direta aos telespectadores. Todavia, o processo de midiatização do STF tem eventualmente levado a padrões diferentes de comportamento por parte de alguns ministros, em especial em processos de grande repercussão junto à opinião pública.
Durante todo o julgamento da Ação Penal 470 (Mensalão) foram objeto de intensa repercussão midiática os embates entre os ministros, especialmente Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski. Naquele julgamento, havia também uma clara disputa pela narrativa, pelo controle da percepção da sociedade acerca da forma como se dava a apreciação dos fatos pela Corte. Não por outro motivo, eram frequentes as insinuações do ministro Joaquim Barbosa a respeito de supostas intenções não reveladas em votos que porventura contrariassem suas posições, algo pouco usual e bastante ofensivo na cultura judicial. Podemos, inclusive, notar indícios do já mencionado perigo da razão plebiscitária como possível consequência da publicização dos debates nesse e em outros processos criminais de grande repercussão. Em momentos pontuais e decisivos do julgamento da Ação Penal 470, o ministro Joaquim Barbosa dirigia explicitamente alertas à “nação brasileira”. Dada a repercussão midiática do julgamento, consideramos que o magistrado tinha perfeita ciência de que o diálogo que ele travava com a sociedade poderia influenciar as posições dos colegas.
Os demais ministros, ao seu modo, também interagem com o público por meio do conteúdo de seus votos, seu gestual e suas intervenções em debates. Tem se tornado mais comum, inclusive, a menção à opinião pública ou aos supostos anseios da sociedade como recurso argumentativo através do qual o ministro reconhece implicitamente (e, às vezes, explicitamente) que ele e seus pares estão sendo observados pelos telespectadores. O ministro Barroso, por exemplo, adotou uma estratégia de mobilização explícita da opinião pública em relação à Operação Lava Jato, notadamente em momentos em que ela esteve sob forte questionamento em razão do cometimento de potenciais ilegalidades11 11 . Qualificamos como “potenciais” as ilegalidades apontadas pela imprensa porque, no momento em que escrevemos este artigo, elas ainda estão pendentes de julgamento pelo STF. , as quais foram apontadas pela imprensa na série de publicações conhecida como “Vaza Jato”.
Como já destacamos, essas condutas guardam relação com o raro grau de exposição pública dos juízes constitucionais brasileiros, fato que torna o controle de sua imagem pública uma preocupação estratégica desses atores políticos.
Lawrence Baum (2006Baum, Lawrence. (2006), Judges and Their Audiences: A Perspective on Judicial Behavior. Princeton, Princeton University Press.:21-22) anota que juízes, como quaisquer outras pessoas, preocupam-se com as percepções sobre suas atitudes, ainda que essa preocupação possa ocorrer em relação a audiências específicas (em função das características pessoais de cada magistrado). O autor argumenta que não seria razoável sustentar a ideia de que existem apenas juízes dotados de enorme racionalidade. O processo decisório dos juízes, portanto, não poderia ser analisado apenas em termos de preferências decisórias previamente estruturadas e na busca metódica do melhor meio para satisfação dessas preferências, como entendem os neoinstitucionalistas da escolha racional.
A análise de fatos públicos relacionados aos ministros do STF, as condutas observadas e as respostas obtidas em entrevistas com ministros levam-nos a endossar parcialmente essa perspectiva. A relação com suas audiências é um recurso institucional estratégico, que pode ser usado pelos ministros como meio de defesa ou promoção de sua imagem pessoal e também como tática de pressão política para influenciar a decisão de seus pares. Essa perspectiva ganha relevo num contexto institucional como o brasileiro, em que os ministros têm um enorme grau de exposição pública individual e uma expressiva liberdade para decidir monocraticamente, contornando eventualmente as preferências do colegiado.
Nesse cenário, é provável que os ministros se preocupem ainda mais com sua imagem, pois, além da repercussão em sua subjetividade (fator a que Baum confere grande importância), uma imagem pública excessivamente desgastada pode eventualmente afetar sua capacidade de influir no colegiado ou na arena política. Podemos, então, compreender a atuação pública dos ministros como a assunção de uma persona pela qual desejam ser reconhecidos, e que pode gerar ganhos estratégicos na comunicação mediada com o público. Essa persona pode, por exemplo, se sustentar na imagem de “juiz à moda antiga”, mais afeito à dramaturgia tradicional das cortes, a depender das características pessoais de cada ministro. De outro lado, existem magistrados com um estilo de ação em plenário mais típico da vida parlamentar do que de uma Corte destinada a ser a “instituição exemplar da razão pública” (Rawls, 2011Rawls, John. (2011), O Liberalismo Político: Edição ampliada. São Paulo, Martins Fontes.:279), e a TV Justiça se torna então um recurso institucional relevante para a sua agenda.
Alguns ministros de fato parecem usar a TV Justiça (e entrevistas na mídia) como recurso institucional para interferir no processo decisório da Corte e na arena política. Eles podem então ter os seguintes objetivos estratégicos: a) influenciar seus pares, de modo a constranger a tomada de decisões distantes ao seu ponto de preferência; b) desacreditar a decisão na qual restaram minoritários, de modo a transferir o debate para outra arena (como a mídia ou o Legislativo) em condições mais favoráveis; c) influenciar o processo decisório do Legislativo e/ou Executivo, em especial naquilo que potencialmente interfira no exercício dos recursos institucionais do Judiciário.
Nem todos os ministros e parlamentares utilizam esse tipo de estratégia, mas todos são impactados pela sua existência. As TVs do Legislativo e do Judiciário criam novos ativos institucionais e redistribuem influência política. Elas contribuem, assim, para moldar o contexto no qual todos devem atuar, mesmo aqueles que prefeririam ignorar a existência das transmissões ao vivo das sessões.
ENCENAÇÃO E DISCUSSÃO
A política tem componentes teatrais e isso fica especialmente claro no caso do parlamento, que é mais visivelmente performático do que outras instituições (Rai, 2015:160). Os procedimentos parlamentares fazem parte de uma dramaturgia da tomada de decisão política bem codificada, estabelecida historicamente (Hajer, 2009Hajer, Maarten. (2009), Authoritative Governance: Policy-making in the Age of Mediatization. Oxford, Oxford University Press.:51-52). Chris Kyle (2012Kyle, Chris. (2012), Theater of State: Parliament and Political Culture in Early Stuart England. Stanford, Stanford University Press.:8) destaca a natureza intrinsecamente teatral do parlamento, desde a exibição pública e formal de rituais, projetada para reforçar seu status como instituição política suprema, até as interações mais casuais com sua audiência. Haveria similaridades físicas, estruturas e práticas análogas, como a própria performance retórica encenada (Kyle, 2012Kyle, Chris. (2012), Theater of State: Parliament and Political Culture in Early Stuart England. Stanford, Stanford University Press.:1).
As condições e demandas da midiatização exacerbam o caráter de encenação da política (Hajer, 2009Hajer, Maarten. (2009), Authoritative Governance: Policy-making in the Age of Mediatization. Oxford, Oxford University Press.:3-4; Parkinson, 2015Parkinson, John. (2015), “Performing Democracy: Roles, Stages, Scripts”, in: S. Rai; Reinelt (eds.), The Grammar of Politics and Performance (interventions). New York, Routledge.:20; Rai, Reinelt, 2015:1; Thompson, 1995Thompson, John. (1995), The Media and Modernity: A Social Theory of the Media. Cambridge, Polity Press.:120; Rubim, 2004Rubim, Antonio. (2004), “Espetacularização e Midiatização da Política”, in: A. Rubim (org.), Comunicação e Política: Conceitos e Abordagens. Salvador, Edufba.:191). Em tempos de midiatização, as discussões em plenário misturam aspectos efetivamente argumentativos aos teatrais. Podem, portanto, ser vistas não apenas como embates de argumentos visando o entendimento mútuo, a “busca sincera da verdade” ou “conclusões objetivamente válidas” (Perelman, Olbrechts-Tyteca, 2005:42), mas como encenação dessas trocas discursivas (Charaudeau, 2013Charaudeau, Patrick. (2013), Discurso Político. São Paulo, Contexto.:46). Isso porque, na maior parte das vezes, os parlamentares estão conscientes de que não podem persuadir ali seus oponentes (Ilie, 2003Ilie, Cornelia. (2003), “Discourse and Metadiscourse in Parliamentary Debates”. Journal of Language and Politics, v. 2, n. 1, pp. 71-92.:76). As lealdades dos debatedores costumam ser definidas previamente, baseadas em compromissos assumidos, posições institucionais, vínculos partidários.
Logo, as discussões seriam um meio de exibir seus argumentos para as audiências externas12 12 . O Plenário vazio é uma das principais evidências de que os discursos são voltados para fora do plenário. A situação, constantemente denunciada pela mídia (Noleto Filho, 2014:225), é relativamente comum (Bock, 2009:263; Lamb, 1992:227; Noleto Filho, 2014:224; Martins, 2016:65; Silva, 2012:37; Freitas, 2004:58). (Parkinson, 2015Parkinson, John. (2015), “Performing Democracy: Roles, Stages, Scripts”, in: S. Rai; Reinelt (eds.), The Grammar of Politics and Performance (interventions). New York, Routledge.:24; Finlayson, 2015Finlayson, Alan. (2015), “Becoming a Democratic Audience”, in: S. Rai; J. Reinelt (eds.), The Grammar of Politics and Performance (Interventions). New York, Routledge.:99), mostrar-se como políticos sérios, preocupados com os problemas sociais e detentores de capacidade de liderança para resolvê-los. A audiência da disputa retórica pode então comparar as versões rivais que lhe são apresentadas e julgar os atores políticos e os roteiros que eles encenam13 13 . É importante ter em conta que a expansão da visibilidade e do monitoramento cria uma situação de “campanha permanente”, em que os parlamentares devem estar atentos à opinião pública durante toda a extensão dos seus mandatos e não apenas no momento das eleições (Gomes, 2004:114; Strömbäck, 2008:240; Máximo, 2013:11; Thompson, 1995:138; Grimmer, 2010:111). (Finlayson, 2015Finlayson, Alan. (2015), “Becoming a Democratic Audience”, in: S. Rai; J. Reinelt (eds.), The Grammar of Politics and Performance (Interventions). New York, Routledge.:103).
Os palcos legislativos oferecem assim oportunidade para que os parlamentares se dediquem a atividades simbólicas: encenem publicamente seu engajamento, exibam seus esforços e opiniões, reivindiquem crédito por ações tomadas em espaços menos visíveis. As atividades simbólicas não são supérfluas ou inócuas e podem garantir ganhos em políticas públicas ou ampliar os retornos eleitorais dos parlamentares (Mayhew, 2004Mayhew, David. (2004) [1974], Congress: The Electoral Connection. New Haven, Yale University Press.:132; Hall, 1996Hall, Richard. (1996), Participation in Congress. New Haven, Yale University Press.:60; Proksch, Slapin, 2012:521-22; Martins, 2016Martins, Ronaldo. (2016), O Uso da Palavra no Senado Federal. Monografia (Especialização em Comunicação Política no Legislativo), Cefor / Câmara dos Deputados, Brasília.:60). E, obviamente, a visibilidade midiática é crucial para que uma atividade simbólica possa contribuir para a consecução dos objetivos dos políticos. Os deputados mineiros descrevem o impacto da TV sobre a atuação em Plenário:
A gente até, entre os deputados, fala: “Se não tivesse a televisão, esse projeto já teria sido votado há muito tempo”. É mais um jogar para a plateia, para poder mostrar, também, que ele está lutando, que ele está brigando (...) A pessoa está discutindo, ela sabe, às vezes, que ela não vai conseguir o voto. Porque você já sabe qual o projeto que passa ou qual o que não passa, antes de ele ir à votação. Então, mas aquilo fica discutindo, discutindo, discutindo, porque ela quer, às vezes, ocupar esse espaço aí para estar mostrando que está ali tendo a sua posição (deputado Luiz Humberto Carneiro / PSDB).
Havendo a transmissão, há também um interesse maior do próprio parlamentar em participar do debate, porque ele está sendo visto por milhares de pessoas. Então, a posição que ele adota ali está sendo observada e as pessoas atrás da televisão estão fazendo avaliações do posicionamento de cada parlamentar (deputado Sargento Rodrigues / Partido Democrático Trabalhista – PDT).
O fato de que, em um mesmo discurso, os parlamentares se dirigem a diversos destinatários é constatado por vários autores (Freitas, 2004Freitas, Luiz. (2004), A Midiatização do Parlamento: A TV Senado e as Transformações na Atividade Político-parlamentar no Senado Brasileiro. Dissertação de Mestrado em Comunicação Social, Universidade de Brasília, Brasília, Brasil.:52; Maltzman, Sigelman, 1996:822-23; Martins, 2016Martins, Ronaldo. (2016), O Uso da Palavra no Senado Federal. Monografia (Especialização em Comunicação Política no Legislativo), Cefor / Câmara dos Deputados, Brasília.:46; Máximo, 2013Máximo, Helena. (2013), O Congresso e a Mídia em Terceira Pessoa: Como os Deputados Usam o Discurso da Mídia nas Votações da Ordem do Dia. Tese de Doutorado em Sociologia, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Brasil.:83; Miguel, Máximo, 2015:1-2; Moreira, 2016Moreira, Davi. (2016), Com a Palavra os Nobres Deputados – Frequência e Ênfase Temática dos Discursos dos Parlamentares Brasileiros. Tese de Doutorado em Ciência Política, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil.:41; Santos, 2008Santos, Maria de Lourdes dos. (2008), TV Legislativa: TV Câmara de Ribeirão Preto e accountability. Tese de Doutorado em Sociologia, Unesp, Araraquara, Brasil.:17; Silva, 2012Silva, Raquel. (2012), Reputação em Tela: Construção da Reputação Política por meio das Televisões Legislativas Subnacionais. Tese de Doutorado em Ciência Política, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil.:51), que estudam diferentes casas legislativas, e parece ser uma “característica estrutural da situação comunicativa parlamentar” (Gumbrecht, 2003Gumbrecht, Hans Ulrich. (2003), As Funções da Retórica Parlamentar na Revolução Francesa: Estudos Preliminares para uma Pragmática Histórica do Texto. Belo Horizonte, Editora UFMG.:20-21). Nas palavras de Luís Felipe Miguel e Fernanda Feitosa (2009:206-07):
O discurso parlamentar é voltado para uma multiplicidade de públicos. Ele é, em primeiro lugar, um momento do debate entre os pares, mas com frequência está dirigido também – ou mesmo precipuamente – para o público externo, seja ele a “opinião pública” em geral, seja um grupo específico. (...) Cabe a cada deputada ou deputado definir qual é seu alvo (ou quais são os alvos) ao discursar.
Essas escolhas têm caráter estratégico, pois há momentos em que cada público é mais importante.
Tem reuniões em que os projetos são de menor importância, e aí eu estou muito mais me dirigindo àquele que está me escutando (...) fora do Plenário, que está em casa assistindo a TV, ouvindo rádio. (...) Agora, existem reuniões tensas, que são debates acalorados, e aí você está falando para os deputados, você está mostrando a necessidade de votar “sim” ou “não” (deputado Lafayette de Andrada / PSDB).
Varia... (...) dia de votação, já vai votar, os deputados escutam, você fala para eles também. (...) Você procura sensibilizar até para ver mudanças de última hora (...). Mas, na maioria das vezes, você fala para a população (...), para formação de opinião, a favor daquele tema seu, para que haja uma pressão da população (deputado Rogério Correia / PT).
Ao permitir que nós, cidadãos, possamos assistir às reuniões, acompanhar os debates e as falas dos líderes, a transmissão ao vivo dilui as fronteiras entre a atuação com objetivos internos e externos: as discussões com os pares visam também os telespectadores; os discursos voltados para os cidadãos impactam também os colegas. Portanto, não é possível separar discussão e encenação, como se fossem ações distintas, regidas por lógicas divergentes.
À semelhança da arena parlamentar, a existência da TV Justiça parece impactar o processo decisório do STF. Nossas entrevistas com os ministros permitiram concluir que a cultura anterior da Corte era mais inclinada à formação de consensos, ainda que debates acalorados e dissensos sempre tenham existido. Contudo, a transmissão das sessões – aliada à postura de alguns magistrados (notadamente, o ministro Marco Aurélio) contrária à circulação antecipada dos votos e a reuniões prévias para a discussão de questões sensíveis (o que poderia evitar dissensos públicos ou pedidos de vista) – acabou por propiciar conflitos mais intensos.
Atualmente, há dados que sustentam parcialmente a percepção de que, após a TV Justiça, os votos ficaram mais longos e houve um aumento do tempo dos debates (Hartman et al., 2017:49). Embora a tendência ao beletrismo seja historicamente muito forte no meio jurídico, o aumento dos votos é dado indicativo de um diálogo concomitante com a audiência, no qual o magistrado tenta fortalecer sua posição pela demonstração de uma erudição que, por si só, tornaria sua decisão supostamente mais qualificada. Outra crítica recorrente é a de que a TV Justiça gera uma maior dificuldade para obtenção de consensos e um aumento no número de pedidos de vista, uma vez que um ministro teria restrições a rever um entendimento tornado público ou debater argumentos sobre os quais não tem total domínio, pelo receio de parecer despreparado (Silva, 2013Silva, Virgílio. (2013), “Deciding without Deliberating”. International Journal of Constitutional Law, v. 11, n. 3, pp. 557-584.:582)14 14 . Lorraine Tong (2006) relata inquietações semelhantes de justices da Suprema Corte norte-americana como motivos para serem contrários ao televisionamento das sessões. Os justices Anthony Kennedy e Antonin Scalia, por exemplo, observaram que a transmissão poderia causar uma má interpretação do funcionamento da Corte, na medida em que seus procedimentos não seriam inteiramente compreendidos e o caminho reflexivo percorrido até a decisão poderia não ser adequadamente valorado. .
Indagados sobre o impacto das transmissões televisivas sobre os debates e a performance dos magistrados, dois ministros aposentados assim se manifestaram:
Existe uma cena real, um determinado ministro falava, falava, falava. O presidente (...) disse “Ministro, nós todos já compreendemos, termine seu voto, por favor”. Ele disse “Mas, Excelentíssimo Senhor Presidente, eu não estou falando para os ministros”. Ele estava falando para a televisão!! Eu não vou dar nomes, mas isso é verídico. Eu estava lá. Essa coisa da televisão é simplesmente injustificável!! (Ministro AP04)
São aquelas situações em que o ministro votante não espera convencer ninguém ali dentro do seu ponto de vista. Mas espera deixar este ponto de vista muito bem retratado na sua vocalização, para que a doutrina, os circunstantes, para que o público entenda aquilo, e, ainda que vencido, ele seja compreendido. É bem isso. Quando ele fala ao público externo é para isso, ele não tem esperança de convencer os seus próprios pares. (...) não creio que isso seja muito comum, mas é possível que isso aconteça (Ministro AP05).
A reflexividade é um ponto central para a performance: encenar é estar consciente de que se está simultaneamente agindo e exibindo a ação (Rai, Reinelt, 2015:4). Nas entrevistas conduzidas e na observação das transmissões ao vivo, fica patente que parlamentares e magistrados percebem com clareza este componente performático da sua atividade. Quando debatem em plenário, sabem que estão também encenando este debate para diversas audiências. As discussões encenadas mostram para os públicos a atuação dos parlamentares e ministros, seu engajamento, suas conquistas e méritos, suas derrotas, as posições que defendem e atacam. Exibem justamente as forças que estão disputando o poder não só na forma de cargos e políticas públicas, mas também nas maneiras de poder dizer, de dar sentidos ao mundo, constituir públicos, problemas, imaginários, narrativas.
Obviamente, a discussão encenada tem regras próprias, que não necessariamente são as que regem os debates que deputados, ministros e outros atores políticos travam fora das câmeras. Sobretudo, as discussões encenadas indicam que não basta forjar acordos a portas fechadas: é necessário defender as posições publicamente, muitas vezes suportando as críticas e ataques de uma minoria que sabe que será derrotada, mas preserva o seu direito de falar, de se posicionar, de questionar. Esses debates circulam então por outros meios e redes, fundamentam ou embasam os argumentos de militantes, influenciam a opinião pública de forma geral, podem suscitar discussões fora do parlamento e da corte constitucional.
CONCLUSÃO: NOVOS PESOS E CONTRAPESOS?
O campo midiático pode impor limites e constrangimentos ou proporcionar oportunidades e vantagens aos líderes, funcionando como palco para disputas políticas e negociação de sentidos de atores com metas, interesses e mensagens divergentes (Maia, 2006Maia, Rousiley. (2006), “Mídia e Vida Pública – Modos de Abordagem”, in: R. Maia; M. Castro (org.), Mídia, Esfera Pública e Identidades Coletivas. Belo Horizonte, Editora UFMG.:26-27). O conhecimento de valores e práticas da mídia e a adaptação a seus modos operatórios são ferramentas que os líderes podem utilizar em suas lutas “para influenciar a construção das notícias, para administrar a própria apresentação, ou ainda para tentar controlar a percepção de eventos públicos e questões importantes” (Maia, 2006Maia, Rousiley. (2006), “Mídia e Vida Pública – Modos de Abordagem”, in: R. Maia; M. Castro (org.), Mídia, Esfera Pública e Identidades Coletivas. Belo Horizonte, Editora UFMG.:27). Tendo isso em mente, o ponto que nos interessa aqui é se as transmissões ao vivo das atividades do Legislativo e do Judiciário podem influenciar as relações dos poderes entre si e com a sociedade de forma geral, redistribuindo forças.
Renault (2004Renault, Letícia. (2004), Comunicação e Política nos Canais de Televisão do Poder Legislativo no Brasil. Belo Horizonte, Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais.:133) considera que, “ao abrir os plenários para a câmera de tevê”, o Legislativo teria amplificado as deliberações e se obrigado a adotar “novas feições e atitudes”, um “novo modo de lidar com informações de interesse público”. Uma das motivações para tanto seria a imagem pública cronicamente negativa da instituição15 15 . A imagem negativa do Legislativo deve ser vista dentro do contexto de crise de representação (Miguel, 2003:123; Hagopian, 2005; Mainwaring, Bejarano, Leongómez, 2006; Paramio, 2006; Almeida, 2017:279). Frente a esse cenário, os políticos precisam se esforçar para ter sua legitimidade reconhecida, fortalecer os vínculos com seus eleitorados, cultivar conexões com os cidadãos. , que pode ser creditada em parte ao negativismo da mídia comercial (Noleto Filho, 2014:313), com sua cobertura parcial, fragmentada, seletiva, restrita a um tratamento episódico dos fatos (Barros, Bernardes, Rodrigues, 2014:16). Frente a este quadro, chama a atenção o peso que os parlamentares dão às iniciativas de comunicação institucional como forma de resgatar a estima da instituição perante os cidadãos, criando conexões diretas que prescindam da mediação da imprensa comercial.
Diversos pesquisadores apontam que as transmissões televisivas das atividades parlamentares “contribuem para a promoção da democracia no Brasil” (Santos, 2008Santos, Maria de Lourdes dos. (2008), TV Legislativa: TV Câmara de Ribeirão Preto e accountability. Tese de Doutorado em Sociologia, Unesp, Araraquara, Brasil.:20) e para maior transparência, accountability e responsiveness dos parlamentos (Silva, 2012Silva, Raquel. (2012), Reputação em Tela: Construção da Reputação Política por meio das Televisões Legislativas Subnacionais. Tese de Doutorado em Ciência Política, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil.:23; Renault, 2004Renault, Letícia. (2004), Comunicação e Política nos Canais de Televisão do Poder Legislativo no Brasil. Belo Horizonte, Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais.:104-05; Jardim, 2008Jardim, Márcia. (2008), Antenas do Legislativo – Uma Análise dos Canais de Televisão do Poder Legislativo no Brasil. Tese de Doutorado em Ciências Sociais, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, Brasil.). A publicidade das atividades é relacionada à maior possibilidade de “controle público sobre o corpo legislativo” (Silva, 2012Silva, Raquel. (2012), Reputação em Tela: Construção da Reputação Política por meio das Televisões Legislativas Subnacionais. Tese de Doutorado em Ciência Política, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil.:30-31). A TV legislativa ofereceria mecanismos de baixo custo para monitorar os oficiais eleitos (Tyrone et al., 2003:347; Freitas, 2004Freitas, Luiz. (2004), A Midiatização do Parlamento: A TV Senado e as Transformações na Atividade Político-parlamentar no Senado Brasileiro. Dissertação de Mestrado em Comunicação Social, Universidade de Brasília, Brasília, Brasil.:47) e poderia, assim, contribuir para o engajamento dos cidadãos e para despertar seu interesse pela política (Ipu, 2007IPU (Inter-Parliamentary Union). (2007), The Challenge of Broadcasting Parliamentary Proceedings. Genebra, IPU. [Acesso: 28/9/15]. Disponível em http://www.ipu.org/pdf/publications/ebu_en.pdf
http://www.ipu.org/pdf/publications/ebu_...
).
As avaliações sobre o sucesso da empreitada são distintas: análises mais otimistas apontam que as iniciativas de comunicação são eficientes para recuperar parte da estima perdida por este poder nas últimas décadas; outras apontam que são ferramentas benéficas, porém insuficientes ou inócuas. Alguns consideram que as câmeras foram capazes não só de promover a imagem pública da instituição (Silva, 2012Silva, Raquel. (2012), Reputação em Tela: Construção da Reputação Política por meio das Televisões Legislativas Subnacionais. Tese de Doutorado em Ciência Política, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil.:42), mas também fortalecer o parlamento e colocá-lo no centro do debate midiático de seu país (Mitchell, 1992Mitchell, Austin. (1992), “Televising the Commons: A Backbencher’s View”, in: B. Franklin (ed.), Televising Democracies. London, Routledge.:87). Outros são mais céticos: as câmeras não foram capazes de melhorar substantivamente a percepção do público sobre a instituição. Isso porque simplesmente oferecer cobertura integral das reuniões não é suficiente para satisfazer o desejo do público por um sistema de governo eficiente e accountable (Grundy, 2000Grundy, Harry. (2000), “Television and Legislatures: The American Experience”. Canadian Parliamentary Review, v. 23, n. 2, pp. 34-36.:36). Ou seja: não basta mostrar o trabalho do parlamento se a população requer mudanças substantivas na condução deste trabalho. As estratégias de comunicação só respondem “a uma parte da questão, pois, de fato, pode haver problemas com o desempenho dos parlamentares” (Noleto Filho, 2014:299).
Podemos concluir que, do ponto de vista do Legislativo, as transmissões ao vivo fazem parte de uma tentativa de resgate mais do que de expansão das atribuições ou do poder da instituição. A visibilidade conquistada com suas mídias próprias não redunda em ampliação significativa do papel do Legislativo dentro do arranjo institucional brasileiro. Até porque a transmissão televisiva busca valorizar e atualizar alguns princípios e práticas que já serviam de norte para o Legislativo desde sua criação, como abertura e transparência. A possível revalorização da discussão e da representação (Barreto, 2018Barreto, Rachel. (2018), Tribuna ao Vivo: Discussão, Representação e os Avessos Suscitados pela Midiatização do Parlamento. Tese de Doutorado em Ciência Política, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil.) também indica mais continuidade do que mudança, dando nova roupagem, alcance e escopo a funções precípuas da instituição. Não há relatos de peso na literatura que apontem que, com sua midiatização, o Legislativo almeje ou consiga trazer para si atribuições de outros poderes, alavancado por uma conexão mais proeminente com a opinião pública.
A experiência de televisionamento de sessões de cortes constitucionais ainda pode ser considerada incipiente, se considerado o contexto global. No Brasil, conquanto ainda haja muito por fazer em termos de agenda de pesquisa, o tempo de existência da TV Justiça permite uma avaliação inicial desse experimento institucional.
Não há dúvida de que a criação da TV Justiça teve inicialmente objetivos muito parecidos com aqueles que inspiraram as iniciativas no campo do Legislativo: ampliar a accountability, criar vínculos diretos com a opinião pública, permitir uma narrativa menos dependente da imprensa comercial. Em acréscimo, talvez possamos anotar que, mais do que resgatar sua imagem (como o Legislativo se propôs), a iniciativa visava apresentar à sociedade o hermético Judiciário, aproximando seus ritos legais e códigos culturais do cotidiano das pessoas, com a intenção de consolidar o expressivo lugar na arena política legado ao Supremo pelo texto constitucional.
O STF foi desenhado pelo constituinte de 1988 para ser um ator político relevante, e a TV Justiça lhe permitiu dar visibilidade a este papel, ao mesmo tempo em que se estabelecia a tendência de judicialização da vida política referida por Matthew Taylor (2008)Taylor, Matthew. (2008), Judging Policy: Courts and Policy Reform in Democratic Brazil. Stanford, Stanford University Press.16 16 . O autor buscou demonstrar que o STF, dado o seu desenho institucional (que diminui os custos para alguns atores acionarem a Corte via ação direta de inconstitucionalidade) e a amplitude de sua competência, tem a natureza de um veto point, o que torna relevante saber quem tem a habilidade de mobilizar a Corte, em que circunstâncias e em quais assuntos. Conclui que este acionamento atende, via de regra, a quatro possíveis objetivos: a) declarar oposição a uma política pública; b) retardar sua implementação; c) desacreditá-la; d) impedir sua implementação. . Na medida em que o STF passou a ser o árbitro de importantes disputas políticas, ele pôde avançar sobre prerrogativas do Legislativo (especialmente) e do Executivo (mais pontualmente), ao ponto de Oscar Vieira (2008)Vieira, Oscar. (2008), “Supremocracia”. Revista Direito GV, v. 8, pp. 441-464. aventar a existência de uma incipiente “Supremocracia” no Brasil.
É importante notar, porém, que a opinião pública jogou um papel importante para esse aumento do poder do STF, e a exposição proporcionada pela TV Justiça (junto, obviamente, de outros fatores) influenciou o processo. Paulo Alkmin Costa Júnior (2018), estudando julgados do STF desde a promulgação da Constituição de 1988 pelo método QCA, observou que “opinião pública favorável” era a única condição causal “necessária” nos momentos em que a Corte produziu mudanças institucionais endógenas17 17 . James Mahoney e Kathleen Thelen (2010:15-19) tratam da conversão como uma das possibilidades de mudança institucional. Ela ocorreria quando as regras permanecem formalmente as mesmas, mas sua interpretação e implementação ocorrem de novas formas, a partir de ações que exploram ambiguidades inerentes a qualquer instituição. , avançando sobre prerrogativas de outros Poderes por meio de suas decisões. Condição necessária no sentido de que deveria estar obrigatoriamente presente, embora não fosse “suficiente” para a efetiva ocorrência do fenômeno.
Essa dinâmica de judicialização, que desembocou num maior protagonismo do Judiciário, tem também o seu preço. O desenho institucional de um STF poderoso, aliado a um regimento interno que confere expressiva autonomia individual aos ministros, tem resultado num acúmulo crescente de críticas das mais diversas audiências (classe política, opinião pública e academia, como exemplos mais eloquentes) à perda da dimensão coletiva da Corte e a uma excessiva intervenção no domínio da política. A exposição midiática a um público majoritariamente leigo na compreensão do aspecto técnico de seus julgamentos tem exposto o STF a um perigoso esgarçamento de sua credibilidade, dado que a preocupação prioritária de vários ministros com suas personas (em prejuízo da instituição) tem levado a um uso agressivo do recurso institucional da exposição proporcionada pela TV Justiça.
São cada vez mais comuns manifestações típicas do que poderia ser entendido como “populismo judicial”: menções aos supostos anseios da sociedade, frases de efeito pensadas para repercutir na mídia, a autoatribuição de uma suposta missão civilizatória de fazer avançar a história são exemplos paradigmáticos. Essas condutas, transmitidas ao vivo e repercutidas em seguida intensamente na mídia comercial e nas redes sociais, permitem questionar até que ponto a TV Justiça poderá se manter como um instrumento positivo para o STF, ou se seria conveniente algum limite à exposição das sessões de julgamento, em linha com a prática institucional da absoluta maioria das cortes constitucionais.
Não parece demasiado alarmante relembrar a importância que o suporte difuso da opinião pública tem para as cortes constitucionais a médio e longo prazo. E pesquisas mais recentes neste tema encontraram elementos para sustentar que a identificação partidária e ideológica também influi na percepção sobre a atuação da Suprema Corte norte-americana (Bartels, Johnston, 2013; Clark, Kastellec, 2015). Embora no Brasil ainda faltem pesquisas empiricamente orientadas sobre essa dimensão específica, a ascensão do bolsonarismo ao poder tem permitido a observação intuitiva e cotidiana desse fenômeno. A perda de suporte difuso da Corte junto a alguns segmentos sociais parece evidente, e vem se dando na esteira de uma intensa circulação de mensagens, muitas vezes apócrifas, criticando a atuação dos ministros e do próprio STF e da reiterada convocação de manifestações de rua contra eles e em apoio ao presidente da República.
As câmeras nos plenários do Legislativo e do Judiciário não funcionam como “janelas”, nem permitem ver “como se estivéssemos lá”. Elas alteram, definitivamente, a permeabilidade, textura ou porosidade das instituições e, neste processo, modificam-nas fundamentalmente e impactam o desempenho de seus membros. Os parlamentos e cortes que elas nos dão a ver não são os mesmos que existiam antes: a realidade política que vemos pela TV só existe daquela forma por causa da própria TV. O mesmo experimento institucional vem impactando de modo diverso duas instituições fundamentais da nossa democracia, eventualmente em caminhos não previstos e não desejados. Cabe avaliar se tais modificações são benéficas para o funcionamento de cada instituição, para o equilíbrio entre os poderes e a sociedade de forma geral.
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NOTAS
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1
. Usaremos aqui o termo transparência de forma intercambiável com abertura e publicidade, pois o conceito de transparência “engloba uma série de outras categorias (openness, surveillance, accountability) voltadas a garantir o direito dos cidadãos de acompanharem e fiscalizarem a atuação do governo” (Marques, 2016Marques, Francisco. (2016), “Internet e Transparência Política”, in: R. Mendonça; M. Pereira; F. Filgueiras (orgs.), Democracia Digital: Publicidade, Instituições e Confronto Político. Belo Horizonte, Editora UFMG.:60). Segundo Fernando Filgueiras (2016Filgueiras, Fernando. (2016), “A Política Pública de Transparência no Brasil: Tecnologias, Publicidade e Accountability”, in: R. Mendonça; M. Pereira; F. Filgueiras (orgs.), Democracia Digital: Publicidade, Instituições e Confronto Político. Belo Horizonte, Editora UFMG.:86), a “transparência é conceituada como o princípio pelo qual os cidadãos devem obter informação sobre operações e estruturas dos Estados e das corporações, representando ela abertura, divulgação da informação e vigilância por parte do público”.
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2
. Um exemplo é o pedido de vista. Em nossas entrevistas, ministros do STF afirmam que tais solicitações podem funcionar como tática de “obstrução quase-parlamentar”.
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3
. Um exemplo paradigmático é encontrado nas pesquisas de Lee Epstein e Jack Knight (1998), ancoradas em arquivos pessoais de justices da Suprema Corte norte-americana. Elas revelam uma intensa negociação em relação aos termos da decisão para que o justice designado para escrever o voto obtenha o acompanhamento da maioria.
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4
. O canal de televisão do Poder Executivo federal (NBR) não tem como carro-chefe as transmissões ao vivo de reuniões e, portanto, afasta-se do escopo do presente artigo. Em abril de 2019, ocorreu a fusão da NBR e da TV Brasil, mas esta característica não foi alterada.
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5
. A TV Assembleia de Minas Gerais foi a primeira emissora legislativa da América Latina (Queiroz, 2007Queiroz, Dulce. (2007), Jornalismo Institucional nas TVs Legislativas: Os Casos do Brasil e do México. Dissertação de Mestrado em Comunicação, Universidade de Brasília, Brasília, Brasil.:9) e entrou em operação em 30/11/1995. Em 5/2/1996, foi seguida pela TV Senado, de alcance nacional.
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6
. Toda a literatura consultada por nós aponta apenas esses três casos isolados, em um conjunto bastante expressivo de cortes constitucionais na América Latina, América do Norte, Europa e Ásia. Por óbvias questões logísticas, não foi possível confirmar empiricamente a inexistência de outros casos, mas podemos afirmar que a transmissão das sessões é exceção na experiência histórica das cortes constitucionais.
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7
. Há um contraste entre o potencial das emissoras e sua realidade cotidiana. Em momentos cruciais, é possível que todos se interessem pelo que acontece no Legislativo ou no Judiciário e que as emissoras alcancem uma audiência massiva (Santos, 2008Santos, Maria de Lourdes dos. (2008), TV Legislativa: TV Câmara de Ribeirão Preto e accountability. Tese de Doutorado em Sociologia, Unesp, Araraquara, Brasil.:69). No dia a dia, porém, sua audiência é limitada e podem ser consideradas como canais de nicho (Santos, 2008Santos, Maria de Lourdes dos. (2008), TV Legislativa: TV Câmara de Ribeirão Preto e accountability. Tese de Doutorado em Sociologia, Unesp, Araraquara, Brasil.:150). Há uma tendência entre pesquisadores, profissionais e políticos a minimizar a relevância dos índices de audiência para essas emissoras (Rowley, Kurpius, 2005:175; Grundy, 2000Grundy, Harry. (2000), “Television and Legislatures: The American Experience”. Canadian Parliamentary Review, v. 23, n. 2, pp. 34-36.:34; Lamb, 1992Lamb, Brian. (1992), “The American Experience: C-SPAN and the US Congress”, in B. Franklin (ed.), Televising Democracies. London, Routledge.:229). O importante não seria a quantidade de espectadores e, sim, o “princípio do acesso”, pois a mera existência destes canais permite que os cidadãos acompanhem os trabalhos sem depender das decisões editoriais das emissoras comerciais (Mitchell, 1992Mitchell, Austin. (1992), “Televising the Commons: A Backbencher’s View”, in: B. Franklin (ed.), Televising Democracies. London, Routledge.:90; Jardim, 2008Jardim, Márcia. (2008), Antenas do Legislativo – Uma Análise dos Canais de Televisão do Poder Legislativo no Brasil. Tese de Doutorado em Ciências Sociais, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, Brasil.:282). Além disso, o monitoramento através da imprensa comercial garantiria uma expansão indireta do alcance do conteúdo (Crain, Goff, 1998:24).
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8
. É importante registrar que os corpora de tais trabalhos não são paralelos, pois em cada um foi desenvolvido um desenho de pesquisa visando objetivos e recortes distintos. Ou seja, os estudos anteriores apresentam pontos de contato frutíferos, mas também importantes diferenças, que impedem a comparação sistemática. É relevante, para os objetivos deste artigo, destacar que um dos estudos observou o Poder Legislativo estadual (e não federal), enquanto o outro abordou o STF. Do ponto de vista metodológico, embora ambos tenham se baseado em entrevistas semiestruturadas, um deles garantiu o anonimato dos entrevistados, enquanto o outro identifica os respondentes nominalmente. Além disso, os questionários utilizados por cada pesquisador são distintos, com apenas algumas questões similares. Acreditamos que a exploração preliminar feita aqui indica uma agenda de pesquisa profícua. Estudos futuros podem se beneficiar de um desenho de pesquisa que permita a comparação sistemática entre a atuação dos dois poderes diante da mídia.
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9
. Erving Goffman (2005Goffman, Erving. (2005) [1959], A Representação do Eu na Vida Cotidiana. Petrópolis, Vozes.:9) destaca que toda interação envolve também representação, que depende da forma como o indivíduo apresenta a si mesmo e a suas atividades. Sempre que atua junto ou à vista de outros, o indivíduo “em lugar de meramente realizar sua tarefa e dar vazão a seus sentimentos, expressará a realização de sua tarefa e transmitirá de modo aceitável seus sentimentos” (Goffman 2005Goffman, Erving. (2005) [1959], A Representação do Eu na Vida Cotidiana. Petrópolis, Vozes.:66). Mas, para a discussão que fazemos aqui, é importante reconhecer que nem todas as atividades pressupõem parcelas e formas de encenação equivalentes. Existem momentos em que o esforço de encenação é mais presente, mais consciente para quem o executa ou mais perceptível para quem o assiste. Por exemplo, as representações que um líder constrói em reuniões privadas são diferentes daquelas que produz em encontros públicos, altamente visíveis, abertos a audiências variadas.
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10
. O status dos entrevistados como deputados estaduais em exercício e suas afiliações partidárias refletem a situação no momento das entrevistas (conduzidas entre novembro de 2014 e maio de 2016).
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11
. Qualificamos como “potenciais” as ilegalidades apontadas pela imprensa porque, no momento em que escrevemos este artigo, elas ainda estão pendentes de julgamento pelo STF.
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12
. O Plenário vazio é uma das principais evidências de que os discursos são voltados para fora do plenário. A situação, constantemente denunciada pela mídia (Noleto Filho, 2014:225), é relativamente comum (Bock, 2009Bock, Mary Angela. (2009), “Who’s Minding the Gate? Pool Feeds, Video Subsidies, and Political Images”. The International Journal of Press/Politics, v. 14, n. 2, pp. 257-278.:263; Lamb, 1992Lamb, Brian. (1992), “The American Experience: C-SPAN and the US Congress”, in B. Franklin (ed.), Televising Democracies. London, Routledge.:227; Noleto Filho, 2014:224; Martins, 2016Martins, Ronaldo. (2016), O Uso da Palavra no Senado Federal. Monografia (Especialização em Comunicação Política no Legislativo), Cefor / Câmara dos Deputados, Brasília.:65; Silva, 2012Silva, Raquel. (2012), Reputação em Tela: Construção da Reputação Política por meio das Televisões Legislativas Subnacionais. Tese de Doutorado em Ciência Política, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil.:37; Freitas, 2004Freitas, Luiz. (2004), A Midiatização do Parlamento: A TV Senado e as Transformações na Atividade Político-parlamentar no Senado Brasileiro. Dissertação de Mestrado em Comunicação Social, Universidade de Brasília, Brasília, Brasil.:58).
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13
. É importante ter em conta que a expansão da visibilidade e do monitoramento cria uma situação de “campanha permanente”, em que os parlamentares devem estar atentos à opinião pública durante toda a extensão dos seus mandatos e não apenas no momento das eleições (Gomes, 2004Gomes, Wilson. (2004), Transformações da Política na Era da Comunicação de Massa. São Paulo, Paulus.:114; Strömbäck, 2008Strömbäck, Jesper. (2008), “Four Phases of Mediatization: An Analysis of the Mediatization of Politics”. The International Journal of Press/Politics, v. 13, n. 3, pp. 228-246.:240; Máximo, 2013Máximo, Helena. (2013), O Congresso e a Mídia em Terceira Pessoa: Como os Deputados Usam o Discurso da Mídia nas Votações da Ordem do Dia. Tese de Doutorado em Sociologia, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Brasil.:11; Thompson, 1995Thompson, John. (1995), The Media and Modernity: A Social Theory of the Media. Cambridge, Polity Press.:138; Grimmer, 2010Grimmer, Justin. (2010), Representational Style: The Central Role of Communication in Representation. Tese de Doutorado em Ciência Política, Harvard University, Cambridge.:111).
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14
. Lorraine Tong (2006)Tong, Lorraine. (2006), Televising Supreme Court and Other Federal Court Proceedings: Legislation and Issues. Washington, Library of Congress Washington DC Congressional Research Service. relata inquietações semelhantes de justices da Suprema Corte norte-americana como motivos para serem contrários ao televisionamento das sessões. Os justices Anthony Kennedy e Antonin Scalia, por exemplo, observaram que a transmissão poderia causar uma má interpretação do funcionamento da Corte, na medida em que seus procedimentos não seriam inteiramente compreendidos e o caminho reflexivo percorrido até a decisão poderia não ser adequadamente valorado.
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15
. A imagem negativa do Legislativo deve ser vista dentro do contexto de crise de representação (Miguel, 2003Miguel, Luis Felipe. (2003), “Representação Política em 3-D: Elementos para uma Teoria Ampliada da Representação Política”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 18, n. 51, pp. 123-140.:123; Hagopian, 2005Hagopian, Frances. (2005), “Conclusions: Government Performance, Political Representation and Public Perceptions of Contemporary Democracy in Latin America”, in: S. Mainwaring; F. Hagopian (eds.), The Third Wave of Democratization in Latin America. Cambridge, Cambridge University Press, pp. 319-362.; Mainwaring, Bejarano, Leongómez, 2006; Paramio, 2006Paramio, Ludolfo. (2006), “Crisis de Gobernabilidad y Populismo”, in: L. Paramio; M. Revilla (eds.), Una Nueva Agenda de Reformas Políticas en América Latina. Madrid, Fundación Carolina.; Almeida, 2017Almeida, Debora. (2017), Representação Além das Eleições: Repensando as Fronteiras entre Estado e Sociedade. Jundiaí, Paco Editorial (versão digital).:279). Frente a esse cenário, os políticos precisam se esforçar para ter sua legitimidade reconhecida, fortalecer os vínculos com seus eleitorados, cultivar conexões com os cidadãos.
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16
. O autor buscou demonstrar que o STF, dado o seu desenho institucional (que diminui os custos para alguns atores acionarem a Corte via ação direta de inconstitucionalidade) e a amplitude de sua competência, tem a natureza de um veto point, o que torna relevante saber quem tem a habilidade de mobilizar a Corte, em que circunstâncias e em quais assuntos. Conclui que este acionamento atende, via de regra, a quatro possíveis objetivos: a) declarar oposição a uma política pública; b) retardar sua implementação; c) desacreditá-la; d) impedir sua implementação.
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17
. James Mahoney e Kathleen Thelen (2010:15-19) tratam da conversão como uma das possibilidades de mudança institucional. Ela ocorreria quando as regras permanecem formalmente as mesmas, mas sua interpretação e implementação ocorrem de novas formas, a partir de ações que exploram ambiguidades inerentes a qualquer instituição.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
15 Jul 2022 -
Data do Fascículo
2023
Histórico
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Recebido
21 Maio 2019 -
Revisado
29 Fev 2020 -
Aceito
9 Ago 2021