Open-access A abordagem histórico-investigativa no ensino de Ciências

RESUMO

A abordagem Histórico-Investigativa (HI) vem sendo construída ao longo das duas últimas décadas no contexto da busca por caminhos para incentivar motivação, engajamento e argumentação dos alunos em sala de aula. A HI destaca-se por propiciar competências relevantes ao fazer científico, além de tornar os alunos mais ativos e participativos do processo de aprendizagem e contextualizar os conhecimentos escolares. Essa abordagem caracteriza-se pelo uso de atividades experimentais de cunho investigativo, pautadas por episódios históricos, centradas nos alunos e orientadas pelo professor, de modo a criar situações de ensino e aprendizagem que propiciem a reflexão sobre conteúdos específicos da ciência e conteúdos metacientíficos, a prática experimental e a argumentação. Este artigo discute as bases pedagógicas e epistemológicas, objetivos e contribuições da abordagem histórico-investigativa aoEnsino de Ciências.

PALAVRAS-CHAVE: Abordagem histórico-investigativa; Ensino de Ciências; Atividades experimentais; História da ciência

ABSTRACT

The Historical-Investigative approach (HI) has been built over the last two decades in the context of the search for strategies to encourage students’ motivation, engagement, and argumentation in the classroom. HI provides relevant scientific skills, makes students more active and participatory in the learning process, and contextualizes school knowledge. This approach is characterized by the use of investigative experimental activities, guided by cases from the history of Science. The activities are student-centered and teacher-oriented, and aim to create teaching and learning situations that foster reflection on specific scientific and meta-scientific contents, experimental practice, and argumentation. This paper discusses the pedagogical and epistemological foundations, objectives and contributions of the historical-investigative approach to Science teaching.

KEYWORDS: Historical-investigative approach; Science teaching; Experimental activities; History of Science

Ensino investigativo e História e Filosofia da Ciência

No início do século XX, o filósofo e pedagogo americano John Dewey (1859-1952) propôs o “inquiry learning” como uma abordagem de ensino com atividades relacionadas ao mundo real centrada no aluno, aliando os conteúdos das ciências com o domínio das atividades humanas. Sua proposta investigativa visava que os alunos deixassem de aprender apenas conceitos técnicos sem entender como esses foram construídos e justificados; e estimular os alunos a construírem relações entre conceitos, objetos e atos humanos. Suas ideias surgiram em um período em que os Estados Unidos passavam por uma crise no desenvolvimento econômico, culminando em um conjunto de medidas governamentais para conter o desemprego e a falência das empresas, resultando em uma perspectiva de educação escolar que contribuísse para uma sociedade humanizada (Barrow, 2006; Trópia, 2011). Apesar de seu potencial, na primeira metade do século XX, a abordagem proposta por Dewey não foi efetiva, sendo inclusive bastante criticada (Trópia, 2011).

Como é bem sabido, nos anos 1960, nos Estados Unidos, houve um movimento com o objetivo de aprimorar o Ensino de Ciências para ajudar os alunos a se tornarem criativos solucionadores de problemas e, com isso, formar cientistas capazes de competir com os russos em termos tecnológicos e militares. Houve uma série de encontros e debates promovidos por organizações internacionais que resultaram nos famosos “grandes projetos curriculares”, com a produção de materiais didáticos inovadores, tais como: Biological Science Curriculum Study (BSCS), Physical Science Curriculum Study (PSSC), Project Harvard Physics, Chem Study e Chemical Bond Approach (CBA) (Barra; Lorenz, 1986). Esses esforços tentaram seriamente transformar a tradicional abordagem experimental de roteiros estilo “livro de receitas” em materiais com envolvimento prático e foco no desenvolvimento de habilidades de raciocínio.

No Brasil dos anos 1950, sob a liderança de Isaías Raw, o então recém-fundado Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura (IBECC) desenvolveu o projeto “Iniciação Científica” para a produção de kits destinados ao ensino de Física, Química e Biologia voltados a alunos dos cursos primário e secundário. Além do IBECC, a Fundação para o Desenvolvimento do Ensino de Ciências (Funbec) e o Projeto Nacional para a Melhoria de Ensino de Ciências (Premen) são considerados importantes no desenvolvimento de materiais instrucionais no país entre 1950 e 1980 (Nardi, 2005). A premissa pedagógica dos materiais apoiava-se no “[...] conceito de ciências como um processo de investigação e não só como um corpo de conhecimentos devidamente organizados” (Barra; Lorenz, 1986, p.1973).

Em um segundo movimento de reformas curriculares ocorrido nos Estados Unidos e no Brasil na década de 1990, a ênfase do Ensino de Ciências passou a ser a alfabetização científica, a fim de que os alunos compreendessem o mundo sob a perspectiva da ciência e da tecnologia, bem como seus condicionantes sociais, políticos e econômicos. No Brasil, a abordagem investigativa foi inserida nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) no final da década defendendo que

[...] o desenvolvimento de atitudes e valores é tão essencial quanto o aprendizado de conceitos e de procedimentos. Nesse sentido, é responsabilidade da escola e do professor promoverem o questionamento, o debate, a investigação, visando o entendimento da ciência como construção histórica e como saber prático, superando as limitações do ensino passivo, fundado na memorização de definições e de classificações sem qualquer sentido para o aluno. (Brasil, 1998, p.62)

Recentemente o Ministério da Educação (MEC) divulgou a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), em substituição aos PCN, a se consolidar como proposta curricular para o Ensino Fundamental. Esse documento apresenta como objetivos gerais de aprendizagem

Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das ciências, incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a criatividade, para investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular e resolver problemas e inventar soluções com base nos conhecimentos das diferentes áreas. (Brasil, 2017, p.9)

A compreensão sobre o que é Ensino Investigativo (EI) de ciências foi mudando ao longo das décadas, de acordo com as tendências educacionais. Atualmente é considerado uma abordagem capaz de desenvolver competências pertinentes ao fazer científico e também competências de caráter geral como leitura, reflexão, argumentação, entre outras (Abd-el-Khalick et al., 2004; Grandy; Duschl, 2007; Carvalho, 2011, 2013; Sasseron; Machado, 2012; Crawford, 2012; Allchin et al., 2014; Bellucco; Carvalho, 2014). De uma maneira geral, podemos considerar que a abordagem investigativa consiste em:

  • Construção de um problema e sua introdução para os alunos;

  • O problema deve favorecer a criação de hipóteses, ideias, debates, reflexões e argumentações entre os alunos;

  • Depois das observações sobre o problema/fenômeno/situação feitas pelos alunos, há o processo de experimentação e avaliação dos dados, em busca de um resultado;

  • O conhecimento prévio do aluno é aplicado ao problema, sob orientação do professor;

  • Expectativas iniciais do problema confrontadas para obtenção de uma resposta;

  • Relatar a resposta final e discuti-la entre os alunos e o professor para uma finalização do problema.

O ensino investigativo visa, entre outras coisas, que o aluno assuma algumas atitudes típicas do fazer científico, como indagar, refletir, discutir, observar, trocar ideias, argumentar, explicar e relatar suas descobertas. Isso faz que o EI seja uma estratégia didática em que os professores deixam de simplesmente fornecer conhecimentos aos alunos, que passam a ser mais ativos, e não meros receptores de informações. É necessário que as atividades contribuam para o desenvolvimento da capacidade de reflexão dos alunos, de modo que o conhecimento anterior gere um novo. Assim, o professor deve orientar os alunos ao longo do processo de investigação, proporcionando condições para que entendam e compreendam o que estão fazendo.

Do ponto de vista didático, a atividade de investigação deve contemplar a aprendizagem, promover formação de conceitos, compreensão da dinâmica do trabalho científico, desenvolvimento de pensamento crítico, reflexão sobre os fenômenos naturais, desenvolvimento da argumentação, entre outros. O papel do professor é crucial, já que ele é o mediador do processo investigativo e é sua função fornecer as condições e orientações para os alunos compreenderem o que estão fazendo para resolver o problema proposto.

Considerando a perspectiva epistemológica, a proposta inicial de Dewey (1976, p.91-94) considerava a ciência regida pelo método científico tal qual entendido na época: uma sequência de passos lineares que consistiria em definir um problema, sugerir uma solução, desenvolver e aplicar um teste experimental e formular conclusões. Nos projetos curriculares das décadas de 1950 a 1970 que apregoavam a investigação científica, a ciência era considerada uma atividade neutra, na qual os cientistas não sofriam influência dos contextos político, econômico e social (Krasilchik, 2000). Atualmente a visão da atividade científica como neutra é considerada ultrapassada tanto por epistemólogos quanto por educadores (Japiassu, 1975; Fourez, 1988; Allchin, 1999).

As reformas curriculares da década de 1990 passaram a contemplar aspectos da natureza da ciência1 de modo a ressaltar a não neutralidade e complexidade do fazer científico. Os objetivos seriam que os alunos compreendessem melhor o que é fazer ciência e desenvolvessem uma visão mais ampla das relações entre ciência, tecnologia e sociedade, sem perder de vista a aprendizagem de conceitos científicos.

Uma das formas de introduzir reflexões sobre a natureza da ciência em práticas investigativas é combiná-las com abordagens pautadas pela história da ciência, uma vez que o tema investigado pode ser associado a um determinado episódio histórico, explicitando o contexto metacientífico, os questionamentos, interpretações e processo de aceitação de novas ideias.

A inclusão de conteúdos de História, Filosofia e Sociologia da Ciência (HFSC) no Ensino de Ciências pôde contribuir para evitar visões distorcidas sobre os processos e fatores envolvidos na construção do conhecimento científico, de seu método e de suas relações com os seus condicionantes sociais, além de proporcionar uma melhor aprendizagem dos conteúdos científicos (Zanetic, 1989; Martins, 1990; Matthews, 1994; Teixeira et al., 2001; Silva; Martins, 2003; Brito et al., 2004). Ao contextualizar os conhecimentos científicos, aulas pautadas pela HFSC no Ensino de Ciências

[...] podem humanizar as ciências e aproximá-las dos interesses pessoais, éticos, culturais e políticos da comunidade; podem tornar as aulas de ciências mais desafiadoras e reflexivas, permitindo deste modo, o desenvolvimento do pensamento crítico; podem contribuir para um entendimento mais integral da matéria científica, isto é, podem contribuir para a superação do “mar de falta de significação” que se diz ter inundado as salas de aula de ciências, onde fórmulas e equações são recitadas sem que muitos cheguem a saber o que significam; podem melhorar a formação do professor auxiliando o desenvolvimento de uma epistemologia da ciência mais rica e mais autêntica, ou seja, dar uma maior compreensão da estrutura das ciências bem como do espaço que ocupam no sistema intelectual das coisas. (Matthews, 1995, p.165)

A história da ciência é uma fonte de casos que podem inspirar o desenvolvimento de atividades em sala de aula que favoreçam a aprendizagem de conceitos e procedimentos típicos da atividade científica, propiciando melhor aprendizado dos próprios conceitos científicos, bem como motivando e engajando os estudantes.2

Abordagem histórico-investigativa

Partindo do princípio de que o Ensino de Ciências pressupõe trabalho prático, as atividades experimentais efetuadas em sala de aula são ferramentas importantes para o ensino e aprendizagem. Visando o desenvolvimento de habilidades do pensamento científico, o desenvolvimento de competências experimentais e a contextualização do conhecimento, o ensino investigativo pode ser aliado com a HFSC, na chamada abordagem Histórico-Investigativa (HI). A HI visa motivar e ensinar conceitos científicos de uma forma mais crítica, explicitando dificuldades e conquistas e contextualizando os conteúdos trabalhados em sala de aula.

Na abordagem HI, os estudantes podem discutir, dividir opiniões e conhecimentos e debater sobre as diferentes interpretações de resultados experimentais já que o ensino investigativo se concentra “[...] tanto no aprendizado dos conceitos, termos e noções científicas quanto no aprendizado de ações, atitudes e valores próprios da cultura científica” (Carvalho, 2013, p.13). De forma complementar, ao fazer o debate histórico juntamente com os experimentos, há a revelação de como a ciência é construída e funciona (Klassen 2006; Hipst Project 2009; Maurines; Beaufils, 2013; Allchin et al., 2014).

Atividades histórico-investigativas não preparam os alunos para manipular materiais automaticamente em busca de um resultado numérico, como normalmente ocorre em aulas de laboratório tradicionais. É esperado que os estudantes se envolvam em uma investigação pela participação ativa; não é suficiente que os alunos apenas desfrutem da experiência. Com a mediação do professor, os alunos devem problematizar uma situação, contextualizar e relacionar com o conteúdo trabalhado, criando hipóteses que são discutidas e testadas experimentalmente para subsidiarem a interpretação dos resultados.

Ao utilizar e manipular experimentos, os estudantes não irão somente testar as hipóteses conhecidas ou propostas, mas também adquirir entendimento pela interação teórica, material e humana. Além disso, ao conduzir uma investigação científica, os estudantes podem contextualizar a ciência com sua história, possibilitando a aprendizagem sobre a natureza da ciência e de aspetos culturais, sociais e materiais da ciência; refletir criticamente sobre suas próprias ações e aprendizagens; além de desenvolverem habilidades de raciocínio (Heering; Höttecke, 2014).

De forma esquemática, apresentamos no Quadro 1 algumas formas de utilização da abordagem HI no Ensino de Ciências fortemente pautadas pela cultura material e experimental da prática científica de cientistas do passado.

Quadro 1
Formas de utilização da abordagem HI

Narrativas históricas incorporando uma ou mais das estratégias acima podem ser usadas como guia para investigação. Concordamos com Allchin et al. (2014), que elencam alguns dos elementos essenciais que devem estar presentes em uma narrativa histórica:

  • Contexto motivacional na narrativa, tanto cultural quanto biográfico, e que consista em perguntas para serem investigadas;

  • Formato narrativo com um exemplo de caso, mostrando uma explicação histórica do processo científico;

  • A narrativa deve ter uma pausa que propicie a reflexão e o pensamento investigativo;

  • Perspectivas históricas que mostrem a incerteza da ciência, ou seja, que a ciência está em construção;

  • Questões que problematizem a natureza da ciência e promovam a investigação da natureza da ciência;

  • Finalização da investigação e narrativa histórica;

  • Reflexão das lições acerca da natureza da ciência.

Höttecke e Riess (2009) e Henke et al. (2012) desenvolveram estudos de casos históricos para o uso em sala de aula com atividades centradas nos alunos utilizando diferentes estratégias didáticas. Dentre elas:

  • Escrita criativa na qual os estudantes escrevem cartas, diários, diálogos, comentários e representações a partir da perspectiva de um personagem fictício. A escrita criativa faz que os alunos compreendam a ciência e os cientistas por suas próprias perspectivas, entendimento de suas próprias ideias sobre a natureza da ciência e conceitos científicos.

  • Atividades de encenação em que os estudantes exploram conflitos entre cientistas, e os motivos das controvérsias científicas além de tentar solucioná-las. Esse método humaniza os cientistas e promove um melhor entendimento sobre a natureza da ciência. Os autores ainda citam que quanto mais envolvidos os alunos estiverem na encenação, maior a compreensão de conceitos científicos complexos.

  • Reconstrução de réplicas de aparatos e instrumentos históricos com o objetivo de enfatizar o caráter processual da construção do conhecimento científico.

  • Atividades investigativas por problemas, ações ou ideias de cientistas, nos quais os alunos buscam uma resolução de um problema explorando como os cientistas desenvolveram instrumentos, interpretaram resultados e chegaram a seus resultados.

Não obstante suas potencialidades, utilizar a abordagem HI não é uma tarefa trivial; os professores enfrentam várias dificuldades e obstáculos para inseri-la em sala de aula (Rezende et al., 2003; Höttecke; Silva, 2011; Yoon et al., 2012). Entre eles estão o tempo necessário para estudar e compreender uma nova abordagem; o fato de que é preciso desenvolver novas habilidades para atuar como mediador na sala de aula; os professores têm dúvidas sobre o método e insegurança para a inovação que pode estar relacionada com as suas atitudes e crenças sobre o ensino e uso de novas abordagens; também é necessário aprender sobre história da ciência e como buscar novos materiais de ensino, como por exemplo, fontes primárias e secundárias sobre história da ciência.3

A abordagem histórico-investigativa em sala de aula

Uma atividade experimental histórico-investigativa envolve um problema para o qual os alunos procuram uma solução, orientados por materiais de cunho histórico. Ao mesmo tempo, a história da ciência ajuda o professor a orientar seus alunos (Figura 1).

Em parceria com professores da rede pública de São Carlos (SP), desenvolvemos e testamos em salas de aula roteiros utilizando a abordagem histórico-investigativa. Os roteiros integram kits de Física da Experimentoteca do Centro de Divulgação Científica e Cultural da Universidade de São Paulo (CDCC-USP).4 Optamos por utilizar roteiros distintos para o professor e para os alunos. O roteiro para o professor é constituído por atualização de conteúdos sobre o assunto abordado; sugestão de problematização inicial, sendo essa relacionada ao cotidiano e exigindo que o aluno reflita e crie hipóteses para solucioná-la; texto de cerca de uma página contendo uma narrativa histórica; uma sugestão de como mediar a atividade HI e realizar o experimento do kit da Experimentoteca. Já o roteiro do aluno traz o mesmo texto com a narrativa histórica do roteiro do professor e um convite para o aluno solucionar o problema proposto pelo professor, propondo um plano experimental, hipóteses etc. (Batista, 2018).

Figura 1
História e Filosofia da Ciência na abordagem histórico-investigativa.

Em alguns casos, o texto histórico traz trechos de fontes primárias, com descrições de experimentos ou com explicações dadas por cientistas do passado para determinados fenômenos físicos. Entendemos que na abordagem HI, textos com narrativas históricas podem desempenhar um ou mais dos diferentes papéis listados abaixo. O professor é autônomo para escolher como e quando o conteúdo histórico será usado em sala de aula (Quadro 2).

Quadro 2
Papéis desempenhados pelo texto histórico

Caso o texto seja utilizado antes de os alunos refletirem e trabalharem em suas ideias sobre o problema proposto, ele pode funcionar como um estímulo inicial para o engajamento na atividade proposta ou também servir como provedor/gerador do problema a ser trabalhado. O texto também pode ser utilizado pelo professor no início da aula, de forma a recordar o conteúdo eventualmente visto em aulas anteriores. Quando usado durante a atividade, fornece subsídios experimentais e conceituais para o planejamento e realização da atividade experimental. Baseados na narrativa histórica, os alunos podem se inspirar para decidir como realizar o experimento, os materiais que podem ser utilizados, quais as variáveis envolvidas no fenômeno em questão, dificuldades experimentais, entre outras. Por outro lado, ao ser utilizado depois dos alunos desenvolverem e testarem soluções para o problema, o texto histórico pode apoiar a reflexão sobre o que foi realizado e inspirar a interpretação dos resultados e explicações propostas.

As discussões sobre o problema inicial em pequenos grupos e com a classe após a leitura do texto histórico ajudam os alunos a refletir sobre a atividade que está sendo realizada. Dessa forma, os alunos estão envolvidos em todo o processo investigativo, de pensar sobre o problema proposto até concluí-lo.

Considerações finais

Atividades histórico-investigativa incentivam o engajamento dos alunos nas aulas de laboratório pela participação ativa. Não basta apenas os alunos gostarem de realizar um experimento, pois esse é somente o ponto de partida para alcançar a aprendizagem. Os alunos precisam, com a mediação do professor, problematizar uma situação, contextualizá-la e relacioná-la com seus conhecimentos prévios.

Na abordagem histórico-investigativa, os alunos envolvem-se em todo o processo investigativo, do pensar sobre o problema proposto até concluí-lo. A história da ciência funciona como uma fonte de situações investigativas e contextualiza o tópico com informações históricas que permitem diálogos e discussões sobre as questões abordadas. Desse modo, ao estudarem episódios históricos aliados a práticas experimentais, os alunos desenvolvem habilidades de análise e interpretação do texto, exercitam o pensamento crítico, refletindo sobre o experimento e conceitos envolvidos no tema em questão. Com isso, os alunos desenvolvem habilidades típicas do fazer científicos, melhoram a prática argumentativa, e enriquecem sua compreensão sobre aspectos da natureza da ciência.

A mediação do professor nesse tipo de abordagem é fundamental, já que sua intervenção na sala de aula irá determinar o nível de abertura da investigação da atividade. As narrativas históricas presentes nas atividades desempenham papéis diferentes de acordo com o momento utilizado, propiciando ao professor um leque de alternativas para conduzir sua aula da melhor forma. Além disso, a habilidade do professor para mediar os momentos de investigação interfere diretamente no interesse e engajamento dos alunos. Se o professor não proporcionar um ambiente de discussão, reflexão e diálogo o processo investigativo é perdido e a aula pode se transformar em uma aula tradicional.

Apesar de suas potencialidades, apenas o desenvolvimento de materiais didáticos utilizando a abordagem HI não é suficiente para que ela sua implementação em sala de aula seja bem-sucedida. É necessário que as condições de trabalho dos professores e de infraestrutura das escolas sejam modernizadas. Além da melhoria das condições materiais, é fundamental que os professores possam participar de atividades de formação continuada para conhecerem a abordagem, terem uma formação mínima em história da ciência e conhecerem exemplos de atividades centradas nos alunos utilizando diferentes estratégias didáticas.

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  • VANNUCCHI, A. I. História e Filosofia da Ciência: da teoria para a sala de aula. São Paulo, 1996. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências modalidade Física) - Instituto de Física e Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo. São Paulo, 1996.
  • YOON, H. G.; JOUNG, Y. J.; KIM, M. The challenges of science inquiry teaching for pre-service teachers in elementary classrooms: difficulties on and under the scene. Research in Science Education, v.42, n.3, p.589-608, 2012.
  • ZANETIC, J. Física também é Cultura. São Paulo, 1989. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo. São Paulo, 1989.

Notas

  • 1
    Natureza da Ciência (NdC) refere-se a aspectos metacientíficos sobre os processos e produtos da ciência. É uma área interdisciplinar envolvendo conhecimentos de história, filosofia, sociologia e didática das ciências. A NdC estuda sobre as ciências, buscando explicitar aspectos presentes no desenvolvimento e aceitação de teorias e enunciados, uma vez que a ciência não é neutra e está sujeita a influências de fatores metacientíficos (sociais, culturais, econômicos, religiosos, estéticos, éticos, entre outros). Isso implica reconhecer a ciência como uma construção humana, sujeita a condicionantes externos, sem negligenciar aspectos como coerência entre teoria e experimentos, interpretação dos resultados, entre outros.
  • 2
    A aproximação da HFSC com o ensino tem sido cada vez mais recorrente. Para alguns exemplos de trabalhos que integram história da ciência no Ensino de ciências veja Castro (1993); Vannucchi (1996); Heering (2000); Höttecke (2000); Peduzzi (2001); Metz et al. (2007); Forato (2009); Quintal e Guerra (2009); Prestes e Caldeira (2009); HIPST Project (2009); Henrique e Silva (2010); Allchin (2011; 2014).
  • 3
    Forato et al. (2011; 2012) elencam algumas condições a serem consideradas ao fazer a seleção e utilização de textos históricos em sala de aula.
  • 4
    O CDCC é um centro de ciências vinculado à Universidade de São Paulo que busca estabelecer vínculos com a comunidade tendo como objetivo o acesso da população à produção científica e cultural através de locais temáticos de biologia, física e química. O CDCC possui vários setores como Biblioteca, Cineclube, Observatório Astronômico Dietrich Schiel e a Experimentoteca, que consiste em uma “biblioteca pública de kits experimentais” que os professores podem retirar na forma de empréstimo. Foram elaborados cinco roteiros para o ensino médio sobre os assuntos: máquina simples, refração da luz, reflexão da luz, calor latente e calor específico.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2018

Histórico

  • Recebido
    13 Ago 2018
  • Aceito
    03 Set 2018
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