Resumo
A partir da consideração de que hoje em dia são muitas as solicitações do que os estudantes devem aprender no ensino de História na escola para dar conta das problemáticas contemporâneas, este artigo procura questionar quais foram as preocupações de outras épocas no ensino de História, fazendo o recorte de determinados temas, como a história dos povos indígena e afro-brasileiros. A intenção é apresentar, a partir de fontes disponíveis, sem esgotá-las, como a legislação e os livros didáticos, quais conteúdos estavam sendo ensinados, quais mudanças e permanência ocorreram em longa temporalidade, sem a pretensão de explorar, nesse momento, os contextos dos fundamentos de tais escolhas.
Palavras-chave: Ensino de História; Livro didático; História indígena; História afro-brasileira
Abstract
Based on the consideration that there are many requests today for what students should learn in the teaching of History at school to deal with contemporary problems, this article seeks to question what were the concerns of other ages with regard to the teaching of History, including topics such as the history of indigenous peoples and Afro-Brazilians. The intention is to present, from available sources, without exhausting them, such as legislation and textbooks, what contents were taught, what changed and remained the same over time, without the pretension of exploring, at this moment, the contexts of the bases for such choices.
Keywords: History teaching; Textbook; Indigenous history; Afro-Brazilian history
Os conteúdos tratados no ensino de História interferem nos valores e crenças dos estudantes diante das questões do mundo atual. Por conta da Lei 11.645/08, por exemplo, que estabelece a obrigatoriedade do ensino da história indígena na escola, em uma situação diagnóstica em uma escola pública em São Paulo, para identificar o que os alunos já sabiam a respeito dos indígenas, foi colhido o seguinte texto:
Havia uma índia. Nasceu e cresceu na aldeia. Nunca teve estudo e nem mesmo sabia falar o português. Passava fome por este fato (por não saber falar a língua). Por esse motivo, vivia triste e solitária.
Um dia, um grupo de voluntários chegou na aldeia e resolveu ajudar essa índia triste e solitária.
Dando roupas, materiais e fazendo a matrícula dela. Colocaram ela na escola e deram um lar para ela.
Quando adotada, a menina virou uma artesã bem conhecida e famosa. Agradecendo e sempre mantendo contato com seus amigos voluntários. (1º ano - Ensino Médio - EJA)
A aluna que escreveu o texto expressa algumas ideias difundidas socialmente para as populações indígenas. Segundo ela, por não terem elementos da cultura não índia, as populações indígenas são pobres, solitárias, passam fome e precisam de ajudas caridosas para sobreviverem. E, para serem felizes, elas precisam dos elementos da cultura não índia, como frequentar a escola e conseguir um trabalho remunerado.
Também em escola pública, com a intenção de intervir nessas e outras representações sociais dos alunos a respeito das populações indígenas, a partir do desenvolvimento de uma atividade de leitura de documentos históricos que problematizavam situações que foram impostas oficialmente a essas populações, junto com documentos escritos por indígenas questionando essas políticas, foi colhido o seguinte texto síntese escrito pelos estudantes:
Antes eles sofreram violência e estão reivindicando território, direitos de sobreviver a margem do rio, para ter vida digna, sem violência e justa, para eles não serem expulsos de onde eles moram porque eles perderam as esperanças…
Estão denunciando os direitos de sobrevivência para o governo e justiça federal… De sobreviver dignamente e sem violência no seu território antigo. (8º ano - Ensino Fundamental)
Nesse último exemplo, as situações escolares de estudos da história indígena incluíram as lutas dessas populações e como elas têm interpretado as situações históricas por elas vividas, favorecendo aos estudantes aproximações com as realidades complexas de interação e conflitos entre os colonizadores, indígenas e políticas estatais instituídas ao longo da história brasileira, e como essas realidades foram vivenciadas e respondidas pelos diferentes sujeitos históricos envolvidos. A seleção de conteúdos e as intervenções didáticas podem, assim, fazer diferença na formação dos estudantes.
A proposta desse texto, partindo desses exemplos, é identificar os conteúdos de História ensinados na escola, que de algum modo, por sua oficialidade, interferem nas interpretações que os alunos projetam para as vivências sociais. Ou seja, a intenção é analisar os conteúdos de ensino de História, entendidos como seleções, proposições e saberes legitimados, no interior da cultura, para serem ensinados nas escolas (Forquin, 1992, p.31). A finalidade é, então, dependendo da época, e disponibilidade de fontes documentais, identificar historicamente os conteúdos propostos na legislação, em livros didáticos, em programas escolares e/ ou em currículos institucionalizados.
A premissa é que os conteúdos formais, organizados para o ensino, são parcialmente inclusos naquilo que o professor seleciona para ensinar em aula, e representam apenas uma potencialidade daquilo que os alunos aprendem. A aprendizagem escolar é muito mais ampla do que está estabelecido em lei, nos programas ou nos manuais. Mas o que é posto como conteúdo formal revela aproximações com o que pode ser apreendido no ambiente escolar.
A preocupação com a história dos conteúdos decorre da constatação de que, nas últimas décadas, há embates de diferentes proposições do que deve ser ensinado na escola, chamando a atenção para quais têm sido, em outras épocas, as seleções legitimadas para o ensino de História.
A análise aqui empreendida considera preliminarmente que a seleção dos conteúdos escolares de história expressa uma parcela importante do saber escolar, e, nesse sentido, também é influenciada por diálogos estabelecidos com as tradições e memórias da escola, com reflexões historiográficas (novos temas, conceitos, pesquisas, documentação…), com exigências da sociedade de cada época (que delineiam suas finalidades políticas, sociais e educativas), como também com proposições dos estudos e reflexões educacionais. Assim, constantemente, há demandas para mudanças e/ou permanências.
Por conta desses inúmeros fatores que moldam os saberes escolares (Chervel, 1990, p.181), a seleção de conteúdos de História tem sido variável. Em parte, eles permanecem por conta de memórias consolidadas ou resignificadas nas tradições de ensino; sofrem influência de debates intelectuais e políticos e de projetos educacionais apresentados e/ou reformados por diferentes regimes; são reforçados em materiais escolares e em seus vínculos com avaliações institucionais e particularidades do mercado editorial; são reorganizados pelos sistemas oficiais de avaliação da aprendizagem; são ampliados ou reduzidos por demandas de movimentos sociais; e incorporam diferentes fundamentos históricos, didáticos e pedagógicos.
Há, nesse texto, a premissa de que os conteúdos escolares do ensino de História são conhecimentos que incluem a seleção de fatos, sujeitos, tempos e conceitos históricos, e seus entrelaçamentos em narrativas e/ou dissertações, para serem estudados na escola. Mas esse delineamento tem sido ampliado, em diferentes épocas, para inclusão de outras exigências ou finalidades educativas, que vão além do conhecimento específico.1
Exemplo disso, na década de 1990, foram propostos os denominados conteúdos “procedimentais” e “atitudinais” (Zaballa, 1996, p.161), presentes em currículos das diferentes disciplinas. Também naquele contexto, para dar conta de questões interdisciplinares para entendimento da realidade contemporânea, foram propostos “temas transversais”, a serem estudados por toda a escola, como cidadania, meio ambiente e pluralidade cultural. Outras vezes, as proposições de conteúdos fogem do modelo descritivo ou de enumeração, para serem substituídos por orientações pedagógicas de avaliação das aprendizagens finais dos estudantes, através do que se denomina de “habilidades” e “competências” (Perrenauld, 2000, p.15). Diante dessa diversidade de encaminhamentos do que ensinar, a ideia é aqui contribuir para refletir a respeito de alguns conteúdos que têm sido apresentados para o ensino de História, por meio de alguns recortes temáticos e temporais, com foco na história dos povos indígenas e afro-brasileiros.
Ensino de História do Brasil
Proposições do que ensinar de história na escola foram sendo moldadas ao longo dos séculos, e podem ser identificadas na legislação, nos materiais e nos programas escolares. Uma constatação frequente, por exemplo, desde os mais antigos livros de ensino de História do Brasil, até os elaborados ao longo dos séculos XX e XXI, é a predominância de uma narrativa que inicia na Europa - “Saindo do Tejo…” (Benevides, 1910, p.13) - e apresenta as façanhas heroicas de quem vinha de fora, impondo uma exploração e conquista sobre a terra e os povos que aqui viviam. Mas, claro que existiram exceções. E a proposta aqui é identificar que histórias eram essas contadas às gerações de alunos brasileiros.
Um dos mais antigos livros didáticos, estudados por Arlette Gasparello (2004, p.77), como o Compêndio de História do Brasil do General J. L. de Abreu e Lima (1943, p.1), adotado como manual para o ensino secundário, no Colégio Pedro II, de 1850 até 1862, os conteúdos pautavam a história da “nação”, que nas palavras do autor “apenas conta com vinte anos de existência”, mas que retrocedia aos acontecimentos europeus de mais de quatro séculos.
Com essa orientação, os fatos históricos do livro de Abreu e Lima iniciavam com as grandes navegações portuguesas, com descrições episódicas, detalhes dos principais eventos políticos, ações desencadeadas pelos governantes e navegantes, enfatizando o vinculo do acontecimento com a monarquia lusa e as benções da igreja católica. Esse “nascimento” da nação era associado ao território, descrito em sua extensão e riquezas naturais: floretas, rios, portos, cabos, serras, animais, vegetais e minerais. E só adiante, os povos daqui eram apresentados como sujeitos coadjuvantes dos acontecimentos, caracterizados física e culturalmente, com descrições gerais de seus costumes, divididos em tupis e tapuias. Mas quando ao longo do livro focava os contextos das ações administrativas do domínio luso no território, o autor posiciona-se mais criticamente: os indígenas assumiam outro papel - o de resistência à ocupação.
Os senhores portuguezes, que ambicionavam estes meios de grandeza e de fortuna, não viram ao princípio em seus vastos domínios senão terras, de que uma cultura pouco dispendiosa provava fertilidade, e nações estupidas, que poderiam subjugar sem perigos, e sujeitar sem esforços.
Elles se enganavam no que respeita a este ultimo ponto: a resistência contumaz da maior parte as tribos selvagens, os combates sanguinolentos que foi preciso sustentar contra elles, seu ódio implacável, sua vingança feroz, destruíram por muitas vezes as mais belas esperanças. (Lima, 1843, p.44)
Os esforços de colonização eram detalhadamente descritos, região por região, capitania por capitania, e os personagens portugueses eram nomeados. Em algumas passagens, o autor expunha negativamente as ações dos indígenas e também dos administradores lusos. No segundo caso, por exemplo, denunciou as perseguições feitas no século XVII, no Grão-Pará e Maranhão, pelo militar Bento Maciel Parente.
[...] o Grão Pará estava mais exposto às crueldades de Maciel do que aos desígnios hostis dos Hollandezes. Este chefe indômito e feroz não se cansava de fazer aos Indios guerra de extermínio: perseguia com igual barbaridade aos aliados como os inimigos, os Indios pacíficos como os revoltosos.
Debaixo do pretexto de novo projeto de sublevação, prendeu vinte e quatro chefes Tupinambás, e no mesmo dia e hora mandou-os cortar em pedaços pelo Tapuyas, seus implacáveis adversários, servindo-se assim do ódio, que entre si nutriam os Brasileiros,2 para subjugar e destruir. (ibidem, p.119-20)3
Diante das guerras da colonização, Abreu e Lima não subestimou os indígenas, nem os africanos. Sobre a história de Palmares, escreveu:
Inimigos, quasi tão formidaveis como os selvagens Janduís, se tinham estabelecido desde 1630 no interior da Provincia de Pernambuco. Eram negros escravos d’esta provincia, e de outras visinhas, que aproveitando o ensejo favoravel da guerra com os Hollandezes, resolveram recobrar a sua liberdade e independencia no meio dos bosques. Quarenta foram os primeiros, que se refugiaram armados em um grande bosque de palmeiras, donde lhes veiu o nome de Palmares, ou Republica dos Palmares. A estes primeiros desertores reuniram-se outros muitos, de sorte que em poucos annos o seu numero chegou a trinta mil. Em suas excursões causavam estes negros grandes estragos, levando a devastação e a morte a todos os estabelecimentos dos colonos, a que podiam alcançar. Taes foram a origem e progressos d’esta horda negra, que, tornando-se poderosa, pôde resistir aos Hollandezes victoriosos, e aos Portuguezes por mais de meio seculo, até que, livre inteiramente o Brasil, os poderam attacar com forças respeitaveis. (ibidem, p.133-5)4
Era uma história de guerras. Com ênfase em uma história heroica, às guerras indígenas seguiram-se as guerras contra os franceses, depois holandeses, a luta dos escravos por liberdade em Palmares, o domínio espanhol, a descoberta de ouro e diamantes, a “revolução” em Minas, a chegada da família real ao Brasil, a Guerra da Cisplatina, a revolução Pernambucana, a Revolução do Porto, o governo de D. Pedro I, as Regências e a coroação de D. Pedro II. A História do Brasil ficava assim dividida em oito períodos históricos, estruturada basicamente pelas guerras e mudanças políticas e administrativas da nação.
As particularidades dos episódios, a identificação dos feitos e seus autores, as especificações em notas de rodapé tinham aparentemente como finalidade reunir os dados e contar a história da nação, sem preocupação mais evidente com uma leitura mais didática dirigida aos jovens estudantes. Todavia, o título com a designação de “compêndio” já anunciava seu vínculo com o ensino; no seu prefácio, o autor noticiava que a obra era para “uso da mocidade brasileira” (ibidem, p.viii); e ainda, talvez como recurso didático, estavam presentes ilustrações - retratos de personagens históricos. Segundo o autor, não havia a intenção de escrever uma obra inédita, e declarava:
[...] portanto a minha obra não é uma composição inteiramente original, mas uma compilação de vários autores, que julguei mais habilitados, pondo todo o meu esmero em reunir de todos eles o maior número de factos, que me foi possível, organizando-os depois em série por meio de uma muita exacta dedução cronológica. (ibidem, p.viii)
Como analisa Arlette Gasparello, o livro de Abreu e Lima, apesar de orientado para estudos escolares, foi uma das primeiras obras de síntese da História do Brasil. E, como tal, foi apresentada ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). Contudo, foi rejeitada pelo parecer redigido por Francisco Adolfo Varnhagen. Segundo a autora, como “militar, patriota altivo e orgulhoso de seus feitos, testemunha e ativo participante nas lutas partidárias da regência, [Abreu e Lima] não usou meias palavras na apreciação de atitudes e posições assumidas por pessoas ligadas ao poder e ainda vivas, além de avaliar negativamente os colonos paulistas”. E, assim, “não se ajustava ao projeto da nação que precisava ser construído” (Gasparello, 2004, p.97).
A versão histórica do livro de Abreu e Lima, mesmo rejeitada pelo IHGB, foi difundida no material didático adotado no Colégio Pedro II durante alguns anos, e foi referência para outros autores posteriores que também escreveram manuais. Assim, sua versão da história brasileira influenciou, de algum modo, a imaginação de algumas gerações.
A versão oficial do IHGB da história para ser ensinada nas escolas foi elaborada por outro autor de livro didático, do século XIX, Joaquim Manoel de Macedo (1861), que foi professor do Colégio Pedro II, e que escreveu Lições de História do Brasil - Compêndio para os alunos do 4º ano, após doze anos de experiência como docente na instituição. Essa obra tinha como fonte histórica básica o livro História Geral do Brasil de Francisco Varnhagen. Mais tarde, em 1863, ela teve continuidade, agora destinada ao 7º ano, com os capítulos seguintes da história do Brasil, chegando à coroação de D. Pedro I; e quadros cronológicos pontuando datas e eventos de 1823 até 1898. Esse livro foi aprovado para uso da instrução primária e teve onze edições (Gasparello, 2004, p.77).
No livro Lições de História do Brasil, na edição de 1861, Macedo iniciava com um capítulo sobre as navegações, que tinha dezesseis páginas. Nele narrava uma história com detalhe das conquistas, com glorificação dos reis e dos navegadores do século XV, “infante mais vivo e impetuoso… grandiosos projectos…. bella memoria se prendem a todos os brilhantes feitos dos navegantes porturguezes… intelligencia esclarecida e da animação calorosa… realização de outra verdadeiramente admiraveis e estrondosas… herança gloriosa…”. Em uma edição posterior, de 1898, o mesmo texto passou a ser mais sintético - com quatro páginas, sem grandes detalhamentos, mas com mais exaltação das realizações portuguesas: “maravilhou o mundo… admiráveis descobertas… grandeza dos feitos… dotado de inteligência e vontade… hábeis pilotos… poder de sua vontade… inspiração de seu gênio… empenho patriótico… cheio de esperança… o século décimo sexto ia começar com um esplendor inesperado e ainda mais precioso e magnifico…”. Assim, era ensinada na escola, por meio de seu livro, a exaltação dos colonizadores, entendidos como aqueles que foram construtores e fundadores da nação.
Nos capítulos seguintes do mesmo livro, o texto de Macedo valorizava as cerimônias com estandarte de partida da expedição de Cabral, a data especial do avistamento da terra na época da Páscoa, a missa em terra no domingo seguinte (Pascoela) e a missa oficial com “cruz feita de um grande madeiro foi levantada no continente com as armas d’el-rei de Portugal”, sendo assistida por “muitos selvagens que procurarão imitar os Portuguezes em todos os signaes de externo culto”. Macedo valorizava o vínculo da presença lusa à Igreja Católica - “Pedr’Alvares Cabral acabava pois de plantar a cruz sagrada, divino signal do Crhistianismo, e de assentar o padrão das armas portuguezas na terra que elle chamou de Vera Cruz” (Macedo, 1861, p.28 e 29). Essa sequência de acontecimentos, como marcos do início da história do Brasil, passou a ser também recorrente nos manuais posteriores do século XIX e XX.
Depois das aventuras dos navegantes, Macedo reforçava a posse sobre a terra e exaltava suas riquezas naturais - “aspecto magestoso e imponente de suas florestas e de suas montanhas, e pelos rios caudaes”… “No seo solo correm os maiores rios do mundo, levantão-se altas e admiraveis serras, dilatão-se extensos e fertilíssimos valles, e campos desmedidos e fecundos”. Mas, contrapunha a exuberância da natureza à desvalorização da população indígena (Macedo, 1861, p.56).
No meio porém de toda esta brilhante e opulenta natureza, de toda estas proporções gigantescas, que tanto excitarão a ambição europeia, cumpre reconhecer que aos olhos dos descobridores e conquistadores do Brazil o que e apresentou menos digno de admiração, mais pequeno, mais mesquinho foi o homem que habitava, e assenhoreava esta vasta região. (ibidem, 1861, p.58)
No texto de Macedo, os povos indígenas não conquistavam a posição de sujeitos históricos. Eram constantemente denominados como “selvagens”, e descritos como fazendo uso de objetos rudes e atrasados. E descrito com distanciamento e estranhamento, caracterizados genericamente em alguns aspectos físicos e culturais.
Todos estes uzos e costumes denuncião um povo na sua infancia, homens rudes e selvagens, alheios á civilização; mas de nenhum modo apenas um gráo acima do bruto, e incapazes de alguns nobres e generosos sentimentos. (ibidem, p.65)
Depois de longa exposição depreciativa da população indígena, sem explicitar que tinham direito originário ao território e sem detalhar como legitimas as resistências que fizeram à colonização,5 os capítulos tratavam da construção patriótica do que seria no futuro o Brasil: capitães donatários, seus direitos e suas ações administrativas; o primeiro governo geral e “seos esforços para extirpar a desmoralisação que maculava todas a capitanias” (ibidem, p.116); o esforço dos padres jesuítas; o segundo governo geral; a invasão dos franceses; o terceiro governador geral e a derrota sobre os franceses e os “selvagens”; e o domínio espanhol.
No tomo 2, anexado como continuidade dos capítulos nas edições posteriores das Lições de História do Brasil, como a de 1898,6 Macedo retomava a colonização do século XVI, a partir de 1581, com o domínio espanhol, combate aos indígenas - “Mas a desunião do gentio veio logo entregar outra vez e para sempre a palma da victoria à civilização” (ibidem, p.116) -, e o confronto com os franceses, ingleses e holandeses. A principal preocupação do texto era enfatizar as ações colonizadoras empreendidas pelos governadores-gerais e demais administradores portugueses.
Quanto à presença africana no Brasil, o autor destacou o herói negro Henrique Dias no contexto da guerra contra os holandeses, e dedicou um capítulo ao quilombo dos Palmares. E ao longo da subsequente história brasileira, até a coroação de D. Pedro I, a população africana foi mencionada apenas na Revolta de Beckman no Maranhão. E, no índice cronológico, fez destaque para o negro Cosme, líder da Balaiada; e para a legislação referente ao processo de fim da escravidão.
Como é possível constatar em outros manuais didáticos posteriores, a versão da história brasileira de Macedo, de citar apenas pontualmente a presença dos africanos e afro-brasileiros em contextos heroicos e de revoltas, foi recorrente, ao menos até a década de 1940.
Ainda no século XIX, foi publicada a obra Lições da História do Brasil adaptadas à leitura das escolas, de Antonio Alvares Pereira Coruja (1877),7 que foi professor no Rio de Janeiro e membro do IHGB. Diferente das obras anteriormente descritas aqui, a lição número um tinha como título “O Brasil antes do descobrimento”.8 Assim, a história começava com as populações que habitavam o território entre o Rio Amazonas e a bacia do Prata, denominadas como “gentios guerreiros”, a “grande raça dos indígenas” e a “grande raça dos Tupis”. Fazia exceção para os Aimorés, considerados descendentes dos “Tapuias”, designados como bárbaros, que comiam carne humana, selvagens, irracionais, que não sabiam construir cabanas ou tabas.
A grande raça dos indígenas que dominava o paíz na época da conquista, comprehendia varias tribus dístinctas com nomes particulares, que formavão como outras tantas nações separadas, fallando em geral uma linguaguem mais ou menos semelhante. Encontravao-se na maior parte dellas quasi os mesmos usos e costumes, manifestando todas uma propensão para a vida errante e o desejo de perfeita independencia; pelo que não só se achavão sempre dispostos a repelir as invasões dos vizinhos, como a oppor resistencia à conquista dos descobridores europeus. (Coruja, 1877, p.8)
Antonio Coruja (1877, p.8) dava um tratamento mais respeitoso à denominação dos povos e à descrição dos seus costumes:
No estado de pura natureza não tinhão idéa de um Deus creador; mas os seus Pagés lhes ensinavão a existencia de um principio bom e outro malfazejo. Deus ou Tupá se lhes_manifestava pelo estrondo do trovão, e tinhao medo do Anhanga ou Jurupari, que assim denominavão o espirito maligno, ou diabo.
Ao longo do livro, Antonio Coruja assinalava os embates entre portugueses e indígenas, mas em alguns contextos posicionava-se contra as crueldades dos colonizadores e a escravização. E, em diferentes passagens, pontuava as legislações que estabeleciam ou aboliam o estado de escravidão imposto pelos governantes,9 indo além do que os autores citados anteriormente descreviam. Sua versão da história pode, assim, também ter contribuído para disseminar, entre seus alunos e leitores, outras interpretações aos embates estabelecidos no período da colonização.
Não podendo porém sujeitar o chefe Jurupari, teve que abandonar a sua empresa retirando-se para Jaguaribe, onde cativando e vendendo os indios prisioneiros, e usando de barbaridades com os próprios que o ajudarão, foi por elles abandonado. Iguaes perfídias forão exercidas contra os Pitaguares mandados de Pernambuco a defender a capitania da Bahia, ameaçada então pelos Aimorés.
Estes e outros actos de deshumanidade praticados pelos colonos do Brasil para com os indigenas, e que em parte já tinhão sido prevenidos por leis protectoras não só d’El-Rei D. Sebastião em 1570, como de Filippe I em 1587 e 1595 de novo obrigarão a Corte de Hespanha a revogar as leis tendentes à escravidão dos índios, promulgando outras a favor de sua liberdade. Mas estas leis enfraquecídas pela distancia e pela odiosidade do poder donde emanavão, erão quasi sempre neutralisadas em sua execução. (ibidem, p.52)
Os livros do final do século XIX e início do XX, no tratamento dado aos indígenas, eram semelhantes ao apresentarem o capítulo sobre populações da terra depois dos capítulos da chegada dos europeus e seus procedimentos iniciais de administração colonial. Mas, variavam no modo de caracterizar quem eram esses habitantes. Alguns recorriam aos estudos de Karl Friedrich Von Martius,10 classificando-os pela língua falada e descrevendo alguns de seus costumes. Outros recorriam à classificação adotada por Carlos Von Steiner, e outros ainda aos documentos de viajantes, apresentando a diversidade de povos e muitos detalhes de seus hábitos. Outros ainda descreviam costumes gerais para todos os povos, como sendo eles pertencentes a um único grupo étnico. E a maioria permaneceu qualificando-os como selvagens e inferiores aos europeus.
No final do século XIX, contudo, começaram a aparecer novas versões. Passou a predominar nos manuais didáticos uma história narrada a partir dos processos civilizatórios, que influenciavam as interpretações dadas à história brasileira. Na perspectiva dessa história da civilização, os povos eram classificados por seus domínios técnicos, que lhes conferiam um lugar na escalada evolutiva. Nesse panorama, permaneciam valores atribuídos aos indígenas como “selvagens” e sua caracterização pela perspectiva da “raça”. José de Sá Benevides, no seu livro Resumo de História do Brasil, de 1911, explicava aos seus alunos leitores:
Relativamente ao período de civilização em que se achavam, na época da chegada dos portugueses, pode-se afirmar que era o da pedra polida, pois [os indígenas] faziam uso do fogo, e conheciam a arte cerâmica. Entretanto, ignoravam completamente os processos de fusão dos metaes. As armas, os instrumentos e utensílios de que se serviam, são todos outros tantos testemunhos em favor do período da pedra polida. (Benevides, 1911, p.12)
No livro História do Brasil (Edição das escolas primárias), de João Ribeiro, datado de 1917, o terceiro capítulo recebia o título “Índios selvagens”, e o autor descrevia-os como tendo “ínfima civilização”.
A terra então descoberta era habitada por uma gente da mais infima civilização; vivia da caça e pesca, não conhecia outras armas de industria ou de guerra senão o arco e a clava e andava em completa nudez. Entregues á natureza, não conheciam Deus nem lei, pois não era conhecel-os possuir o terror da superstição e o dos mais fortes. (Ribeiro, 1917, p.13)
João Ribeiro, todavia, analisando o contato entre portugueses e indígenas, atribuía responsabilidades aos dois povos pelos conflitos desencadeados no processo de colonização. Escreveu:
Portuguezes e indios praticavam-se mutuamente crueldades, porque não se entendiam e nem se podiam entender, attentos os differentes gráos de civilização. O índio tinha o sentimento da propriedade collectiva (da tribu), mas não o tinha da « propriedade privada»; os indios não julgavam fazer mal roubando; e assim muitos crimes que o eram para os christãos, pal’a elles nada significavam. Por outra parte, qualquer ultrage feito a um índio por um só portuguez, d’elle eram considerados responsaveis todos os portuguezes onde os encontravam, o que fazia parecer má fé, traição ou ferocidade gratuita da parte dos selvagens. Os civilizados entretanto ainda hoje, na guerra, responsabilizam povos inteiros pelos erros ou crimes de poucos indivíduos. (Ribeiro, 1917, p.15 e 16)
Os primeiros manuais de história do Brasil eram extensos. Mas, no início de século XX, grande parte deles foi sendo reduzida. Em 1910, José de Sá Benevides, professor da Escola Normal de São Paulo, publicou um livro que resumia os acontecimentos, mas se estendia em questões controversas: Franceses ou espanhóis foram os verdadeiros descobridores do Brasil? A descoberta do Brasil foi obra do mero acaso? Quando, como e de onde vieram tais habitantes da América? Se não fosse o catolicismo o Brasil seria o grande bloco de continente? Se não fosse o catolicismo teria sido possível fundir uma nacionalidade homogênea - o índio, o português e o africano? Duvidas de que a raça branca, e os seus cruzamentos, adquiriram nessas atrozes correrias, nesses costumes de rapina humana, instintos que fariam do brasileiro o igual do caçador de escravos sudanês? (Benevides, 1910, p.6, 10, 56 e 57).
Diante das incertezas, Benevides optou por se basear nos estudos de Martius, que poderiam ser temporariamente aceitos, para apresentar a população indígena, como classificada em oito línguas ou povos: “Tupys, os Gês ou Krans, os Goytacazes, os Crens ou Guerens, os Grucks ou Côcos, os Parexis ou Parecis, os Guaycurús ou Lengoas e os Aruaks” (Benevides, 1910, p.22). E integrada história indígena estava a história dos jesuítas. Sua presença no Brasil permaneceu ao longo dos dois séculos valorizada nos manuais didáticos. Benevides, como outros autores, defendia os jesuítas como tendo sido fundamentais para consolidar principalmente a moral entre a população do Brasil e civiliza-la. Escreveu em seu livro:
Mas, com a expulsão dos Jesuítas, a civilização recuou centenas de léguas dos centros do Brasil. As povoações do Paraná e do Rio Grande caíram em ruinas; os índios volveram a vida selvagem; as aldeias do Amazonas despovoaram-se, e, até hoje, reinam a solidão e o deserto, onde havia já a sociabilidade humana. (ibidem, p.95)
João Ribeiro também avaliava a ação jesuítica em seu manual como de valiosa importância, reforçando no imaginário histórico brasileiro a aliança entre o Estado e a Igreja Católica, mesmo depois da consolidação da República laica no Brasil.
A acção dos padres jesuitas, que logo no primeiro seculo diligenciaram civilizar os indios, não os tornou mais christãos do que o podiam ser; mas conservou-os agremiados, sem exigir maior trabalho que o que podiam dar e sobre tudo cm muitos casos poupou-lhes a degradação, os horrores da crueldade, das doenças e da morte ao contacto dos conquistadores, a cujo captiveiro preferiam muitas vezes o suicídio. (Ribeiro, 1917, p.15 e 16)
João Ribeiro, em sua obra História do Brasil para o Ensino Superior, na quinta edição de 1914, tratou de modo diferenciado a questão da escravidão indígena e africana. Em seu texto claro e direto, sem se perder na enumeração de acontecimentos, tratou da questão indígena em um item denominado “escravidão vermelha”, denunciando e se posicionando diante das situações de violência do conquistador português, que criava artifícios para burlar a legislação e lucrar com a escravidão. Avaliando os confrontos entre índios e colonos, ele acreditava, porém, na boa vontade dos jesuítas, que conquistaram a função de aldear, tutelar, cristianizar e alocar os índios como mão de obra. Lamentou, assim, em seu texto, a decisão de Pombal de expulsá-los do Brasil em 1759.
Em relação à escravidão africana, João Ribeiro foi uma exceção. Abordou essa questão especificamente, enquanto autores de sua época apenas citavam raros episódios da presença negra no Brasil. E diante da escravidão e do tráfico condenou o “infame comércio”. E com detalhes descreveu as conquistas, os entrepostos portugueses na África e as nações a quem pertenciam aqueles que eram escravizados e embarcados. E concluía:
Taes eram as fontes da escravatura. Mas o que excede ao poder de qualquer imaginação é a narrativa hedionda d’esse commercio, os crimes e as atrocidades que nelle se commettiam […]
São os Tumbeiros que de presidio a presidio levam o bando de escravos, que por sordidez vão nús, e marcados a ferro em brasa com o carimbo, para o caso de fuga; ajoujam-os pelo pescoço com a pesada cadeia, o libambo, em caso de rebeldia. Muitos dos miseraveis, famelicos e cançados, succumbem na dolorosa marcha e principalmente porque a allegação da molestia para o tumbeiro é sempre signal de manha ou mentira.
Afinal, são embarcados. A corôa portugueza cobra por cada cabeça a siza de dezaseis cruzados e meio. No navio amontoam-se quatrocentos, quinhentos no porão. De dia sobem á coberta para o banho e para dançar, de cada vez uma porção de negros, e logo depois descem ao porão escuro, onde são guardados e vigiados. […]
Chegam afinal ao Brasil, em cujos portos descem e acampam no oitão dos trapiches, de tangas, semi-nús ou esfarrapados e alguns agonizantes. Se não em viagem, ás vezes ahi o mal de Loanda, o sarampão ou as bexigas os devastam. Ahi são vendidos segundo a figura e a compleição, para os engenhos ou para a cidade. (Ribeiro, 1914, p.248 e 251)
Os vínculos do Brasil com a África por meio da escravidão e as condições impostas aos africanos e seus descendentes nesse contexto precisaram esperar longas décadas para serem em parte retomados por outros atores de manuais didáticos, principalmente aqueles que foram sendo publicados com fundamentação marxista a partir da década de 1980.
Na década de 1940,11 os estudos dos povos indígenas no Brasil passaram novamente por mudanças na abordagem. Em vez de serem inseridos em um capítulo após os estudos das navegações e conquista das terras pelos portugueses, passaram a fazer parte de um capítulo sobre a “formação étnica”, que incluía a apresentação dos brancos, dos indígenas e dos negros. Nessa abordagem, estavam autores como Joaquim Silva (1942), Basílio de Magalhães (1945) e Duílio Ramos (1961). Igualmente, estava proposto no programa de História de 1960, do estado de São Paulo, para a Escola Normal: “III. O povoador português; IV. O indígena; V. O elemento africano; e VI. A etnia brasileira como resultante de contatos raciais e culturais, miscigenação e aculturação” (Ramos, 1961).
No livro de História do Brasil de Basílio Magalhães, o autor dedicava subitens do capítulo para dissertar a respeito de cada elemento que compunha a população. No caso do “elemento branco”, ele salientava a diversidade de europeus que estiveram no Brasil colonial, mas destacava a importância dos ibéricos por contribuírem para a permanência do catolicismo, expulsando invasores protestantes (franceses e holandeses). Em segundo lugar, o Brasil teve a felicidade desses primeiros colonizadores se encontrarem num período de adiantado desenvolvimento intelectual e econômico. Enfim, afirmava que os brasileiros deveriam ter orgulho de descenderem dos portugueses por todas suas qualidades. E acrescentava a ideia de que no Brasil não foi construído qualquer preconceito de raça por conta da presença lusa.
Da missão histórica de Portugal, - a de revelar a imensidão do planeta humano para a civilização e para a cultura, - e da sua capacidade colonizadora, é incontestavelmente o Brasil o mais belo florão.
E o brasileiro deve orgulhar-se de trazer nas veias o nobre sangue dos heróis do pequeno reino de Afonso Henriques, porque recebeu deles todo um admirável conjunto de predicados físicos, intelecluais e morais. A robustez e a coragem, a afetividade, a índole hospitaleira, o espirito de solidariedade beneficente, a fé religiosa, a tendencia constante para a poesia e a arte, - tudo isso nos veiu em grande parte de elemento português. (Magalhães, 1945, p.82 e 83)
Dedicando um longo capítulo aos indígenas, Magalhães apresentava as hipóteses da origem dos povos da América e os debates classificatórios quanto às diferenças entre os povos, optando pelas diferenças linguísticas, como fez Martius no século XIX. Com esse critério, apresentava os tupi-guarani, os gês, os aruacs e os caraíbas. Na sequência, introduzia informações etnográficas a respeito de suas organizações políticas, sociais, econômicas e culturais. Esse modo de dividir, para estudar, diferentes dimensões da vida em sociedade permaneceu enquanto estrutura para os estudos históricos em manuais didáticos posteriores.
O capítulo seguinte de Magalhães era dedicado ao elemento negro que, nesse enfoque, passou a ser estudado em um texto específico, a ele dedicado, como parte da população brasileira, em vez de só ser mencionado em certos episódios, como herói ou líder de rebelião. O autor, então, justificava a vinda do africano para o Brasil em função da não adaptação do indígena ao trabalho e por conta das pressões dos jesuítas pela liberdade dos índios. Para o autor, além de tudo, o elemento negro era “mais sóbrio e mais submisso”. Apresentava, então, o vínculo da escravidão africana com as economias agrícolas, a constituição das companhias de comércio que monopolizaram o tráfico de escravos e as origens dos diferentes povos que aqui chegaram. Acrescentava ainda as características étnicas desses grupos, qualificando-os pelo grau de civilização em que se encontravam. Afirmava que os bantos estavam mais atrasados do que os sudaneses, que receberam alguma influência do islamismo. E que esses “mais adiantados” foram aqueles que promoveram rebeliões, organizaram quilombos e lutaram pela liberdade.
De modo geral, desconsiderando a difícil realidade da diáspora, o grande sofrimento da escravidão, confundindo o negro com o sistema escravista, o autor culpou-o pelos péssimos comportamentos desenvolvidos pelos brancos:
Fator preponderante da nossa economia até 1888 o elemento negro não deixou de concorrer para a indolência e até para a dissolução moral dos seus escravizadores. Assim, bem considerada ao seu aspecto psicológico e amplo, a escravidão moderna foi mais funesta aos brancos do que aos pretos, porquanto estes formaram para os seus descendentes livres, nas plagas edênicas do Novo-Mundo, um berço e uma civilização, como provavelmente jamais teriam nas míseras cubatas e nos adustos rincões da África. (Magalhães, 1945, p.108)
É importante salientar que Basílio de Magalhães se fundamentou em estudos bibliográficos específicos para descrever os aspectos históricos e culturais dos africanos. Em seu texto e notas de rodapé, indicava a consulta aos trabalhos de Artur Ramos, Nina Rodrigues e Oliveira Martins.
No final do capítulo da formação étnica havia, ainda, uma quarta parte nomeada de “Etnia brasileira”. Nela, Magalhães defendia a ideia de que o brasileiro descendia dos três elementos - de três raças -, e que estava em processo crescente de embranquecimento.
Nessa mesma abordagem da formação étnica da população brasileira era o livro História do Brasil de Joaquim Silva, datado de 1942. A diferença em relação ao enfoque dado por Basílio de Magalhães era no sentido de acrescentar na apresentação de cada grupo étnico um subitem especificando a influência de cada um dos elementos na cultura brasileira - vocabulário, alimentação, festas… Já na versão de Duílio Ramos, nos anos de 1960, eram citados trabalhos de Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre e Darcy Ribeiro; e o enfoque era mais de valorização cultural e das resistências à colonização.
Somente não receberam passivamente os efeitos da colonização. Na defesa de sua terra e de sua gente foram inimigos duros. Defenderam o que era seu, sua segurança e sua liberdade com unhas e dentes. Foram dois os processos que usaram: a concentração de esforços para a expulsão dos portuguêses e a fuga para outros pontos quando se lhes afigurou essa a melhor medida.
A “Confederação dos Tamoios”, bem conhecida pela participação que no movimento contrário tiveram Nóbrega e Anchieta, foi o trabalho de maior relêvo que os selvagens realizaram no primeiro empenho. Nessa ocasião formaram uma superestrutura tribal para opor a mais séria resistência aos invasores brancos. Mas os lusitanos estavam mais bem organizados e armados. Por isso venceram.
A segunda forma de defesa a que recorreram, foi a fuga para outros pontos, para terras mais fracas, onde não podiam viver tão bem como nas que deixavam. (Ramos, 1961, p.44)
O texto de Duílio Ramos, referente ao “elemento africano”, reforçava contribuições relacionadas ao trabalho e atitudes amigáveis. Dizia, entre outras informações: “Exibia pelo menos três pensamentos claros - agir com suavidade, dedicar-se ao trabalho e não ser mesquinho”. E continuava: “Amava os animais. Deles contava lindas histórias que faziam o encanto dos meninos brancos. Amava a música até à paixão”. E ainda: “à dureza de coração dos senhores respondiam os escravos com o trato ameno, a mísera condição servil, com a dedicação ao trabalho, cantando suas canções prediletas de suave lirismo” (Ramos, 1961, p.46).
Os livros didáticos assinalavam mudanças no modo de apresentar aos estudantes os povos indígenas e africanos. Se décadas anteriores eles estavam à margem da história, sendo o orgulho histórico a atuação dos europeus, agora apareciam nesse outro contexto como úteis e dando sua contribuição ao desenvolvimento da nação. Ainda não emergiam como protagonistas. Mas, alguns de seus elementos culturais eram eleitos como heranças a serem valorizadas.
O programa de História do Brasil, instituído pela portaria ministerial n.724 de 4.7.1951, para o primeiro ano ginasial, especificava na segunda unidade o estudo dos indígenas - “O Íncola - usos e costumes - principais nações e tribos - o selvagem brasileiro e seus contatos com os europeus”. A menção aos africanos e seus descendentes estava no programa do quarto ano, em um capítulo com o título “Formação Étnica”, dividido entre branco, selvícola, negro e catequese. Seguindo esse programa, Alcindo Muniz de Souza, no seu manual didático para a primeira série ginasial, avançava, em parte, no trato da questão indígena, apresentando o decreto que instituiu o Serviço de Proteção aos índios de 1910.
A legislação educacional da década de 1960 estabeleceu a liberdade de currículo, sendo possível identificar nos materiais didáticos a permanência dos temas e enfoques anteriores. Mas, na década de 1970, com a Lei 5692/71, durante o regime militar, foram implantados os Estudos Sociais, permanecendo a disciplina de História apenas para os últimos anos do Primeiro Grau. Nessas duas décadas e nas seguintes, mudanças na historiografia e suas repercussões no ensino favoreceram certa revisão das abordagens para a história indígena e afro-brasileira, que podem ser explorados em outros estudos.
Ensino de História Geral
A História da Pátria compartilhava com História Geral e História Universal os estudos históricos ao longo do Império. A legislação dessa época estabelecia incialmente, um programa que incluía estudo da História da Antiguidade, da Idade Média e da Idade Moderna. Por volta da década de 1870, os programas passaram a nomear essa história como História Universal. Seus conteúdos eram descritos nos livros didáticos escritos por professores que lecionaram em escolas, como o compêndio Justiniano José da Rocha, que ministrou aulas no Colégio Pedro II. Nesses conteúdos, a história da humanidade era entendida a partir de uma perspectiva cristã, tendo como referência a Bíblia católica.
Para nós, que felizmente somos catholicos, não haveria tanta dificuldade.
Temos nos nossos livros sagrados, naqueles que a fé nos diz escriptos sob a inspiração da verdade eterna, guias infalliveis, se os soubéssemos seguir.
[…] Historia antiga, começando nos primeiros dias da creação até a divisão definitiva do império romano entre os filhos de Theodosio (395).
[…] Os tempos primitivos do mundo e da humanidade não podem com certeza ser conhecidos senão por quem quiser aproveitar a luz da verdade derramada pela Bíblia. Apagar essa luz para lançar-se no meio de indagações e de conjecturas é por orgulho fatal acceitar o erro, engolphar-se em uma multiplicidade de duvidas, de obscuridades, por entre as quaes é infallivel o naufrágio. O Gênesis nos ensina que a principio Deus creou o mundo, tirou-o do nada por efeito de sua omnipotento vontade. (Rocha, 1860, p.IV-V, 1)
No final do século XIX e início do XX, a História Geral passou por mudanças. Alguns autores de manuais e em alguns programas escolares passaram a nomeá-la de História da Civilização, com orientações fundamentadas no pensamento científico positivista, e associando civilização e cristianismo. Nessa linha de estudos históricos escolares, predominava a ideia de que a história tendia a ser progressiva e que a humanidade estava dividida em raças, e, por sua vez, defendia a opinião de que a raça branca era superior e construtora da civilização. Nesse caso, as populações da África e da América eram inferiorizadas ou desapareciam do cenário histórico quando não contribuíssem ou fossem aliadas dos europeus.
História é o registro da vida do mundo civilizado. As gentes selvagens não teem história. A Prehistória abrange o estado anterior à organização social e à documentação política. […]
Uma vez descoberta a América e colonizada pelos Europeus, não cessou a barbárie dos indígenas, apenas atenuada pela catechese religiosa […].
[…] a raça negra, localizada no continente africano, é ainda hoje refratária a uma civilização regular e progressiva. Pode apresentar espécimes individuaes de desenvolvimento intellectual, mas não oferece exemplo algum collectivo. Suas tribos nunca chegaram a constituir nações seguindo seu próprio impulso, sua mola interior. (Lima, 1921, p.1 e 16)
Nos programas escolares, o ensino de história passou a ser oficialmente identificado com História da Civilização em 1931. Nesse novo contexto, teoricamente, os conteúdos deveriam tender a se distanciar das versões bíblicas, pois a prioridade passou a ser, segundo a portaria do Ministério da Educação e Saúde Pública, “a formação da consciência social do aluno”, através da “educação política, baseada na clara compreensão das necessidades da ordem coletiva e no conhecimento das origens, dos caracteres e das estruturas das atuais instituições políticas e administrativas”. Nas listas dos temas, propostos oficialmente, havia a preocupação em distinguir os aspectos políticos, socioeconômicos, religiosos e culturais, com ênfase na ideia de “evolução”. E a orientação era priorizar a História do Brasil e da América. Contudo, predominava a história europeia. Havia, ainda, a recomendação de estudos dos grandes vultos, desbravadores, libertários, caudilhos e heróis. E era evidente uma quebra na sequência cronológica, pois o estudo da história geral, do Brasil e das Américas não compartilhavam nas séries os mesmos recortes temporais.
Assim, com a reforma do ensino secundário, sob a responsabilidade de Francisco Campos, História do Brasil e História Universal foram substituídas pela História da Civilização, indicada para os cinco anos do curso fundamental e para os dois anos do curso complementar. Isso significava que História do Brasil deixava de ser disciplina autônoma. E, na portaria ministerial, que estabelecia os programas, havia a orientação de considerar a História do Brasil e a História da América como histórias integradas. As indicações dos temas por séries estabeleciam dois recortes históricos, com lista de conteúdos que dessem conta da história europeia e outra parte específica para o Brasil e a América.
No livro de Joaquim Silva, História da Civilização, para o segundo ano ginasial, cujos temas estavam de acordo com os pontos do programa oficial e também com o programa do Colégio Pedro II, os capítulos seguiam a reforma implantada em 1931. Até o capítulo XLI tratava da origem do homem até a história dos antigos romanos. A partir do capítulo XLII, os temas intercalavam história da América e história do Brasil. No capítulo que tratava dos povos indígenas brasileiros, é possível identificar mudança na interpretação de até então. O autor classificava-os como de “civilização muito rudimentar” e os localizava na “idade neolítica” por não conhecerem os metais. Para o autor, existia até os mais ou menos civilizados: “os índios das tribos mais civilizadas tinham tabas ou aldeias formadas por ocas ou ranchos em torno dum pátio, a ocara” (Silva, 1933, p.237). As diferenças entre os povos existiam por conta do local temporal que ocupavam na escala evolutiva das civilizações, estruturadas em periodizações que ascendiam, tendo como exemplo máximo o europeu contemporâneo. Os diferentes grupos indígenas eram hierarquizados, assim, por grau civilizatório.
É preciso assinalar que as diversas épocas da pré-história não foram simultâneas para todos os povos da terra. Os gregos ainda estavam na idade do bronze e os habitantes do norte da Europa na da pedra e já os egípcios se organizavam em nações e conheciam o uso do ferro. Os índios de nosso Brasil estavam na época neolítica ao tempo de seu descobrimento, e até o começo do século passado ainda se achavam nessa idade os selvagens da Austrália. (Silva, 1933, p.16)
Nessa mesma linha de pensamento, no livro História do Brasil de Joaquim Silva, apresentava a “civilização” do negro, no capítulo dedicado à formação étnica do Brasil, como mais desenvolvidos que os indígenas por já chegarem aqui conhecendo alguns metais, habituados à vida sedentária e por facilmente aprenderem o uso de utensílios e ferramentas (Silva, 1942, p.102).
Para alguns autores, como Joaquim Silva, as questões da raça e da religião cristã permaneciam junto com o critério civilizatório.
A história não se preocupa com a raça preta nos tempos antigos, pois não chegou a civilizar-se por si mesma. A raça amarela, dos povos do oriente e do norte asiático, teve na China uma grande civilização que por muitos séculos ficou estacionária, mas ora se renova.
A raça branca, mais importante por sua civilização, compreende três ramos, cuja denominação deriva de Sem, Cam e Jafet, filhos do patriarca bíblico Noé: o semítico, o camítico e o jafético. (Silva, 1933, p.18)
Em alguns desses manuais, que incluíam também História do Brasil e da América, o papel da Igreja Católica era muito valorizado na constituição da moral e da civilização brasileira, principalmente da ação dos jesuítas junto aos indígenas. No manual de História da Civilização de Arrobas e Vidal, o texto destacava:
Se não fora o jesuíta, escreve Eduardo Prado, os portuguezes ou teriam destruído todos os índios, ou estes teriam destruído todos os primeiros estabelecimentos portuguezes, retardando por um ou dois séculos, quem sabe, o povoamento e a civilização do Brasil. (Arrobas e Vidal, 1935, p.132)
Com a Reforma Capanema de 1942, e com as portarias dos anos seguintes, foram instituídas no ginásio as disciplinas de História Geral e História do Brasil, voltando essa segunda a ser autônoma. Na distribuição dos conteúdos, houve o retorno à ordem cronológica. E, entre as décadas de 1950 e 1960, ficou estabelecida a disciplina independente de História da América para o segundo ano ginasial, tendo sido publicados muitos livros didáticos, com certa predominância de conteúdos da história norte-americana. Mas a mudança mais contundente ocorreu na década de 1970, com a lei 5.682/71, implantando os Estudos Sociais. A disciplina de História permaneceu nos currículos para os anos finais do Primeiro Grau, retornando para todos os anos só a partir da década de 1980.
Demandas para ampliação dos conteúdos de História atualmente
Algumas das solicitações recentes, para os conteúdos de ensino de História, dizem respeito ao valor dado aos protagonistas das transformações históricas; outras questionam a preocupação em identificar as desigualdades, sejam elas sociais, políticas, econômicas, desencadeando preconceitos, discriminações, sejam impedimentos de usufruto comum do poder; e outras ainda referem-se ao tratamento dado à história ensinada como homogênea, no sentido de não apresentar debates ou divergências, sem explicitar possíveis controvérsias. Perpassam essas diferentes questões as demandas dos movimentos sociais que, legalmente, nas suas lutas por direito e melhores condições de vida, conseguiram estabelecer a obrigatoriedade de serem incluídos como atuantes e valorizados nos processos das transformações históricas. E, em reconhecimento a esse direito, tem sido importante rever e reavaliar os silêncios, as abordagens e os valores impingidos à imaginação de gerações, pelos enfoques históricos disseminados pela historiografia e no ensino de história, durante mais de dois séculos, justificando a desigualdade e a exploração por parte de elites e seus referenciais de superioridade.
Há algumas décadas, questionamentos importantes têm instigado reflexões a respeito das escolhas da ordenação do tempo histórico nas situações de ensino. Há críticas à apresentação única do tempo linear, influenciando os estudantes no entendimento da trajetória incondicional dos acontecimentos, impossibilitando reflexões que favorecem entender a história como construção, escolha, embates, conflitos e negociações. Associada a essa concepção de linearidade, há as críticas de os conteúdos serem encadeados em processos, que também impõem predominantemente análises macro, estruturais, logicamente encadeadas, que impossibilitam focar recortes temáticos particulares ou desviantes. Nessa linha crítica, nas últimas décadas, foram sendo tecidas propostas para romper com estruturas temporais únicas; valorizar a finalidade do ensino de possibilitar reflexões das relações do presente com o passado, favorecer entendimento de cotidianos e conjunturas e vislumbrar a possibilidade de cada indivíduo se projetar como sujeito histórico, capaz de analisar e atuar nos acontecimentos contemporâneos.
A crítica ao tempo único e linear também está associada à preocupação da permanência do recorte espacial, onde os acontecimentos históricos se desenrolam. Há a crítica ao “eurocentrismo”. A história do mundo sendo traçada pelos acontecimentos europeus (“brancos” em algumas versões), restando aos outros continentes viverem as consequências dos fatos lá desencadeados. A predominância de uma centralidade espacial, como o principal palco da história, desdobra-se também nos outros cenários. No Brasil, por exemplo, a colonização portuguesa e seu modelo de sociedade, predominantemente desenvolvida no litoral, permanecem como temas principais dos estudos históricos escolares. Os estudantes pouco estudam histórias de regiões com pouca participação na economia rentável voltada para o pacto colonial, desencadeando pouco conhecimento a respeito de outros modos de vida, como no caso da história das populações indígenas habitantes do interior do continente.
No século XXI, a concepção de conteúdos escolares também tem sido ampliada para incluir uma diversidade de saberes decorrentes do campo da didática. Novas exigências solicitam dos docentes que organizem, para situações de ensino, conteúdos que contemplem procedimentos de leitura, pesquisa, comparação, análise, reflexões críticas, confrontação de pontos de vista, distinções e relações temporais, análises e confrontação de diferentes tipos de fontes documentais… E que também trabalhem conteúdos referentes a valores, considerando que essa também é uma das finalidades da educação escolar.
Ao mesmo tempo, políticas educacionais públicas têm implantado sistemas de avaliação institucionais, algumas vezes divulgando antecipadamente quais conteúdos devem ser utilizados como referência nos itens das provas. Essa antecipação tem induzido professores e escolas a adotarem esses programas, independentemente se possuem ou não outros currículos oficiais.
Outro problema dos sistemas de avaliação é gerar índices educacionais, para compor indicadores econômicos de desenvolvimento e orientadores de políticas de investimento de capitais nos países. Essa política de avaliação e coleta de índices tem reduzido os conteúdos escolares, inclusive o que se ensina e o que se aprende de História, em “competências” e “habilidades”, que não são nada além do que indicadores de apreensão de determinada racionalidade, com finalidades que escapam ao compromisso com a formação de gerações para refletirem e se posicionarem criticamente diante da realidade social e econômica.
As políticas de avaliação de livros didáticos, desde o século XIX, ora indicando manuais, ora qualificando aqueles que podem ser adquirido por verba pública, é outro fator que tem influído nos conteúdos ensinados de História. Parâmetros estabelecidos nesses processos avaliativos tornam-se referência para as editoras e autores lançarem ou manterem as vendas de suas mercadorias. Nesse sentido, critérios de avaliação cerceiam ou incentivam conteúdos a serem abordados nos manuais.
Como há fortes vínculos da educação com as questões das sociedades contemporâneas, os conteúdos de história na escola também têm agregado algumas de suas problemáticas. É o caso, por exemplo, das relacionadas ao meio ambiente, à qualidade da alimentação e uso e acesso à informatização. Nesse último tema, a realidade da tecnologia da comunicação tem envolvido também os estudos históricos escolares no reforço de uso de ferramentas de informática; no acesso aos ambientes digitais; na verificação de veracidade das fontes de informação e no reconhecimento de autorias; e no desenvolvimento de reflexões acerca dos limites morais e éticos de seu uso.
Notas
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1
Assim, como hoje em dia tem sido propostas diferentes finalidades para as disciplinas, Annie Brutter (2005 p.11), estudando a história da disciplina escolar, comenta como no século XVII, na Europa, os estudos humanísticos assumiam diferentes finalidades: “os estudos humanistas pretendiam conciliar em uma mesma visão três finalidades que nos acostumamos a separar claramente: uma finalidade prática de domínio da linguagem, uma finalidade cognitiva de aquisição de conhecimentos, uma finalidade religiosa de acesso à ciência e à virtude. São esses três objetivos que encontramos simultaneamente presentes no programa de estudos, inteiramente constituído de textos vindos da Antiguidade, como nos procedimentos de ensino: tratava-se, antes de mais nada, de levar os alunos a exprimirem-se através de inúmeros exercícios, orais ou escritos”.
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2
Referência às populações indígenas.
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3
Como comparação, é importante destacar que os mesmo episódios foram qualificados de maneiras distintas pelos autores de manuais. É o caso, por exemplo, da ação contra os indígenas impetrada por Bento Maciel Parente. No livro História do Brasil de Basílio de Magalhães (1945, p.54), esse militar foi citado como herói por ter limpado de índios bravos a maior parte das margens do Amazonas, recebendo em recompensa a doação da Capitania Cabo-do-Norte.
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4
Mais adiante no livro, nas páginas 217 até 219, há descrições a respeito de Palmares e repressão ao povoado. E, em nota, nas páginas 142 e 143, o autor teceu elogios ao herói negro Henrique Dias que atuou ao lado dos portugueses na guerra contra os Holandeses. No segundo volume ainda, comenta a rebelião de escravos no Maranhão, em 1838 (A Balaiada), comandada por Cosme, na página 126 (v.2).
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5
Havia algumas menções aos ataques indígenas, mas sempre de modo pejorativo: “o gentio se mostrava insolente e altanado, e atrevia-se por vezes a apresentar-se para combater, embora soffresse constantes derrotas e fosse perseguido e castigado” (Macedo, 1861, p.121).
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6
Nesta edição, com tomo I e II integrados, há mudanças nos textos dos capítulos, que aparecem mais curtos e os acontecimentos apresentados de modo mais sintético.
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7
O autor era do Rio Grande do Sul, foi professor no Rio de Janeiro e o livro Lições de História do Brasil foi editado primeiro em 1855, com reedições em 1857, 1861, 1866, 1869, 1873 e 1877. Para saber mais sobre o autor, consultar Bastos (2006).
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8
Anos depois, em 1907, outro professor de história, Capistrano de Abreu, também inovou escrevendo o capítulo “Antecedentes indígenas”, como sendo o primeiro capítulo de sua obra Capítulos de História Colonial, voltada para os estudos históricos e não didáticos.
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9
As menções desse autor em relação aos africanos e seus descendentes só foram feitas aos mesmos heróis e revoltas como do Quilombo dos Palmares.
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10
Martius (1843/1956): “tendo para a forma do homem convergido de um modo particular três raças, a saber: a de cor de cobro ou americana, a branca ou Caucasiana, e enfim a preta ou etiópica. Do encontro, da mescla, das relações mutuas e mudanças dessas três raças, formou-se a actual população, cuja historia por isso mesmo tem um cunho muito particular”.
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11
Em 1942, foi instituída a Reforma do Ensino Gustavo Capanema que reorganizou o ensino secundário, que ficou com quatro anos de ensino ginasial e dois ou três anos de curso colegial. Nesse último, o curso poderia propiciar formação clássica ou científica, com a finalidade de preparação para o ensino superior.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
May-Aug 2018
Histórico
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Recebido
15 Maio 2018 -
Aceito
18 Jun 2018