Open-access Formação de Professor: reflexões da educação matemática no ensino superior

RESUMO

Este artigo mapeia as produções sobre Formação de Professores de Matemática geradas pelo Grupo de Trabalho Educação Matemática no Ensino Superior, da Sociedade Brasileira de Educação Matemática, e tem por objetivo realizar análises, dentre outros aspectos, a respeito da formação inicial do professor de Matemática, do papel do estágio supervisionado obrigatório e do desenvolvimento profissional docente. Buscamos evidenciar as inquietações que pesquisadores cuja área principal de interesse é o ensino em nível superior têm sobre a formação inicial e continuada de professores de Matemática. Identificamos, por meio de uma Análise de Conteúdo, seis eixos nos quais se aglutinam as temáticas apresentadas no corpus de análise.

Palavras-chave Formação de Professores; Matemática; Educação Matemática; Ensino Superior; Mapeamento de Pesquisas

ABSTRACT

This paper maps the productions of the Mathematics Teachers Training generated by the Working Group on Mathematical Education in Higher Education, of the Brazilian Society of Mathematical Education. This investigation is aimed to analyze, among other aspects, the initial training of Mathematics teachers, the role of supervised internship practice and the development of the teaching professional. We sought to highlight the concerns that researchers, whose main field of interest is teaching in Higher Education, have about the initial and continued training of Mathematics teachers. We have identified, by means of Content Analysis, six pillars in which the topics presented in the body of the analysis are concentrated.

Keywords Teacher Training; Mathematics; Mathematical Education; Higher Education; Mapping of Researches

Introdução

Como professores de Matemática, educadores matemáticos e membros do Grupo de Trabalho Educação Matemática no Ensino Superior (GT04) da Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM), criado em 2000, sentimos a necessidade de mapear a produção desse GT desde sua criação, abrangendo trabalhos apresentados por seus membros nas seis edições do Seminário Internacional de Pesquisa em Educação Matemática (SIPEM), bem como dois livros e um número temático de uma revista científica organizados pelo Grupo. Esse mapeamento, ainda em construção, faz parte de um projeto mais amplo e abrangeu uma etapa inicial constituída pela identificação, em um corpus de 139 artigos, dos autores de tais trabalhos, das instituições às quais são filiados, da temática e do objeto matemático tratado e dos sujeitos de pesquisa envolvidos. Nesse levantamento inicial, detectamos oito investigações cuja temática é a formação de professores de Matemática, as quais serão detalhadamente analisadas neste artigo.

Dentre os Grupos de Trabalho da SBEM, há um específico sobre a Formação de Professores que Ensinam Matemática: o GT07. É importante perceber quais são as questões enfatizadas sobre esse tema em um GT que não se destina explicitamente a essa temática, que são as inquietações que pesquisadores cuja área principal de interesse é o ensino em nível superior apresentam em relação à formação inicial e continuada de professores de Matemática. Inventários como este que nos propusemos a realizar, além de serem relevantes para a Educação Matemática, podem contribuir para estabelecer um diálogo mais estreito entre as produções do GT04 e do GT07 e também para a percepção de pontos comuns, de divergências e de especificidades das pesquisas produzidas no âmbito desses dois grupos, em função de seus principais focos de análise. Pesquisas do tipo mapeamento permitem, dentre outros aspectos, compreender e sistematizar o que já foi investigado em determinado campo e conhecer como a produção acadêmica na área evolui historicamente. É possível ainda estabelecer relações entre as diferentes pesquisas já realizadas e, consequentemente, identificar temáticas recorrentes e apontar novas perspectivas.

Metodologia

Para a coleta, categorização e análise dos dados relativos às produções do GT04 sobre Formação de Professores de Matemática, recorremos a preceitos da Análise de Conteúdo, segundo Bardin (2001). Tal metodologia prevê os seguintes procedimentos: a pré-análise, a exploração do material e o tratamento e interpretação dos resultados obtidos. O primeiro deles, segundo Bardin (2001, p. 121), “[...] é a fase da organização propriamente dita”, que “[...] tem por objetivo tornar operacionais e sistematizar as ideias iniciais, de maneira a conduzir a um esquema preciso do desenvolvimento das operações sucessivas, num plano de análise”. Essa fase contempla ações tais como: (i) a escolha dos materiais a serem analisados, (ii) a formulação de hipóteses e objetivos e (iii) a elaboração de indicadores que fundamentem a interpretação final.

No caso desta pesquisa, decidimos a priori que o corpus, definido por Bardin (2001, p. 122) como “[...] o conjunto dos documentos tidos em conta para serem submetidos aos procedimentos analíticos”, seria constituído pelos textos completos dos trabalhos sobre Formação de Professores de Matemática apresentados no âmbito do GT04 nas edições do SIPEM, pelos artigos relativos à temática publicados nos livros Educação Matemática no Ensino Superior: pesquisas e debates (Frota; Nasser, 2009) e Marcas da Educação Matemática no Ensino Superior (Frota; Bianchini, 2013; Carvalho, 2013). Finalmente, pelos textos sobre o tema presentes no volume 15, número 3, publicado em 2013, da revista Educação Matemática Pesquisa (EMP), do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática da PUC-SP.

Sobre as regras explicitadas por Bardin (2001) para a seleção dos materiais a serem analisados, podemos afirmar que o corpus de análise considerado neste trabalho é representativo, uma vez que a amostra selecionada compreende todas as principais publicações do GT04 sobre a temática em foco. É também homogêneo, uma vez que nenhum documento apresenta singularidades em relação aos critérios de escolha, e pertinente, já que, como fonte de coleta de dados, os documentos são adequados aos objetivos da investigação realizada.

O Quadro 1 traz informações gerais sobre os textos analisados. Convém salientar que entramos em contato com a autora do primeiro trabalho listado neste quadro, visando ter acesso ao texto completo, mas, não obtendo retorno, limitamo-nos a tecer sobre esse texto as considerações que nos foram possíveis a partir de seu resumo, disponível no site da SBEM.

Quadro 1
Informações Gerais sobre os Textos Analisados

Selecionados os textos, passamos a realizar uma leitura flutuante, que de acordo com Bardin (2001, p. 122) “[...] consiste em estabelecer contato com os documentos a analisar e em conhecer o texto deixando-se invadir por impressões e orientações”. Tal leitura foi empreendida sem estabelecermos nenhuma hipótese a priori, mas tendo em mente, desde o princípio, o objetivo de, a partir de aspectos discutidos nos textos selecionados, evidenciar questões que permeiam as considerações sobre formação de professores de Matemática realizadas por membros do GT04. Dessa leitura, emergiram índices, que segundo Bardin (2001, p. 126) podem ser menções explícitas a determinados temas, que passaram a nos guiar em “[...] operações de recorte do texto em unidades comparáveis de categorização para análise temática”.

Passamos então a tratar os materiais que compõem o corpus de nossa pesquisa ou, nas palavras de Bardin (2001), realizar a codificação dele, ação que compreende o recorte do texto nas chamadas unidades de análise, e a definição das categorias de análise a partir da classificação e da agregação de tais recortes. Em nosso caso, os recortes se deram por unidades de registro, que são “[...] unidades de significação a codificar e correspondem aos segmentos de conteúdo a considerar como unidades de base” (Bardin, 2001, p. 130). Especificamente, adotamos como unidades de registro as diferentes temáticas tratadas referentes à Formação de Professores de Matemática nos textos analisados.

Essas temáticas relacionam-se a aspectos como:

  • Que professor desejamos formar por meio de um curso de Licenciatura em Matemática?

  • Como deve ser estruturado tal curso para dar conta dessa formação?

  • Qual deve ser a formação do formador de professores de Matemática e que preocupações este deve manifestar em seu trabalho?

  • Qual o papel do estágio supervisionado obrigatório na formação do licenciando?

  • Como o professor já formado pode efetivamente desenvolver-se profissionalmente?

Tais aspectos dizem respeito especificamente à formação do docente da Educação Básica, mas há nos textos analisados outra temática relativa à docência universitária de Matemática praticada não necessariamente em um curso de Licenciatura. Neste caso, destaca-se a importância de que o professor do Ensino Superior desenvolva pesquisas sobre sua própria prática.

Finalmente, procedemos à categorização dos dados obtidos da leitura dos textos selecionados, ou seja, agrupamo-los em categorias, que conforme Bardin (2001) são classes que reúnem grupos de unidades de registro sob um título genérico em razão das características comuns desses elementos. Definimos então as seguintes categorias temáticas:

  • C1: O bom professor de Matemática.

  • C2: A formação inicial do professor de Matemática.

  • C3: O estágio supervisionado obrigatório.

  • C4: A formação e as preocupações a serem manifestadas em seu trabalho por um formador de professores de Matemática.

  • C5: O desenvolvimento profissional docente.

  • C6: Pesquisas sobre a própria prática no Ensino Superior.

Passamos então a apresentar considerações a respeito de cada uma das categorias construídas.

Análises Relativas às Categorias Construídas

A partir da leitura dos trabalhos selecionados, e guiando-nos pelos preceitos da Análise de Conteúdo segundo Bardin (2001), definimos seis categorias de análise, contemplando todos os aspectos por nós considerados fundamentais sobre o tema formação de professores de Matemática. Nesta seção, apresentamos as análises dos dados coletados.

C1: O Bom Professor de Matemática

Uma primeira temática presente nos textos analisados diz respeito às características que devem estar presentes naquele a quem os autores se referem, por diferentes alcunhas, como bom professor de Matemática, professor competente, professor proficiente ou professor eficiente.

Viana (2009), por meio de entrevistas com professores dos ensinos fundamental, médio e superior e com estudantes de Licenciatura e de especialização em Matemática, listou características necessárias a um bom docente. Entre elas, estão: o domínio do conteúdo (sendo esta a característica mais ressaltada), o compromisso com sua tarefa de educar, a flexibilidade, a autonomia, o bom humor (no sentido de mostrar-se feliz com o que faz) e o conhecimento das características dos alunos.

Onuchic e Allevato (2009b) destacam a constante reflexão do professor sobre seu próprio trabalho, sobre a profissão e sobre os desafios nela enfrentados como características essenciais de um professor. Questionam, a partir das ideias de Ponte (2002), o que vem a ser um professor competente, de que conhecimentos e capacidades necessita, tanto do ponto de vista afetivo quanto cognitivo e social. Para elas, atualmente parece ser mais difícil ser professor do que no passado, pois hoje os docentes “[...] têm que lidar com saberes, com a tecnologia, com a complexidade social gerada, em parte, pela democratização do ensino, e com o fato de que a própria sociedade tem dificuldade em saber para que serve a escola” (Onuchic; Allevato, 2009b, p. 19).

Por outro lado, como ressaltam Onuchic e Morais (2013, p. 674) a partir das considerações de Silver (2006), hoje “[...] há uma melhor noção do que vem a ser um professor de Matemática bem ‘qualificado’”. Para Onuchic e Allevato (2009a, p. 175), tais profissionais necessitam:

  1. De uma sólida fundamentação em Estatística e Probabilidade;

  2. De uma sólida fundamentação em Geometria: plana, espacial, analítica, de transformações, euclidiana e não euclidiana;

  3. De uma base sólida em Cálculo de uma variável;

  4. De uma boa base em Álgebra e funções (ajustes de curvas);

  5. De certa familiaridade com Matemática Discreta (análise combinatória, relações recursivas, teoria dos grafos, etc.);

  6. De vivência com perspectivas pedagógicas diversas;

  7. De familiaridade com a tecnologia. Devem saber fazer uso da tecnologia em caminhos significativos. A tecnologia é empregada nesses currículos para facilitar a observação de modelos e relações e, ainda em simulações.

A citação evidencia que, como é consenso na Educação Matemática, o conhecimento de conteúdo não basta, embora seja um pré-requisito primordial àquele que ensina Matemática. O professor “[...] deve conhecer bem o que ensina e deve saber justificar o que faz” (Onuchic; Huanca, 2013, p. 310). Conforme ressalta Nóvoa, em citação reproduzida por Onuchic e Allevato (2009b), mais do que dominar o conteúdo, é necessário que o professor consiga reorganizá-lo, reelaborá-lo e então realizar sua transposição para uma situação didática em sala de aula, adequando-o “[...] às atividades escolares próprias das diferentes etapas e modalidades da Educação Básica” (Nóvoa, 2001 apud Onuchic; Allevato, 2009b, p. 8). Tais ideias são ratificadas por Onuchic e Morais (2013), que, recorrendo a Silver (2006), definem um professor de Matemática proficiente como aquele que:

Tem um conhecimento profundo de Matemática, tanto dentro quanto fora do currículo escolar; sabe como os alunos aprendem e operam mentalmente o conhecimento matemático [...], [tem] um repertório fluente de procedimentos pedagógicos (fluência procedimental para ensinar), juntamente com a habilidade para planejar aulas e materiais didáticos e para avaliar de que forma decisões e ações pedagógicas particulares podem influenciar a aprendizagem dos alunos (competência estratégica e raciocínio adaptativo para ensinar) (Onuchic; Morais, 2013, p. 674).

Menezes (2000) constatou que, na visão de alunos concluintes de um curso de Licenciatura, o bom professor de Matemática, além de dominar o conteúdo, deve buscar um relacionamento harmonioso com os estudantes. Além disso, deve lhes dar atenção levando em conta suas individualidades.

A respeito das características desejadas para um professor de Matemática, Onuchic e Allevato (2009b) também destacam contribuições de Van de Walle (2001). Para esse autor, os professores

[...] verdadeiramente eficientes, devem envolver, em seu trabalho, quatro componentes básicos: a valorização da disciplina Matemática em si mesma - o que significa ‘fazer Matemática’; a compreensão de como os estudantes aprendem e constroem ideias; a habilidade em planejar e selecionar tarefas de modo que os estudantes aprendam Matemática num ambiente de resolução de problemas; e a habilidade em integrar a avaliação ao processo de ensino para aumentar a aprendizagem e aprimorar, no dia a dia, o ensino (Onuchic; Allevato, 2009b, p. 9).

Onuchic e Huanca (2013, p. 329), tratando do docente que trabalha com a Metodologia de Ensino-Aprendizagem-Avaliação de Matemática através da Resolução de Problemas, listam ações esperadas de um bom professor. Concordamos com tais ações, que são, entre outras: “[...] preparar ou escolher problemas apropriados ao conteúdo ou ao conceito que pretende construir, deixar de ser o centro das atividades, passando para os alunos a responsabilidade pela aprendizagem que pretendem atingir”.

Tais considerações evidenciam a necessidade de se refletir sobre como formar este bom professor ou professor competente, proficiente ou eficiente. A esse respeito, discutiremos a seguir, a partir das pesquisas analisadas, alguns aspectos relacionados à formação inicial do professor de Matemática.

C2: A Formação Inicial do Professor de Matemática

Com a leitura dos documentos que compõem o corpus desta pesquisa, evidenciou-se, como esperado, uma maior frequência de investigações direcionadas às reflexões sobre a formação inicial do professor de Matemática, ou seja, sobre diferentes aspectos relacionados aos cursos de Licenciatura em Matemática. Nessas fontes são discutidos:

  • Os objetivos de tais cursos, levando-se em conta a necessidade de diferenciar a formação de professores de Matemática da formação de matemáticos;

  • Seus currículos (com destaque para o papel da Didática da Matemática e da Resolução de Problemas);

  • Os conhecimentos docentes a serem desenvolvidos na formação inicial;

  • A não terminalidade da formação do professor com a conclusão da Licenciatura.

Ao se refletir a respeito de um curso de Licenciatura em Matemática, um primeiro aspecto a considerar é o perfil do profissional que se busca formar e, nesse sentido, um ponto a ser observado é que “[...] um curso de formação inicial de professores de Matemática deve ser necessariamente diferente de um curso de Matemática que visa formar matemáticos que se dediquem prioritariamente à investigação” (Onuchic; Allevato, 2009b, p. 6-7). As mesmas autoras, a partir das ideias de Ponte (2002), destacam que a formação inicial de professores deve ter como objetivo formar profissionais efetivamente competentes para a docência, devendo-se analisar “[...] como favorecer seu desenvolvimento com vista ao exercício da profissão”.

Viana (2009) ressalta alguns objetivos a serem considerados na formação do professor de Matemática. Entre eles, propiciar ao futuro professor o domínio dos conteúdos, a formação psicopedagógica e/ou didática, o desenvolvimento da criatividade e/ou bom humor, a compreensão da relação entre teoria e prática e a oportunidade de desenvolver a autonomia. Além disso, deve-se buscar a formação do professor educador e pesquisador.

Os currículos a serem planejados para as Licenciaturas em Matemática devem contemplar momentos em que os licenciandos possam, conforme enfatizam Onuchic e Huanca (2013, p. 313-314), “[...] vivenciar experiências de superação de suas concepções errôneas em sua formação inicial, a fim de que construam sólidos conhecimentos matemáticos e sejam capazes de diagnosticá-las e de auxiliar seus futuros alunos nesse processo de superação”.

Há necessidade, segundo Viana (2009, p. 24), “[...] de adequar os currículos a uma formação que conduza os futuros professores de Matemática à compreensão mais ampla dos processos de ensino e de aprendizagem”. É importante planejar currículos que permitam ao licenciando perceber que, ao trabalhar com a Matemática na Educação Básica, mais do que desenvolver habilidades que apenas uma parcela reduzida dos estudantes irá posteriormente utilizar, é fundamental evidenciar o papel da Matemática na sociedade e sua verdadeira natureza e extensão (Onuchic; Allevato, 2009a).

Onuchic e Allevato (2009b) recuperam, a partir das ideias de Pires (2002, p. 45), três eixos que deveriam orientar o planejamento curricular de um curso de Licenciatura em Matemática. Tais eixos dizem respeito aos seguintes aspectos: “[...] (1) a concepção de competência é nuclear na orientação do curso de formação inicial de professores; (2) é imprescindível que haja coerência entre a formação oferecida e a prática esperada do futuro professor; (3) a pesquisa é elemento essencial na formação profissional do professor”.

No primeiro eixo, Onuchic e Allevato (2009b, p. 7) enfatizam, dentre as considerações de Pires (2002), a premissa de que “[...] a formulação de um curso de formação de professores não pode ter como ponto de partida um conjunto de disciplinas definido a priori, [...] mas sim a definição de competências profissionais que se pretende que o professor em formação construa ao longo de sua trajetória de formação”. Quebrar a lógica disciplinar dos cursos de Licenciatura é uma ideia defendida também por Tardif (2010), citado por Onuchic e Huanca (2013), o qual salienta que, caso tal organização em disciplinas ainda persista em alguns momentos, estas devam efetivamente contribuir para a formação do futuro professor.

Por exemplo, nos cursos de Licenciatura em Matemática, disciplinas como Cálculo, Geometria ou Álgebra não podem ser ministradas sem que se estabeleçam relações entre seus conteúdos e aqueles com os quais os licenciandos irão trabalhar em sala de aula nos ensinos fundamental e médio (Onuchic; Huanca, 2013). Nesse sentido, Onuchic e Morais (2013, p. 672) postulam que, se houver uma reformulação na maneira como se trabalha com os conteúdos na formação do professor, “[...] aquilo que ele aprendeu, na universidade, poderia vir a incorporar-se à sua prática, pois teve relação direta com o que iria ensinar”. O paradigma disciplinar pode ser quebrado, inclusive, em relação às questões didáticas, que, em razão de sua importância para a área, não devem ficar restritas a uma única disciplina que muitas vezes é ministrada no final do curso, como ressaltam Onuchic e Allevato (2009b).

Quanto ao segundo eixo proposto por Pires (2002), que diz respeito à coerência entre a formação oferecida e a prática que se espera do futuro docente, Onuchic e Allevato (2009b, p. 9) chamam atenção para um aspecto central da formação docente: o futuro professor “[...] aprende a profissão num lugar similar àquele em que vai atuar, porém numa situação invertida”. Consequentemente, reconhecendo-se a importância de que o professor da Educação Básica domine diferentes estratégias de ensino e de aprendizagem, “[...] é necessário oferecer aos licenciandos a oportunidade de vivenciar e, assim, incorporar à sua prática, metodologias alternativas de ensino e de aprendizagem” (Onuchic; Allevato, 2009a, p. 184).

Segundo investigações realizadas por Onuchic e Allevato (2009b, p. 19), “[...] os professores em serviço, muitas vezes, não dominam uma metodologia de ensino que pode se apresentar como favorável à aprendizagem em sala de aula”. É visando minimizar esse entrave que Onuchic e Morais (2013, p. 675) advogam que a vivência de diferentes abordagens metodológicas no desenvolvimento das atividades propostas na Licenciatura dará aos futuros docentes a oportunidade de “[...] examinar conteúdos matemáticos com profundidade, refletindo sobre eles, de forma a atender mais e melhor às dificuldades de seus estudantes”.

Nos artigos produzidos pelo GT04 aqui analisados, nota-se a predominância de discussões enfatizando as potencialidades da Metodologia de Ensino-Aprendizagem-Avaliação de Matemática através da Resolução de Problemas. Tais potencialidades podem ser exploradas na formação inicial de professores e, consequentemente, na atuação docente nas salas de aula da Educação Básica.

A respeito do terceiro eixo, Onuchic e Allevato (2009b) apontam a necessidade de que os docentes em formação inicial se apropriem dos resultados de pesquisas da área de Educação Matemática, para que estes possam ter efeito futuro em suas atuações em sala de aula. Além dos objetivos dos cursos de Licenciatura e de questões relacionadas a seus currículos, outro aspecto discutido pelos pesquisadores do GT04 quanto à formação de professores que ensinam Matemática refere-se aos conhecimentos docentes a serem construídos na formação inicial desses profissionais. Evidentemente, deve-se em primeiro lugar buscar o domínio dos conteúdos matemáticos (conhecimento de conteúdo), “[...] de seus significados em diferentes contextos e de sua articulação interdisciplinar” (Onuchic; Allevato, 2009b, p. 7). Mas apenas isso não basta!

Um ensino de qualidade na Educação Básica é consequência também da construção, pelos futuros professores desse nível educacional, de conhecimentos didáticos, pedagógicos, etc. (Carvalho, 2013). Onuchic e Allevato (2009b, p. 5-6) sintetizam essa ideia expondo que:

O conhecimento básico ‘que está por trás’ do ensino de Matemática deve necessariamente incluir o conhecimento de Matemática, das conexões feitas entre as ideias matemáticas, dos estudantes, da forma como os estudantes aprendem, da cultura escolar onde o trabalho está sendo feito, além de outros fatores pertinentes ao contexto escolar.

A formação do professor que ensina Matemática não se encerra, na visão dos autores dos artigos analisados, com a conclusão da Licenciatura. E isso se dá por diferentes razões.

Em primeiro lugar, ocorre por questões diretamente relacionadas a fragilidades na formação atualmente oferecida nos cursos de Licenciatura. A esse respeito, Onuchic e Allevato (2009b, p. 6-7) evidenciam que tanto docentes universitários das áreas específicas (como a Matemática, por exemplo) quanto da área da Educação “[...] reconhecem que os jovens professores não saem devidamente preparados nas matérias que irão ensinar”, seja em relação ao conteúdo ou às estratégias de ensino e de aprendizagem. Da mesma forma, os autores ressaltam que, na visão dos professores já em serviço, os jovens docentes, ao chegarem às escolas, oriundos da formação inicial, “[...] não vêm devidamente preparados naquilo que lhes seria mais necessário”. Onuchic e Morais (2013, p. 672) também apontam que:

A universidade tem deixado muito a desejar na formação inicial docente [e] o preço pago é o despreparo desses professores que, na grande maioria, quando colocados na sala de aula para exercer o papel que lhe foi designado, repetem velhas práticas, aquelas que aprenderam quando foram alunos, na Escola Básica [...] pois, nos anos que passou na universidade não lhes foi oferecida a segurança necessária para o exercício da docência (Onuchic; Morais, 2013, p. 672-673).

A formação docente não se conclui ao final do curso de Licenciatura, independentemente de sua qualidade. Por melhor que seja o curso ofertado, ainda assim será impossível, ao seu final, afirmar que a formação do professor estará completa.

Conforme afirmam Onuchic e Morais (2013, p. 672) a partir das contribuições de Curi (2011), os conhecimentos docentes são “[...] provenientes de várias fontes e construídos em tempos diferentes”. Assim, embora evidentemente a universidade tenha papel fundamental na construção de saberes profissionais dos futuros professores, há saberes a serem construídos a partir da prática docente e por meio de formações continuadas.

Para Onuchic e Allevato (2009b, p. 6-7), na visão daqueles que estão iniciando a carreira docente, muitas vezes o aprendizado por meio da prática sobrepuja aquele obtido na formação inicial: “[...] novos professores lamentam que nada do que aprenderam na formação inicial lhes serviu para alguma coisa e que só na prática profissional aprenderam o que é importante”. Onuchic e Morais (2013, p. 672) também realçam que “[...] o local onde o professor deveria iniciar seu trabalho como educador para uma grande massa da população - a escola - tem sido o lugar onde, efetivamente, ele tem aprendido a exercer a docência”.

Outra razão apontada pelos autores para que a formação inicial seja, como o próprio nome indica, apenas um primeiro passo para a formação docente é que, em uma sociedade em constante mudança, como a que vivemos no século XXI, tem “[...] êxito apenas quem amplia sua formação profissional” (Viana, 2009, p. 1). Uma atividade fundamental inerente aos cursos de Licenciatura é o estágio supervisionado obrigatório. É necessário, portanto, também refletir sobre essa temática. Tal reflexão será realizada a seguir.

C3: O Estágio Supervisionado Obrigatório

Essa temática é discutida em apenas um dos trabalhos analisados: o de Carvalho (2013). A autora salienta, a partir das ideias de Pimenta (1997) e Fazenda (1991; 2011), que o estágio obrigatório, momento em que o graduando pode aliar os conhecimentos acadêmicos teóricos construídos durante a Licenciatura com questões relacionadas ao cotidiano escolar, deve ser valorizado tanto pela universidade quanto pela instituição de ensino que irá recebê-lo.

Na especificidade do curso de Licenciatura em Matemática, a ação de estagiar permite vivenciar a multiplicidade de questões que envolvem a prática da docência. Destacamos algumas: experienciar a complexidade das situações cotidianas por meio da observação; superar as dificuldades da exigência da elaboração dos relatos escritos dessas observações; conceber, organizar e selecionar atividades que constituam oficinas instigantes para ministrar conteúdos de Matemática fora dos padrões tradicionais de ensino e aprendizagem; deparar-se com as dificuldades e surpresas das situações da sala de aula e do convívio com os alunos para refletir sobre a dinâmica ímpar da regência; transformar suas reflexões, análises e considerações em relatórios oficiais (Carvalho, 2013, p. 632).

Para a autora, o estágio supervisionado, “[...] espaço híbrido de oportunidades de formação, permeado pela intencionalidade educativa” (Carvalho, 2013, p. 634), é o eixo articulador entre esse conjunto de questões mencionadas na citação anterior, cuja vivência alicerça o desenvolvimento do futuro professor de Matemática. Os documentos oficiais também ressaltam a importância do estágio curricular obrigatório como um dos momentos de planejamento pedagógico e de constituição do papel social do futuro professor (Carvalho, 2013).

Na formação crítica do estagiário, Carvalho (2013, p. 635) enfatiza a relevância de se observar a atuação do professor em sala de aula. Tal ação exige do licenciando

[...] pensar sobre as atitudes dos alunos, sobre as atitudes dos professores, sobre os planejamentos executados, sobre as estruturas físicas dos estabelecimentos de ensino. Observar o outro para apr(e)ender, compreender, via observação, as dinâmicas das salas de aula de Matemática.

Finalmente, a autora advoga o rompimento, por meio das atividades do estágio curricular obrigatório, da dicotomia teoria-prática, buscando-se uma relação dialética entre tais dimensões: “[...] teorizar sobre a prática tanto quanto praticar a teoria, sem abandonar uma em detrimento da outra, sem privilegiar uma em detrimento da outra, procurar na sobreposição destes polos a formação reflexiva necessária para o aluno de Licenciatura” (Carvalho, 2013, p. 643).

Ao se discutir a formação inicial do futuro professor, um olhar para aqueles que são os responsáveis por tal formação é uma ação necessária e que foi evidenciada nos textos analisados. A próxima categoria ressalta aspectos desse tema.

C4: A Formação e as Preocupações a serem manifestadas em seu Trabalho por um Formador de Professores de Matemática

Uma das questões presentes nas discussões relativas à formação de professores de Matemática no âmbito do GT04 diz respeito a quem devem ser os profissionais incumbidos de lecionar nos cursos de Licenciatura em Matemática, que formações estes devem ter e que preocupações, relativas à abordagem dos conteúdos, devem manifestar em suas aulas. Para Onuchic e Huanca (2013, p. 320), essa questão merece de fato reflexão, uma vez que os docentes que atuam em tais cursos trabalham com uma população diferenciada - nos termos dos autores - que é a de futuros professores, é necessário oferecer a ela “[...] um tipo de graduação em Matemática também diferenciado”. Para eles, isso poderia ser alcançado se na Licenciatura atuassem prioritariamente “[...] educadores matemáticos com boa formação matemática” (Onuchic; Huanca, 2013, p. 321), ou seja, profissionais com mestrado ou doutorado em Educação Matemática e que, nas disciplinas sob sua responsabilidade, pudessem chamar atenção “[...] para as grandes ideias matemáticas, [...] sendo [tais ideias] responsáveis pela compreensão e pelo significado de diferentes conceitos, conteúdos e técnicas operatórias constantes nos tópicos trabalhados no ensino fundamental e médio” (Onuchic; Huanca, 2013, p. 320).

Onuchic e Huanca (2013) ressaltam a importância de que o formador de professores estabeleça, sempre que possível, ligações entre tópicos matemáticos abordados no Ensino Superior e aqueles com os quais os egressos precisarão trabalhar na Educação Básica. Afinal, há diferentes situações por meios das quais o professor poderia possibilitar aos estudantes, “[...] na formação inicial, perceber a importância de um conhecimento elementar do ponto de vista avançado” (Onuchic; Huanca, 2013, p. 328). Por exemplo, ao trabalhar com a Álgebra na Licenciatura, o formador poderia, analisando as diferentes formas de conceber tal área da Matemática, evidenciá-la como um estudo de relações binárias sobre conjuntos de objetos, o que, segundo os autores, permitiria aos futuros professores compreender as estruturas algébricas e relacioná-las à Álgebra ensinada na Educação Básica.

Da mesma forma, “[...] na disciplina Cálculo Diferencial e Integral, o importante conceito de limite é responsável pela compreensão e pelo significado de vários tópicos da Educação Básica” (Onuchic; Huanca, 2013, p. 321), como por exemplo, compreender que 0,999...=1. Ou seja, se na formação inicial de professores o conceito de limite fosse explorado levando-se em conta que se está trabalhando com futuros docentes dos ensinos fundamental e médio, estes talvez pudessem perceber que “[...] esse conceito é o responsável por justificar aquilo que se faz apenas com regras quando são trabalhadas suas técnicas operatórias” (Onuchic; Huanca, 2013, p. 321-322).

Além de buscar relacionar os conteúdos do Ensino Superior com aqueles com que os licenciados posteriormente trabalharão na Educação Básica, é importante, segundo Onuchic e Allevato (2009b), haver espaço para que os formadores possam diagnosticar concepções errôneas que os estudantes porventura tenham trazido ao ingressar na universidade. Tais concepções podem constituir-se como obstáculos, e então é necessário que os formadores tentem auxiliar os licenciandos a superá-los.

É necessária maior atenção dos pesquisadores às disciplinas matemáticas presentes nos cursos de Licenciatura. Em relação a isso, Onuchic e Allevato (2009a, p. 183-184) destacam que:

Nos grupos em que o Ensino Superior é discutido, os trabalhos apresentados visam, em sua maioria, a situações de Cálculo Diferencial e Integral, ainda que relativos às diferentes modalidades de tratamento diante das diferentes formas de ensino nos diversos cursos superiores. Também se veem alguns trabalhos sobre Álgebra e Geometria, mas, muito dificilmente, à formação de professores ou ao trabalho de sala de aula. Ou seja, as disciplinas e conteúdos matemáticos que compõem os atuais cursos superiores de Licenciatura não têm sido pesquisados no contexto dos cursos de Licenciatura, ou seja, sob a ótica da formação de professores. [...] quando se fala sobre metodologias alternativas para o trabalho em sala de aula, tem-se a impressão de que isso não parece muito importante àqueles que ensinam Matemática nos cursos de Licenciatura, reitere-se, também cursos superiores. É necessário alterar o modo de encarar mudanças no tratamento no conteúdo de Matemática, nos programas adotados, e a forma como eles estão sendo trabalhados nos próprios cursos de Licenciatura.

Como destacamos nas análises da categoria C2, a formação do professor não se completa com o término da Licenciatura. O desenvolvimento profissional docente se dá durante toda a carreira do licenciado, como discutiremos a seguir.

C5: O Desenvolvimento Profissional Docente

A questão do desenvolvimento profissional docente, que, como ressaltam Onuchic e Allevato (2009a, p. 174) a partir das considerações de Oliveira (2003), tem sido central em uma gama de trabalhos na área de Formação de Professores, “[...] advogando uma perspectiva que coloque o professor num papel ativo na sua formação, contribuindo para mudanças efetivas na matemática escolar” (Oliveira, 2003 apud Onuchic; Allevato, 2009a, p. 174), também é discutida pelos pesquisadores do GT04.

Onuchic e Huanca (2013), com base nas ideias de Tardif (2010), salientam que, com o objetivo de reestruturar os princípios epistemológicos da profissão docente, diferentes caminhos vêm sendo trilhados. Tem-se refletido, por exemplo, sobre a necessidade de elaborar um repertório de conhecimentos para o ensino a partir dos saberes profissionais dos professores.

Essa tarefa supõe que os pesquisadores universitários trabalhem nas escolas e nas salas de aula em colaboração com os professores, como copesquisadores na construção de seus próprios saberes profissionais. Para os professores, nem sempre é fácil teorizar sua prática e formalizar seus saberes. Para os pesquisadores, a legitimação dos saberes dos professores está longe de ter terminada (Onuchic; Huanca, 2013, p. 319).

Ao se pensar a respeito do desenvolvimento profissional, outras ações que, segundo Onuchic e Allevato (2009a, p. 174), com base em Ponte (1998), se fazem necessárias, são ampliar e rever a concepção de formação, que, “[...] deve ser útil, para possibilitar uma diversidade de percursos e processos de desenvolvimento profissional”. Nesse sentido, Onuchic e Huanca (2013, p. 319), a partir de Tardif (2010), destacam a importância de se “[...] introduzir dispositivos de formação, de ação e de pesquisa [...] pertinentes para os professores e úteis para sua prática profissional”.

Clarke (1994) organizou dez princípios norteadores para o planejamento e a implantação de programas de desenvolvimento profissional docente. Tais princípios são assim descritos por Onuchic e Allevato (2009a, p. 172-173):

  1. Elencar questões sobre preocupação e interesse no assunto (o desenvolvimento profissional docente), largamente identificadas, mesmo que não exclusivamente, pelos próprios professores, e envolvê-los, dando-lhes um certo grau de escolha;

  2. Envolver grupos de professores mais do que indivíduos, de várias escolas, e recrutar o apoio da escola e da administração regional, de estudantes e pais, e da mais ampla comunidade escolar;

  3. Reconhecer e discutir sobre os muitos obstáculos que impedem o crescimento dos professores em nível regional, escolar e individual;

  4. Considerar professores como participantes em atividades de sala de aula e estudantes em situações reais, modelando abordagens desejadas de sala de aula, durante sessões em serviço, para projetar uma visão mais clara das mudanças propostas;

  5. Solicitar compromisso consciente dos professores para uma participação ativa nas sessões de desenvolvimento profissional e nela interessá-los pelas leituras requeridas e tarefas apropriadamente adaptadas às suas próprias salas de aula;

  6. Reconhecer que mudanças nas crenças dos professores sobre ensino e aprendizagem são fortemente derivadas da prática da sala de aula. Como um resultado de tais mudanças, seguirão a oportunidade em validar, através da observação positiva da aprendizagem dos estudantes, informações fornecidas pelos programas de desenvolvimento profissional.

  7. Dar tempo e oportunidades para planejamento, reflexão e realimentação, a fim de relatar sucessos e fracassos ao grupo, compartilhar o conhecimento da prática e discutir problemas e soluções, observando os estudantes individualmente e as novas abordagens do ensino.

  8. Capacitar os professores participantes a ganhar um grau substancial de domínio, por seu envolvimento na tomada de decisões e por serem vistos como verdadeiros parceiros no processo de mudança.

  9. Reconhecer que a mudança é um processo gradual, difícil e, com frequência, doloroso, e propiciar oportunidades para apoio juntos aos pares e possíveis críticas.

  10. Encorajar os participantes a estabelecer futuros objetivos para seu crescimento profissional.

O desenvolvimento profissional docente é um processo contínuo na carreira tanto do professor da Educação Básica quanto do Ensino Superior. Sobre este último, um dos artigos analisados destaca como relevante para tal processo a realização de Pesquisas sobre sua Própria Prática, temática discutida a seguir.

C6: Pesquisas sobre a Própria Prática no Ensino Superior

Na análise das produções do GT04 sobre formação de professores que ensinam Matemática, detectamos questões relativas às características de um bom professor de Matemática, à formação inicial do professor de Matemática, ao estágio supervisionado obrigatório, às preocupações a serem manifestadas por um formador de professores de Matemática em seu trabalho e ao desenvolvimento profissional docente. Observamos também que apenas dois dos artigos analisados trazem reflexões sobre a importância de que o professor que leciona Matemática na universidade, seja na Licenciatura ou em outro curso de graduação, desenvolva pesquisas sobre a própria prática.

É preciso notar que, enquanto nas demais categorias de análise as reflexões estão voltadas diretamente às Licenciaturas em Matemática, e consequentemente ao professor que lecionará essa disciplina na Educação Básica, essa sexta categoria contempla aspectos mais amplos, relacionados à docência universitária em qualquer curso de graduação em que a Matemática esteja presente. A nosso ver, essa é a categoria que revela, de fato, uma abordagem específica do GT04 para o tema formação de professores de Matemática. Evidencia que os pesquisadores de tal Grupo refletem sobre o tema de maneira mais abrangente, sem restringir-se à formação do docente dos ensinos fundamental e médio.

Palis (2009), a partir das considerações de Cross (1986) e de Cross e Steadman (1996), afirma que na educação do século XXI é fundamental que o professor universitário tenha consciência de sua responsabilidade pela qualidade do ensino que oferece aos graduandos, o que efetivamente terá implicações sobre a aprendizagem destes. Nesse sentido, torna-se essencial “[...] discutir e incentivar a pesquisa do professor sobre a sua própria prática (PPP) em disciplinas de Matemática do Ensino Superior” (Palis, 2009, p. 203). A importância da PPP também é enfatizada por Onuchic e Huanca (2013) a partir das considerações de Tardif (2010).

Palis (2009) ressalta também que, muito mais que se aterem a frases tão recorrentes no discurso docente para designar algumas das dificuldades enfrentadas pelos estudantes universitários - como o aluno não tem base, o aluno é fraco ou há causas epistemológicas e pedagógicas -, torna-se necessário que os departamentos de Matemática se atentem mais concretamente a tais dificuldades. “É preciso incentivar os professores [...] a olhar com novos olhos os seus esforços pedagógicos, abraçando, no Ensino Superior, a noção de professor pesquisador da sua própria prática” (Palis, 2009, p. 208). Por meio deste tipo de pesquisa, o professor poderá continuar formando-se, sob o ponto de vista didático-pedagógico, mesmo já em atuação. Quanto ao trabalho do professor pesquisador da sua própria prática, a autora considera que este:

[...] alia investigação e ensino: em face de um problema didático, submete-o a exame crítico, resolve-o da melhor maneira possível e divulga sua solução. Esse trabalho beneficia o próprio professor e os alunos, gera conhecimento e desenvolve a cultura profissional da comunidade de referência (Palis, 2009, p. 204).

Encerramos as análises desta categoria ressaltando, a partir das considerações de Palis (2009), que as pesquisas sobre a própria prática podem ser feitas no âmbito de cada uma das disciplinas matemáticas do Ensino Superior. Devemos levar em conta que estas apresentam especificidades, tanto do ponto de vista epistemológico quanto do didático.

Considerações Finais

O objetivo deste trabalho foi refletir sobre pontos que emergiram da Análise de Conteúdo a partir das produções sobre formação de professores de Matemática realizadas pelo Grupo de Trabalho Educação Matemática no Ensino Superior (GT04) da Sociedade Brasileira de Educação Matemática. Identificamos seis grandes eixos em torno dos quais se aglutinam as temáticas discutidas: (i) o bom professor de Matemática; (ii) a formação inicial do professor de Matemática; (iii) o estágio supervisionado obrigatório; (iv) a formação e as preocupações a serem manifestadas em seu trabalho por um formador de professores de Matemática; (v) o desenvolvimento profissional docente; e (vi) Pesquisas sobre a Própria Prática no Ensino Superior. O Quadro 2 mostra a distribuição dos trabalhos analisados em relação a esses eixos.

Quadro 2
Distribuição das pesquisas analisadas, por eixo temático

Os dados apresentados no Quadro 2 evidenciam que os eixos temáticos que concentram mais reflexões referem-se às características esperadas de um bom professor de Matemática (tema que permeia seis trabalhos) e à formação inicial do professor (também presente em seis das pesquisas). Quatro dos trabalhos que trazem discussões sobre a formação inicial também evidenciam preocupações quanto ao que caracteriza um bom professor de Matemática, o que a nosso ver é esperado, uma vez que o objetivo central de todo curso de Licenciatura em Matemática deveria ser o de efetivamente formar professores competentes nessa ciência. Reflexões sobre a formação inicial do docente que irá lecionar Matemática na Educação Básica estão presentes em apenas uma das pesquisas analisadas, que, contudo, não dedica atenção às características desejadas para esse professor.

Dentre os cinco trabalhos que aliam discussões sobre a formação inicial do professor de Matemática e a respeito das características esperadas desses docentes, somente um trabalho volta atenção a apenas esses dois aspectos. Dois também evidenciam questões relativas à formação e às preocupações a serem manifestadas em seu trabalho por um formador de professores de Matemática e ao desenvolvimento profissional docente. Um contempla análises tanto sobre a formação e as preocupações a serem manifestadas em seu trabalho por um formador de professores de Matemática quanto sobre as pesquisas sobre a própria prática pelo docente do Ensino Superior.

Apenas uma pesquisa traz considerações sobre o estágio supervisionado obrigatório, com análises voltadas a essa temática e à formação inicial do professor de Matemática. Nota-se, portanto, uma lacuna, com necessidade de maior número de futuras pesquisas pelos membros do GT04 a respeito do estágio supervisionado, bem como estudos que o articulem a outros eixos temáticos pertinentes além da formação inicial. Da mesma maneira, os dados apresentados no Quadro 2 ressaltam a reduzida presença de investigações a respeito da pesquisa sobre a própria prática pelos docentes universitários - mais ainda: de trabalhos que busquem vincular esse tema aos demais eixos evidenciados na presente análise, em especial quanto ao desenvolvimento profissional docente e às preocupações a serem manifestadas em seu trabalho por um formador de professores.

Em relação ao eixo temático o bom professor de Matemática, as discussões convergem para a necessidade de conhecimento do conteúdo a ser ensinado, embora apenas esta categoria de conhecimento docente não baste. Os professores precisam saber lidar com os saberes, com a tecnologia e com a complexidade social gerada pela democratização do ensino e com o fato de a sociedade não ter clareza a respeito da efetiva função da escola.

No que diz respeito à formação inicial do professor de Matemática, em primeiro lugar as pesquisas indicam que aqueles que elaboram as matrizes curriculares de tais cursos e aqueles que as colocam em prática devem levar em consideração as especificidades do profissional que se deseja formar, o que engloba a necessidade de diferenciar entre a formação de professores de Matemática e a de bacharéis em Matemática. Além disso, é fundamental proporcionar aos licenciandos a vivência de diferentes abordagens metodológicas no desenvolvimento das atividades propostas. Finalmente, as pesquisas analisadas indicam que é essencial conscientizar o licenciando de que sua formação profissional não se encerra com a graduação.

Sobre o estágio supervisionado obrigatório, o único trabalho que discute a temática traz apontamentos que indicam a potencialidade de tal atividade curricular para o rompimento da dicotomia teoria-prática e para o estabelecimento de uma relação dialética entre tais dimensões.

Quanto ao eixo formação e as preocupações a serem manifestadas em seu trabalho por um formador de professores de Matemática, uma questão central discutida é a de quem deve lecionar nas licenciaturas: docentes que tenham formação especializada contemplando tanto conhecimentos de Matemática quanto de Educação Matemática. É indispensável que tais profissionais estabeleçam relações entre os conteúdos matemáticos específicos do Ensino Superior e aqueles a serem posteriormente trabalhados pelos licenciados na Educação Básica. Outra questão a ser considerada é que alguns alunos chegam ao Ensino Superior com dificuldades matemáticas, cabendo então aos formadores reservar momentos para que estas possam ser identificadas e, na medida do possível, superadas.

Sobre o desenvolvimento profissional docente, é necessário adotar uma perspectiva na qual o professor desempenhe papel ativo em sua formação. É importante também incorporar estratégias de formação, de ação e de pesquisa que sejam pertinentes aos docentes e efetivamente úteis para suas práticas profissionais.

Finalmente, quanto ao sexto e último eixo, Pesquisas sobre a Própria Prática no Ensino Superior, apenas dois trabalhos trazem discussões a esse respeito. A essência de tais reflexões é a necessidade de debater e incentivar a pesquisa do professor sobre sua própria prática. Encerramos assim este artigo ressaltando que é fundamental haver incentivo para que os docentes possam ver com novos olhos seus esforços pedagógicos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Fev 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    30 Out 2017
  • Aceito
    31 Maio 2018
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