Acessibilidade / Reportar erro

Percepção crítica sobre a desestatização do Vale do Anhangabaú a partir de 2021

RESUMO

Este artigo é parte da dissertação de mestrado cujo objetivo é analisar o novo espaço urbano do Vale do Anhangabaú sob o ponto de vista da gestão privatizada vigente e sua operação, a partir de 2021. Observa-se que diversos componentes desse processo convergem na direção de tensões sociais. Para isso, dispõe de um levantamento de contradições presentes no caso do Vale. Tal análise ajuda a entender como políticas públicas impactam qualitativamente os espaços urbanos livres. O artigo defende que os contratos priorizem interesses coletivos e sejam monitorados por instâncias do poder público, órgãos de patrimônio e a sociedade.

PALAVRAS-CHAVE:
Espaço público; Produção do espaço urbano; Desestatização; Apropriação do espaço; Parceria público-privada

ABSTRACT

This article is part of the master’s dissertation whose objective is to analyze the new urban space of Vale do Anhangabaú from the perspective of its current privatized management and its operation, from 2021. It is observed that several components of this process converge towards social tensions. To this end, it provides a survey of the contradictions present in the case of the site. The analysis helps to understand how public policies qualitatively impact free urban spaces. The article argues that these contracts should prioritize collective interests and be monitored by public authorities, preservation agencies and the society.

KEYWORDS:
Public space; Production of urban space; Destatization; Appropriation of space; Public-private partnership

A natureza do espaço do Anhangabaú

Com perímetro irregular, níveis urbanos em cotas distintas, permeabilidade no tecido envoltório, funções urbanas diversas, o Vale do Anhangabaú, ao longo de sua história, demonstrou características singulares em termos de espaço público e condensa em si grande interesse para o debate sobre questões urbanas - locais e metropolitanas - para a cidade de São Paulo (Toledo, 1989TOLEDO, B. L. de. Anhangabaú. São Paulo: Fiesp, 1989.; Meyer, 1999MEYER, R. M. P. A construção da metrópole e a erosão de seu centro. Revista URBS, n.14, set-out 1999. Disponível em: <https://www.scribd.com/document/337112392/A-Construcao-da-Metropole-e-a-Erosao-de-seu-Centro>. Acesso em: 2 mar. 2024.
https://www.scribd.com/document/33711239...
; Simões Junior, 2004; Hereñu, 2007HEREÑÚ, P. E. R. Sentidos do Anhangabaú. São Paulo, 2007. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo.; Anelli, 2011).

Seu reconhecido “valor histórico, social e urbanístico representado pelos vários modos de organização do espaço urbano que compõem a área central da cidade”1 1 1 Trecho da Resolução n.37 de 1992, do tombamento do Vale do Anhangabaú pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo. O conjunto arquitetônico do Vale do Anhangabaú e seu entorno, por sua importância histórica e urbanística para a cidade de São Paulo, foi tombado como patrimônio cultural em duas instâncias: municipal (Conpresp) e estadual (Condephaat). (Figura 1), a importância de seus espaços públicos, o potencial que o Vale tem de articulação de seus setores com infraestruturas de mobilidade urbana tão nele (potencialmente) presentes fazem dele um microcosmo da própria cidade, com uma diversidade de elementos que operam em dinâmicas específicas e particulares. Santos, em sua A natureza do espaço caracteriza a totalidade como noção que explica a somatória de suas partes:

Cada coisa nada mais é que parte da unidade, do todo, mas a totalidade não é simples soma das partes. As partes que formam a Totalidade não bastam para explicá-la. Ao contrário, é a Totalidade que explica as partes [...]. Eis por que se diz que o Todo é maior que a soma das partes. [...] A totalidade é a realidade em sua integridade. (Santos, 2008SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Edusp, 2008., p.115)

Aspectos com dinâmicas particulares, que no caso do Vale do Anhangabaú operam definitivamente em uma totalidade a ser analisada. Nesse sentido, através da leitura de seus elementos e suas camadas urbanas, é possível destacar aspectos urbanísticos e morfológicos, como um palimpsesto onde “o espaço constitui a matriz sobre a qual as novas ações substituem as ações passadas” (ibidem, p.104). Versões históricas e funções urbanas se superpõem (Figura 2), em especial, no caso desse recinto singular da cidade, implantado sobre a formação física de várzea e colinas, “as relações entre coisas e dentro delas são de maior importância do que as próprias coisas” (J. B. Bakema, em tradução livre),2 2 Congresso Internacional da Arquitetura Moderna (CIAM) VIII, em Hoddesdon, 1951. essa complexa riqueza de atributos é possível de ser arranjada em quatro camadas urbanas principais:

1) subterrâneas

A presença das águas do Rio Anhangabaú, formado pelo encontro das águas dos rios Saracura, Bixiga e Itororó - que deságua no Tamanduateí. Canalizado desde a década de 1910, com o Plano de Bouvard.

Infraestruturas do transporte de massa, com duas linhas de metrô, em suas extremidades, norte e sul, Estação São Bento (Linha Azul, sentido Norte-Sul) e Estação Anhangabaú (Linha Vermelha, sentido Leste-Oeste),3 3 Conjuntamente com a futura Linha-19 Celeste, hoje em projeto executivo, que ligará as duas estações. sistema viário expresso (principal vetor de tráfego diametral do centro da cidade, Corredor Norte-Sul, ou Sistema Y) que o atravessa longitudinalmente, 9 metros abaixo da esplanada 4 4 Esplanada: terreno liso e descoberto, praça, [por extensão] qualquer local plano e amplo. Faremos uso do termo para descrever a grande laje livre que configura o chão do vale, atualmente. Ainda que ele apresente 1,3% de inclinação. do Vale.

2) de chão urbano

A cota do fundo do vale, a esplanada central, com seus 420 metros de extensão, palco de eventos históricos e manifestações populares, projetada para o convívio e vida urbana.

A malha urbana imediata, a importante esquina do Vale com a Avenida São João e seus calçadões, as ruas Formosa e Anhangabaú (atual “Parque Anhangabaú”), o histórico edifício da Agência Central dos Correios.

A Praça Pedro Lessa e o Terminal Bandeira, que emolduram o Vale a sul e norte, outrora praças e parques verdes, hoje importantes terminais rodoviários para o sistema de mobilidade metropolitana, tragicamente cindidos do contato direto com o chão do Vale.

As colinas altas, que flanqueiam o recinto, abrangem elementos históricos da identidade urbana paulistana: Praça do Patriarca, Teatro Municipal, Largo São Bento, os edifícios Conde Matarazzo, Martinelli, Altino Arantes, e outros.

3) de ligação entre camadas

As galerias Prestes Maia e Formosa (lamentavelmente subutilizadas) conectam diferentes alturas urbanas pelo interior do Viaduto do Chá com escadas rolantes e amplos salões.

A Praça Ramos de Azevedo, um oásis verde no centro da cidade, configurada sobre um plano agradavelmente inclinado, oferece uma atmosfera de parque e refúgio para a agitação do centro, como a Ladeira da Memória, da mesma forma em caimento, com sua monumental escadaria, vida urbana e presença histórica marcantes.

As escadarias da Rua Líbero Badaró (mirante e do monumento a Verdi) atravessam a alta barreira de torres dessa via, em direção à esplanada.

A Estação São Bento do metrô, que faz a ligação do Largo São Bento com a cota da esplanada através de uma galeria comercial, opera com relativo êxito.

4) aéreas

Os Viadutos do Chá e Santa Ifigênia, pontes entre diferentes tempos, realizam a emblemática conexão aérea das colinas do centro antigo com as do centro novo, com isso, simbolizam um gesto identitário primordial do urbanismo paulistano, a saltar por sobre fundos de vale tangenciando suas sucessivas colinas.

As passarelas de acesso aos terminais rodoviários mencionados, que ligam o tecido urbano fragmentado às plataformas de embarque, uma proeza frente à realidade física ocupada por obstáculos como desníveis, muros e vias expressas.

Paisagem urbana icônica de São Paulo (de encontros e tensões), parque, praça, calçadão, sistema viário (potencial) articulador do sistema de mobilidade, recinto simbólico da cidade. Espaço público por vocação, a partir do momento em que a sociedade lhe atribui características e funções, que se diversificam no tempo.

A paisagem se dá como um conjunto de objetos reais-concretos [...] Cada Paisagem se caracteriza por uma dada distribuição de formas-objetos [...] já o espaço resulta da intrusão da sociedade nessas formas-objetos. Por isso esses objetos não mudam de lugar, mas de função [...] A paisagem é um sistema material e nessa condição, imutável. O espaço é um sistema de valores, que se transforma permanentemente [...] Tais formas nasceram sob diferentes necessidades, emanaram de sociedades sucessivas, mas só as formas mais recentes correspondem a determinações da sociedade atual. (Santos, 2008SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Edusp, 2008., p.104)

Ao caracterizarmos os atributos do lugar, reconhecemos a necessidade de um olhar atento e cuidadoso para abordar sua complexa história e urbanização.

A cidade é artefato, coisa complexa, fabricada, historicamente produzida. O artefato é um segmento da natureza socialmente apropriado, ao qual se impôs forma e/ou função e/ou sentido. Espaços, estruturas, objetos, equipamentos, arranjos gerais, etc., todavia, foram produzidos por forças que não é possível excluir do entendimento: forças econômicas, territoriais, especulativas, políticas, sociais, culturais, em tensão constante num jogo de variáveis que é preciso acompanhar. Em última instância, o artefato [cidade] é sempre produto e vetor deste campo de forças nas suas configurações dominantes e nas práticas que ele pressupõe. (Meneses, 1996MENESES, U. T. B. Morfologia das cidades brasileiras: introdução ao estudo histórico da iconografia urbana. Revista Usp, p.144-55 ju./ago. 1996. Disponível em: <https://biblio.fflch.usp.br/Meneses_UTB_10_912913_MorfologiaDasCidadesBrasileiras.pdf>. Acesso em: 28 mar. 2024.
https://biblio.fflch.usp.br/Meneses_UTB_...
, p.149)

Seu caráter ambíguo, múltiplo e até enigmático advém senão de tal somatório de atributos próprios de configurações passadas (Figura 2), “rugosidades, [...] não podem ser apenas encaradas como heranças físicoterritoriais, mas também como heranças socioterritoriais ou sociogeográficas” (Santos, 2008SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Edusp, 2008., p.43). No Anhangabaú, todas as suas vocações pretéritas encontram-se, em alguma medida, presentes em seu espaço atual.

Contexto histórico e urbanístico do Vale do Anhangabaú

A partir da década de 1870, a cidade de São Paulo recebe a implantação da linha férrea e começa a crescer. Com modernização incipiente, inicia uma transformação urbana com implantação de infraestruturas básicas como pavimentação, linhas de bonde, iluminação a gás e a construção do primeiro Viaduto do Chá (1892). Nesse período, o Vale do Anhangabaú era tratado como fundos da ocupação da colina histórica, com plantações de chá. Até os anos 1930, há a busca pelo embelezamento influenciado pela europeização, e o Plano de Bouvard o remodela, alterando até sua topografia, com ruas, paisagismo e monumentos. Elementos que simbolizam urbanisticamente o auge da elite cafeeira.

Figura 1
Cartografia de patrimônio histórico e arquitetônico do tombamento do entorno do Vale do Anhangabaú em 2023.

Figura 2
Perspectivas axonométricas das seis principais configurações apresentadas pelo Vale do Anhangabaú desde a fundação da cidade de São Paulo.

Em 1942 é implantado o Plano de Avenidas de Prestes Maia, e o jardim do Parque Anhangabaú dá lugar à passagem de grandes avenidas (Toledo, 1996_______. Prestes Maia e as origens do urbanismo moderno em São Paulo. São Paulo: Empresa das Artes, 1996.). Inicia-se em São Paulo o período da hegemonia do automóvel, com sua priorização como símbolo de progresso, pensamento que legou à cidade características urbanas profundamente presentes, até os dias atuais. Há, nesse momento, a mudança do paradigma europeu e as gestões públicas urbanas passam a ser fortemente moldadas pela influência norte-americana, que se faz presente na arquitetura e no planejamento. Nesse período pós-guerra, há um crescimento vertiginoso da cidade e sua população.5 5 O crescimento desenfreado e a centralização das atividades geram problemas como poluição, trânsito intenso e conflitos por espaço, principalmente noVale do Anhangabaú, que convive com um intenso conflito entre pessoas e automóveis. Nesse momento o vale torna-se objeto de diversas propostas urbanísticas, com destaque para a proposta de Vilanova Artigas e sua equipe, que pela primeira vez aborda o vale como ponto nodal na mobilidade metropolitana (Toledo, 1983; Hereñu, 2007).

Nos anos 1970, o centro de São Paulo materializa uma vida urbana intensa, e, embora de forma conflituosa e relativamente caótica, o vale representava ainda um espaço cívico onde as pessoas entendiam-se pertencentes e livres para suas manifestações.6 6 Em 1984, o movimento “Diretas Já” reuniu mais de um milhão de pessoas no vale, em uma manifestação genuinamente popular a favor da retomada da democracia. Contudo, é nesse período que a expansão horizontal da cidade se acentua (Meyer; Grostein, 2010MEYER, R. M. P.; GROSTEIN, M. D. A leste do centro: territórios do urbanismo. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2010.), o centro sofre processo de dispersão, e torna-se menos denso com o surgimento de novos centros financeiros na cidade. As tensões entre pessoas e veículos no vale motivam a realização de um concurso de projetos para sua remodelação, em 1981. Em 1992 é inaugurado7 7 Projeto dos arquitetos Jorge Wilheim, Rosa Kliass e Jamil Kfouri. O partido do projeto implantado enterrou a via expressa em um túnel, liberando sua cobertura para uso exclusivo de pedestres. com feições assaz distintas da versão vencedora do concurso. Nessa mesma década surgiram rapidamente novas problemáticas, como a notável falta de conexões do novo espaço com os sistemas de transporte de massa que o atravessavam, bem como a intensa fragmentação8 8 Conceito descrito por Regina Meyer (1999) como erosão (de atributos urbanos). do tecido urbano central, causada pela proliferação de elementos do sistema viário. A falta de conexões mencionada aqui se refere à escala local, de acessos ou elementos arquitetônicos que permitam que se realizem transbordos entre ônibus e metrô (especialmente) de forma qualificada, para o grande contingente de usuários que passa pelo Vale em seus deslocamentos, de e para todas as regiões da cidade. Desde que se construiu a laje a túnel que hoje lá estão, algumas conexões entre as estações são feitas de forma muito pouco favorecida pelo solo urbano do Vale do Anhangabaú e suas calçadas, escadas etc. Durante os anos 1990, a cidade vivencia um processo de dispersão de seu território urbanizado, e o centro de São Paulo, um processo de degradação e deterioração da infraestrutura urbana: calçadas, iluminação e mobiliário; aumento da criminalidade; sensação de insegurança; declínio da atividade comercial e cultural; êxodo da população residente. Apesar da degradação, o Vale do Anhangabaú não se esvaziou propriamente, a região passou por uma profunda mudança (Kara-José, 2010; Villaça, 2011VILLAÇA, F. São Paulo: segregação urbana e desigualdade. Estudos Avançados, v.25, n.71, 2011.) no perfil socioeconômico de sua população. Como propõe Campos Neto (2002, p.283), “O processo de intervenção urbanística, longe de ser mero campo de progresso técnico, implicava opções com sérias conseqüências sobre as condições de vida, acumulação e produção vigentes no centro urbano”. Nesse período, inúmeros atores da cidade elaboram propostas, trabalhos acadêmicos e se envolvem na recuperação do Centro de São Paulo.9 No início dos anos 2000, retoma-se a percepção do potencial turístico e cultural do Centro e a prefeitura incentiva o (retorno do) uso habitacional na região, reconhecendo a importância do resgate populacional. Surgem, então, investimentos em atividades culturais e ações de requalificação se intensificaram. Museus e centros culturais, revitalização de calçadões, lazer em terrenos vazios e outros programas públicos são implementados. Nesse âmbito, surgem algumas medidas de animação urbana como o programa Centro Aberto.10 10 Lançado na gestão do prefeito Fernando Haddad (2013-2016) com o objetivo de transformar áreas residuais com a instalação de áreas de permanência, mobiliário urbano e intervenções leves.

Tal conjunto de ações em torno do Anhangabaú culmina em seu processo de transformação. Iniciado em 200711 11 Nesse momento a abordagem da consultoria era mais ampla e abrangia toda a região central, com o principal objetivo de melhorar a vida urbana e resgatar a população de volta à área. como sequência do DUP que gerou a Praça das Artes.12 12 DUP (Decreto de Utilidade Pública), utilizado para coordenar processos de desapropriação para intervenções do interesse público, com o objetivo central de atrair pessoas para o centro. A Praça das Artes teve seu projeto iniciado em 2006 e concluído em 2012. Tais etapas iniciais foram assessoradas pelo escritório de Jan Gehl, com workshops preparatórios, metodologias de análise e interpretação13 13 Em um rico sistema de conceitos enquanto “ferramentas” de leitura, ilustrados e registrados de forma ampla e didática, como: contagem, mapeamento, traçado, rastreamento, vestígios, fotografia, diário, caminhada-teste (Gehl; Svarre, 2018). do espaço urbano (Gehl; Svarre, 2018), eventos envolvendo membros da sociedade civil e técnicos da prefeitura e financiamento do banco Itaú. Em 2013, a prefeitura realizou um processo de participação com uma equipe interdisciplinar, realizado na gestão do prefeito Fernando Haddad (2013-2017) denominado Diálogo aberto.14 14 Participantes: São Paulo Urbanismo, Secretaria Municipal de Cultura (SMC); Departamento do Patrimônio, Histórico (DPH); Secretaria de Coordenação das Subprefeituras (SMSP); São Paulo Transportes (SPTrans); Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) (São Paulo, Prefeitura, 2013; ). Um trecho do processo evidencia a intenção de trazer pessoas para o Centro,

Um diálogo aberto a favor da requalificação do Centro está inaugurado. Esse diálogo se expressará em projeto, o projeto será testado por intervenções concretas nesse território singular da cidade [...] vamos transformar espaços públicos em lugares ativados para, e pela vida cotidiana daqueles que querem usufruir da cidade. (São Paulo, Prefeitura, 2013)

Jan Gehl, um arquiteto e urbanista dinamarquês, promove a “escala humana” no design urbano, colocando a experiência das pessoas no centro do planejamento, o que no caso do Vale teria impulsionado um caráter simbólico da mudança. O autor se coloca amplamente alinhado ao pensamento da visionária jornalista e ativista Jane Jacobs, uma das primeiras a questionar o modelo de urbanismo moderno, (“urbanismo rodoviarista”, de vias expressas e priorização do automóvel), monofuncional, em defesa de uma cidade diversa e viva nos espaços públicos e atenta à escala humana, às pequenas ruas e às calçadas. Gehl explora as características que configuram um bom espaço público, com ênfase na importância da interação social (prolongada). Enfatiza aspectos como: percepção subjetiva das distâncias ao caminhar, a preferência por permanecer nas bordas das praças, a necessidade de assentos para atividades prolongadas, e a importância da visibilidade entre pessoas em distâncias confortáveis. Junto a isso, destaca a importância de elementos que tornem o espaço público agradável, como segurança, clima, a relação visual deles com as construções ao redor. O autor cunhou o termo “bordas suaves“ (soft edges), como atributos desejáveis, para descrever elementos arquitetônicos que atraem pessoas para esses espaços, como lojas (fachadas ativas), escadas, entradas de edifícios e até garagens. Suas ideias, centradas no ser humano, têm influenciado diversas transformações urbanas no mundo, desde os anos 1960.

No caso do vale do Anhangabaúm, os eventos preparatórios, promovidos pela prefeitura em 2013, envolveram membros da sociedade civil e técnicos de diversas disciplinas, e, nesse momento, tiveram financiamento do banco Itaú. Esses processos participativos são, então, realizados com a metodologia do arquiteto, de leituras, mapeamento e diagnósticos do espaço do Anhangabaú e as pessoas que o frequentavam à época. Qualidades e deficiências são levantadas, como quantidade de transporte público, programas comerciais e culturais, permeabilidade dos térreos circundantes etc. A análise desses dados colhidos foi a ferramenta com a qual se elaborou o Programa de Necessidades para o Vale, que pautou todos os projetos posteriores (e parte do que se construiu em 2021). Um trecho da apresentação desses workshops evidencia com clareza a essência da mentalidade que estava em vigência na prefeitura durante o início desses processos:

O processo de desvalorização simbólica da área central não é um fato recente, mas que remonta as últimas 03 décadas. Processos que estão fundamentados no surgimento de novos territórios com funções de centralidade, no rastro do deslocamento das classes sociais e na degradação das estruturas ambientais urbanas do centro histórico. [...] um processo realizado ao longo de 08 meses na Prefeitura de São Paulo aonde reunimos um grande número de pessoas que juntos estabeleceram uma análise, um diagnóstico preciso e um programa de intervenção para que se consiga reverter o processo de degradação ambiental e se resgate o simbolismo do Vale do Anhangabaú como coração da cidade. A São Paulo Urbanismo coordenou este imenso trabalho que, com o apoio do Gehl Architects, mapeou a vida pública e a atuação nos espaços não somente pela ótica do desenho e da infraestrutura, mas na montagem de um programa de atividades que renove o uso dos lugares. (São Paulo, Prefeitura, 2013, p.3)

Como será visto adiante, as transformações ocorridas no Vale findaram por promover situações contrárias aos conceitos debatidos nesses processos (como eventos privados fechados ocupando a esplanada do Vale com cercas e mecanismos de segregação).

Em julho de 2014, realiza-se uma concorrência para a elaboração do Projeto Básico com recursos da Operação Urbana Centro (OUC),15 e em 2017, a obra e projeto executivo são licitados, e financiados pelo Fundo de Desenvolvimento Urbano (Fundurb). A criação da Área de Intervenção Urbana (AIU),16 16 Disponível em: <https://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/estruturacao-territorial/areas-de-intervencao-urbana/aiu-do-setor-central/>. Acesso em: 12 mai. 2024. em 2022, no setor central revoga a OUC e seus recursos são transferidos sem prejuízo às intervenções aprovadas, e atesta inequivocamente a persistência da intenção voltada ao “atendimento habitacional para famílias de baixa renda”, e tem como premissa “o adensamento populacional e construtivo na região” e implantação de elementos de mobilidade ativa.

Desestatizações são parte das políticas do Plano Municipal de Desestatização, estabelecido pela prefeitura em 2017 na gestão dos prefeitos Doria e Covas (2017-2020) sob responsabilidade da Secretaria Executiva de Desestatização e Parcerias. Projetos de Lei que regulamentam a concessão de espaços, serviços e bens públicos.17 17 Alguns exemplos recentes da grande quantidade de ativos públicos que passaram por processos de desestatização estão disponíveis em: São Paulo/Prefeitura (2021). Regidos pela Lei n.16.703, de 4 out. 2017. Disponível em: <http://leismunicipa.is/pavhs>. Acesso em: 14 mar. 2024. São Paulo, desde 2017, adquire feições de cidade-mercadoria (Vainer, 2000VAINER, C. Pátria, empresa e mercadoria: notas sobre a estratégia discursiva do planejamento Estratégico Urbano. In: ARANTES, O. et al. (Org.) A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. Petrópolis: Vozes, 2000. p.75-104.), e passa por um intenso processo de desestatizações (ou privatizações). “No primeiro dia da gestão de João Doria [1º de janeiro de 2017], foi criada a Secretaria Municipal de Desestatização e Parcerias [...] Não é a imagem da cidade ou de fragmentos a serem vendidos, mas a própria cidade o alvo da venda” (Prieto; Laczynski, 2020PRIETO, G. F. T.; LACZYNSKI, P. São Paulo à venda: ultraneoliberalismo urbano, privatização e acumulação de capital (2017-2020). Geousp - Espaço e Tempo (On-line), v.24, n.2, p.243-261, 2020. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2179-0892.
https://doi.org/10.11606/issn.2179-0892...
, p.249).

O caso da desestatização do Anhangabaú: contradições18 18 Este artigo pretende evidenciar características da modalidade de gestão vigente no caso do Vale do Anhangabaú.

Em 2021, o prefeito Ricardo Nunes concedeu a gestão do Vale do Anhangabaú à iniciativa privada.19 19 Consórcio Viva o Vale. Contratos disponíveis em: <https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/ governo/desestatizacao_projetos/vale_do_anhangabau/>. Acesso em: 19 mar. 2024 O objetivo deste artigo é lançar luz às aparentes contradições que têm emergido com a nova gestão, uma vez que a empresa se propõe a conciliar demandas de interesse coletivo enquanto visa extrair lucro da tarefa. Um elemento que difere essa concessão de outras recentes é o fato singular de não contar com Conselho Gestor, como comumente ocorre em parques. A falta que faz esse tipo de instância é facilmente observável. No novo recinto, alguns dos problemas abordados foram solucionados, outros, apenas parcialmente, e uma grande parte permanece ainda não abordada. Tem havido quebra de contrato e ações que vêm desviando o papel da concessão de seus objetivos iniciais. O que se observa na administração atual é o não cumprimento dos contratos firmados com a prefeitura, em âmbitos diversos, como:

1 Práticas violentas de confisco do espaço público

Desde sua inauguração em 2021, tem ocorrido uma série de eventos privados, fechados, com ingressos a preços abusivos20 20 A título de exemplo, consultar: <https://guia.folha.uol.com.br/shows/2024/02/festival-de-techno-time-warp-tera-edicao-em-sp-no-vale-do-anhangabau.shtml>. Acesso em: 20 fev. 2024. que ocupam a esplanada, produzindo áreas segregadas como resíduo, aspectos antiurbanos e excludentes, em oposição fundamental à vocação pública e inclusiva do Vale. A divisão de cidade praticada em espaços privados, nos “enclaves fortificados” (Caldeira, 2000CALDEIRA, T. P. do R. Cidade de muros. São Paulo: Edusp; Editora 34, 2000.), começa, assim, a invadir também os espaços públicos, fazendo novos usos de velhos mecanismos de clivagem: grades móveis à guisa de muros:

Sobrepostas ao padrão centro-periferia, as transformações recentes estão gerando espaços nos quais os diferentes grupos sociais estão muitas vezes próximos, mas estão separados por muros e tecnologias de segurança, e tendem a não circular ou interagir em áreas comuns. Trata-se de espaços privatizados, fechados e monitorados para residência, consumo, lazer e trabalho. A sua principal justificação é o medo do crime violento. (ibidem, p.211)

Em alguns casos, com até 10 dias de antes do evento, grandes porções de espaço público foram fechadas e equipadas com opressivos mecanismos de separação: tapumes em chapa metálica vedada, montados em perímetros diversos, compelindo as pessoas a desvios em seus caminhos rotineiros (Figuras 321 21 Perímetros de grades isolam os quiosques, marcados em cinza, como exemplo, observado em março de 2023. , 4 e 5). Ocorre a cisão do espaço em duas cidades:

Equipamentos que são a cópia reduzida daqueles dos bairros modernos e servem para tornar definitiva a coexistência dos dois assentamentos: protegem o resto da cidade dos perigos do contato com os bairros espontâneos e confirmam o caráter dependente desses últimos [...] por isso, a divisão das duas cidades se transforma em um instrumento de discriminação e de domínio, indispensável à estabilidade do sistema social. (Benevolo, 2020BENEVOLO, Leonardo. História da cidade. São Paulo: Perspectiva, 2020., p.928)

Não há qualquer menção a esses recursos de controle espacial nos processos de participação, tampouco nos projetos, ou nos contratos de concessão. O contrato prevê como infração gravíssima “vedar o acesso público à área de concessão [...] é vedada a cobrança de valores pecuniários para acesso às atividades de interesse coletivo” (São Paulo, Prefeitura, 2021). A quebra de contrato torna-se evidente. Um fator que agrava a situação é o tempo necessário de montagem para eventos de grande porte. Os tapumes são usados para isolar os quiosques e os impedem, desde o início da operação, de executar a ativação comercial do espaço (Figura 3), sendo acionados somente durante os mencionados eventos privados.

Figuras 3 e 4
Observar as manchas vermelhas, os gradeamentos muitas vezes resutam em passagens estreitas que causam insegurança e desencorajam a permanência. No diagrama inferior, comício para eleição presidencial, em setembro de 2022. Observar o bloqueio total da esplanada, realizado com controles de acesso apenas em dois pontos da Avenida São João para todo o evento (setas). O Viaduto do Chá (em projeção) foi da mesma forma completamente bloqueado. As setas vermelhas ilustram a percepção do pedestre fora do cercamento.

Figura 5
Fotos feitas entre janeiro e maio de 2023. Observar, na primeira imagem, o destaque em vermelho: bancos de concreto cercados. O Viaduto do Chá, inteiramente bloqueado física e visualmente em sua possibilidade de contemplação das visuais do Vale. Decks de madeira, passagens, o viaduto e a Praça Ramos de Azevedo, bloqueados, o que sobra são fragmentos de espaços confinados para a circulação. É inédito, considerando todas as configurações passadas do Vale do Anhangabaú, um uso tão ostensivo de mecanismos de segregação e controle.

Figura 6
Construção irregular dos banheiros de alvenaria, em agosto de 2023.

Figura 7
Propostas de acesso à esplanada do túnel do Corredor Norte-Sul. O acesso era a principal medida de ligação do Vale com o Corredor Norte-Sul de forma direta. Elemento não executado do projeto.

Figura 8
Foto de 16 set. 2022. Túnel existente da proposta original de 1992, mantido. O problema não foi resolvido. Notar a falta de iluminação e segurança, além da escala inadequada se comparada à amplitude do espaço. Observar a esplanada bloqueada com tapumes em um dia de semana para a realização de evento fechado no fim de semana seguinte.

2) problemas de zeladoria

No momento de realização desta pesquisa (mar. 2024), persistem problemas em relação à zeladoria22 22 Matérias disponíveis em: <https://www.gazetasp.com.br/noticias/sp-reinaugurado-vale-do-anhangabau-ja-tem-banheiros-e-equipamentos-que/1101135/>, <https://globoplay.globo.com/v/11855126/>. Acesso em: 16 mar. 2024. do lugar, quiosques fechados, banheiros e fraldários inacessíveis, áreas gradeadas (até bancos de concreto bloqueados com grades), problemas de limpeza, problemas de iluminação,23 com trechos escuros, condição que coíbe a liberdade de vivência noturna em um espaço tão rico e provido de tantas visuais históricas de grande beleza.

Outro elemento que chama a atenção é o banco de concreto, projetado desde a fase inicial dos processos de participação, com o objetivo de simbolizar, proteger e recuperar o eixo livre da Avenida São João sobre o Vale. Foi demolido e substituído por bancos pré-moldados móveis, para o favorecimento de eventos que ocupam a totalidade da esplanada, em um exemplo de ação que realiza o contrário do seu objetivo. No segundo semestre de 2023 foi iniciada uma obra para banheiros de alvenaria sem consulta à prefeitura (Figura 5). Por denúncia do Conpresp, foram demolidos. Tais intervenções demonstram o comprometimento raso da concessionária com os processos de projeto aos quais o Vale foi submetido. Há uma série de disputas entre a prefeitura e a concessionária para o assentimento da responsabilidade sobre a manutenção e zeladoria do Vale. O consórcio segue a descumprir prazos e exigências de contrato. Em 2022 foram feitas fiscalizações pela prefeitura, quando se detectou ausência de postos de segurança, bebedouros, serviço de Wi-fi, e monitoramento eletrônico.

3) ausências de elementos

Para a ausência de elementos (construídos ou não), como peças de mobiliário, urbanização da Av. São João no trecho da ladeira adjacente ao Edifício Martinelli, uso esporádico dos aspersores de água, vamos destacar três principais: em primeiro lugar, a não execução dos novos acessos da esplanada para o túnel do Corredor Norte-Sul (Figuras 7 e 8), que findou por manter a insuficiente comunicação da esplanada com essa importante via para a população que vem dos ônibus (e automóveis) que atravessam o subsolo do Vale, em uma passagem estreita e mal iluminada; em segundo lugar, a falta de ativação dos quiosques comerciais, questão que chama a atenção pela condição de estarem, além de não ativados, também gradeados, em todo o período de atividade do novo Vale. Em contrato, consta “os quiosques devem ter horário de funcionamento obrigatório entre as 09 e 23 horas, todos os dias do ano” (item 3.4 do anexo III) [sic]. Tais equipamentos foram idealizados para ativar comercialmente o espaço ao “espelhar” as fachadas comerciais das vias do vale. No contexto urbanístico do Anhangabaú, os quiosques, por si só não seriam capazes de alterar a dinâmica do lugar. No entanto, a evidente ausência de esforços ou testes para ajustar um programa oferecido por esses elementos em uma área tão tradicionalmente comercial do centro frustra as expectativas. Em terceiro lugar, uma ausência nos processos de participação e projeto. Trata-se da ausência de conceitos de legibilidade e escala humana. O conceito de legibilidade (Cullen, 1961CULLEN, G. The Concise Townscape. London: The Architectural Press, 1961.; Gehl, 2018GEHL, J.; SVARRE B. A vida na cidade: como estudar. São Paulo: Perspectiva, 2018., conforme proposto pela bibliografia especializada (e por Jan Gehl nos processos participativos do Vale), entende que existem qualidades em bons espaços públicos em tornarem-se compreensíveis ao olho humano, à pessoa. Qualquer cidade se torna mais confortável conforme seus espaços são mais facilmente reconhecíveis. A exemplo de praças de cidades europeias, a Piazza del Campo (Siena, Itália), que têm escala adequada e opera, há séculos, com qualidades democráticas, espacialidades e funções convidativas.

Elementos arquitetônicos também podem ter participação nesse processo de reconhecimento, e o conjunto apontado na introdução deste artigo ilustra o imenso potencial do Vale nesse sentido. Observa-se aqui a falta que fazem às últimas configurações do Anhangabaú (com laje livre para pedestres), elementos que lhe atribuam escala humana. “Enquanto uma praça medieval parece envolver confortavelmente uma pessoa, uma longa esplanada parece repeli-la” (Calliari, 2016CALLIARI, M. Espaço público e urbanidade em São Paulo. São Paulo: Bei Comunicação, 2016. p.63., p.63). Componentes arquitetônicos que favoreçam a experiência e apreensão da cidade pelo pedestre que anda a pé,24 24 Para maior aprofundamento na temática do caminhar como experiência urbana e histórica, consultar Careri (2013). como espaços acolhedores, lugares para sentar-se, pequenos acontecimentos para assistir, sombras de árvores, venda de comida, “caminhabilidade” (Calliari, 2016). Por que não há, por exemplo, em toda a esplanada, uma quadra poliesportiva para atrair a população jovem e carente do centro ao Anhangabaú? Qual é o sentido de urbanidade em um espaço público fraturado, ou esvaziado? A grande esplanada permanece frequentemente vazia, os únicos acontecimentos são os esporádicos eventos privados, ou pequenas atividades que, devido à sua organização insatisfatória, acabam por não contribuir significativamente para a ocupação comunitária do espaço. A ligação com a Praça das Artes, uma ampla área de 2.500 m², está cercada e vazia, um espaço que poderia sediar feiras e eventos abertos.

A cidade historicamente formada não vive mais, não é mais apreendida praticamente. Não é mais que um objeto de consumo cultural para turistas e para o esteticismo, ávidos de espetáculos e do pitoresco. Mesmo para aqueles que procuram compreendê-la calorosamente, a cidade está morta. No entanto, “o urbano” persiste, no estado de atualidade dispersa e alienada, de embrião, de virtualidade. Aquilo que os olhos e a análise percebem na prática pode, na melhor das hipóteses, passar pela sombra de um objeto futuro na claridade de um sol nascente. Impossível considerar a hipótese da reconstituição da cidade antiga; possível apenas encarar a construção de uma nova cidade, sobre novas bases, numa outra escala, em outras condições, numa outra sociedade. Nem retorno (para a cidade tradicional), nem fuga para frente, para a aglomeração colossal e informe [disforme] - esta é a prescrição. Por outras palavras, no que diz respeito à cidade, o objeto da ciência não está determinado. O passado, o presente, o possível não se separam. É um objeto virtual que o pensamento estuda. O que exige novas dèmarches [abordagens]. (Lefèbvre, 2001, p.106, grifos nossos)

Durante a redação deste artigo, foi notificado que a Secretaria Municipal de Subprefeituras, responsável pelo contrato, emitiu multas à concessionária em razão de descumprimento contratual,25 25 Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2024/03/concessionaria-do-vale-do-anhangabau-e-multada-em-r-17-milhao.shtml>. Acesso em: 23 mar. 2024. expondo deficiências na gestão. É importante acompanhar os desdobramentos dessas multas, para avaliar tanto a eficácia da fiscalização quanto o nível de controle que tais medidas conferem ao poder concedente enquanto gestor do ativo público.

Por fim, ao analisar a leitura especializada sobre o tema de intervenções e transformações urbanas na contemporaneidade, é necessário enfatizar o caráter visionário de Otília Arantes quando, em 1998, explica com clareza que, em muitos casos, projetos de “requalificação” respeitosa”, que “preservam valores locais”, vêm replicando segregação e exclusão dos “náufragos da competitividade” (a população pobre), com propostas que escondem os conflitos reais, vestidas com discursos de diversidade e proteção a identidades locais e históricas, mas que logram, por fim, a realização de espaços com transformações superficiais, sem mudanças reais, que refletem nada mais que as intenções políticas dos governantes e financeiras dos especuladores imobiliários, e resultam em um urbanismo superficial e de entretenimento. A gestão privada que se faz atualmente do Vale do Anhangabaú apresenta um conjunto de exemplos com características significativamente ilustráveis por tais conceitos e, ao mesmo tempo, uma notável carência de elementos e abordagens que realizariam mudanças mais “reais” no Vale, seu entorno e em sua vocação - latente - como protagonista do sistema de mobilidade do Centro. A autora escreve

Houve época em que para resistir a urbanização demolidora praticada pelos modernos, à pretensa “racionalidade” da cidade planificada, tanto quanto ao seu crescimento desordenado, pensou-se que a alternativa consistiria [...] consertar sem destruir, refazer sem desalojar, reciclar, restaurar, criar a partir do que está dado, respeitar a sedimentação dos tempos diferentes, reatando e rejuvenescendo os vínculos com a tradição, enfim, construir um “lugar” - na acepção do termo -, ou seja, dar forma ao informe, sem com isso querer ordená-lo, mas devolvendo-lhe a antiga dignidade [...] ora, esse programa de resistência [...] foi se transformando no seu contrário, ou melhor, revelando sua verdade oculta: a mal disfarçada manutenção do status quo [...] uma forma de administrar contradições, de escamotear conflitos, esconder a miséria [...] implicava uma realocação forçada da população: o acesso aos “lugares” requalificados tornava-se uma impossibilidade de fato para os habitantes expulsos das regiões em que se concentravam os antigos centros nobres e administrativos das cidades e cuja interiorização subsequente transformara em Cortiço e refúgio dos homeless [...] Numa palavra, os centros restaurados acabariam se convertendo em cenários para uma vida urbana impossível de ressuscitar. Para os novos excluídos, no máximo um lugar de lazer, em geral muito pouco e de natureza duvidosa; como disse, pura encenação. Imagens de uma cidade dita “comunicante” (afinal é um novo “paradigma”), onde a pluralidade não passa de décor cultural. (Arantes, 2014ARANTES, O. B. F. Urbanismo em fim de linha. São Paulo: Edusp, 2014., p.125, grifos nossos)

Alguns dos elementos descritos aqui refletem-se suficientemente no Anhangabaú atual. Como por exemplo, as ações de animação urbana que o consórcio organiza (e veicula em mídias sociais e grandes telas espalhadas pelo vale) em programação contínua (que não são capazes de reverter por si a dinâmica de abandono e baixa atratividade que o espaço vive em dias de semana comuns), as incontáveis grades a setorizar, segregar e expulsar as pessoas que buscam fazer uso do espaço.

Uma ausência sensível

A abordagem do Vale, em termos do seu contexto (e função) metropolitano, passou alheia aos mencionados processos de projeto. Nota-se uma lacuna em sua percepção enquanto ponto nodal do sistema de mobilidade urbana, em escala metropolitana da cidade. Isso significa pensar na articulação dos deslocamentos entre regiões. Ante a mencionada dispersão urbana do Centro, as grandes distâncias e tempos médios gastos nas jornadas de trabalho (São Paulo, Estado, 2017), o papel do Vale em criar suporte ao transporte coletivo se torna preponderante. Esforços por recuperar a população do vale que não priorizem essa vocação passarão ao largo de gerar resultados profundos, “[no centro], cada vez mais os andares superiores dos edifícios de escritórios e habitacionais são desocupados. Desse modo, a animação do centro se torna progressivamente mais dependente dos passageiros do transporte coletivo em trânsito no deslocamento entre estações e terminais” (Anelli, 2005ANELLI, Renato. “Calçadões paulistanos: em debate o futuro das áreas de pedestres do centro de São Paulo”. Arquitextos, São Paulo, ano 05, n. 060.00, Vitruvius, 2005. Disponível em: https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/05.060/457. Acesso em: 14 mar. 2024.
https://vitruvius.com.br/revistas/read/a...
, grifo meu).

Em termos de circulação rodoviária municipal, o Vale é a ligação física, tal qual uma “ponte”, entre a Praça Pedro Lessa - e suas 18 linhas de ônibus que ligam o Centro à zona norte - e o Terminal Bandeira - e as 19 linhas que o conectam à Zona Sul da cidade.26 26 Disponível em: <https://www.sptrans.com.br/terminais>. Acesso em: 12 mar. 2024. Da mesma forma, essa ponte serve como plataforma de acesso às suas duas estações de metrô. Aqui observa-se que existe um potencial latente de ligações modais várias pelo chão do Vale. É essencial que qualquer intervenção no Anhangabaú considere sua relevância como peça fundamental na conexão do transporte coletivo com o tecido urbano envoltório do centro da cidade, e não se restrinja ao problema da fragmentação espacial (decorrente da profusão de vias expressas no Centro). Mas que o reconheça (o Vale) como peça fundamental, passível de desempenhar conexões abrangentes e qualificadas, favorecendo-se de sua localização estratégica e da abundante irrigação de pessoas em todos os seus quadrantes mencionados, pelo transporte público, por fim, que aborde a falta de conexões e acessos do espaço (na escala local) com os sistemas de transporte de massa adjacentes. Em suma, a “irrigação abundante” (metropolitana) não encontra elementos arquitetônicos (escala local) adequados que lhe permitam uma fruição otimizada nessas travessias. O setor da subprefeitura da Sé, onde o Vale está inserido, é servido por sete estações de metrô, três terminais rodoviários27 (mais a Praça Pedro Lessa) com mais de 150 linhas de ônibus, e uma população diária numerosa. Atualmente, o usuário que utiliza alguma infraestrutura de transporte coletivo adjacente ao Vale, em muitos casos, enfrenta obstáculos ou grandes distâncias para fazer transbordos de linha - ou modais - a exemplo das desajeitadas passarelas (total de cinco) que ligam o Terminal Bandeira ao solo urbano e à estação Anhangabaú do metrô: basta observar uma foto aérea para notar os resilientes “tentáculos” (Figura 1) que tentam realizar o feito árduo: prover caminho para pedestres, desviando-os do massivo e onipresente sistema viário.

Considerações finais

As ações projetuais no Anhangabaú não realizaram uma transformação estrutural profunda. O que se viu foi uma requalificação em sua superfície, com reparos pontuais em áreas precárias. Apesar de qualidades conquistadas, como novas e agradáveis espacialidades, áreas de descanso sob a sombra de árvores, a retomada da travessia da Avenida São João, a reforma também teve impactos negativos e não solucionou problemas preexistentes. As principais contradições residem na falta de ações de integração com outras problemáticas urbanas, que foram sequer consideradas e na execução incompleta dos projetos. Diante disso, as críticas recentes ao alto custo da obra (R$105 milhões, pagos pela prefeitura) se justificam.

Ações de animação urbana que o consórcio organiza (e veicula em mídias sociais e grandes telas espalhadas pelo vale) em programação contínua não são capazes de reverter por si a dinâmica de abandono e baixa atratividade que o espaço vive em dias de semana comuns. Diante desse quadro, é preciso observar que projetos de desestatização de espaços públicos com tamanha dimensão coletiva, como o Anhangabaú, que não cumpram diretrizes estabelecidas, podem estar contribuindo para uma sociedade sem acesso ao direito à cidade e coibida de vivenciar sua história, ou, vedada da desejável possibilidade de apropriação criativa do mundo, que transcende a dominação e a propriedade (Lefebvre, 2001LEFEBVRE, H. O direito à cidade. São Paulo: Centauro, 2001.). A requalificação de espaços centrais, quando não acompanhada por uma abordagem abrangente de questões sociais, de segurança dos pedestres e de mobilidade urbana, pode resultar em uma ilusão de inclusão.

Iniciativas de privatização surgem sob justificativas de desoneração do Estado, assim como de melhoria na gestão e manutenção dos ativos; no entanto, o que se observa é que muitas dessas estratégias são voltadas para lucros rápidos. Ao comparar a experiência em espaços públicos de São Paulo, antes e depois de privatizações, há um elemento que se destaca sobretudo em parques e praças: as grades. Espaços antes abertos e públicos, como jardins, parquinhos infantis e quadras esportivas, passam a oferecer eventos pagos e restringir o acesso livre. Em síntese, a privatização apressada como tem ocorrido parece ser uma solução equivocada para questões de espaços públicos, assim como em questões de sistemas de transporte e infraestruturas básicas. A despeito de gerar lucro no curto prazo, não aborda problemas fundamentais. A falta de regulamentação adequada pode resultar em monopólios privados e serviços de qualidade inferior. É fundamental buscar alternativas, como aumentar a participação social (Soares, 2020SOARES, P. R. R. Produção do espaço urbano, financeirização e gestão urbana nas metrópoles e cidades na atualidade. E-Metropolis, São Paulo, ano 11, ed. 40, 2020.), investir na qualidade da gestão pública, para que, após análise de seus efeitos a médio prazo,28 28 A duração do contrato atual é de 10 anos. as desestatizações sejam implementadas com o máximo de cuidado na elaboração e fiscalização de seus contratos.

O argumento (e a realidade) de que o Estado carece de recursos é um dos principais a sustentar a legitimidade das privatizações e com isso impulsiona um tipo de política neoliberal (Souza, 2018) contemporânea que permite a apropriação de bens e até espaços públicos por empresas privadas, quando, em tese, tais transferências deveriam ocorrer no sentido inverso: simplificadamente, o Estado concederia a administração de um ativo para liberar-se de seus custos de operação, para isso, cobraria um encargo básico da empresa, que tem autonomia para gerar receitas com o ativo (desde que cumpra com premissas estabelecidas). O que se observa, no entanto, é que a forma com que os contratos são elaborados faz que o Estado, para aumentar a atratividade ao setor privado, ofereça garantias29 29 Com reajuste de valores, a Concessionária atualmente recebe quase R$ 2,00 acima do valor cobrado ao usuário. Disponível em: <https://www.metrocptm.com.br/contrato-camarada-da-linha-4-amarela-ja-garante-r-632-por-passageiro-transportado-pela-viaquatro/>. Acesso em: 15 mar. 2024. de lucratividade,30 30 Como exemplo, o caso da Linha Amarela do metrô: por contrato, o Estado é obrigado a remunerar a Concessionária: Receita Tarifária por passageiro. Fonte: Contrato da Linha 4 do Metrô de São Paulo, 2006. Disponível em: <https://www.al.sp.gov.br/spl/2018/11/Acessorio/1000241205_1000217609_Acessorio.pdf>. e finda com um ônus financeiro e poder de controle minimizado nos ativos concedidos. Em outras palavras, os contratos, em alguns casos, resultam em mais benefícios aos empresários do que aos cidadãos, gerando a adversa “privatização dos lucros e socialização dos prejuízos”.

Além disso, no contexto do planejamento das ações, desde o início dos processos participativos mencionados, observa-se uma lacuna significativa na abordagem do Anhangabaú como um ativo fundamental para o transporte de massa no centro, apesar de seu inegável potencial. Em São Paulo, enfrentar a fragmentação urbana e institucional (instituições privatizadas independentes de transporte rodoviário, metrô, redes de água, esgoto, gás, telefonia, luz etc.) é um desafio desmedido. No entanto, somente mediante uma abordagem integrada, com propostas coordenadas por equipes multidisciplinares e envolvimento de diversas instâncias (públicas e privadas), será possível realizar ações de transformação significativa. Nesse sentido, é preciso que haja consonância entre as disciplinas do urbanismo, do que foi realizado no Vale com as agências de transporte (além de outras), para que o Vale seja capaz de realizar o papel de hub de mobilidade urbana que pode. Utilizando para isso, sua localização central estratégica, sua ligação (quase) direta com duas linhas de metrô (presentes e futuras), e sua interseção integral com o sistema rodoviário norte-sul.

Para a problemática da gestão em PPP, questiona-se se sua implementação estimula usos cidadãos ou apenas impõe controles estratégicos, com fins individualistas. É importante investigar como a reforma afeta as vivências das pessoas historicamente presentes no Vale do Anhangabaú, especialmente as mais vulneráveis. As boas intenções proclamadas da requalificação podem reproduzir desigualdades com mecanismos de segregação e depreciar a dimensão pública do espaço.

Este artigo se encerra com a constatação da ausência que fazem alguns elementos não implantados dos projetos, e com persistência das ideias de que com a irrigação dos usuários do transporte coletivo em seus espaços, o Vale do Anhangabaú (e por consequência todo o seu entorno imediato) seria capaz de dar suporte a um espaço público novo, e restaurar a memória democrática e o papel urbano que já teve outrora. Como uma nova plataforma funcional, coletiva, tanto acolhedora quanto útil sobre o tecido do centro antigo da cidade. Aberto, livre, acessível, democrático, um espaço onde todos se sintam pertencentes. Seja para um transbordo metrô-ônibus, um passeio ao sol, um piquenique no jardim da praça Ramos, um protesto pacífico ou um simples momento de contemplação.

Agradecimento

O pesquisador, durante esta pesquisa, conta com bolsa de mestrado da Capes.

Referências

  • ANELLI, Renato. “Calçadões paulistanos: em debate o futuro das áreas de pedestres do centro de São Paulo”. Arquitextos, São Paulo, ano 05, n. 060.00, Vitruvius, 2005. Disponível em: https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/05.060/457 Acesso em: 14 mar. 2024.
    » https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/05.060/457
  • ARANTES, O. B. F. Urbanismo em fim de linha. São Paulo: Edusp, 2014.
  • BENEVOLO, Leonardo. História da cidade. São Paulo: Perspectiva, 2020.
  • CALDEIRA, T. P. do R. Cidade de muros. São Paulo: Edusp; Editora 34, 2000.
  • CALLIARI, M. Espaço público e urbanidade em São Paulo. São Paulo: Bei Comunicação, 2016. p.63.
  • CAMPOS NETO, C. M. Os rumos da cidade: urbanismo e modernização em São Paulo. São Paulo: Editora Senac, 2002.
  • CARERI, F. Walkscapes: o caminhar como forma estética. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2013.
  • CULLEN, G. The Concise Townscape. London: The Architectural Press, 1961.
  • GEHL, J.; SVARRE B. A vida na cidade: como estudar. São Paulo: Perspectiva, 2018.
  • HEREÑÚ, P. E. R. Sentidos do Anhangabaú. São Paulo, 2007. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo.
  • KARA-JOSÉ, Beatriz. A popularização do centro de São Paulo: um estudo de transformações ocorridas nos últimos 20 anos. Tese (Doutorado), FAUUSP, São Paulo, 2010.
  • LEFEBVRE, H. O direito à cidade. São Paulo: Centauro, 2001.
  • LUCCA NETO, L. de. Sobre o Vale do Anhangabaú, sua nova forma e recepção. Minha Cidade, São Paulo, ano 21, n.250.02, Vitruvius, maio 2021. Disponível em: <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/21.250/8083>. Acesso em: 14 mai. 2024.
    » https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/21.250/8083
  • MENESES, U. T. B. Morfologia das cidades brasileiras: introdução ao estudo histórico da iconografia urbana. Revista Usp, p.144-55 ju./ago. 1996. Disponível em: <https://biblio.fflch.usp.br/Meneses_UTB_10_912913_MorfologiaDasCidadesBrasileiras.pdf>. Acesso em: 28 mar. 2024.
    » https://biblio.fflch.usp.br/Meneses_UTB_10_912913_MorfologiaDasCidadesBrasileiras.pdf
  • MEYER, R. M. P. A construção da metrópole e a erosão de seu centro. Revista URBS, n.14, set-out 1999. Disponível em: <https://www.scribd.com/document/337112392/A-Construcao-da-Metropole-e-a-Erosao-de-seu-Centro>. Acesso em: 2 mar. 2024.
    » https://www.scribd.com/document/337112392/A-Construcao-da-Metropole-e-a-Erosao-de-seu-Centro
  • MEYER, R. M. P.; GROSTEIN, M. D. A leste do centro: territórios do urbanismo. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2010.
  • PJJ MALUCELLI. Requalificação e reurbanização do Vale do Anhangabaú. São Paulo, 2015, 856 desenhos técnicos. Acervo da PJJ Malucelli S/S LTDA.
  • PRIETO, G. F. T.; LACZYNSKI, P. São Paulo à venda: ultraneoliberalismo urbano, privatização e acumulação de capital (2017-2020). Geousp - Espaço e Tempo (On-line), v.24, n.2, p.243-261, 2020. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2179-0892
    » https://doi.org/10.11606/issn.2179-0892
  • SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Edusp, 2008.
  • SÃO PAULO (Estado). Companhia do Metropolitano de São Paulo (CMSP). Pesquisa Origem e Destino 2017 da Região Metropolitana de São Paulo. São Paulo: CMSP, 2017.
  • SÃO PAULO, Prefeitura (PMSP). Resolução nº 37/CONPRESP/1992. Tomba os elementos constituidores do ambiente urbano que especifica na área do Vale do Anhangabaú. 1992.
  • SÃO PAULO, Prefeitura (PMSP). Centro, diálogo aberto. Projeto: São Paulo Urbanismo. São Paulo: Prefeitura Municipal de São Paulo, 2013.
  • SÃO PAULO, Prefeitura (PMSP). Espaços públicos e a cidade que queremos. São Paulo: Prefeitura Municipal de São Paulo, 2016.
  • SÃO PAULO, Prefeitura (PMSP). Secretaria Executiva de Desestatização e Parcerias. Projetos de desestatização. 2021. Disponível em: <https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/governo/desestatizacao_projetos/index.php?p=336086/>. Acesso em: 12 mar. 2024
    » https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/governo/desestatizacao_projetos/index.php?p=336086
  • SIMÕES JUNIOR, J. G. Anhangabaú: História e urbanismo. São Paulo: Editora Senac; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2004.
  • SOARES, P. R. R. Produção do espaço urbano, financeirização e gestão urbana nas metrópoles e cidades na atualidade. E-Metropolis, São Paulo, ano 11, ed. 40, 2020.
  • SOUZA, A. M. G. Urbanismo neoliberal, gestão corporativa e o direito à cidade: impactos e tensões recentes nas cidades brasileiras. Cadernos Metrópole, v.20, n.41, p.245-65, jan. 2018. DOI: https://doi.org/10.1590/2236-9996.2018-4112
    » https://doi.org/10.1590/2236-9996.2018-4112
  • TOLEDO, B. L. de. São Paulo, três cidades em um século. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1983.
  • TOLEDO, B. L. de. Anhangabaú. São Paulo: Fiesp, 1989.
  • _______. Prestes Maia e as origens do urbanismo moderno em São Paulo. São Paulo: Empresa das Artes, 1996.
  • VAINER, C. Pátria, empresa e mercadoria: notas sobre a estratégia discursiva do planejamento Estratégico Urbano. In: ARANTES, O. et al. (Org.) A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. Petrópolis: Vozes, 2000. p.75-104.
  • VILLAÇA, F. São Paulo: segregação urbana e desigualdade. Estudos Avançados, v.25, n.71, 2011.

Notas

  • 1
    1 Trecho da Resolução n.37 de 1992, do tombamento do Vale do Anhangabaú pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo. O conjunto arquitetônico do Vale do Anhangabaú e seu entorno, por sua importância histórica e urbanística para a cidade de São Paulo, foi tombado como patrimônio cultural em duas instâncias: municipal (Conpresp) e estadual (Condephaat).
  • 2
    Congresso Internacional da Arquitetura Moderna (CIAM) VIII, em Hoddesdon, 1951.
  • 3
    Conjuntamente com a futura Linha-19 Celeste, hoje em projeto executivo, que ligará as duas estações.
  • 4
    Esplanada: terreno liso e descoberto, praça, [por extensão] qualquer local plano e amplo. Faremos uso do termo para descrever a grande laje livre que configura o chão do vale, atualmente. Ainda que ele apresente 1,3% de inclinação.
  • 5
    O crescimento desenfreado e a centralização das atividades geram problemas como poluição, trânsito intenso e conflitos por espaço, principalmente noVale do Anhangabaú, que convive com um intenso conflito entre pessoas e automóveis. Nesse momento o vale torna-se objeto de diversas propostas urbanísticas, com destaque para a proposta de Vilanova Artigas e sua equipe, que pela primeira vez aborda o vale como ponto nodal na mobilidade metropolitana (Toledo, 1983; Hereñu, 2007).
  • 6
    Em 1984, o movimento “Diretas Já” reuniu mais de um milhão de pessoas no vale, em uma manifestação genuinamente popular a favor da retomada da democracia.
  • 7
    Projeto dos arquitetos Jorge Wilheim, Rosa Kliass e Jamil Kfouri. O partido do projeto implantado enterrou a via expressa em um túnel, liberando sua cobertura para uso exclusivo de pedestres.
  • 8
    Conceito descrito por Regina Meyer (1999) como erosão (de atributos urbanos).
  • 9
    A exemplo da Associação Viva o Centro, que tem foco na integração de projetos sociais e atração de visitantes no setor.
  • 10
    Lançado na gestão do prefeito Fernando Haddad (2013-2016) com o objetivo de transformar áreas residuais com a instalação de áreas de permanência, mobiliário urbano e intervenções leves.
  • 11
    Nesse momento a abordagem da consultoria era mais ampla e abrangia toda a região central, com o principal objetivo de melhorar a vida urbana e resgatar a população de volta à área.
  • 12
    DUP (Decreto de Utilidade Pública), utilizado para coordenar processos de desapropriação para intervenções do interesse público, com o objetivo central de atrair pessoas para o centro. A Praça das Artes teve seu projeto iniciado em 2006 e concluído em 2012.
  • 13
    Em um rico sistema de conceitos enquanto “ferramentas” de leitura, ilustrados e registrados de forma ampla e didática, como: contagem, mapeamento, traçado, rastreamento, vestígios, fotografia, diário, caminhada-teste (Gehl; Svarre, 2018).
  • 14
    Participantes: São Paulo Urbanismo, Secretaria Municipal de Cultura (SMC); Departamento do Patrimônio, Histórico (DPH); Secretaria de Coordenação das Subprefeituras (SMSP); São Paulo Transportes (SPTrans); Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) (São Paulo, Prefeitura, 2013; ).
  • 15
    Disponível em: <https://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/novo-pde-areas-de-intervencao-urbana/>. Acesso em: 11 mar. 2024.
  • 16
    Disponível em: <https://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/estruturacao-territorial/areas-de-intervencao-urbana/aiu-do-setor-central/>. Acesso em: 12 mai. 2024.
  • 17
    Alguns exemplos recentes da grande quantidade de ativos públicos que passaram por processos de desestatização estão disponíveis em: São Paulo/Prefeitura (2021). Regidos pela Lei n.16.703, de 4 out. 2017. Disponível em: <http://leismunicipa.is/pavhs>. Acesso em: 14 mar. 2024.
  • 18
    Este artigo pretende evidenciar características da modalidade de gestão vigente no caso do Vale do Anhangabaú.
  • 19
    Consórcio Viva o Vale. Contratos disponíveis em: <https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/ governo/desestatizacao_projetos/vale_do_anhangabau/>. Acesso em: 19 mar. 2024
  • 20
    A título de exemplo, consultar: <https://guia.folha.uol.com.br/shows/2024/02/festival-de-techno-time-warp-tera-edicao-em-sp-no-vale-do-anhangabau.shtml>. Acesso em: 20 fev. 2024.
  • 21
    Perímetros de grades isolam os quiosques, marcados em cinza, como exemplo, observado em março de 2023.
  • 22
    Matérias disponíveis em: <https://www.gazetasp.com.br/noticias/sp-reinaugurado-vale-do-anhangabau-ja-tem-banheiros-e-equipamentos-que/1101135/>, <https://globoplay.globo.com/v/11855126/>. Acesso em: 16 mar. 2024.
  • 23
    Em março de 2024, a esplanada está mal iluminada nos períodos noturnos e apresenta postes ligados durante o dia. Essa questão está vinculada ao momento de feitura deste artigo. Matéria disponível em: <https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/sp2/video/iluminacao-do-vale-do-anhangabau-gera-impasse-entre-prefeitura-e-concessionaria-12056851.ghtml>. Acesso em: 12 jan. 2024.
  • 24
    Para maior aprofundamento na temática do caminhar como experiência urbana e histórica, consultar Careri (2013).
  • 25
    Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2024/03/concessionaria-do-vale-do-anhangabau-e-multada-em-r-17-milhao.shtml>. Acesso em: 23 mar. 2024.
  • 26
    Disponível em: <https://www.sptrans.com.br/terminais>. Acesso em: 12 mar. 2024.
  • 27
    Terminal Bandeira, Terminal Mercado, Terminal Parque Dom Pedro II. Relativamente próximos, estão o Terminal Amaral Gurgel e o Princesa Isabel.
  • 28
    A duração do contrato atual é de 10 anos.
  • 29
    Com reajuste de valores, a Concessionária atualmente recebe quase R$ 2,00 acima do valor cobrado ao usuário. Disponível em: <https://www.metrocptm.com.br/contrato-camarada-da-linha-4-amarela-ja-garante-r-632-por-passageiro-transportado-pela-viaquatro/>. Acesso em: 15 mar. 2024.
  • 30
    Como exemplo, o caso da Linha Amarela do metrô: por contrato, o Estado é obrigado a remunerar a Concessionária: Receita Tarifária por passageiro. Fonte: Contrato da Linha 4 do Metrô de São Paulo, 2006. Disponível em: <https://www.al.sp.gov.br/spl/2018/11/Acessorio/1000241205_1000217609_Acessorio.pdf>.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2024

Histórico

  • Recebido
    27 Mar 2024
  • Aceito
    23 Maio 2024
Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo Rua da Reitoria,109 - Cidade Universitária, 05508-900 São Paulo SP - Brasil, Tel: (55 11) 3091-1675/3091-1676, Fax: (55 11) 3091-4306 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: estudosavancados@usp.br