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Tomada de decisão nas organizações: o que muda com a Inteligência Artificial?

RESUMO

A Inteligência Artificial (IA) está presente em diversos setores da economia e funções dentro das organizações, ajudando gestores na tomada de decisões estratégicas, táticas e operacionais. Este artigo resume uma pesquisa com base em dados secundários, analisando 128 casos de uso da IA buscando entender como a IA tem contribuído na tomada de decisões organizacionais. Foi possível identificar maior representatividade de adoção da IA nas áreas de Operações e Marketing, predominantemente no nível de decisão operacional e como apoio às tomadas de decisão.

PALAVRAS-CHAVE:
Inteligência artificial; Futuro do trabalho; Decisão em organizações

ABSTRACT

Many industries and departments inside organizations have been using Artificial Intelligence (AI) to support managers in making strategic, tactic, and operational decisions. This article summarizes research based on secondary data, analyzing 128 cases of AI usage. It seeks to understand how AI has been contributing to organizational decision-making. It was possible to identify more representativeness of AI adoption in Operations and Marketing areas, mainly in operational decisions and as support for decision-making that still includes human beings as part of the decision process.

KEYWORDS:
Artificial intelligence; Future of work; Organizational decisions

Introdução

Inteligência artificial (IA) não tem uma definição de consenso. Russell e Norvig (2020RUSSELL, S.; NORVIG, P. Artificial intelligence: a modern approach. 4.ed. Pearson, 2020., p.36) definem IA como um agente (software ou robótico) que recebe percepções do ambiente através de sensores e age sobre ele. Diferentemente da automação convencional, a Inteligência Artificial (IA), partindo de um conjunto de dados de dimensões suficientes e seguindo critérios dentro de um domínio de conhecimento, identifica correlações, padrões e alternativas otimizadas, constrói e seleciona alternativas para tomar decisões. Tais decisões incluem desde as estratégicas, como investimentos em novas unidades produtivas, até decisões operacionais, como as de diagnóstico médico (Marr; Ward, 2019MARR, B.; WARD, M. Artificial intelligence in practice: how 50 successful companies used AI and machine learning to solve problems. Hoboken: John Wiley & Sons, 2019., p.22; Muro; Maxim; Whiton, 2019MURO, M.; MAXIM, R.; WHITON, J. Automation and artificial intelligence: how machines are affecting people and places. 2019. Disponível em: <https://www.brookings.edu/research/automation-and-artificial-intelligence-how-machines-affect-people-and-places/>. Acesso em: 9 jun. 2021.
https://www.brookings.edu/research/autom...
, p.23).

A interação IA-humano nas decisões em organizações pode ter implicações. Uma dessas é o impacto sobre o mercado de trabalho. Em algumas décadas, a atribuição e o papel humano em determinadas atividades deverão ser significativamente alterados (Toews, 2021TOEWS, R. Artificial intelligence and the end of work. 2021. Disponível em: <https://www.forbes.com/sites/robtoews/2021/02/15/artificial-intelligence-and-the-end-of-work/>. Acesso em: 7 jun. 2021.
https://www.forbes.com/sites/robtoews/20...
), ainda que, atualmente, os processos de integração e complementariedade entre humanos e máquinas sejam os mais viáveis (Shrestha; Bem-Menahem; Von Krogh, 2019SHRESTHA, Y. R.; BEN-MENAHEM, S. M.; VON KROGH, G. Organizational decision-making structures in the age of artificial intelligence. California Management Review, v.61, n.4, p.66-83, 2019., p.71). Um ponto comum às abordagens sobre o tema é o entendimento de que o processo de transição terá impactos sociais complexos, heterogêneos geograficamente e por profissão, e durará anos (World Economic Forum, 2020, p.26). Mesmo novos desafios geopolíticos podem ser considerados a partir de uma perspectiva de como a IA interfere na geração de valor para a sociedade através das formas de trabalho, organizações e estruturas econômicas (Lee, 2018LEE, K. F. AI super-powers: China, Silicon Valey, and the new world order. Boston: Houghton Mifflin Harcourt Company, 2018., p.179-80, 191-2).

Academicamente discute-se sobre como medir ou avaliar os efeitos de IA no futuro do trabalho. Diferentes abordagens são empregadas para estimar esses impactos (Muro; Maxim; Whiton, 2019MURO, M.; MAXIM, R.; WHITON, J. Automation and artificial intelligence: how machines are affecting people and places. 2019. Disponível em: <https://www.brookings.edu/research/automation-and-artificial-intelligence-how-machines-affect-people-and-places/>. Acesso em: 9 jun. 2021.
https://www.brookings.edu/research/autom...
, p.8-10). Há evidências no mercado norte-americano de que o impacto de IA ainda é pequeno fora das contratações de especialistas (Acemoglu et al., 2020ACEMOGLU, D. et al. AI and jobs: evidence from online vacancies. National Bureau of Economic Research, Cambridge, 2020. Ahead of print. DOI: 10.3386/w28257. Disponível em: <http://www.nber.org/papers/w28257.pdf>. Acesso em: 21 jun. 2021.
http://www.nber.org/papers/w28257.pdf...
, p.25). Há também indícios de que o foco do uso inicial de IA seja na automação de tarefas existentes, o que reduz custos, e não na criação de novas tarefas ou atividades mais sofisticadas (Acemoglu et al., 2020, p.26-7).

Segundo estudo comissionado pela IBM (IBM; Morning Consult, 2021, p.2-3), maior facilidade de acesso à tecnologia, necessidades de negócio e o impacto da Covid-19 são os três principais fatores que motivam tomadores de decisão a adotar IA nas organizações. A adoção da IA pelas empresas é um desafio (Davenport; Malone, 2021DAVENPORT, T.; MALONE, K. Deployment as a critical business data science discipline. Harvard Data Science Review, feb. 2021., p.1-3), requerendo tanto investimento em capital humano, em recursos tecnológicos e em acesso a dados digitalizados, como também exigindo que os executivos tenham um razoável entendimento das implicações competitivas para as organizações.

Entretanto, a literatura sobre a adoção de IA e as implicações de adoção em mercado de trabalho indicam alguns desafios a serem enfrentados pelos estudiosos nessas áreas de pesquisa. Frank et al. (2019FRANK, M. et al. Toward understanding the impact of artificial intelligence on labor. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, v.116, n.14, p.6531-9, mar. 2019., p.6537), ao avaliarem as pesquisas sobre a estimação de impactos de IA em mercado de trabalho, concluíram que essas precisam de melhor base metodológica para poderem dar avanços significativos. Numa análise mais abrangente sobre as pesquisas em implicações sociais de IA, os autores alertaram sobre a necessidade de estruturar esses estudos não somente na perspectiva de IA (Rahwan et al., 2019RAHWAN, I. et al. Machine behaviour. Nature, v.568, n.7753, p.477-86, Apr. 2019.). Como exemplo, em razão da complexidade de IA, ao analisar as suas implicações em gestão das organizações, é comum um trabalho apresentar uma classificação de tecnologias de IA para nortear a discussão (Chui et al., 2018CHUI, M. et al. Notes from the AI frontier: applications and value of deep learning. In: Anais, 2018. Disponível em: <https://www.mckinsey.com/featured-insights/artificial-intelligence/notes-from-the-ai-frontier-applications-and-value-of-deep-learning>. Acesso em: 5 dez. 2021.
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) e, consequentemente, esse tipo de trabalho adotar uma perspectiva mais tecnológica em suas análises.

O presente trabalho busca uma perspectiva de gestão organizacional na sua análise de aplicações de IA, também denominados de “casos de uso” neste texto, em administração, com a intenção de fazer uma contribuição em entendimento de adoção de IA em organizações. Mais especificamente, o presente trabalho tem foco sobre as decisões tomadas ou apoiadas pela IA em organizações. A base desta pesquisa é a teoria de tomada de decisão em organizações (Hodgkinson; Starbuck, 2008HODGKINSON, G. P.; STARBUCK, W. H. (Org.) The Oxford handbook of organizational decision making. Oxford: Oxford Handbooks, 2008., p.406), constituindo um mapeamento piloto do uso de IA para a tomada de decisão, realizado com dados secundários. A definição desse foco de pesquisa é suportada pela nossa revisão da literatura pertinente que incluiu as publicações de setores industriais e de negócios (Chui et al., 2018CHUI, M. et al. Notes from the AI frontier: applications and value of deep learning. In: Anais, 2018. Disponível em: <https://www.mckinsey.com/featured-insights/artificial-intelligence/notes-from-the-ai-frontier-applications-and-value-of-deep-learning>. Acesso em: 5 dez. 2021.
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; Jarrahi, 2018JARRAHI, M. H. Artificial intelligence and the future of work: human-AI symbiosis in organizational decision making. Business Horizons, v.61, n.4, p.577-586, 2018.; Ransbotham et al., 2019RANSBOTHAM, S. et al. Winning with AI: pioneers combine strategy. Organizational Behavior and Technology, 2019. Disponível em: <https://sloanreview.mit.edu/projects/winning-with-ai/>.
https://sloanreview.mit.edu/projects/win...
; Russel e Norvig, 2020; Shrestha et al., 2019SHRESTHA, Y. R.; BEN-MENAHEM, S. M.; VON KROGH, G. Organizational decision-making structures in the age of artificial intelligence. California Management Review, v.61, n.4, p.66-83, 2019.; Sichman, 2021SICHMAN, J. S. Inteligência artificial e sociedade: avanços e riscos. Estudos Avançados, São Paulo, v.35, p.37-50, jan. / abr. 2021.)

Os resultados permitem uma nova perspectiva sobre a penetração da IA em locais de trabalho e, consequentemente, o grau de substituição de tomadores de decisão humanos, novas possíveis configurações e papéis entre ambos (Shrestha et al., 2019SHRESTHA, Y. R.; BEN-MENAHEM, S. M.; VON KROGH, G. Organizational decision-making structures in the age of artificial intelligence. California Management Review, v.61, n.4, p.66-83, 2019., p.77-8), complementaridades ante diferentes desafios de decisões organizacionais (Jarrahi, 2018JARRAHI, M. H. Artificial intelligence and the future of work: human-AI symbiosis in organizational decision making. Business Horizons, v.61, n.4, p.577-586, 2018., p.7-8), ou mesmo novas formas de se organizar e decidir.

As principais questões de pesquisa são: quais são os tipos de decisão tomada por IA ou com o apoio da IA nas organizações? A IA é mais utilizada em que áreas funcionais? Como essas decisões se situam dentro do espectro de decisões tipicamente tomadas pelas organizações?

Objetivos

O objetivo fundamental deste artigo, alinhado aos objetivos de longo prazo dessa linha de pesquisa, é mapear, acompanhar e entender a penetração de IA na tomada de decisões nas organizações, contribuindo com praticantes e acadêmicos.

Os objetivos meios deste trabalho são o desenvolvimento de um método de pesquisa baseado em tomada de decisão e a realização de um estudo piloto, para sua validação e ajustes.

A proposta de contribuição deste trabalho é representar o uso da IA na linguagem e conceitos da gestão e das decisões organizacionais e, com isso, apoiar gestores e outros stakeholders interessados no tema. Essa abordagem está alinhada com a tendência recente de estudar a IA na perspectiva multidisciplinar (Rahwan et al., 2019RAHWAN, I. et al. Machine behaviour. Nature, v.568, n.7753, p.477-86, Apr. 2019.), em contraposição a uma perspectiva de tecnologia da informação.

Metodologia

Diante dos objetivos deste trabalho, foi necessário o desenvolvimento de um método específico para mapear o espectro de tomada de decisões nas organizações, dado que não foram identificados estudos equivalentes.

Nesse sentido, foi realizada uma pesquisa, com enfoque qualitativo e exploratório, baseada em amostras não probabilísticas (Sampieri et al., 2006SAMPIERI, R. H.; LUCIO, P. B.; COLLADO, C. F. Metodologia de pesquisa. 3.ed. São Paulo: McGraw-Hill, 2006.) de relatos de casos de uso de IA obtidos em veículos de comunicação de massa (Gil, 2008GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2008.) e fontes literárias diversas.

Os dados obtidos na pesquisa passaram por procedimentos de pré-análise, interpretação e classificação em dimensões segundo o modelo a seguir descrito, desenvolvido pelos pesquisadores.

Dimensões em tomada de decisão para classificação dos casos de uso de IA

Foram selecionados, com base na literatura de Tomada de Decisão e de Administração de Empresas, conceitos que permitiram classificar as aplicações, ou casos de uso, de IA identificadas e analisadas pelo grupo de pesquisadores envolvidos, em diferentes dimensões, apresentadas a seguir.

Entre as várias classificações de decisões em administração de empresas, uma das mais conhecidas é a baseada nas atividades da cadeia de valor de Porter (2008PORTER, M. E. Competitive advantage: creating and sustaining superior performance with a new introduction. New York: Simon and Schuster, 2008.) e suas respectivas decisões em Áreas Funcionais (AF), tais como Operações, Marketing e Vendas. Para analisar o impacto da IA nas decisões nas organizações, optou-se inicialmente por classificar as decisões por AF, que correspondem, de forma aproximada, às áreas de conhecimento em Administração.

Da mesma forma, as decisões nas organizações costumam ser classificadas por níveis decisórios (ND): Estratégico, Tático e Operacional. Ainda que, muitas vezes, essas decisões possam ser associadas aos níveis hierárquicos, são diferenciadas, principalmente, por grau de complexidade e pelo impacto potencial de suas consequências. Por exemplo, Eisenhardt e Zbaracki (1992EISENHARDT, K. M.; ZBARACKI, M. J. Strategic decision making. Strategic Management Journal, p.17-37, Winter 1992., p.17) tratam as decisões estratégicas como “decisões infrequentes, feitas pelos altos líderes de uma organização, e que podem impactar, de forma crítica, a saúde e a sobrevivência organizacional”.

Shivakumar (2014SHIVAKUMAR, R. How to tell which decisions are strategic. California Management Review, Berkeley, v.56, n.3, p.78-97, Spring 2014., p.79) atualiza essa classificação, conforme o compromisso de recursos e o nível de mudanças na organização, decorrentes da decisão. As decisões Estratégicas e Neoestratégicas alteram o escopo de atuação da empresa, sendo tomadas pela alta direção da empresa. A decisão Neoestratégica difere da Estratégica por comprometer menos recursos. As decisões Operacionais envolvem menor risco, são mais frequentes e geralmente tomadas por trabalhadores em suas atividades diárias. As decisões Táticas situam-se entre essas.

Em cada área funcional (AF) e nível decisório (ND), são identificadas áreas decisórias (AD). As AD são os desafios específicos de gestão de cada área funcional e nível decisório em questão. Por exemplo, a Administração de Estoques é uma AD a nível Operacional da AF de Gestão de Operações. Nesta pesquisa as AD de cada AF são extraídas dos livros-texto de renome de cada área de conhecimento. Assim, garantindo que essas AD são facilmente reconhecidas pelos gestores em geral. Para marketing, adotou-se Stone et al (2020STONE, M. et al. Artificial intelligence in strategic marketing decision-making: a research agenda. The Bottom Line, [s. l.], v.33, n.2, p.183-200, 2020.); para Operações, Bordoloi et al. (2018BORDOLOI, S.; FITZSIMMONS, J.; FITZSIMMONS, M. Service management: operations, strategy, information technology. 9.ed. New York: McGraw-Hill Education, 2018.) e Brandon-Jones e Slack (2019); e para Finanças, adotou-se Brealey et al (2020BREALEY, R.; ALLEN, F.; STEWART, M. Principles of corporate finance. 13.ed. New York: McGraw Hill, 2020.). A grande vantagem dessa abordagem é que os problemas decisórios de cada AD são do mesmo tipo e resolvidos por conjunto de técnicas e dados similares. Por exemplo, a AD de Localização e Capacidade em Gestão de Operações é tratada em capítulos de Service Facility Location e Managing Capacity and Demand em Bordoloi et al. (2018). O uso de IA, em cada AD, apresenta-se como uma técnica para resolver os mesmos problemas nesta AD.

A classificação das aplicações também considerou o papel da IA no processo decisório da empresa, dividindo-o entre a IA como tomadora de decisão (DM) para a empresa, e a IA como sistema de suporte à decisão humana (DSS) na empresa. O embasamento conceitual para essa diferenciação é detalhado a seguir. O processo decisório, dentro da empresa, pode ser entendido como composto pelas seguintes etapas: 1. Reconhecimento do problema; 2. Estruturação do problema; 3. Definição de objetivos; 4. Geração de alternativas; 5. Estimação de consequências; 6. Avaliação das alternativas; 7. Seleção da melhor alternativa e; 8. Execução da decisão (Bazerman 2014BAZERMAN, M. Processo decisório. 8.ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014., p.3; Hammond et al., 2017HAMMOND, J. S.; KEENEY, R. L.; RAIFFA, H. Decisões inteligentes. Rio de Janeiro: Alta Books, 2017., p.5; Spetzler et al., 2016SPETZLER, C.; WINTER, H.; MEYER, J. Decision quality: value creation from better business decisions. Hoboken: Wiley, 2016., p.158). A IA pode atuar em cada uma dessas etapas.

Este estudo considera que os casos de uso de IA classificados como DM são aqueles nos quais o processo de decisão da empresa é realizado por uma máquina, sem interferência humana. Ou seja, o output do sistema é uma decisão que não é modificada ou validada por um humano ou outro sistema da empresa. Nas aplicações classificadas como DM, o sistema de IA toma decisões para a empresa.

Quanto a sistemas de suporte à decisão (Alyoubi, 2015ALYOUBI, B. A. Decision support system and knowledge-based strategic management. Procedia Computer Science, v.65, p.278-84, 2015., p.279), este estudo considera, ao classificar uma aplicação como DSS, que essa apoia o processo decisório da empresa, em uma ou mais de uma etapa decisória, sendo o tomador da decisão final um ser humano (Alexander et al. 2018ALEXANDER, A.; KUMAR, M.; WALKER, H. A decision theory perspective on complexity in performance measurement and management. International Journal of Operations & Production Management, v.38, n.11, p.2214-44, feb. 2018., p.2234). Em outras palavras, o output do sistema é usado por colaboradores humanos da empresa para tomar uma decisão. É importante notar que a unidade de análise é a tomada de decisão da empresa e não as decisões tomadas dentro do sistema de suporte à decisão (Sichman, 2021SICHMAN, J. S. Inteligência artificial e sociedade: avanços e riscos. Estudos Avançados, São Paulo, v.35, p.37-50, jan. / abr. 2021., p.39-41)

Essas várias dimensões da tomada de decisão foram utilizadas na classificação das aplicações de IA e condensadas em um “Mapa Decisório” (Figura 3) apresentado na seção de Resultados.

Descrição das etapas de coleta, classificação e análise de dados

As principais etapas que compuseram o desenvolvimento desta pesquisa, a fim de estruturar o trabalho colaborativo de um grupo de sete pesquisadores, são descritas a seguir:

1 Levantamento de aplicações de IA

Para garantir um levantamento abrangente de aplicações, a busca de casos de uso de IA foi orientada por classificações existentes, em mídia profissional e de negócios, que buscam cobrir um escopo amplo de aplicações de IA em organizações (por exemplo, Gerbert et al., 2017GERBERT, P. et al. The building blocks of artificial intelligence. In: BCG Henderson Institute, 2017. Disponível em: <https://www.bcg.com/publications/2017/technology-digital-strategy-building-blocks-artificial-intelligence>. Acesso em: 30 abr. 2020.
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). Optou-se por utilizar a classificação de Walch (2019WALCH, K. The seven patterns of AI. 2019. Disponível em: <https://www.forbes.com/sites/cognitiveworld/2019/09/17/the-seven-patterns-of-ai/>. Acesso em: 28 jul. 2020.
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) consistindo em sete padrões (patterns) com os respectivos “high-level problems” empresariais. Essa escolha favorece o levantamento de aplicações de IA que abrange tais “high-level problems” e não as tecnologias de IA. Cada autor desse trabalho ficou responsável por identificar aplicações, geralmente via busca na Internet, em um padrão segundo Walch (2019). Por exemplo, para o padrão “Hyperpersonalization”, a busca foi realizada com palavras chaves tais como: hyperpersonalization, IA, decision making etc. Diversas aplicações foram identificadas em sites de fornecedoras de tecnologias de IA, nessa situação, somente interessa para o presente estudo em levantar como as organizações clientes, dessas fornecedoras, utilizam essas tecnologias. Foram também coletados casos de uso em fontes que compilam as aplicações de IA tais como em livros (exemplo: Marr; Ward, 2019MARR, B.; WARD, M. Artificial intelligence in practice: how 50 successful companies used AI and machine learning to solve problems. Hoboken: John Wiley & Sons, 2019.) e em repositórios (exemplo: www.bestpractice.ai).

Ao identificar um caso de uso de IA numa organização, o pesquisador verifica a existência de dados suficientes para caracterizar a aplicação de acordo com as dimensões de Tomada de Decisão acima descritas e depois realizar uma classificação inicial em termos de AF, AD, ND e DM/DSS. Adicionalmente, o pesquisador coleta dados sobre o tipo de problema resolvido pela IA, o perfil da organização usuária e o seu setor industrial. Esses últimos tipos de dados fornecem informação sobre o contexto de aplicação de IA. Caso a fonte original não forneça informação suficiente para esta caracterização, buscas adicionais, sobre este caso de uso, são realizadas para a complementação de dados.

Como o foco desta pesquisa está em usos de IA em decisões de negócios, incluímos, neste estudo, as aplicações já implementadas ou em estágio piloto. Foram excluídas as aplicações de IA em Engenharia e Pesquisa & Desenvolvimento e aquelas incorporadas a produtos, tais como carros, por não envolveram decisões de gestão. Também foram excluídas aplicações gerais, como sistemas corretores de textos e filtros de spam.

Ao final desse processo de identificação de aplicações de IA, foram considerados 128 casos de uso de IA em tomada de decisão nas organizações que passaram para a próxima etapa da pesquisa: classificação e confirmação das dimensões do mapa decisório de cada caso de uso.

A Figura 1 apresenta o objeto da pesquisa (caso de uso de IA) e os tipos de dados coletados para essas aplicações.

Figura 1
Representação do universo de pesquisa.

2 Classificação de cada aplicação conforme dimensões da tomada de decisão

Como descrito anteriormente, a partir de dados coletados para cada caso de uso de IA levantado, o pesquisador que o identificou faz uma classificação inicial das dimensões de Tomada de Decisão (AD, AF, ND e DM/DSS). Na presente etapa desta pesquisa, esse conjunto de 128 casos de uso de IA, com suas classificações iniciais, passa por um processo de revisão dessas classificações.

Esse processo consiste de dois estágios de revisão. No primeiro estágio, todos os casos de uso da mesma AF são revisados por autores desse trabalho que atuam nesta área disciplinar (geralmente como docentes). Por serem conhecedores de uma AF, esses autores têm mais condição de criticar ou confirmar as classificações iniciais, particularmente as AD e os ND. O segundo estágio consiste em uma revisão de todos os 128 casos de uso por um único autor desta pesquisa. Dessa maneira, garantindo a capacidade de replicação do estudo (Amit; Zott, 2001AMIT, R.; ZOTT, C. Value creation in e-business. Strategic Management Journal, Chicago, v.22, n.6-7, p.493-520, june / july 2001., p.500) e uma maior consistência entre as classificações dos casos de uso de IA.

Em resumo, cada caso de uso foi analisado por três pesquisadores, em momentos diferentes da análise, e eventuais questões de diferenças de interpretação quanto à classificação, em termos das dimensões de tomada de decisão, foram discutidas em reuniões com a participação de todos os pesquisadores, para que se chegasse ao consenso em cada caso. As revisões e discussões sobre a designação permitiram refinar e consolidar as definições de categorias do mapa decisório.

3 Análise das aplicações conforme a classificação realizada

Após a confirmação das classificações dos 128 casos de uso no mapa de decisões, foram realizadas análises buscando identificar padrões e comparações que permitissem reflexões mais aprofundadas.

Em um nível macro de granularidade, foi comparada a adoção das soluções de IA considerando os diferentes setores econômicos. Também foram realizadas comparações das AF que tiveram seus processos impactados pelas soluções de IA. Em seguida, foram realizados cruzamentos entre setor econômico e AF. Posteriormente, considerando um nível de granularidade intermediário, foram realizadas análises considerando os principais AF e ND, buscando identificar em quais AD a IA mais atua. Finalmente, foram comparados os diferentes ND, considerando particularmente a Gestão de Operações.

A Figura 2 resume as etapas descritas.

Figura 2
Etapas de coleta, classificação e análise de dados.

Resultados

Os resultados desta pesquisa são apresentados em três partes nesta seção. Inicialmente apresentam-se os resultados em nível macro: um mapeamento das aplicações de IA analisadas, conforme os conceitos de classificação; análise das aplicações de IA por setor econômico e AF no mapeamento de decisão. Em seguida, uma comparação entre os casos de uso em Marketing e em Operações no nível operacional, onde se encontra o maior número de aplicações. Na sequência, apresenta-se uma discussão das aplicações em Operações a nível tático e a nível operacional.

Mapeamento das Decisões e Classificação das Aplicações de IA

No contexto desta pesquisa, buscou-se criar um mapa decisório em organizações que incluísse os principais tipos de decisão de negócios.

A Figura 3 mostra uma representação esquemática que resume as dimensões em Tomada de Decisão consideradas nas análises realizadas, assim como, a concentração das aplicações conforme essas dimensões.

Figura 3
Representação esquemática das dimensões em tomada de decisão consideradas - Mapa Decisório.

Setores e áreas funcionais das aplicações

Na análise das aplicações, ou casos de uso, por setores de mercado cruzados com as áreas funcionais das empresas (Quadro 1), destaca-se primeiramente o número de casos de uso no setor de bens de consumo e bens discricionários (varejo) nas funções de Operações e Marketing, seguido de indústria e materiais em Operações e Administração, e ainda o setor financeiro na função de Operações. Observa-se que quase 70% dos casos de uso ocorrem em Operações. Apesar das diferenças de abordagens, esta pesquisa chegou a resultados similares aos de várias consultorias (Chui et al., 2018CHUI, M. et al. Notes from the AI frontier: applications and value of deep learning. In: Anais, 2018. Disponível em: <https://www.mckinsey.com/featured-insights/artificial-intelligence/notes-from-the-ai-frontier-applications-and-value-of-deep-learning>. Acesso em: 5 dez. 2021.
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; KPMG, 2018 e appliedAI). Como exemplo, uma contagem de fornecedoras de tecnologias de IA encontradas no site da appliedAI mostra que Marketing/Vendas conta com 306 empresas, Gestão de Operações com 139, TI com 79 e RH com 30. O estudo “AI Index Report”, da universidade de Stanford (Zhang et al., 2021ZHANG, D. et al. The AI index 2021 annual report. Stanford: Stanford University, 2021., p.99), sugere que as funções onde as empresas são mais propensas a adotar IA variam de acordo com o setor. Em todos os setores, os casos de uso pesquisados destacam a área de Operações acima de todas as demais.

Quadro 1
Casos de Uso por Área Funcional em Setores de Mercado

Observa-se que, no setor de Saúde, nenhuma aplicação é detectada na área de Marketing. Em contraste, no setor de Bens de Consumo e Discricionários (ou varejo), as aplicações de IA em atividades de Marketing e Operações são as mais numerosas.

Apresenta-se a seguir a distribuição de DM e DSS por setor e por AF. A Figura 4 mostra que os setores de Finanças, Varejo e Serviços de Comunicação contam com a maior participação de DM, provavelmente substituindo o tomador de decisão humano e/ou oferecendo novos serviços. Exemplos são os sistemas de recomendações, em Bens de Consumo e Discricionários (Varejo), como nos casos de uso das empresas Amazon e Netflix.

Por outro lado, no setor de Saúde temos uma participação menor de casos DM (10%), sendo a maioria das aplicações DSS em apoio à decisão de médicos. Exemplos de empresas fornecedoras desses sistemas são Elsevier e Infervision. A função chave desses sistemas é a de identificação do problema, ou a atividade de “análise” (Size-up), antes do processo de produção, que é a etapa de “configuração para produção” (Set-up & Production).

Figura 4
Decisões automatizadas pela IA e de suporte à decisão humana, por setor.

A participação de DM ou DSS nas áreas funcionais (AF) está na Figura 5. As áreas de Finanças e de Marketing contam com maior participação de DM. Em Finanças, temos 66,7% de casos de DM, muitos relacionados com algoritmos de conversa (chat bots) utilizados no atendimento ao cliente; ou algoritmos de automação de trading, como no caso de uso da Stocker.

Em Marketing, 54% dos casos é DM. A aplicação típica é o sistema de recomendação da Amazon. As áreas com menor participação de DM são Administração e Operações (Figura 5). 26,4% dos casos de Operações são DM, como no caso de uso da John Deere, que utiliza a IA para reduzir a poluição por pesticidas na agricultura.

Análise de casos de uso em Operações e Marketing a nível Operacional

Nesse nível, os casos de uso se concentram em duas áreas funcionais - Gestão de Operações e Marketing - com ênfase para a primeira. São regiões com a maior “densidade habitacional” de aplicações de IA no mapa decisório (Figura 3). A maior concentração de casos de uso nessas duas áreas permite uma análise mais detalhada para entender melhor a penetração da IA, e diferenciando situações em que a IA é usada como um DSS ou DM. Nessa segunda situação, a IA pode substituir o tomador de decisão humano ou oferecer um novo serviço que seja de difícil execução por humanos. Na primeira situação, utilizando o arcabouço de tomada de decisão, analisa-se em que etapa decisória a IA pode apoiar a tomada de decisão da empresa. Consequentemente, pode-se inferir como a IA afeta os trabalhos humanos nas empresas. Para tanto, são analisadas as decisões específicas tomadas em cada Área de Decisão utilizando a IA, nestas duas células, identificando os tipos de atividades executadas com apoio de IA (Quadro 2). Essa análise, de granularidade mais fina (um mapa de escala maior), permite discernir os tipos de atividades de gestão nos quais a IA atua como DSS e aqueles nos quais a IA toma decisões para a empresa (DM). Exemplos utilizados para ilustrar o processo de análise são os casos da AD Personal Selling (na AF de Marketing a nível Operacional). Posteriormente discute-se os resultados para outras AD.

Figura 5
Percentual de decisões automatizadas pela IA e de suporte à decisão humana, por área funcional.

Uma análise dos casos de uso em Personal Selling permitiu agrupar as atividades executadas em quatro tipos: Personalização de Web Page, Comunicação e Publicidade personalizada, Sistema de recomendação, e Análise e classificação de perfil de clientes (Quadro 2).

Em atividade de Personalização de Web Page a apresentação da página do site da empresa se ajusta ao histórico de visitas de cada usuário de acordo com a sua preferência revelada. Dado o grande volume de visitas aos sites e a necessidade de resposta quase instantânea, esse tipo de sistema de IA executa essa atividade automaticamente, realizando quase todas as etapas do processo decisório com papel de DM. O termo “quase” foi utilizado para destacar que geralmente o problema decisório já é definido, por exemplo: oferecer web-page apropriada para o cliente. Estes são os casos de uso da Swisscom AG e da ASOS.

O segundo tipo de aplicações em Personal Selling é a comunicação e publicidade personalizada para os clientes. De acordo com histórico e preferência dos clientes, a empresa direciona as promoções específicas para cada indivíduo, via celular. Para tanto, o sistema identifica o cliente (etapa de definição do problema) e seleciona mensagens específicas de acordo com o seu comportamento passado (etapas de gerar e selecionar as alternativas). Dado o volume de clientes envolvidos, esses sistemas executam essas comunicações automaticamente sendo, portanto, DM, tais como os casos de uso da Macy’s e da Starbucks.

Um terceiro tipo de aplicações são os Sistemas de Recomendações de produtos e serviços de empresas como a Amazon. Uma grande parte desses sistemas toma decisões pelas empresas (DM). Entretanto, há sistemas que são DSS como o da Stitch Fix, onde o IA interage com estilistas para definir as recomendações de vestimenta para os clientes.

Finalmente, há sistemas que analisam dados de clientes e fornecem classificações para apoiar o desenvolvimento de produtos ou campanhas de vendas. Esse tipo de sistema funciona como DSS, oferecendo uma classificação de clientes (uma estruturação do problema em processo decisório). Um exemplo é o caso de uso da Northern Trail Outfitters.

Em resumo, dos quatro tipos de atividade identificados nos casos de Personal Selling, três são essencialmente DM. Nesses três tipos de atividades a IA não está substituindo o trabalho humano, pois realiza atividades novas viabilizadas pela Internet e inviáveis de ser executadas por seres humanos.

A partir dessa metodologia outras ADs de Marketing e Gestão de Operações no nível Operacional foram analisadas e os resultados apresentados no Quadro 2.

Na AF Gestão de Operação e nível Operacional, todas as AD contam com aplicações de IA. A maioria é classificada como AD Size-up, Set-up & Production; ou Inventory & Purchasing; ou Quality (Quadro 2). A análise a seguir foca seletivamente em alguns aspectos da primeira AD.

Quadro 2
Gestão de Operação e de Marketing em Nível Operacional

Na maioria dos casos da AD Size-up, Set-up & Production, é executada uma parte da atividade de produção ou prestação de serviços. Em termos do processo decisório, as aplicações de IA em Size-up desempenham basicamente as etapas de reconhecimento e definição de problemas, sendo consideradas DSS. Um exemplo está em assistência médica, onde a IA utiliza a tecnologia de reconhecimento de imagens para identificar a patologia (Infervision). Tipicamente, em prestação de serviços, cada cliente individual é diferente. Portanto a atividade de Size-up é necessária antes de executar o Set-up e a Produção.

Em atividade de Set-up, também há aplicações em medicina: a Elsevier sugere a melhor opção de tratamento a partir dos dados do próprio paciente e da literatura pertinente. Todos os casos de aplicação nessa atividade são DSS. Na perspectiva de tomada de decisão, trata-se de recomendações de soluções para problemas identificados.

Nas atividades de produção ou prestação de serviço identificam-se dois grupos de aplicações. Um grupo menor, constituído de casos de DM, onde o sistema executa uma atividade de produção automaticamente, isto é, realiza Size-up, Set-up e Produção; e outro grupo maior, constituído de casos de DSS, aonde a IA executa somente uma parte da atividade de Produção.

Nos casos em que a IA executa um processo completo de tomada de decisão, temos várias aplicações no setor agrícola, como o da empresa Abundant Robots, que oferece um equipamento que coleta maçãs automaticamente. Outras aplicações de IA na execução completa de uma tarefa de produção são encontradas no setor bancário, como o sistema de gestão de carteiras de investimento de clientes da BlackRock. Esse último é a quarta geração na sua evolução. As gerações anteriores são do tipo DSS.

No grupo em que a IA executa uma parte da atividade de produção, portanto DSS, há uma grande diversidade aparente de aplicações, causada principalmente pela multiplicidade de setores envolvidos. Entretanto, ao analisar onde atua a IA ao longo do processo produtivo percebe-se que existem aplicações que atuam no início do processo genérico. Outras atuam no meio desse processo e, finalmente, outras atuam mais no final da etapa de produção. Ao classificar essas aplicações dessa forma, fica mais evidente que cada etapa demanda um conjunto específico de tecnologias de IA. Por exemplo, para realizar essas tarefas no início do processo produtivo, as tecnologias de reconhecimento de imagens e de textos são aparentemente chaves nesses sistemas.

O Quadro 3 sumariza as aplicações acima descritas para as AF de Marketing e de Gestão de Operações no nível Operacional. Nota-se claramente que as aplicações de Gestão de Operações são predominantemente DSS. Em contrapartida, as aplicações em Marketing são dominadas pelo DM.

Quadro 3
DSS e DM em Gestão de Operação e Marketing a Nível Operacional

O Quadro 4 apresenta uma análise mais detalhada de DSS na perspectiva do processo decisório. Para cada aplicação identifica-se em que etapa do processo decisório a IA oferece apoio. Num grupo estão as etapas de reconhecimento e de formulação de problema, e em outro, as etapas de geração e de seleção de alternativas de solução. As aplicações de IA para apoiar as etapas decisórias de reconhecimento e formulação de problema são dominantes, principalmente em Size-up e Quality. Em seguida estão as aplicações de IA que sugerem alternativas de soluções para o problema decisório. Por último, estão as aplicações que implementam, pelo menos parcialmente, a decisão tomada. Esse resultado tem implicações para os trabalhos humanos. Por exemplo, no sistema da Infervision que apoia os radiologistas em detecção de doenças, a IA pode incrementar a produtividade ou, por outro lado, pode reduzir a demanda por radiologista em hospitais.

Gestão de Operações: níveis Estratégico, Tático e Operacional

A partir da análise de aplicações em nível operacional na Gestão de Operações (Quadros 2, 3 e 4), discutem-se a seguir as semelhanças e diferenças com os casos de uso de nível tático na mesma AF. Em termos do mapa de decisão, esta análise é um zoom in na “região” da coluna Operações do Quadro 1. A discussão inicia-se com uma revisão das AD em Gestão de Operações.

A literatura recente de administração tem estudado os desafios e complexidades do gerenciamento de operações na indústria de serviços globalizada (McManus et al., 2019; Parker, 2018PARKER, D. W. Service operations management. 2.ed. Cheltenham: Edward Elgar Pub, 2018.). Bordoloi et al (2018BORDOLOI, S.; FITZSIMMONS, J.; FITZSIMMONS, M. Service management: operations, strategy, information technology. 9.ed. New York: McGraw-Hill Education, 2018.) chamam a atenção para diferenças significativas nos processos e atividades desempenhados pelas áreas de Operações de indústrias de manufatura e as áreas de Operações de empresas

Quadro 4
Tipos de DSS na Perspectiva do Processo Decisório

prestadoras de serviços. Tais diferenças afetam diretamente as Áreas de Decisão, tanto no objeto como no nível da decisão a tomar. A fim de compatibilizar AD de Operações em indústrias com as de Operações em organizações de serviços, foram propostas as Áreas de Decisão em Operações conforme Quadro 5. Um exemplo dessa compatibilização é a AD de Size-up, Setup & Production (nível Operacional), que concentra 36% dos casos analisados.

O Quadro 5 mostra o número de casos de uso, em cada AD, na Gestão de Operações, sendo que todos os casos táticos e neoestratégicos são DSS. Nota-se a diferença entre os números de nível operacional (71 casos de uso) e os de nível tático/estratégico (16 casos de uso). Uma análise inicial constatou que, nos casos de nível tático, a aplicação atua mais na etapa de reconhecimento e formulação do problema (exemplo: caso de uso do San Francisco Airport) do que na etapa de geração e sugestão da solução (exemplo: caso de uso da Big River Steel). Tal padrão também é observado nos casos de ND operacional. Porém, uma análise mais aprofundada mostra uma diferença entre os níveis tático e operacional: os tipos de dados usados (Quadro 6).

As aplicações de IA demandam grandes volumes de dados. Lee (2018LEE, K. F. AI super-powers: China, Silicon Valey, and the new world order. Boston: Houghton Mifflin Harcourt Company, 2018.) aponta três necessidades para o treinamento de algoritmos de aprendizado de máquina: poder computacional, talento técnico (humano) e muitos dados. Dentre esses três aspectos, o volume de dados é o mais importante (Lee, 2018).

Quadro 5
Quantidade de Casos de Uso por Área de Decisão em Operações

De forma geral, muitas aplicações de IA a nível Operacional são viabilizadas em situações com alta frequência de decisões, encontradas em instituições financeiras, como os casos Standard Bank e Bancolombia. Ambas as organizações utilizam IA para reduzir seus custos de transação e tempos de resposta enquanto aumentam a assertividade de operações como decisões de aplicações financeiras, negociações e concessão de crédito.

Nas decisões de nível tático, menos frequentes do que as de nível operacional, o uso de IA se justifica pela utilização de grandes: (a) massas de dados; (b) capacidade analítica e; (c) capacidade de simulação. O projeto Internet para Todos exemplifica essa situação. A Telefonica estabeleceu parceria com o Facebook, que usou imagens de satélite de alta definição para obter dados sobre geografia de algumas regiões e sobre comunidades mal atendidas por infraestrutura física e de telecomunicações. Unindo tais dados a informações sobre localização de seus transmissores e torres, aplicou aprendizado de máquina para identificar localizações geográficas com alta concentração de pessoas e condições adequadas para instalação de torres e transmissores de telecomunicações.

As aplicações estudadas em todos os demais casos de uso de nível de decisão tático, estratégico e neoestratégico apresentam comportamento semelhante ao do caso Telefonica. Embora a frequência da decisão não seja alta, as aplicações processam grandes volumes de dados, o que exige grande capacidade analítica e de simulação.

Quadro 6
Tipos de Dados por Número de Casos de Uso em Operações

Considerando os tipos de dado utilizados nos diversos níveis de decisão em Operações, constatou-se que as aplicações de IA que envolviam decisões Operacionais se utilizavam mais de áudio, imagem e vídeo (29,5% no Quadro 6) contra 12% dos demais níveis. Ou seja, nos demais níveis se usam mais dados alfanuméricos (87,5% no Quadro 6). Uma possível explicação para a predominância do uso de texto em aplicações que envolvem decisões de nível acima do operacional, é que, diferentemente dos demais tipos, dados alfanuméricos permitem totalizações, tratamentos estatísticos tais como estabelecimento de correlações, identificação de padrões (sazonalidades, por exemplo) e busca de insights, sendo adequados para suportar decisões de nível tático ou estratégico, realizar previsões e possibilitar o desenvolvimento de cenários e a elaboração de simulações. Por outro lado, os casos de nível Operacional envolvem decisões de curto prazo e, por isso, possibilitam o uso de diversos tipos de dados, tais como: (a) uso de texto alfanumérico em decisões de aceitação ou rejeição de transação financeira (Bancolombia); (b) uso de imagens de drones para avaliar melhor as faces das rochas em seus locais, a fim de determinar encostas ideais para a explosão de minas (Freeport-McMoRan); (c) Uso de voz de clientes para autenticá-los automaticamente no sistema de serviços bancários (Barclays).

Outro ponto a atentar é o fato de várias AD de nível estratégico (desenho de produtos e serviços, decisões de pessoal e decisões de processos) não terem nenhum caso de uso mapeado. Embora isso possa apenas indicar a necessidade de abrangência da pesquisa, recomenda-se aprofundamento no tema para verificar se o uso da IA é aplicável a tais situações. Pode-se argumentar, por exemplo, que algumas decisões estratégicas demandam informações que não estão disponíveis, inviabilizando o uso da IA devido à impossibilidade de se reunir dados suficientes para suportar uma decisão estratégica robusta. Por exemplo, quando se lança uma inovação disruptiva, não se dispõe de dados históricos a seu respeito.

Quanto às AD de Operações de nível tático, não foram encontradas aplicações de IA que tratassem de política de inventário e de qualidade. Aqui também é preciso averiguar se é apenas uma questão de abranger a pesquisa para incorporar mais casos de uso ou se tal inexistência de casos se deve a limitações inerentes a pré-requisitos de uso da tecnologia de IA.

Considerações finais

Este estudo empregou as teorias de decisão como lentes para analisar e refletir sobre como a IA é utilizada nas Organizações. Os resultados empíricos mostram que a IA está mudando principalmente o processo decisório em nível operacional, particularmente em Marketing e Operações. Essas mudanças ocorrem de forma diferente: as aplicações DM são mais frequentes em Marketing do que em Operações. Em Marketing, aplicações de IA criam novas decisões que não eram viáveis em tempo ou formato envolvendo somente humanos, ou contribuem para maior efetividade de decisões humanas. Estudos futuros poderão analisar melhor as razões dessas diferenças.

Este estudo é um piloto da metodologia adotada. Apesar dos resultados obtidos serem consistentes com aqueles da literatura profissional e acadêmica, a amostragem utilizada necessita ser ampliada para garantir a abrangência das conclusões. Por exemplo, as lacunas identificadas em algumas AD poderiam ser desafiadas com uma amostragem maior. Adicionalmente, o presente mapeamento é estático: estudos futuros poderão utilizar essa mesma abordagem para monitorar a evolução de IA. Exemplos são: observar aumento de DM dentro de AD, ou monitorar a penetração de inovação tipo ChatGPT no mapa decisório. Outra possível linha de estudos futuros é investigar usos de IA em relação a processos sem o uso de IA em termos de qualidade de decisão (Spetzler et al., 2016SPETZLER, C.; WINTER, H.; MEYER, J. Decision quality: value creation from better business decisions. Hoboken: Wiley, 2016.).

Ainda que consideradas de extrema relevância as questões envolvendo a interação entre seres humanos e IA e suas implicações (Sichman, 2021SICHMAN, J. S. Inteligência artificial e sociedade: avanços e riscos. Estudos Avançados, São Paulo, v.35, p.37-50, jan. / abr. 2021., p.42-4), este artigo não aborda as implicações éticas, sociais e psicológicas relacionadas ao tema.

Como contribuição da pesquisa, verifica-se que AD (gestão de estoque, por exemplo) e dados relacionados são similares em tipos de problemas encontrados, independente do setor, o que pode dar indícios de como a IA pode ser utilizada ou como pode ameaçar posições de trabalho ou torná-las mais produtivas ou de melhor qualidade. A metodologia proposta também contribui ao correlacionar as classificações tecnológicas de IA aos conceitos de decisão que são mais próximos da linguagem dos gestores e dos pesquisadores em Administração que têm de lidar com os desafios de IA. Adicionalmente, o arcabouço proposto pode contribuir para gestores e outros stakeholders refletirem e agirem dentro do contexto dos sistemas sociotécnicos.

O presente estudo contribui ao propor uma metodologia de identificação de onde IA está sendo utilizada na tomada de decisão nas organizações, e com isso identifica os pontos de impacto da IA. Não é prescritivo no sentido de indicar caminhos do porquê ou como, mas pode apoiar a criar uma ponte de linguagem e diálogo entre gestores e acadêmicos de administração e suas contrapartes em tecnologia da informação, sobre o que muda com a IA.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2024

Histórico

  • Recebido
    26 Jan 2023
  • Aceito
    27 Fev 2024
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