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‘Pedagogia da precariedade’: As experiências de jovens em um projeto de prevenção da violência na periferia da Região Metropolitana da Grande Vitória

‘Pedagogy of Precariousness’: The Experiences of Young People in a Violence Prevention Project on the Outskirts of the Greater Vitória Metropolitan Area

Resumos

O artigo analisa experiências de jovens no Projeto Proteção de Jovens em Território Vulnerável (Protejo), implementado em 2019 no bairro Jardim Carapina, periferia da Região Metropolitana da Grande Vitória (RMGV), Espírito Santo. Partindo de uma metodologia qualitativa, compreendeu-se que o projeto, baseado nas premissas da segurança cidadã, objetiva prevenir a violência que afeta os jovens nas periferias urbanas a partir de ações “sociais” e da promoção da cidadania. Todavia, as experiências dos participantes indicam uma longa distância entre os objetivos do projeto e suas práticas, o que foi concebido nos termos de uma “pedagogia da precariedade”.

Palavras-chave:
jovens; violência juvenil; prevenção da violência; segurança pública; periferia urbana


‘Pedagogy of Precariousness’: The Experiences of Young People in a Violence Prevention Project on the Outskirts of the Greater Vitória Metropolitan Area analyzes the experiences of young people in the Projeto Proteção de Jovens em Território Vulnerável (Protejo), implemented in 2019 in the Jardim Carapina neighborhood, on the outskirts of the Greater Vitória Metropolitan Area, Espírito Santo. Starting from a qualitative methodology, it was understood that the project, based on the premises of citizen security, aims to prevent violence that affects young people in urban peripheries through “social” actions and the promotion of citizenship. However, the participants' experiences indicate a long distance between the project's objectives and its practices, which was conceived in terms of a “pedagogy of precariousness”.

Keywords:
young; youth violence; violence prevention; public security; urban periphery


Introdução

Opresente artigo objetiva apresentar parte dos resultados da pesquisa empreendida no doutorado em sociologia sobre programas de prevenção da violência juvenil implementados nas periferias da Região Metropolitana da Grande Vitória (RMGV)1 1 A RMGV é composta por sete municípios: Cariacica, Fundão, Guarapari, Serra, Viana, Vila Velha e Vitória. Ela tem uma área de 2.331.003km2 e sua população é de 1.960.213 habitantes. Em 2010, tinha um grau de urbanização de 98% e abrigava 48% da população estadual. Em 2018, a RMGV concentrou 63% dos homicídios intencionais cometidos no estado, segundo dados da Secretaria Estadual de Segurança Pública e Defesa Social (Sesp). , no Espírito Santo (ES) (OLIVEIRA, 2022OLIVEIRA, Daniela Cristina Neves de. Prevenção da violência juvenil nas periferias da Região Metropolitana da Grande Vitória: um estudo sobre as experiências de jovens em programas preventivos. Tese (Doutorado em Sociologia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2022.). O artigo examina, em especial, as experiências de sete jovens de 15 a 24 anos de idade no Projeto Proteção de Jovens em Território Vulnerável (Protejo), implementado em 2019 no bairro Jardim Carapina, município da Serra. Tais experiências apontam para uma considerável distância entre os objetivos do projeto e suas práticas, o que tem a ver com a precariedade com que as ações foram implementadas, fazendo com que se constituísse, afinal, em um projeto “pobre para os pobres”, nos termos de Dayrell, Leão e Reis (2007)DAYRELL, Juarez; LEÃO, Geraldo; REIS, Juliana. Juventude, pobreza e ações educativas no Brasil. In: SPOSITO, Marilia Pontes (Coord.). Espaços públicos e tempos juvenis: um estudo de ações do poder público em cidades de regiões metropolitanas brasileiras. São Paulo: Global, 2007. p. 47-82..

A pesquisa, de maneira ampla, buscou analisar o sentido de programas preventivos (como, para quê e para quem?) no nível dos discursos oficiais e no nível prático (da implementação e dos resultados produzidos). Foram tomadas como objetos privilegiados de análise as experiências de adolescentes e jovens participantes dos projetos preventivos, buscando-se reconstruir e analisar tais experiências à luz das percepções e representações dos sujeitos. Além disso, foram analisados os discursos dos programas sobre a violência, os jovens e as periferias alvos das intervenções. Para tanto, partiu-se de uma abordagem qualitativa segundo a perspectiva etnossociológica2 2 A perspectiva etnossociológica constitui um tipo de pesquisa empírica apoiada na pesquisa de campo e nos estudos de caso que se inspira na tradição etnográfica, em particular em suas técnicas de observação, mas constrói seus objetos pela referência a problemáticas sociológicas. Um aspecto que diferencia a pesquisa etnossociológica da abordagem hipotético-dedutiva é o status das hipóteses. O objetivo de uma pesquisa etnossociológica é elaborar progressivamente um corpo de hipóteses plausíveis, um modelo baseado em observações, rico em descrições de “mecanismos sociais” e em proposições de interpretação, mais do que de explicações dos fenômenos observados. Assim, a função dos dados não é verificar hipóteses elaboradas anteriormente, mas ajudar na construção de um corpo de hipóteses (BERTAUX, 2010). , tendo como técnicas de coleta e análise de dados entrevistas narrativas e análise documental (CELLARD, 2008CELLARD, André. A análise documental. In: POUPART, Jean et al. (Org.). A pesquisa qualitativa: enfoques epistemológicos e metodológicos. Petrópolis: Vozes, 2008. p. 295-316.).

O trabalho se concentrou em duas intervenções: o Protejo, vinculado ao Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), implementado a partir de 2007 pelo governo federal, e o Programa Ocupação Social, implementado entre 2015 e 2018 pelo governo do ES. Tais ações tencionavam prevenir a violência interpessoal entre jovens e, de modo particular, os homicídios juvenis em bairros identificados como “violentos e vulneráveis”. No âmbito desses programas, a violência letal nas periferias é concebida como resultado da “ausência” do Estado e da “falta de oportunidades” para os jovens pobres. Por isso, eles objetivam promover, por meio sobretudo de atividades socioeducativas, uma rede de oportunidades de educação e profissionalização, de cultura, esporte e lazer, geração de trabalho e renda, entre outras. Basicamente, os projetos objetivam prevenir os assassinatos de jovens pobres evitando a delinquência, ou seja, evitando que os indivíduos “sem oportunidades” derivem para o mundo do crime.

Os jovens e os bairros priorizados pelos programas são representados pela categoria “vulnerabilidade”. O pressuposto da associação entre pobreza e violência está materializado na vulnerabilidade, que complexifica essa relação ao abranger outros aspectos além da renda (família, local de moradia, relações, entre outros). Conforme análise de Motta (2019)MOTTA, Luana Dias. Conhecer, classificar e intervir: práticas e discursos de policiais-professores sobre os jovens vulneráveis na Cidade de Deus. Dilemas, Rev. Estud. Conflito Controle Soc., Rio de Janeiro, v. 12, n. 3, p. 627-646, 2019., definir os pobres como “vulneráveis” é impreciso do ponto de vista analítico e conceitual. No entanto, o termo é preciso do ponto de vista político em função da “carga valorativa negativa” atribuída aos sujeitos, populações e territórios pobres. Contemporaneamente, discursos sobre pobreza, precariedade, desigualdade e violência são condensados na ideia de vulnerabilidade: “territórios vulneráveis”, “famílias vulneráveis”, “crianças vulneráveis”, “jovens vulneráveis”. Vê-se, nesse sentido, que muitos programas de segurança pública que têm a prevenção da violência juvenil como um de seus objetivos partem da ótica do negativismo, de uma concepção da juventude como “problema social” (ABRAMO, 2005ABRAMO, Helena Wendel. O uso das noções de adolescência e juventude no contexto brasileiro. In: FREITAS, Maria Virgínia de (Coord.). Juventude e adolescência no Brasil: referências conceituais. São Paulo: Ação Educativa, 2005. p.19-39.; CORRÊA, CECCHETTO e FERNANDES, 2021CORRÊA, Juliana; CECCHETTO, Fátima; FERNANDES, Fernando. Narrativas policiais sobre prevenção da violência e juventudes: experiências no Brasil e na Escócia. Ciência & Saúde Coletiva, v. 26, n. 10, p. 4603-4612, 2021.). Corrêa, Cecchetto e Fernandes (2021)CORRÊA, Juliana; CECCHETTO, Fátima; FERNANDES, Fernando. Narrativas policiais sobre prevenção da violência e juventudes: experiências no Brasil e na Escócia. Ciência & Saúde Coletiva, v. 26, n. 10, p. 4603-4612, 2021., em especial, ressaltam os riscos das narrativas que reforçam estigmas sobre os jovens pobres em iniciativas de prevenção da violência.

As ações buscam priorizar jovens “vulneráveis”, mais suscetíveis aos homicídios em função de algumas características e situações, como evasão escolar, desemprego, situação de liminaridade com o “mundo do crime” e violência doméstica; porém, não apresentam mecanismos específicos de focalização. Assim, geralmente, os sujeitos propensos a participar partem de certas motivações, como complementar o currículo escolar e conseguir uma colocação no mercado de trabalho, que fazem com que eles não estejam comparativamente mais suscetíveis aos homicídios, tendo em vista os fatores de risco e de proteção analisados pela literatura de prevenção da violência (LÖSEL e FARRINGTON, 2012LÖSEL, Friedrich.; FARRINGTON, David. Direct Protective and Buffering Protective Factors in the Development of Youth Violence. American Journal of Preventive Medicine, v. 43, n. 1, p. 8-23, 2012.; OMS, 2016OMS. Prevenindo a violência juvenil: um panorama das evidências. Texto publicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2015 sob o título ‘Preventing youth violence: an overview of the evidence’ e traduzido pelo Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universidade de São Paulo (USP). Organização Mundial da Saúde (OMS), 2016. Disponível em: https://nev.prp.usp.br/publicacao/prevenindo-a-violencia-juvenil-um-panorama-das-evidencias/
https://nev.prp.usp.br/publicacao/preven...
), conquanto estejam frequentemente expostos à violência armada nos bairros em função de conflitos relacionados ao “tráfico de drogas” e às intervenções policiais. Além disso, apesar de os programas considerarem dados que apontam jovens negros do sexo masculino como as principais vítimas de violência letal no país, questões raciais e de gênero não são discutidas nos documentos oficiais formulados, sendo a “juventude vulnerável” tomada como uma categoria homogênea.

Os programas analisados estavam fundamentados no paradigma da “segurança cidadã”, desenvolvido no Brasil a partir dos anos 2000, que busca compatibilizar ações tradicionalmente identificadas com o setor da segurança pública e da justiça criminal com ações “sociais” a partir do envolvimento de setores que comumente não estão associados à prevenção e ao enfrentamento da violência e do crime. Desse modo, a segurança cidadã preconiza a prevenção também pela via “social”, assumindo que o sistema de segurança pública não é suficiente para responder ao problema criminal, dada a sua complexidade. Assim, as condições socioeconômicas e demográficas, fatores de risco, políticas sociais, estratégias de prevenção, programas de valorização dos policiais, entre outras ações, foram mobilizadas com o advento dos planos nacionais de segurança pública, a partir dos anos 2000 (LIMA e PRÖGLHÖF, 2013LIMA, Renato Sérgio de; PRÖGLHÖF, Patrícia Nogueira. (Re)Estruturação da segurança pública no Brasil. In: MINGARDI, Guaracy (Org.). Política de segurança: os desafios de uma reforma. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2013. p. 31-42.; MADEIRA e RODRIGUES, 2015MADEIRA, Lígia; RODRIGUES, Alexandre. Novas bases para as políticas públicas de segurança no Brasil a partir das práticas do governo federal no período 2003-2011. Revista de Administração Pública-RAP, v. 49, n. 1, p. 3-21, 2015.; SPANIOL, MORAES JR. e RODRIGUES, 2020SPANIOL, Marlene; MORAES JR., Martim; RODRIGUES, Carlos Roberto. Como tem sido planejada a segurança pública no Brasil? Análise dos planos e programas nacionais de segurança implantados no período pós-redemocratização. Revista Brasileira de Segurança Pública, São Paulo, v. 14, n. 2, p. 100-127, 2020.).

Embora os programas apregoem o objetivo central de “promoção da cidadania” e de oportunidades para os jovens, foi compreendido que, na prática, eles tencionam atenuar a precariedade e compensar as deficiências dos serviços públicos universais, tipicamente oferecidos aos segmentos populares. Todavia, tais ações também não têm funcionado conforme seus propósitos, enfrentando problemas de descontinuidade, falta de recursos financeiros e humanos, entre outros. Semelhantes dificuldades decepcionam os jovens, impedindo-os de perceberem mudanças em suas vidas a partir da participação nos projetos, como será abordado no artigo.

Pois bem, o texto está organizado em três partes. A primeira apresenta o trabalho de campo realizado, explicitando a metodologia de análise dos dados. A segunda analisa as experiências dos jovens participantes do projeto Protejo, por meio de suas percepções e representações. Na última parte, são tecidas algumas considerações interpretativas sobre o Protejo, que apontam para uma tensão importante entre os discursos do projeto e as práticas vivenciadas pelos jovens participantes da pesquisa.

Contextualizando o trabalho de pesquisa

Como mencionado na Introdução, este artigo analisa os resultados da pesquisa empírica3 3 O projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos (CEP), em atenção à resolução no 466, de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), tendo obtido a aprovação do CEP. realizada com sete jovens participantes do Protejo, implementado em 2019 em Jardim Carapina, bairro localizado na RMGV. Como a pesquisa de campo foi realizada ao longo de 2020, quando se começou a enfrentar a pandemia de covid-19, a coleta de dados determinada a princípio no projeto precisou ser adaptada. Assim, quatro entrevistas foram realizadas presencialmente no equipamento público Centro de Atendimento Integrado (CAI)4 4 O CAI é um equipamento público da Prefeitura da Serra que foi inaugurado em 2016, funcionando na mesma estrutura do Centro de Referência de Assistência Social (Cras). Ele oferece ações e serviços artísticos, culturais, esportivos e de qualificação profissional para jovens que moram em Jardim Carapina e Boa Vista. De acordo com a Prefeitura, esses projetos contribuem para a “redução da violência”. , onde o Protejo foi realizado, e três foram feitas de modo virtual pelo aplicativo de mensagens WhatsApp, pois foi mais conveniente para os jovens responderem as perguntas aos poucos, quando fosse possível. Dessa maneira, mantivemos conversas regulares ao longo dos últimos quatro meses de 2020. Foi possível entrevistar dois jovens do sexo masculino e cinco do sexo feminino, a saber: Luísa, Luara, Nathália, Diana, Bárbara, Rafael e Marcos.

Convém explicitar que os nomes dos participantes da pesquisa foram alterados para preservar suas identidades. Optou-se por identificá-los com nomes fictícios para que a exposição dos relatos se tornasse mais fluida. No momento em que as entrevistas foram realizadas, a pandemia estava mais ou menos controlada no ES e os equipamentos públicos começavam a funcionar novamente, embora com algumas restrições. O número de entrevistados no âmbito do Protejo se explica considerando que poucos jovens participaram efetivamente do projeto. Vê-se que muitos se inscrevem, mas, devido a certas dificuldades, poucos participam e chegam a concluir as ações.

Partindo da amostra conhecida como bola de neve5 5 Amostra não probabilística, que utiliza cadeias de referência. , primeiro entramos em contato com as Gerências de Políticas para a Juventude das Secretarias de Direitos Humanos do ES e do município da Serra. A partir daí, obtivemos informações sobre o processo de implementação do Protejo em Jardim Carapina. Chegamos então ao CAI e apresentamos ao gestor responsável os propósitos do estudo. Por meio dele, conseguimos informações sobre mulheres moradoras do bairro que participaram do projeto Mulheres da Paz6 6 O projeto Mulheres da Paz também foi uma ação que integrou o Pronasci, tendo como principal finalidade promover a aproximação das mulheres com os jovens de sua comunidade. Por esse motivo, deveria ser integrado ao Protejo. O trabalho das mulheres participantes consistia em identificar, orientar e encaminhar os jovens aos projetos sociais, especialmente o Protejo. Elas recebiam cursos sobre mediação de conflitos, técnicas de abordagem, cidadania, prevenção ao uso de drogas, adolescência e inclusão digital. Por participar do programa, ganhavam uma ajuda de custo mensal de R$190,00. , vinculado ao Protejo. Essas mulheres gentilmente nos informaram os contatos de algumas jovens que foram participantes do projeto. As jovens, por sua vez, nos passaram os contatos de seus pares.

A primeira entrevista presencial foi feita em grupo com três moças (Luísa, Luara e Nathália), pois elas apareceram juntas no dia marcado para a conversa com uma delas, por serem amigas e terem participado do projeto na mesma turma. Considerando a conjuntura pandêmica, a oportunidade foi aproveitada, já que dificilmente seria possível agendar outro encontro presencial com cada uma separadamente. As demais entrevistas foram individuais, uma presencial e as outras três remotas, como especificado acima.

O objetivo das entrevistas narrativas7 7 O conceito de relato ou narrativa de vida foi introduzido na França por Daniel Bertaux (2010) em meados da década de 1970, com o objetivo de propor uma concepção metodológica alternativa à história de vida. Constitui um tipo de entrevista narrativa em que o pesquisador solicita ao entrevistado que relate a totalidade ou uma parte de sua experiência vivida. É diferente da história de vida, pois se ocupa apenas de um ou mais fragmentos da experiência vivida. O relato de vida parte do entendimento de que qualquer produção discursiva do sujeito, desde que seja uma narrativa, pode ser analisada sociologicamente. , conforme a perspectiva etnossociológica (BERTAUX, 2010BERTAUX, Daniel. Narrativas de vida: a pesquisa e seus métodos. Natal: EDUFRN; São Paulo: Paulus, 2010.), era obter o relato dos jovens acerca de suas experiências nos programas. Foram feitas algumas perguntas abertas que procuravam basicamente conhecer: o indivíduo (idade, com quem morava, se estava estudando, trabalhando ou estagiando, entre outros pontos); como começou a participar do projeto e por quanto tempo participou; motivação para participar; o cotidiano do projeto (frequência semanal, descrição das atividades implementadas [temas, conteúdos e metodologias, convivência com os responsáveis pelo projeto e com os pares]); o que o jovem considerava que atrapalhava as pessoas a continuarem no projeto e o que as ajudava/incentivava; o que ele mais e menos gostava em relação às atividades realizadas e ao projeto em geral; se o projeto foi como ele esperava, se o surpreendeu positivamente ou se o decepcionou em algum aspecto; como ele considera que a vida mudou após a participação no projeto; se ele identificava alguma mudança e se percebia que tal mudança foi decorrente da participação no projeto.

Quanto à metodologia de análise dos dados das entrevistas, destaca-se que o momento da análise comparativa é o cerne de uma pesquisa etnossociológica. A análise começa cedo e se desenvolve simultaneamente à coleta das entrevistas. Os resultados das primeiras análises são integrados ao modelo e retomados no roteiro de entrevista evolutiva. Conforme Bertaux (2010)BERTAUX, Daniel. Narrativas de vida: a pesquisa e seus métodos. Natal: EDUFRN; São Paulo: Paulus, 2010., é acima de tudo pela comparação entre narrativas de vida que a análise é consolidada. As hipóteses, relativas a mecanismos sociais, configuração de relações e processos recorrentes, são elaboradas a partir de uma reflexão baseada nas recorrências encontradas.

Mais precisamente, a interpretação das entrevistas com os jovens ocorria à medida que eram realizadas, pois alguns indícios já eram identificados, sendo confirmados ou não com as entrevistas posteriores. Em resumo, logo após as entrevistas, eu anotava os pontos que considerava mais importantes e, muitas vezes, os relacionava com a compreensão da literatura estudada e com o que os outros jovens entrevistados haviam dito. Depois, com mais tempo, as entrevistas eram transcritas, lidas e comparadas. Esse processo de comparação serviu para que algumas dimensões recorrentes fossem classificadas. Tais dimensões se referem às experiências dos jovens nos projetos e destacam os aspectos que podem ou não contribuir para a prevenção da violência juvenil.

Em termos dos programas analisados, é preciso observar que o Protejo foi uma das ações do Pronasci, programa do governo federal que previa ações de segurança pública e percursos formativos para os jovens em situação de “risco” ou “vulnerabilidade social”, além de fomentar a integração entre União, estados, municípios e sociedade. Ele foi destinado à formação e inclusão social de jovens e adolescentes expostos à violência doméstica e/ou urbana e compunha uma das 94 ações do Pronasci. Segundo informações oficiais (MJ, 2013MJ. Anexo XI: Diretrizes Nacionais Projetos Mulheres da Paz e Proteção de Jovens em Território Vulnerável. Brasília: Ministério da Justiça (MJ), 2013.), o projeto tinha como objetivo geral identificar, acolher e acompanhar jovens entre 15 e 24 anos em “situação de risco”, “vulnerabilidade social” ou exposição a violências, como egressos do sistema prisional, cumpridores de medidas socioeducativas, jovens em situação de rua ou moradores de aglomerados urbanos com altas taxas de homicídios e crimes violentos, por meio de um percurso socioformativo, com vistas à reconfiguração de suas trajetórias de vida. O Percurso Social Formativo deveria durar um ano e incluía qualificação profissional inicial, informática e tecnologia, formação cidadã e sociojurídica, resolução não violenta de conflitos, ampliação do letramento, educação ambiental e sustentabilidade, prevenção à drogadição, introdução ao mundo do trabalho, reflexões sobre violências, sexualidade, autoestima, além de atividades culturais e esportivas.

O projeto era realizado por meio de convênios celebrados entre o Ministério da Justiça e municípios, estados e o Distrito Federal. Poderiam participar indivíduos de 15 a 24 anos que estivessem vivenciando situações como as elencadas acima. No processo de identificação dos jovens, o gestor local, designado em conjunto com a equipe multiprofissional contratada, em colaboração com as mulheres do projeto Mulheres da Paz, deveria buscar parceiras com os seguintes programas, secretarias, conselhos e instituições: Secretaria de Assistência Social do Município, Conselho Tutelar, Centro de Referência em Assistência Social (Cras), Centros de Referência Especializados em Assistência Social (Creas), Estratégia de Saúde da Família (ESF), Ministério Público (MP), Vara da Infância e Juventude e outras instituições públicas municipais e estaduais.

O Protejo em Jardim Carapina foi realizado graças a um convênio assinado pela Prefeitura da Serra com o governo federal em 2017, com coordenação do Pronasci e do Ministério da Justiça. A iniciativa foi executada pela Secretaria Municipal de Defesa Social da Serra (Sedes) e fiscalizada pelo Departamento de Políticas de Segurança Pública, com gestão do coordenador local designado. Em maio de 2018, foi realizada uma reunião com a empresa vencedora do processo licitatório para contratação de pessoa jurídica para a execução do convênio. Depois, aconteceu a capacitação, com 80 horas de duração, da equipe multiprofissional que prestaria suporte e atendimento aos beneficiários. Em seguida, a Prefeitura da Serra publicou o edital para seleção dos participantes, que passariam por uma formação com duração de 12 meses, recebendo uma bolsa de auxílio mensal no valor de R$100,00. Em 2018, foram concluídos os processos licitatórios para aquisição de equipamentos e contratação de pessoa jurídica para início das atividades, tendo sido encaminhado à Secretaria Nacional de Segurança Pública novo cronograma de execução do convênio. Em dezembro de 2018, 75 jovens foram selecionados para participar do Protejo em Jardim Carapina, sendo iniciado o primeiro módulo do projeto. Ao final, seriam ministrados oito módulos, somando uma carga horária total de 600 horas-aula. O encerramento das atividades estava previsto para dezembro de 2019. Desse modo, naquele mês houve o encerramento das aulas do Protejo. Dos 69 jovens que efetivamente começaram a participar do projeto, somente 33 conseguiram concluí-lo; o restante saiu durante o “curso” por diversos motivos, como ingresso no mercado de trabalho e mudança de domicílio, conforme as informações oficiais obtidas na Sedes via Lei de Acesso à Informação (LAI).

Em suma, falar do Protejo é falar de um “curso”, nos termos dos jovens participantes da pesquisa. É comum que ações de prevenção da violência juvenil no Brasil sejam materializadas em diferentes “cursos” - profissionalizantes, de dança, música, artes e esportes, em geral (FBSP, 08/2010FBSP. Projeto Juventude e Prevenção da violência. Eixo 2 - Sistematização de experiências de prevenção à violência entre jovens. Relatório Final. Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), ago. 2010.; MUGGAH e PELEGRINO, 2020MUGGAH, Robert; PELLEGRINO, Ana Paula. Prevenção da violência juvenil no Brasil: uma análise do que funciona. Rio de Janeiro: Instituto Igarapé; Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), 2020.). Isso significa que essa prevenção tem sido pensada acima de tudo na chave da educação. De alguma maneira, entende-se que promover cursos ou oficinas para jovens pobres é prevenir a violência.

Nessa linha de ideias, faz-se necessário contextualizar, ainda, o pano de fundo do Protejo, ou seja, o sentido dos programas de prevenção “social” fundamentados na chamada segurança cidadã. Com efeito, nota-se desde o início dos anos 2000 a elaboração de Planos Nacionais de Segurança Pública, que apresentam propostas não apenas no campo repressivo policial, mas também no campo da prevenção, por meio de ações sociais e da participação comunitária. Em geral, esses planos apresentam propostas de parcerias com outros setores governamentais, especialmente relacionados a educação, assistência social, geração de emprego e renda, saúde, cultura, esporte e lazer. Notadamente, a consolidação discursiva em torno da segurança cidadã, que buscou superar a dicotomia entre repressão e prevenção na segurança pública, começou a ser desenvolvida no país nesse período, com o advento dos Planos Nacionais de Segurança Pública, especificamente nos governos Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), que propugnavam a combinação de ações em defesa da lei e da ordem, típicas do sistema de segurança e justiça criminal, com políticas sociais de prevenção do crime e da violência, tendo em vista que esses fenômenos passaram a ser concebidos como sendo complexos e causados por múltiplos fatores sociais, econômicos, políticos, culturais e individuais, não sendo tomados como apenas uma “questão de polícia” (SPANIOL, MORAES JR. e RODRIGUES, 2020SPANIOL, Marlene; MORAES JR., Martim; RODRIGUES, Carlos Roberto. Como tem sido planejada a segurança pública no Brasil? Análise dos planos e programas nacionais de segurança implantados no período pós-redemocratização. Revista Brasileira de Segurança Pública, São Paulo, v. 14, n. 2, p. 100-127, 2020.; MADEIRA e RODRIGUES, 2015MADEIRA, Lígia; RODRIGUES, Alexandre. Novas bases para as políticas públicas de segurança no Brasil a partir das práticas do governo federal no período 2003-2011. Revista de Administração Pública-RAP, v. 49, n. 1, p. 3-21, 2015.; ADORNO, 2008ADORNO, Sérgio. Políticas públicas de segurança e justiça penal. Cadernos Adenauer IX, n. 4, p. 8-27, 2008.).

Em especial, o Pronasci (BRASIL, 2007BRASIL. Lei no 11.530, de 24 de outubro de 2007: Institui o Pronasci. Brasília: Presidência da República, 2007.), implementado a partir de 2007 no segundo mandato do governo Lula, afirmava existir uma relação do social com o crime, que se alimenta da injustiça e exclusão. Nessa ordem de ideias, as ações de prevenção “social” se concentram em locais com alta concentração de homicídios (sobretudo favelas, bairros pobres e periferias urbanas), sendo também direcionadas aos públicos mais afetados, concebidos como “vulneráveis”, em sua maioria adolescentes e jovens pobres. Oliveira et al. (2022)OLIVEIRA, Daniela Cristina Neves de; LICO, Fátima; PEREIRA, Hegle; REGINA, Fernanda; PERES, Maria Fernanda Tourinho. Intersetorialidade e saúde nas políticas estaduais de segurança pública e de prevenção à violência no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, vol. 27, n. 04, pp. 1301-1316, 2022. identificaram que as premissas da segurança cidadã estão amplamente presentes em recentes planos e programas estaduais de segurança pública, especialmente no que se refere às propostas de prevenção “social” da violência.

Nesse sentido, os direitos sociais passaram a ser justificados e representados por seu potencial para reduzir e prevenir o crime e a violência. Compreendeu-se que as ações “sociais” preventivas objetivam garantir direitos que, em tese, já são garantidos. Assume-se que o Estado está “ausente” das periferias, sob o ponto de vista da oferta de serviços sociais e da garantia dos direitos, e que a violência e a criminalidade são resultados dessa ausência. Sendo assim, os programas preventivos objetivam, na prática, preencher as lacunas dos serviços públicos universais, bem como atenuar sua precariedade, oferecendo “oportunidades” para que os jovens pobres não derivem para o mundo da delinquência e da violência. Contudo, como os projetos propostos são pontuais, temporários e, em grande medida, precários, também não cumprem seus objetivos.

Parte-se, aqui, do argumento da literatura sobre periferias urbanas no Brasil de que, nas últimas três décadas, o conflito urbano teve seu centro deslocado do problema da integração das classes trabalhadoras para a questão da violência (FELTRAN, 2014FELTRAN, Gabriel. Valor dos pobres: a aposta no dinheiro como mediação para o conflito social contemporâneo. Caderno CRH, v. 27, n. 72, p. 495-512, 2014.; MACHADO DA SILVA, 2010MACHADO DA SILVA, Luiz Antonio. “Violência urbana”, segurança pública e favelas: o caso do Rio de Janeiro atual. Caderno CRH, v. 23, n. 59, p. 283-300, 2010.). Nos modos contemporâneos de gestão estatal do conflito urbano, caracterizado fundamentalmente pelo problema da violência e do crime, as ações “sociais” (ditas preventivas) emergem como complementares às ações policiais tradicionalmente repressivas.

Esse processo foi nomeado por Crawford e Evans (2017)CRAWFORD, Adam; EVANS, Karen. Crime Prevention and Community Safety. In: LEIBLING, Alison; MARUNA, Shadd; MCARA, Lesley. (eds.). The Oxford Handbook of Criminology. 6ed. Oxford: Oxford University Press, 2017. p. 797-824. como criminalização das políticas sociais. Segundo os autores, no final da década de 1990 a tarefa de prevenção ao crime foi desenhada de forma muito mais ampla e, no espaço de aproximadamente duas décadas, a prevenção do crime foi incorporada às políticas governamentais. A exagerada proeminência cultural, social e política atribuída ao crime e à insegurança resultou em políticas previamente definidas em termos de outros resultados cada vez mais redefinidos em relação a seus possíveis efeitos preventivos ao crime. Por meio dessa perspectiva, a qualidade da educação, nutrição, saúde, meio ambiente, habitação e provisões sociais em geral frequentemente passaram a ser vistas em termos de suas consequências criminogênicas ou potencial de crime, em vez de simplesmente como bens públicos importantes por direito próprio. Enfim, a mudança para a prevenção confere ao crime um lugar elevado na construção da ordem social, de modo que questões públicas fundamentais podem ser marginalizadas, exceto à medida que sejam definidas em termos de suas qualidades preventivas ao crime.

No caso dos programas analisados na pesquisa (OLIVEIRA, 2022OLIVEIRA, Daniela Cristina Neves de. Prevenção da violência juvenil nas periferias da Região Metropolitana da Grande Vitória: um estudo sobre as experiências de jovens em programas preventivos. Tese (Doutorado em Sociologia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2022.), os direitos dos jovens às “oportunidades” são justificados pelos seus potenciais resultados no âmbito da prevenção do crime e da violência. Contudo, assim como os serviços públicos universais, eles também não têm cumprido inteiramente os seus objetivos, fazendo com que os jovens acabem por ver reforçado o lugar social subalterno ao qual são destinados pelas políticas públicas. Pois bem, feitas essas considerações iniciais acerca dos sentidos dos programas de prevenção da violência estudados, passamos à parte da análise das experiências dos jovens no projeto preventivo Protejo.

‘Pedagogia da precariedade’: as experiências de jovens no Protejo em Jardim Carapina, Serra-ES

Com efeito, apesar da variedade de conteúdos previstos no Percurso Social Formativo do projeto, que, a princípio, motivou os jovens a participarem, na prática “ficou maçante” - nas palavras de uma jovem entrevistada. Essa entrevista foi a única realizada em grupo, em que três moças participaram (Luísa, Luara e Nathália). O encontro aconteceu no CAI em Jardim Carapina em setembro de 2020. Os interlocutores gentilmente forneceram contatos de seus pares, mas estes não manifestaram interesse em participar da pesquisa por estarem ocupados trabalhando. Todavia, não foram encontradas diferenças significativas entre as percepções dos entrevistados quanto às suas experiências no projeto em si, de modo que cada relato contribuiu para a consolidação de um modelo interpretativo acerca do objeto de interesse da pesquisa. A exposição das experiências dos jovens no Protejo foi organizada segundo certos aspectos: perfil dos participantes (apreendido por meio de como eles vieram a participar da ação e de suas motivações); conteúdo do “curso”; desorganização administrativa (relacionada ao atraso no pagamento das bolsas, à troca de empresa gestora, à falta/troca de professores, ao não esclarecimento das dúvidas dos jovens, à falta de respeito neste processo); e pontos positivos com respeito às interações estabelecidas, aos amigos conquistados, aos passeios e à produção de um evento na comunidade.

De partida, pode-se dizer que um ponto semelhante entre os jovens participantes do Protejo foi o fato de que o seu “perfil” não era o mesmo definido pelo projeto, ou seja, não eram egressos do sistema prisional ou socioeducativo, não estavam cumprindo medida socioeducativa e tampouco estavam em situação de rua. Eles decidiram participar do “curso” devido ao incentivo de familiares ou colegas, que souberam do projeto no Cras ou por meio de conhecidos, por acaso. Por exemplo, a mãe de Luísa fazia parte do Mulheres da Paz e, anteriormente, participava de outras atividades no Cras, como “cursinhos” - nas palavras da jovem. Sendo assim, a mãe recomendou que a moça participasse do Protejo, dizendo que “eram umas aulas que a gente ia receber, que tinha uma carga horária que tínhamos que cumprir. Ficaríamos no Cras” (Luísa). Naquele momento, a jovem estava cursando o ensino médio.

Outra jovem, Nathália, soube do “curso” por acaso. Passou no Cras/CAI certo dia para beber água, na companhia de sua mãe, e a vigilante do local comentou sobre o “curso”: justamente naquele dia estava acontecendo a seleção dos jovens para o projeto. A vigilante disse, segundo Nathália: “Tá tendo um curso para os jovens aí, sobe lá e se inscreve”. A moça estudava de manhã e, como a maioria dos jovens participantes, estava terminando o ensino médio. Como estava concluindo a escola, não queria “do nada parar de fazer tudo de uma vez, queria fazer um cursinho para me acostumar com o fato de ter saído da escola”. A mãe persuadiu a moça, pois achava que ela ficava “muito presa dentro de casa”, não saía muito, não tinha muitos amigos no bairro. “Eu indo para o curso poderia conhecer pessoas e não ficar só dentro de casa” (Nathália).

Diana respondeu que ficou sabendo do projeto por meio de conhecidos. Sobre sua motivação, disse o seguinte: “Esperava um curso profissionalizante. Não tivemos uma oportunidade com o curso nem nada e a maioria das atividades não foram concluídas e o aprendizado pelos professores não foi nada bom”. A jovem comentou o motivo pelo qual decidiu participar do projeto e, ao mesmo tempo, já expressou sua decepção porque suas expectativas não foram atendidas - situação recorrente na fala dos outros interlocutores. Esses aspectos dos “problemas” no projeto serão retomados adiante.

Dos rapazes entrevistados, um já havia concluído o ensino médio e o outro estava concluindo; ambos souberam do projeto por amigos ou conhecidos. A motivação era, principalmente, a bolsa que receberiam e a expectativa de realizar um curso que poderia ser útil para conseguirem emprego. Por exemplo, Rafael disse que a mãe “soube pela boca dos outros que tinha um projeto dando uma bolsa de R$100. Eu entrei porque precisava de dinheiro, não trabalhava e nem nada... Aí vi uma oportunidade de ter um projeto legal e ainda receber conhecimento e uma graninha” (Rafael).

Foi possível compreender a partir das entrevistas que o projeto não alcançou seu público-alvo (adolescentes e jovens que vivenciam situações que, no limite, culminam em desfechos fatais) porque não houve um mecanismo efetivo de focalização - o mecanismo de chamamento previsto aparentemente não funcionou como o planejado. Isso também aconteceu em outras experiências do Protejo8 8 Frota et al. (2014, p. 161) afirmam, em relação ao perfil dos indivíduos participantes dos projetos Protejo que avaliaram em cidades do Nordeste, que “os jovens escolhidos para o Protejo, contudo, nem sempre tiveram um perfil estabelecido no projeto, haja vista que, em decorrência de dificuldades de complementação das vagas com a característica de vulnerabilidade estabelecida, houve maior liberação deles”. no país. Não que as políticas não devam alcançar diferentes grupos juvenis nas periferias; a questão é que as ações que se dizem preventivas dos homicídios de jovens talvez não estejam alcançando aqueles que mais precisariam delas.

A respeito do que foi ensinado no projeto, o fato de o “curso” abranger muitas matérias em parte fez com que os conteúdos fossem trabalhados de modo superficial, não “formando” efetivamente os jovens em área alguma. Isso foi um “ponto negativo”, conforme Bárbara, pois os jovens esperavam aprender algo que pudessem aplicar no campo profissional, para além da “formação cidadã”. Há que se ter em vista o perfil dos participantes entrevistados: jovens com idades entre 17 e 20 anos que estavam concluindo o ensino médio ou que já haviam concluído essa etapa educacional. Nessa fase da vida, as pessoas geralmente estão em busca de autonomia, e uma das mais importantes formas de autonomia é, justamente, exercer uma atividade que seja fonte de renda. Bárbara disse, nesse sentido, que o dinheiro da bolsa pelo menos “ajudou dentro de casa, apesar que teve gente que nunca recebeu”.

Ainda sobre os conteúdos, ela mencionou que o “curso” foi:

- Desorganizado desde o começo. Não seguiu o cronograma inicial passado para nós, o ano inteiro falando a mesma coisa, ninguém ali aprendeu absolutamente nada. Aliás, perdão, não posso falar por todos, quem quiser mentir que minta. Eu achei um ótimo passatempo.

Luara, por sua vez, explicou que aconteceram muitas palestras sobre um só tema, sem abordar outros assuntos. Por exemplo, foram muitos temas femininos, segundo a moça, pois a turma era majoritariamente feminina. Nathália observou que “os três meninos da turma ficavam em silêncio a aula todinha. E quando falaram sobre gravidez os meninos ficaram perdidos”. Esse é um dos fatores que indicam porque o projeto “ficou maçante”.

Nota-se que a maioria da turma era composta por mulheres. Além disso, presumivelmente, os temas das aulas não eram tão interessantes para os rapazes, considerando que as jovens identificaram que eles ficavam por vezes em silêncio e “perdidos”. Entretanto, os dois rapazes entrevistados não se referiram ao fato de as aulas terem supostamente privilegiado mais as mulheres em termos dos conteúdos abordados. Seja como for, não é demais lembrar que os jovens do sexo masculino são os mais afetados pelos homicídios, porém eles não foram os que mais participaram do projeto em Jardim Carapina.

Destaca-se que os projetos pesquisados (OLIVEIRA, 2022OLIVEIRA, Daniela Cristina Neves de. Prevenção da violência juvenil nas periferias da Região Metropolitana da Grande Vitória: um estudo sobre as experiências de jovens em programas preventivos. Tese (Doutorado em Sociologia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2022.) não discutiram questões de gênero relativas à constituição da masculinidade, tampouco propuseram ações específicas para alcançar adolescentes e jovens do sexo masculino, tratando na prática as juventudes das periferias como um grupo homogêneo. Parece que o gênero, no âmbito de ações de prevenção e segurança pública, é tematizado em torno do grave problema da violência contra a mulher. Não querendo diminuir a importância dessa temática, a questão é que, curiosamente, a questão da constituição das masculinidades, dos valores e sentidos construídos nesse processo, das relações sociais entre homens, dos riscos associados a certas práticas adotadas pelos jovens em nome da afirmação masculina, não têm sido objeto de reflexão e problematização por parte dessas políticas públicas. Isso é curioso porque, provavelmente, os mesmos valores que constituem o pano de fundo das agressões dos homens contra as mulheres estão presentes nas agressões dos homens entre si e são associados a práticas arriscadas, como beber em excesso, abusar de substâncias químicas, “provar” que não se tem medo diante de situações desafiadoras, dirigir embriagado, não tratar corretamente um ferimento porque precisa mostrar tolerância a dor e não chorar, não expressar emoções, aceitar desafios e entrar em brigas, entre muitas outras situações. Como concluiu Souza (2005)SOUZA, Edinilsa Ramos de. Masculinidade e violência no Brasil: contribuições para a reflexão no campo da saúde. Ciência & Saúde Coletiva, v. 10, n. 1, p. 59-70, 2005., o gênero masculino ainda é configurado por práticas machistas e de risco, e tais práticas são as mesmas que constituem os homens como as maiores vítimas da violência.

Enfim, os jovens tiveram algumas aulas de música, especialmente canto e violão, contudo na visão deles foi insuficiente. Nathália contou que aprenderam só violão, embora soubesse que haviam outros instrumentos disponíveis. Elas (as jovens entrevistadas em grupo) disseram ter tentado “ir atrás de outros instrumentos”, mas sem sucesso. Essa ideia de “ter que ir atrás” das coisas, dos materiais para as aulas ou das próprias aulas, indica que era necessário um esforço para conseguir o que havia simplesmente sido prometido, isto é, as atividades não fluíam, era preciso “correr atrás”. Nota-se outro indício nessa direção em relação às aulas de educação física/esportes, que segundo o programa do “curso” deveriam ser desenvolvidas durante toda a execução do projeto. Mas raramente os jovens saíam do espaço da “sala”. Até mesmo quando a aula era de educação física havia certa dificuldade na liberação daquele espaço mais controlado. Eles tiveram uma única aula de natação, pois “a professora correu atrás pra gente ir à piscina da Ufes [Universidade Federal do Espírito Santo]” (Luísa). As jovens gostaram da experiência, mas lamentaram que foi a única.

As jovens contaram que o espaço do Cras/CAI não era adequado para a prática de esportes. Então, para não prejudicar o trabalho dos demais funcionários que ali trabalhavam, Luísa disse ter sugerido que o campo de futebol do bairro fosse utilizado e o resultado foi: “Ah, pronto, fizeram um auê...”. Ela explicou:

- O campo já é do bairro mesmo e ele não é usado de manhã… Foi o que a gente fez uma vez, por causa da insistência da professora. O pessoal da tarde foi duas vezes. Eles pensavam que a gente ainda era criança, que não podíamos sair. Na mente deles, [se] o bairro já foi perigoso, ainda é perigoso. Eles sabiam da fama do bairro, [imaginavam que] se a gente sair, vai levar um tiro, alguma coisa. Eles tinham medo.

Luara complementou:

- No início, eles falaram que iam fazer com que a gente tivesse mais responsabilidade como jovens, mas aqui eles fizeram o contrário, trataram a gente como adolescentes, crianças da quinta série, que não poderia nem andar sozinho. Foi totalmente o contrário.

Os relatos indicam pelo menos três situações. Primeiro, o fato de os jovens precisarem, eles mesmos, apresentar sugestões e alternativas para a execução das aulas previstas no programa. Segundo, o fato de perceberem que estavam recebendo um tratamento equivocado, pois não eram mais “crianças”. Terceiro, o problema da (in)segurança no bairro, que, sendo real ou sentido, atrapalhava a realização de atividades esportivas no âmbito do projeto. Um quarto aspecto, além desses três, tem a ver com “fama” de “bairro violento” identificada pelas jovens.

Nathália comentou que certo dia estavam discutindo em uma aula ou palestra sobre a violência no bairro e ela ponderou:

- É normal, a gente vive aqui desde que nasceu, aí eles: “Não! Você não pode se acostumar com isso”… Não tem o que fazer, não tem como sair daqui por enquanto. A única coisa que posso fazer é me acostumar, me adaptar ou viver dentro de casa.

O “normal”, dito por Nathália, não tem a ver com ser bom ou legal; é normal porque é cotidiano. Esse aparente conformismo foi encontrado nos relatos de outros jovens participantes da pesquisa. Ao mesmo tempo que eles falam sobre as dificuldades enfrentadas cotidianamente para sobreviver em meio a exposição à violência armada nos bairros, eles dizem que as pessoas, e eles também, acabam “se acostumando”. O aparente conformismo, provavelmente, é apenas uma das formas encontradas para poder viver “normalmente”, saindo de casa para estudar, trabalhar, encontrar os amigos e se divertir.

O fato de considerar a violência “normal”, por ser frequente, não impede que muitos jovens denunciem os problemas vividos em seus bairros, de diferentes formas, como demonstrado no estudo com respeito ao engajamento de jovens em atividades culturais relacionadas ao hip-hop, por exemplo, que buscam denunciar as situações de violência e exclusão vivenciadas nas periferias. De todo modo, em relação ao tema da violência no bairro, destaca-se que os jovens moradores de Jardim Carapina participantes da pesquisa compreendem que atualmente (2019-2020) o ambiente está mais seguro, pois “acabou a guerra interna do tráfico” (Rafael). Porém, os jovens do sexo masculino, em particular, percebem que a violência que mais os afeta é a policial. Segundo um dos rapazes, o bairro é “perigoso quando tem guerra. Tá na paz faz tanto tempo que eu não vejo uma troca de tiro. O problema é o perigo de andar na rua de noite, já que a polícia humilha e bate, mesmo se for morador” (Marcos). Ou seja, por um lado, eles consideram que o bairro está menos violento, já que a “guerra” do tráfico teria acabado; mas, por outro, o bairro continua violento em função das práticas da polícia que “humilha e bate”.

Ainda em relação ao conteúdo do “curso”, os jovens consideraram que nem todos os temas foram tratados de maneira consistente, alguns eram abordados aleatoriamente, em poucas aulas. E, com frequência, os participantes eram avisados em cima da hora: “Ah, tal pessoa está chegando aí e vai dar a aula tal para vocês (mas já tivemos essa aula ontem!)” (Nathália). Nessa ordem de ideias, Bárbara considerou que “se o projeto teve duas aulas produtivas, foi muito”.

Outros fatores concorreram para que os conteúdos não fossem trabalhados de modo consistente. Esses fatores têm a ver com os problemas administrativos relacionados às trocas de empresa responsável pela execução das atividades. Aconteceram, também, situações que os jovens entenderam como falta de respeito quando suas dúvidas não eram esclarecidas devidamente, sobretudo em relação ao atraso no pagamento das bolsas.

As críticas elaboradas pelos jovens acerca do projeto se referiam principalmente ao atraso no pagamento das bolsas, à falta ou a troca de professores e ao conteúdo ministrado, que não foi aprofundado ou não abordou tudo o que estava inicialmente previsto no Percurso Social Formativo. Por exemplo, Luísa disse que no certificado constava que elas aprenderam teatro, mas na prática isso não teria acontecido. Os jovens se mostraram muito chateados e críticos quanto ao não cumprimento das atividades propostas no “folheto do curso”. Eles contaram que no dia da seleção dos jovens no auditório da instituição, a equipe responsável pelo projeto realizou um tour com eles pelo CAI:

- Mostraram as salas, uma seria de dança, e falaram: “Aqui vocês aprenderão isso e aquilo”. Ou seja, fizeram muita propaganda, mas não foi nada disso. (Luara)

As jovens relataram que teatro também seria uma das atividades. “Você viu que no certificado tá lá teatro?”, Luara perguntou para as outras, risonha. A questão era: como teatro pode constar no certificado sendo que não foi efetivamente desenvolvido ao longo do curso? Elas riram juntas e Nathália disse que atuaram bastante no projeto: “Atuamos fazendo cara de paisagem”. Luara destacou:

- O curso prometia tanta coisa, psicologia, dança, teatro, música, direito... Vai que eu me interesso por algo e posso ficar boa nisso... Porém, chegou um momento em que vimos que havia muita falha, eles não sabiam administrar a empresa. A gente que precisava correr atrás para conseguir o que a gente queria. Foi muito frustrante, assim, porque poderíamos ter feito muita coisa legal, mas não teve como.

Os dois rapazes entrevistados também apontaram problemas na execução das atividades do Protejo. Por exemplo, no primeiro contato que estabeleci com Rafael ele disse: “Sinceramente moça, não lembro de quase nada ou nada do que foi apresentado lá. Aquilo era uma bagunça”. Marcos, por sua vez, contou:

- A ideia do projeto é legal, mas deveriam ter mais atenção com nós, às vezes faltava as coisas e etc. Mas, de toda forma, foi algo positivo. De bom, acho que foi algo para aprendizado, mas tinha partes ruins: já deram lanche com coisa estragada e etc. Teve falta de atenção em outras coisas também, em algumas aulas, por exemplo. Sempre trocava de professor, sempre dava problema kkkkkkk. As bolsas não caía, até hoje não caiu algumas. Ficava todo mundo sendo enrolado.

Foi possível compreender que houve um sério problema de administrativo, percebido pelos jovens, que fez com que o projeto perdesse a credibilidade, passando no final das contas a impressão de ter sido uma “bagunça”. Rafael explicou a situação da seguinte maneira:

- Bom, não sei se você sabe, mas foram duas empresas que ficaram responsável pelo projeto. A primeira teve um problema lá com diploma falso e o projeto parou por um tempo, teve até matéria no jornal sobre o caso. Entrou a nova gestão, eu esqueci o nome da empresa, mas a responsável por nós era a [nome da empresa9 9 Os nomes dos responsáveis e de membros da equipe do projeto foram omitidos para a preservação de sua identidade. ] Lá era um bagunça por vários motivos. Os principais: as aulas, o lanche, o dinheiro das bolsas e a falta de informação.

O problema com as aulas ocorreu por “desentendimento”, segundo o jovem. Em suas palavras, sob a nova gestão:

- Até fizeram uma pesquisa dos nossos interesses, contratam alguns professores e praticamente todos eles tiveram desentendimento. Trouxeram uma professora de educação física, era parente de um deles. Um professor de informática teve um problema lá e ele foi afastado. Aí em diante o [nome do professor] passou a ser o nosso professor de informática. Havia na equipe, também, um advogado e um psicólogo.

- Teve uma outra professora que pediu pra sair, não lembro o conteúdo que ela deu e também não sabemos o motivo dela querer sair. Saiu pelo motivo de ser bagunçado, pelo que soube, e muita coisa errada. Teve um professor de música, ele ensinou umas coisas lá sobre aquecer voz e a tocar violão. Também teve um problema lá e ele saiu. A única que não deu nada foi a prof. de educação física, que era parente de um deles da gestão.

O relato aponta para a instabilidade das aulas do projeto em virtude da troca frequente de professores. As caraterísticas da “bagunça” foram descritas também pelos outros jovens entrevistados. Em geral, eles indicaram a ausência de professores ao longo do curso, fazendo com que ficassem períodos sem ter aulas. Neste sentido, Luísa, Luara e Nathália explicaram que no contexto da troca de empresas e com o atraso na contratação dos profissionais, algumas aulas foram ministradas pela coordenadora do CAI, a qual não era ligada ao Protejo em si - situação percebida como desorganização.

Com efeito, houve um problema com a empresa inicialmente contratada pela Prefeitura para executar o projeto, conforme indicado por Rafael. As jovens entrevistadas em grupo explicaram que se tratou de uma “falcatrua” descoberta pelas mulheres participantes do Mulheres da Paz. O responsável pela primeira empresa contratada foi denunciado por irregularidades na condução das atividades e no interior da própria empresa. Elas souberam da “falcatrua” pela TV. Uma segunda empresa veio e também não ficou muito tempo, segundo as jovens. Não ficou tempo nenhum, porém “acabou contrato”; os responsáveis por essa outra empresa também “não estavam fazendo corretamente, não sei o que aconteceu... Eles não falaram pra a gente, não nos informaram o motivo” (Luara).

Rafael detalhou que a falta de informação “era sobre tudo”: “A gente não sabia quando ia receber, quanto seria, não sabíamos que aula iríamos ter e assim ia levando com a barriga”. Os jovens não foram esclarecidos a respeito dos motivos para as trocas de empresa. Ficaram sem entender o motivo das mudanças, apenas sabiam que aconteciam irregularidades e que o andamento do projeto era prejudicado por esse motivo. “Do nada”, nas palavras de Luísa, veio a terceira empresa que continuou até a conclusão do “curso”.

Com relação ao dinheiro das bolsas, Rafael declarou:

- O certo era R$100 por mês, os três primeiros meses a gente não recebeu certinho. Depois da paralisação e troca de gestão, o projeto voltou com poucos alunos, a maioria saiu, mas muitos não pediram desligamento do projeto.

- Depois de um tempo, a gente recebeu os três meses iniciais, de uma vez R$300. Nisso começou os questionamentos... Quem tava aqui no início tem direito a esse dinheiro? A resposta foi sim. Mas muitos não foram atrás, então só Deus sabe pra onde foi o dinheiro.

- E nos meses seguintes não foi seguindo um padrão de depósito, uma hora eles falavam que era de três em três meses e se embolava com a própria lábia. Depois, teve alguns depósitos de R$100, outro de R$200… Minha amiga que frequentou desde o início não pegou nada, até hoje. Sempre que questionava sobre isso eles [os responsáveis pelo pagamento] não sabia responder.

Os termos “lábia” e “enrolação” foram achados nos relatos quando se tratava do assunto bolsa-auxílio, assim como pairavam muitas dúvidas sobre para onde iam as verbas do governo, questão que “só Deus poderia saber”, como um dos jovens disse. Eles perceberam que foram “enrolados” quando as bolsas “não caíam” e quando questionavam ou eram desrespeitados abertamente ou eram “enrolados” com desculpas. Diana, por exemplo, relatou: “Eu não gostava era da forma que os diretores do projeto falavam quando a gente questionava certas coisas, como se nosso questionamento fosse errado ainda”. Outro exemplo do que foi sentido como desrespeito pode ser encontrado no episódio descrito abaixo.

Quando as jovens entrevistadas em grupo foram perguntadas sobre o que eventualmente dificultava sua permanência no “curso”, responderam que foi quando foram criticadas e destratadas. Por causa do tratamento sentido como desrespeitoso, faltaram ao projeto algumas vezes. Constata-se o quanto as relações estabelecidas são fundamentais para a permanência dos jovens no projeto - mais ainda que os problemas com atrasos no pagamento das bolsas e a falta de professores.

No momento em que se sentiram destratadas, recorreram ao gestor do CAI e fizeram reclamações. A turma da manhã passou a ser “maltratada”, na percepção de Nathália, já que esse grupo seria a princípio mais questionador. As jovens, então, fizeram uma denúncia, em suas próprias palavras. Depois disso, a coordenadora do projeto foi à sala se queixar e “jogou farpas” (Luísa). O conteúdo da denúncia era, nos termos das entrevistadas: “Mentiram sobre o curso, não responderem sobre o dinheiro, gritaram com a Nathália”.

O episódio em que gritaram com a jovem foi relatado da seguinte maneira. Um colega reclamou do atraso da bolsa. Nathália, então, apenas teria comentado, “em um tom normal”, que ela e o colega entraram juntos e não entendia por que a dele havia atrasado. A coordenadora do projeto, que estava presente na sala, respondeu agressivamente: “O seu caso é um e o dele é outro, você fica quieta!” (Nathália). A coordenadora teria dito tais palavras em tom de voz elevado, gritando. Desse modo, Luara refletiu: “A coordenadora de um curso contra a violência agiu com agressividade... Ela poderia ter respondido com um tom normal”. Quer dizer, foi percebida uma contradição no fato de estarem participando de um curso “contra a violência” e terem sofrido, na verdade, agressão.

As reclamações dos jovens e as reações da equipe fizeram com que a relação entre eles ficasse difícil. Porém, os entrevistados perceberam que, de tanto reclamarem, a própria equipe da coordenação passou a lidar com eles diretamente, ministrando algumas aulas e conduzindo atividades, por falta de profissionais específicos: “A equipe não correu atrás dos profissionais”, disse Luísa. Neste sentido, Rafael concluiu o seguinte:

- Bom, a nossa teoria da conspiração... O nosso dinheiro foi todo pra eles, a verba que o governo dava foi mal administrada e buscavam meios de gastar menos pra poder ficar com o restante do dinheiro. No caso de professores bons e uma boa alimentação, é isso...

O relato indica suspeitas quanto à idoneidade dos responsáveis pelo projeto. Os jovens mostraram-se sobremodo críticos em relação aos aspectos problemáticos do “curso” que passou, inclusive, a ser associado à má administração da coisa pública - a declaração “nosso dinheiro foi todo pra eles” sintetiza a percepção de que os agentes do projeto estavam corrompidos.

Em relação à bolsa-auxílio do Protejo no valor de R$100,00, vale considerar o seguinte: Camacho (2007)CAMACHO, Luiza. A ilusão da moratória social para os jovens das classes populares. In: SPOSITO, Marilia Pontes (Coord.). Espaços públicos e tempos juvenis: um estudo de ações do poder público em cidades de regiões metropolitanas brasileiras. São Paulo: Global, 2007. p. 135-157., que avaliou o Projeto Agente Jovem no âmbito do município de Cariacica (ES) entre 2003 e 2005, argumenta que o pagamento da bolsa, de R$65,00, transformava o projeto em um programa de transferência de renda para os jovens. No contexto em que a autora realizou a pesquisa, os jovens entrevistados apreciavam muito o fato de receberem a bolsa. Ainda que o valor não fosse muito significativo, era possível “ajudar em casa” e ajudar no pagamento das contas de água e luz, por exemplo. Os jovens que não precisavam “ajudar em casa” costumavam utilizar o dinheiro para comprar roupas, materiais escolares ou simplesmente para se divertir com os amigos, saindo para ir ao cinema e lanchar. Camacho (2007)CAMACHO, Luiza. A ilusão da moratória social para os jovens das classes populares. In: SPOSITO, Marilia Pontes (Coord.). Espaços públicos e tempos juvenis: um estudo de ações do poder público em cidades de regiões metropolitanas brasileiras. São Paulo: Global, 2007. p. 135-157. considera que o dinheiro disponível, se não chegava à moratória, ao menos possibilitava a construção de relações de sociabilidade juvenil, a diversão e o lazer. O valor, embora fosse pequeno, trazia alegria aos jovens, que não se importavam de ficar horas e horas na fila do banco para receber; e o atraso no pagamento das bolsas, quando acontecia, não era mal visto, porque significava o recebimento de várias bolsas de uma vez, já que os atrasos engordavam a quantia.

Percebe-se, assim, um contexto bastante diferente daquele vivenciado pelos jovens do Protejo em Jardim Carapina em 2019, pois não expressaram nenhum sentimento de “alegria” quando se tratava do tema bolsas: as bolsas significaram, para eles, a vivência da frustração, porque atrasavam, porque esperavam e eram “enrolados”, porque eram destratados quando levantavam questionamentos - a imprevisibilidade, nesse sentido, provocava tensão. Essa comparação entre os projetos se explica porque os dois, conquanto distantes do ponto de vista temporal, partiam de pressupostos e objetivos semelhantes, dado que trabalham com a perspectiva de que o jovem pode ser reintegrado à sociedade, resgatando vínculos familiares e sociais, e adquirir ferramentas que possibilitem a definição de um novo projeto de vida. O Projeto Agente Jovem foi incorporado pelo Plano Nacional de Segurança Pública do governo federal, que tinha o objetivo de integrar políticas de segurança, políticas sociais e ações comunitárias - isto é, os mesmos objetivos adotados pelo Pronasci.

Quanto aos aspectos positivos do “curso”, Luísa disse ter apreciado muito as aulas de direito, “coisa que a juventude não tem acesso, em geral”. Ela estava muito interessada, também, em aprender mais teatro e dança: “Mas não teve... Qual a graça? Prometer as coisas e não cumprir. Igual aos políticos, hoje em dia” (Luísa).

Os jovens mencionaram os “passeios” feitos no âmbito do projeto como algo proveitoso, embora quisessem ter vivenciado mais momentos como aqueles. Eles visitaram as empresas Vale e ArcelorMittal. O objetivo dessas visitas foi mostrar a eles como acessar o mercado de trabalho por essas empresas. Visitaram, também, algumas instituições do estado, como a Secretaria Estadual de Direitos Humanos, por meio da ação Conheça Jovem, que consiste na realização de um tour informativo para fazer com que os jovens se familiarizem com os mais variados espaços públicos. Mais ao final do “curso”, foram ao Museu Capixaba do Negro e ao Parque Moscoso, no centro de Vitória.

Encontramos algumas informações sobre esses passeios e sobre a execução do Protejo em Jardim Carapina no site da Prefeitura da Serra. As informações contradizem o que os jovens perceberam e o que contaram a respeito de suas experiências. Uma das notícias de agosto de 2019, por exemplo, informa que o projeto estava beneficiando 75 jovens nos bairros Jardim Carapina e Boa Vista (SEDES, 10/08/2019SEDES. Jovens do Protejo visitam uma das maiores empresas da Serra: O Protejo está beneficiando 75 jovens com idades entre 15 e 24 anos, residentes nos bairros Jardim Carapina e Boa Vista. Prefeitura da Serra, Publicação - Sedes, 10 ago. 2019. Disponível em: www.serra.es.gov.br/noticias/jovens-do-protejo-visitam-uma-das-maiores-empresas-da-serra. Acesso em: 18 maio 2022.
www.serra.es.gov.br/noticias/jovens-do-p...
), quando, na verdade, apenas 69 começaram o “curso” e apenas 33 o concluíram - conforme as informações oficiais fornecidas pela Sedes. Segundo os jovens entrevistados na pesquisa, entretanto, o número de concluintes teria sido ainda menor - ao final “ficaram só os guerreiros” (Luísa). Assim, resta a reflexão sobre se jovens classificados como “em situação de vulnerabilidade social” teriam condições para “guerrear”, a fim de permanecerem em um projeto social.

A notícia mencionada dizia, também, que “além das atividades de formação social e cultural, eles participam de capacitação profissional na área de informática”, o que não foi exatamente percebido pelos jovens, como pode ser verificado a partir dos relatos expostos até aqui. Nos termos de Bárbara, por exemplo, o curso de informática teria sido “uma piada”.

Quando perguntado sobre os pontos positivos de sua participação no projeto, Rafael disse: “Teve muitas palestras, passeios e visitas em vários lugares. Bom, foi legal por conta das pessoas e das amizades que surgiram, pois o projeto em si foi uma bagunça”. Bárbara, por sua vez, também afirmou ter gostado dos passeios, mas no seguinte contexto: “Resumidamente, foi um fiasco, esse programa. Tinha tudo pra ser produtivo, se tivessem aproveitado nosso tempo ali cumprindo a agenda que o governo mandou. Mas tiveram passeios legais, tipo escola, sabe?”. Desse modo, até mesmo os aspectos tidos como positivos do projeto foram minimizados à vista da “bagunça” que ele teria sido, em geral.

Quando o assunto foi o que havia mudado em sua vida após o projeto, Rafael, que à época do projeto já tinha concluído o ensino médio, disse: “Consegui o trabalho que estou atualmente e não foi com ajuda do projeto” (Rafael). Marcos, por seu turno, respondeu que mudou: “Só as amizades... Mudou um pouco, quem eu não tinha tanto contato, hoje em dia tenho mais” (Marcos). Diana avaliou que nada mudou em sua vida: “O projeto não foi como ninguém esperava... Não mudou nada da minha vida com o projeto”.

Com efeito, um aspecto positivo do projeto, segundo as jovens entrevistadas em grupo, foi a produção de um evento para a comunidade. Elas tiveram a ideia durante uma aula de psicologia. A reflexão era sobre “coisas que os jovens poderiam fazer para melhorar a comunidade”. Assim, elas pensaram em “fazer algo na comunidade”, um evento cultural que chamaram de This is Favela.

Luísa explicou que “como a periferia é mais baseada no rap, gosta de skate, gosta disso, foi quase um festival”. “Se a gente crescer, podemos continuar com isso”. Elas falaram sobre suas ideias com o responsável pelo CAI e com a professora de psicologia, que concordaram em apoiá-las. Notamos que esses dois atores eram mais próximos das jovens em comparação aos demais da equipe, conforme os relatos, por terem uma posição mais contundente em relação ao que estava “errado” no projeto. Tanto é que elas recorreram a esse gestor para fazer a denúncia mencionada acima.

O This is Favela aconteceu no espaço do Cras/CAI. Uma das propostas do Protejo era promover a participação social dos jovens nas comunidades para atuarem como agentes de transformação social, incentivando o “protagonismo juvenil”. Mas as entrevistadas explicaram que não tiveram apoio concreto. Na verdade, teriam sido desencorajadas em suas tentativas de participação. Desse modo, o evento foi uma iniciativa das próprias jovens e não ocorreu como uma proposta interna do projeto.

Segundo Luísa, “eles [a coordenação do projeto] fingiram demência, fingiram que a gente não tinha capacidade”. A experiência de produção do evento foi estressante, segundo contam, por causa das discordâncias em torno de como deveria ser. Elas queriam fazer só para a comunidade e “do nada enfiaram política no meio” (Luara), “se envolveu também um pessoal da Prefeitura” (Nathália). Tiveram também muita dificuldade para conseguir os materiais necessários. Mas, depois, algumas pessoas da prefeitura foram apenas para fotografar e “dizer que ‘ajudei’” (Luísa).

As jovens planejaram produzir um evento “focado no hip-hop”. “A gente da comunidade, da periferia, gosta muito de rap, hip-hop, dança...”, contou Luísa. Elas almejavam agregar pessoas da comunidade para que essa “cultura” fosse mais conhecida. A intenção era incentivar as crianças, os jovens e “descontrair a comunidade”. A ideia foi, em suma, mudar a imagem de que “a comunidade é perigosa, só tem tiro, a gente tava querendo tirar esse contexto” (Luísa). Desse modo, o objetivo relatado foi representar a comunidade de modo positivo, por intermédio de expressões culturais. Nathália contou, entusiasmada, que depois de uma semana do This is Favela, uma desconhecida a abordou dizendo: “Nossa... te vi lá no seu evento!”. A jovem disse tais palavras sorrindo, apreciando o reconhecimento.

As três disseram que o projeto estimulou a ideia do evento, já que teria surgido no âmbito de uma das aulas do “curso”. Além disso, fazia parte do programa a participação juvenil em ações nas comunidades. Porém, elas sentiram que não foram apoiadas como deveriam. Luara concluiu: “A coisa que mais incentivou a gente a fazer o evento foi tipo... Como não teve muita coisa que a gente esperava no projeto, a gente tentou fazer o nosso evento”.

Assim, elas buscaram uma alternativa para concretizar o que havia sido prometido. Quer dizer, a frustração gerou uma ação independente, que, no final das contas, acabou não sendo tão independente assim, pois, à medida que as jovens se mobilizavam, aconteciam interferências da equipe do projeto e de pessoas da própria Prefeitura, o que contrariou o desejo de realizarem algo da maneira como idealizaram inicialmente. Essa situação foi definida pelas três como “estressante”. Seja como for, foi possível entender que aquela experiência se configurou como a mais marcante para as jovens, tanto que pensavam em continuar realizando o evento no bairro - não o teriam produzido em 2020 por causa da pandemia. Curiosamente, os demais jovens entrevistados não mencionaram o This is Favela por não terem dele participado (alguns teriam sido apenas espectadores), dado que o evento não fez parte da programação oficial do Protejo em Jardim Carapina.

Enfim, foram apresentadas e analisadas as experiências de jovens no âmbito do Protejo, em Jardim Carapina (Serra-ES). O objetivo, na pesquisa, foi obter informações sobre como os jovens receberam o projeto e analisar os relatos a partir do que apontam em termos das percepções, representações e sentimentos baseados em experiências vividas. A seguir, serão tecidas algumas interpretações dos sentidos do projeto preventivo, a partir dos discursos e das práticas vivenciadas pelos jovens.

Concepções e práticas do projeto preventivo à luz dos discursos oficiais e das experiências dos jovens

Em primeiro lugar, em termos das concepções de juventude que permearam o Protejo, vê-se que a iniciativa entende o jovem como um problema social. Segundo documento do Ministério da Justiça:

O projeto tem como objetivo geral identificar, acolher e acompanhar jovens entre 15 e 24 anos, em situação de risco, vulnerabilidade social ou exposição a violências, como egressos do sistema prisional, cumpridores de medidas socioeducativas, em situação de rua, ou moradores de aglomerados urbanos com altas taxas de homicídios e crimes violentos, por meio de um percurso sócio formativo, com vistas à reconfiguração de suas trajetórias de vida. O Percurso Social Formativo inclui qualificação profissional inicial, informática e tecnologia, formação cidadã e sociojurídica, resolução não-violenta de conflitos, ampliação do letramento, educação ambiental e sustentabilidade, prevenção à drogadição, introdução ao mundo do trabalho, reflexões sobre violências, sexualidade, autoestima, além de atividades culturais e esportivas. A partir da participação no projeto, o jovem seria motivado a reconhecer-se como sujeito de direitos, sendo capaz de analisar e avaliar sua trajetória e perceber a realidade que o envolve, identificando possibilidades para desenvolver seu projeto de vida. O Protejo pretendia despertar nos indivíduos suas potencialidades, incentivando convivências solidárias e práticas cooperativas, aprimorando conhecimentos e habilidades, oportunizando o acesso a tecnologias e apresentando alternativas para seu crescimento social e pessoal. Além do mais, tencionava a participação político-social mais ativa e o protagonismo dos jovens em ações que buscassem sua emancipação e contribuíssem para a transformação do quadro social de vulnerabilidades e de criminalidade (MJ, 2013MJ. Anexo XI: Diretrizes Nacionais Projetos Mulheres da Paz e Proteção de Jovens em Território Vulnerável. Brasília: Ministério da Justiça (MJ), 2013., pp. 1-2).

Nota-se que os objetivos do projeto eram ambiciosos e que o jovem-alvo do projeto é concebido de modo problemático, pois é “vulnerável”, não inserido socialmente, desgarrado da família e de outras instituições sociais, desempregado, não participativo e encontra-se em situação de “risco”. Verifica-se a presença de teorias de “socialização contínua”, dominantes nos anos 1950 e 1960, com forte influência do funcionalismo, que compreendia os jovens como uma “fonte de problemas”: de inserção profissional, de falta de participação social, de drogas, de delinquência, de problemas com a escola e com os pais. No quadro das teorias funcionalistas da socialização, os conflitos ou descontinuidades intergeracionais são vistos, na maior parte dos casos, como “disfunções” nos processos de socialização que dizem respeito à juventude, tomada no sentido de fase de vida (PAIS, 1993PAIS, José Machado. Culturas juvenis. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1993.).

Na concepção de juventude como etapa problemática, o jovem aparece a partir dos problemas que ameaçam a ordem social ou do déficit nas manifestações de seu desenvolvimento. Emergem sobretudo questões relativas a comportamentos de risco e transgressão, o que gera políticas de caráter compensatório centradas naqueles setores que apresentam as características de “vulnerabilidade”, risco ou transgressão - em geral os grupos visados se encontram na juventude urbana popular. No Brasil, esse enfoque, que praticamente dominou as ações dos anos 1980 aos 1990, foi uma das principais matrizes pelas quais o tema da juventude voltou a ser problematizado pela opinião pública, tendo culminado na criação de ações por parte tanto do Estado como da sociedade civil. E ainda é predominante na fundamentação da necessidade de gerar ações dirigidas a jovens: quase todas as justificativas de políticas para jovens, quaisquer que sejam, enfatizam o quanto tal ação pode incidir na diminuição do envolvimento dos jovens com a violência (ABRAMO, 2005ABRAMO, Helena Wendel. O uso das noções de adolescência e juventude no contexto brasileiro. In: FREITAS, Maria Virgínia de (Coord.). Juventude e adolescência no Brasil: referências conceituais. São Paulo: Ação Educativa, 2005. p.19-39.).

Em segundo lugar, o projeto, identificado pelos participantes como “curso”, se aproxima da “forma escolar”. Conforme Lahire, Vincent e Thin (2001)LAHIRE, Bernard.; VINCENT, Guy; THIN, Daniel. Sobre a história e a teoria da forma escolar. Educação em Revista, Belo Horizonte, n. 3, p. 7-47, 2001., vem ocorrendo uma predominância da forma escolar nos processos de socialização das crianças e jovens: “nossa sociedade está escolarizada, incapaz de pensar a educação a não ser segundo o modelo escolar, até mesmo nos domínios alheios ao currículo consagrados das escolas de cultura geral ou de formação profissional” (LAHIRE, VINCENT e THIN, 2001LAHIRE, Bernard.; VINCENT, Guy; THIN, Daniel. Sobre a história e a teoria da forma escolar. Educação em Revista, Belo Horizonte, n. 3, p. 7-47, 2001., p. 39). A forma escolar se caracteriza por aspectos como a constituição de um universo separado para a infância e a juventude, uma forma própria de relação social entre um especialista, um professor e um aprendiz/aluno, a importância de regras na aprendizagem, a organização racional do tempo, a multiplicação e a repetição de exercícios, cujo objetivo finalista é aprender e aprender conforme as regras. A hegemonia da forma escolar a naturaliza como a única possível para estabelecer relações e informar a estruturação de atividades voltadas aos jovens, o que explica a lógica de muitos “projetos sociais” a eles destinados (DAYRELL, LEÃO e REIS, 2007DAYRELL, Juarez; LEÃO, Geraldo; REIS, Juliana. Juventude, pobreza e ações educativas no Brasil. In: SPOSITO, Marilia Pontes (Coord.). Espaços públicos e tempos juvenis: um estudo de ações do poder público em cidades de regiões metropolitanas brasileiras. São Paulo: Global, 2007. p. 47-82.).

No cotidiano do Protejo, assim como em muitos outros “projetos sociais” destinados às juventudes pobres no Brasil (DAYRELL, LEÃO e REIS, 2007DAYRELL, Juarez; LEÃO, Geraldo; REIS, Juliana. Juventude, pobreza e ações educativas no Brasil. In: SPOSITO, Marilia Pontes (Coord.). Espaços públicos e tempos juvenis: um estudo de ações do poder público em cidades de regiões metropolitanas brasileiras. São Paulo: Global, 2007. p. 47-82.), os jovens eram reunidos em um espaço próprio, separados dos outros espaços sociais do bairro, onde se relacionavam com outras pessoas da mesma idade e com professores de três a quatro horas por dia. As atividades assumiam a forma de debates e exposições de algum conteúdo, geralmente proposto pelos educadores, abordando conteúdos como sexualidade, violência contra mulher, meio ambiente, violência, prevenção ao uso de drogas, direito, teatro, dança, música, técnica de resolução não violenta de conflitos, segurança pública, informática, entre outros; todos incluídos no grande tema da cidadania. Segundo os jovens relataram, era comum a leitura silenciosa de textos, a exposição do conteúdo pelo educador às vezes seguida de discussões com os jovens. Comumente, acontecia a exibição de filmes e documentários sobre temas discutidos nas aulas.

Em relação ao Percurso Social Formativo do Protejo, convém pontuar a ênfase dada aos conteúdos ligados à cidadania. Para Sposito e Corrochano (2005SPOSITO, Marilia Pontes; CORROCHANO, Maria Carla. A face oculta dos programas de transferência de renda para jovens no Brasil. Tempo Social, São Paulo, v. 17, n. 2, p. 141-172, 2005., p.28), o destaque dado a essa dimensão, nos projetos sociais ou programas de transferência de renda para jovens no Brasil, faz emergir um conceito de cidadania muito mais ligado a uma ideia de atividade educativa intencional, marcada pelo civismo ou “pela incorporação de valores ligados à civilidade”, que seriam expressão de um “programa civilizador” não cumprido pela escola. Assim, trata-se mais de ensinar do que praticar as virtudes da cidadania, promovendo um deslocamento das práticas para a ação intencional e sistemática, veiculada acima de tudo pela “transmissão de alguns conteúdos”.

Vê-se, ademais, que, embora tenha sido expresso o conteúdo de “qualificação profissional”, não houve por parte do projeto um direcionamento para o aprendizado de qualquer profissão. Não foram identificadas propostas nítidas de encaminhamento dos jovens para o mercado formal de trabalho e tampouco para cursos técnicos ou de ensino superior. Assim, caberia uma reflexão sobre se esse tipo de projeto atenderia às necessidades mais concretas dos jovens do ponto de vista material. Como evidenciado, alguns participaram do Protejo no momento de conclusão do ensino médio, sem terem nenhum emprego no horizonte10 10 Segundo Frota et al. (2014), que avaliaram a execução do Protejo em duas cidades - Sobral, no Ceará, e Camaçari, na Bahia -, os jovens têm reclamado da inexistência, no Protejo, de cursos que ajudem na profissionalização e na conquista de emprego. Há um sentimento de que, após o projeto, eles precisam ter algo para não voltar para o mesmo tipo de vida anterior. Entretanto, o Percurso Social Formativo dedicava a maior parte da carga horária para a qualificação profissional; a questão, portanto, não seria a falta de planejamento, mas a execução do que foi planejado. .

Em terceiro lugar, as ideias de protagonismo juvenil e de possibilitar o exercício da autonomia estavam presentes nos objetivos do projeto. Contudo, verificam-se ambiguidades quando esses jovens são classificados como “vulneráveis”, apresentando muitos déficits que devem ser recuperados. Como disse uma das moças entrevistadas, em alguns momentos, “eles [os responsáveis pela coordenação do projeto] fingem” que os jovens não têm capacidade. Essa capacidade não é por vezes reconhecida, porque, provavelmente, a atenção não está nos direitos que lhe são negados, mas na socialização de jovens que precisariam passar por um processo educativo e civilizador.

Por fim, outro aspecto tem a ver com as interações estabelecidas entre os jovens, as amizades e a valorização do projeto como espaço de sociabilidade e convivência, dimensão extremamente importante para a conquista da autonomia dos sujeitos no que se refere à possibilidade de escolha das relações construídas, separadas da dinâmica familiar e do “mundo adulto”. Além disso, observa-se que as relações entre jovens e responsáveis pelo projeto merecem atenção, pois quando são percebidas negativamente levam os sujeitos a se afastarem das atividades. O ponto é óbvio, entretanto, parece haver muita preocupação com as palavras escritas nos textos de formulação das ações, mas, por vezes, pouca ou nenhuma com o processo de implementação dessas ações.

Em conclusão, nota-se que o Protejo, bem como os “cursos” de qualificação profissional e as “oficinas” educativas, culturais e esportivas, por exemplo, no âmbito de outras intervenções preventivas estudadas ao longo da pesquisa , podem ser entendidos como um sistema educativo paralelo que visa, em certo sentido, complementar ou suprir as deficiências do sistema de educação formal. Assim, é importante pontuar um aspecto presente na ampliação de programas direcionados aos jovens nas periferias, implementados tanto por ONGs como pelo poder público. Conforme Dayrell, Leão e Reis (2007)DAYRELL, Juarez; LEÃO, Geraldo; REIS, Juliana. Juventude, pobreza e ações educativas no Brasil. In: SPOSITO, Marilia Pontes (Coord.). Espaços públicos e tempos juvenis: um estudo de ações do poder público em cidades de regiões metropolitanas brasileiras. São Paulo: Global, 2007. p. 47-82., tal aspecto diz respeito à tendência de se criar dois sistemas educativos paralelos, o da escola e o dos “projetos sociais”, que não interagem nem dialogam entre si, com críticas mútuas que não contribuem para a superação da precariedade presente nos dois sistemas. Os autores sentenciam: “podemos afirmar que está se criando um sistema paralelo precário para combater a precariedade da escola” (DAYRELL, LEÃO e REIS, 2007DAYRELL, Juarez; LEÃO, Geraldo; REIS, Juliana. Juventude, pobreza e ações educativas no Brasil. In: SPOSITO, Marilia Pontes (Coord.). Espaços públicos e tempos juvenis: um estudo de ações do poder público em cidades de regiões metropolitanas brasileiras. São Paulo: Global, 2007. p. 47-82., p. 80, grifo nosso).

A distância entre os objetivos dos programas e as práticas foi compreendida pelos autores na avaliação de um projeto para jovens pobres na região metropolitana de Belo Horizonte em termos de uma “pedagogia da precariedade”. Compreende-se que semelhante expressão sintetiza o que foi o Protejo para os jovens participantes em Jardim Carapina em 2019, pois ela indica que, apesar da importância das ações dirigidas às juventudes, observam-se muitas dificuldades com respeito à estrutura física, aos investimentos na formação dos profissionais e às adequadas condições de trabalho, entre outras que foram aqui analisadas à luz dos relatos dos jovens. Sendo assim, é possível identificar uma contradição entre a realidade e o discurso dos direitos sociais e da cidadania.

Considerações finais

Diante das situações problemáticas relatadas pelos jovens, resumidas por eles como “bagunça”, não é razoável acreditar que o projeto tenha produzido efeitos em termos da prevenção ou redução da violência11 11 Aspectos problemáticos foram encontrados em outras experiências do Protejo. Segundo Frota et al. (2014, p. 167), em Camaçari, na Bahia, a gestão do Protejo foi bastante problemática, haja vista ter sido finalizada a formação sem cumprir a carga horária total e, mesmo assim, continuar pagando bolsa de estudo para os jovens. A experiência foi marcada por muitos conflitos da Prefeitura com o estado e terminou sendo protagonista de um grande desgaste do projeto entre os jovens - situação de desgaste semelhante ao que foi encontrada no projeto em Jardim Carapina. . Nesse sentido, em relação às políticas públicas para as juventudes pobres no país, compreendemos a distância entre os objetivos dos programas e as práticas nos termos de uma “pedagogia da precariedade”, fazendo com que os jovens acabem por ver reforçado o lugar social subalterno ao qual são destinados pelas políticas públicas (DAYRELL, LEÃO e REIS, 2007DAYRELL, Juarez; LEÃO, Geraldo; REIS, Juliana. Juventude, pobreza e ações educativas no Brasil. In: SPOSITO, Marilia Pontes (Coord.). Espaços públicos e tempos juvenis: um estudo de ações do poder público em cidades de regiões metropolitanas brasileiras. São Paulo: Global, 2007. p. 47-82., p. 77).

Apesar da importância das ações dirigidas às juventudes e de o projeto, em tese, tencionar promover fatores de proteção para a violência juvenil à luz da literatura especializada (LÖSEL e FARRINGTON, 2012LÖSEL, Friedrich.; FARRINGTON, David. Direct Protective and Buffering Protective Factors in the Development of Youth Violence. American Journal of Preventive Medicine, v. 43, n. 1, p. 8-23, 2012.; OMS, 2016OMS. Prevenindo a violência juvenil: um panorama das evidências. Texto publicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2015 sob o título ‘Preventing youth violence: an overview of the evidence’ e traduzido pelo Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universidade de São Paulo (USP). Organização Mundial da Saúde (OMS), 2016. Disponível em: https://nev.prp.usp.br/publicacao/prevenindo-a-violencia-juvenil-um-panorama-das-evidencias/
https://nev.prp.usp.br/publicacao/preven...
), notam-se dificuldades em relação à execução do que foi planejado, ao tratamento recebido pelos jovens, aos investimentos na formação dos profissionais e às adequadas condições de trabalho. Com efeito, essas condições interferem nos efeitos produzidos pelas ações. Desse modo, compreendeu-se que o programa analisado consistiu em um projeto “pobre para os pobres”, evidenciando uma contradição entre a realidade e a retórica da segurança cidadã e da consequente prevenção “social” da violência.

Não obstante as dificuldades e precariedades encontradas na implementação dos programas analisados no âmbito da pesquisa desenvolvida (OLIVEIRA, 2022OLIVEIRA, Daniela Cristina Neves de. Prevenção da violência juvenil nas periferias da Região Metropolitana da Grande Vitória: um estudo sobre as experiências de jovens em programas preventivos. Tese (Doutorado em Sociologia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2022.), foi possível compreender que certas ações especificamente implementadas a partir do Programa Ocupação Social, do governo do estado do ES, que lançaram mão de estratégias artísticas e culturais e fomentaram a participação juvenil nas comunidades, foram percebidas pelos jovens como positivas, considerando que mesmo após o encerramento dos projetos eles continuaram envolvidos em ações sociais e culturais em suas comunidades, em especial por meio do engajamento em coletivos juvenis e/ou em outros projetos sociais de iniciativas de associações e ONGs.

Em particular, as estratégias “culturais” problematizam o cotidiano nas periferias, tematizando questões como racismo, violência policial e desigualdade, por exemplo, e estimulando a reflexão e o senso crítico dos jovens. Isso promoveu, em alguns dos casos observados, uma espécie de questionamento da representação dos bairros como territórios de violência e pobreza, fazendo com que passassem a ser valorizados pelos jovens como espaços de cultura e arte. Ressalta-se, então, a necessidade de mais estudos que busquem analisar especialmente o papel de estratégias “culturais” e do engajamento juvenil em ações de prevenção da violência no Brasil.

  • 1
    A RMGV é composta por sete municípios: Cariacica, Fundão, Guarapari, Serra, Viana, Vila Velha e Vitória. Ela tem uma área de 2.331.003km2 e sua população é de 1.960.213 habitantes. Em 2010, tinha um grau de urbanização de 98% e abrigava 48% da população estadual. Em 2018, a RMGV concentrou 63% dos homicídios intencionais cometidos no estado, segundo dados da Secretaria Estadual de Segurança Pública e Defesa Social (Sesp).
  • 2
    A perspectiva etnossociológica constitui um tipo de pesquisa empírica apoiada na pesquisa de campo e nos estudos de caso que se inspira na tradição etnográfica, em particular em suas técnicas de observação, mas constrói seus objetos pela referência a problemáticas sociológicas. Um aspecto que diferencia a pesquisa etnossociológica da abordagem hipotético-dedutiva é o status das hipóteses. O objetivo de uma pesquisa etnossociológica é elaborar progressivamente um corpo de hipóteses plausíveis, um modelo baseado em observações, rico em descrições de “mecanismos sociais” e em proposições de interpretação, mais do que de explicações dos fenômenos observados. Assim, a função dos dados não é verificar hipóteses elaboradas anteriormente, mas ajudar na construção de um corpo de hipóteses (BERTAUX, 2010BERTAUX, Daniel. Narrativas de vida: a pesquisa e seus métodos. Natal: EDUFRN; São Paulo: Paulus, 2010.).
  • 3
    O projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos (CEP), em atenção à resolução no 466, de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), tendo obtido a aprovação do CEP.
  • 4
    O CAI é um equipamento público da Prefeitura da Serra que foi inaugurado em 2016, funcionando na mesma estrutura do Centro de Referência de Assistência Social (Cras). Ele oferece ações e serviços artísticos, culturais, esportivos e de qualificação profissional para jovens que moram em Jardim Carapina e Boa Vista. De acordo com a Prefeitura, esses projetos contribuem para a “redução da violência”.
  • 5
    Amostra não probabilística, que utiliza cadeias de referência.
  • 6
    O projeto Mulheres da Paz também foi uma ação que integrou o Pronasci, tendo como principal finalidade promover a aproximação das mulheres com os jovens de sua comunidade. Por esse motivo, deveria ser integrado ao Protejo. O trabalho das mulheres participantes consistia em identificar, orientar e encaminhar os jovens aos projetos sociais, especialmente o Protejo. Elas recebiam cursos sobre mediação de conflitos, técnicas de abordagem, cidadania, prevenção ao uso de drogas, adolescência e inclusão digital. Por participar do programa, ganhavam uma ajuda de custo mensal de R$190,00.
  • 7
    O conceito de relato ou narrativa de vida foi introduzido na França por Daniel Bertaux (2010)BERTAUX, Daniel. Narrativas de vida: a pesquisa e seus métodos. Natal: EDUFRN; São Paulo: Paulus, 2010. em meados da década de 1970, com o objetivo de propor uma concepção metodológica alternativa à história de vida. Constitui um tipo de entrevista narrativa em que o pesquisador solicita ao entrevistado que relate a totalidade ou uma parte de sua experiência vivida. É diferente da história de vida, pois se ocupa apenas de um ou mais fragmentos da experiência vivida. O relato de vida parte do entendimento de que qualquer produção discursiva do sujeito, desde que seja uma narrativa, pode ser analisada sociologicamente.
  • 8
    Frota et al. (2014, p. 161) afirmam, em relação ao perfil dos indivíduos participantes dos projetos Protejo que avaliaram em cidades do Nordeste, que “os jovens escolhidos para o Protejo, contudo, nem sempre tiveram um perfil estabelecido no projeto, haja vista que, em decorrência de dificuldades de complementação das vagas com a característica de vulnerabilidade estabelecida, houve maior liberação deles”.
  • 9
    Os nomes dos responsáveis e de membros da equipe do projeto foram omitidos para a preservação de sua identidade.
  • 10
    Segundo Frota et al. (2014FROTA, Francisco; FROTA, Maria Helena; SILVA, Maria Andrea; ROCHA, Jose Arima; BERTINI, Lúcia Maria. Protejo e Mulheres da Paz: experiência de ação preventiva na Segurança Pública. In: Cristiane do Socorro Loureiro Lima et al. (Org.). Avaliações, diagnósticos e análises de ações, programas e projetos em segurança pública. Brasilia: Senasp, v. 4, 2014. p. 151-184.), que avaliaram a execução do Protejo em duas cidades - Sobral, no Ceará, e Camaçari, na Bahia -, os jovens têm reclamado da inexistência, no Protejo, de cursos que ajudem na profissionalização e na conquista de emprego. Há um sentimento de que, após o projeto, eles precisam ter algo para não voltar para o mesmo tipo de vida anterior. Entretanto, o Percurso Social Formativo dedicava a maior parte da carga horária para a qualificação profissional; a questão, portanto, não seria a falta de planejamento, mas a execução do que foi planejado.
  • 11
    Aspectos problemáticos foram encontrados em outras experiências do Protejo. Segundo Frota et al. (2014FROTA, Francisco; FROTA, Maria Helena; SILVA, Maria Andrea; ROCHA, Jose Arima; BERTINI, Lúcia Maria. Protejo e Mulheres da Paz: experiência de ação preventiva na Segurança Pública. In: Cristiane do Socorro Loureiro Lima et al. (Org.). Avaliações, diagnósticos e análises de ações, programas e projetos em segurança pública. Brasilia: Senasp, v. 4, 2014. p. 151-184., p. 167), em Camaçari, na Bahia, a gestão do Protejo foi bastante problemática, haja vista ter sido finalizada a formação sem cumprir a carga horária total e, mesmo assim, continuar pagando bolsa de estudo para os jovens. A experiência foi marcada por muitos conflitos da Prefeitura com o estado e terminou sendo protagonista de um grande desgaste do projeto entre os jovens - situação de desgaste semelhante ao que foi encontrada no projeto em Jardim Carapina.

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Editado por

Editor responsável: Michel Misse

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    18 Maio 2022
  • Aceito
    16 Dez 2022
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