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Saberes e Significações Produzidos nas Práticas Educativas do Mova-Belém/PA

RESUMO

O presente artigo analisa os saberes e significações produzidos por adultos a partir de vivências em práticas educativas do Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos (MOVA), em Belém/Pará. Ancoramo-nos nos estudos de Freire (2016; 2019) e Brandão (1984, 2002), no campo da educação; em Araújo (2007), Gadotti (2008), Jardilino e Araújo (2014) e Moll (2011), no campo da educação de jovens e adultos; e em Kleiman (2007) no campo do letramento. Os dados foram produzidos por meio de entrevistas semiestruturadas, na perspectiva da história oral. Os resultados apontam que os saberes e significações produzidos a partir de vivências em práticas educativas do MOVA possibilitaram a criação e recriação de saberes necessários à vida cotidiana. O impacto positivo produzido em suas vidas, permitiu-lhes a participação em práticas letradas mais efetivas, como a aquisição de um emprego melhor, leituras de impressos que circulam no dia a dia, leitura mais crítica da realidade, elevação da autoestima.

Palavras-chave
Saberes; Educação do Cotidiano; Alfabetização; Letramento; MOVA Belém/Pará

ABSTRACT

This article analyzes the knowledge and meanings produced by adults based on experiences in educational practices of the Youth and Adult Literacy Movement (MOVA), in Belém/Pará. We are anchored in the studies of Freire (2016; 2019) and Brandão(1984, 2002), in the field of education; in Araújo (2007), Gadotti (2008), Jardilino and Araújo(2014) and Moll (2011), in the field of youth and adult education; and in Kleiman (2007) in the field of literacy. Data were produced through semi-structured interviews, from the perspective of oral history. The results indicate that the knowledge and meanings produced from experiences in educational practices at MOVA enabled the creation and recreation of knowledge necessary for everyday life. The positive impact produced on their lives allowed them to participate in more effective literacy practices, such as acquiring a better job, reading printed materials that circulate on a daily basis, a more critical reading of reality, and increased self-esteem.

Keywords
Knowledge; Everyday Education; Literacy; MOVA Belém/Pará

Introdução

Este artigo resulta de uma pesquisa de dissertação de Mestrado, que discute a alfabetização e letramento de jovens e adultos, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Pará (PPGED/UEPA), cujo objetivo é analisar os saberes e significações produzidos por adultos a partir de vivências em práticas educativas do Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos (MOVA), em Belém/Pará (Gomes, 2017GOMES, Jaqueline Teixeira. Saberes e Significações Produzidos nas Práticas Educativas do Mova-Belém/PA. 2017. 106 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Centro de Ciências Sociais e Educação, Universidade do Estado do Pará, Belém, 2017.).

Passados seis anos, resolvemos retomar neste trabalho várias das reflexões nele desenvolvidas, convencidas de que estamos em um momento oportuno de sua divulgação mais ampla, diante de sua atualidade, e por ser a educação de jovens e adultos, segundo Moll (2011)MOLL, Jaqueline. Educação de jovens e adultos. Porto Alegre: Editora Mediação, 2011., um lugar de reencontros de tempos e espaços.

O interesse por esta produção pauta-se na relevância teórico-metodológica que tem os estudos sobre experiências educativas desenvolvidas em práticas comunitárias, a exemplo do MOVA, em Belém/Pará. A abrangência deste estudo atesta a importância do olhar para a educação do cotidiano, de modo a reconhecer e valorizar os saberes e significações produzidos por coletivos humanos que se dão em vivências advindas da relação entre educação e comunidade.

Organizadas em núcleos de alfabetização, as ações desenvolvidas pelo MOVA aconteciam em centros comunitários, no período noturno, por educadores/as populares que, em sua maioria, já trabalhavam com a alfabetização de adultos, e que residiam na própria localidade. Nessa perspectiva, as experiências aqui apresentadas contribuem com o registro da história da alfabetização de jovens e adultos em diálogo com sua trajetória de luta, reivindicações e seus processos educativos em comunidade.

Este estudo destaca que o MOVA, em sua trajetória histórica no Brasil, apresenta uma proposta pedagógica firmada nos ideais de Paulo Freire. A base de trabalho do MOVA articulava, nas palavras de Jardilino e Araújo (2014, p. 68)JARDILINO, José Rubens Lima; ARAÚJO, Regina Magna Bonifácio de. Educação de jovens e adultos: sujeitos, saberes e práticas. São Paulo: Cortez, 2014. “[…] a teoria construtivista e a prática pedagógica, numa visão dialógica, emancipatória e interdisciplinar do processo de alfabetização”. Segundo os autores, essa base de trabalho reafirma os ideais da pedagogia freireana, priorizando temas do cotidiano social dos/as educandos/as, problematizando-os para que a leitura da palavra escrita seja crítica e significativa, além de reafirmar o compromisso com a promoção de uma cultura de paz, formação para a autonomia e organização comunitária.

Ainda segundo Jardilino e Araújo (2014)JARDILINO, José Rubens Lima; ARAÚJO, Regina Magna Bonifácio de. Educação de jovens e adultos: sujeitos, saberes e práticas. São Paulo: Cortez, 2014., a iniciativa do MOVA tinha por objetivos: desenvolver um processo de alfabetização que partisse da leitura crítica da realidade; contribuir para o desenvolvimento de uma consciência crítica dos sujeitos envolvidos; incentivar a participação popular e a luta por uma sociedade mais justa e igualitária; bem como desenvolver uma prática alfabetizadora apoiada tanto pelos movimentos sociais e populares quanto pelo poder público.

Para a construção deste trabalho, participaram quatro egressos/as do MOVA Belém, com faixas etárias que variam entre 44 a 72 anos de idade, todos da turma do ano de 2010, do bairro do Jurunas, em Belém/Pará. Para termos acesso aos entrevistados, contamos com a colaboração de uma educadora popular, que se dispôs a caminhar conosco pelas ruas do bairro à procura de seus/suas ex-educandos/as.

Elegemos o bairro do Jurunas como campo de investigação por se tratar de um dos bairros mais antigos e populosos da cidade de Belém, e por apresentar o maior número de turmas do MOVA na cidade. Esse quantitativo de turmas está diretamente relacionado à localização do bairro, que se constitui como uma das principais vias de entrada e saída da cidade, sobretudo a entrada de famílias de origem ribeirinha pelos portos localizados na Avenida Bernardo Sayão, uma de suas principais vias de acesso. Aumentando, portanto, a demanda pelo processo de alfabetização de adultos, em sua maioria, de famílias advindas do interior do estado do Pará.

Nossa construção metodológica assentou suas bases na crítica ao pensamento epistemológico positivista, ao recusar o pressuposto de que apenas o saber da ciência positivista deve ser validado, destacando a importância do saber popular e sua contribuição para a construção de uma nova história social. Por tanto, para este estudo, lançamos mão da História de Vida e da História Oral para a produção dos dados.

Para o levantamento dos dados, foram utilizadas entrevistas semi-estruturadas, por permitir ao pesquisador conhecer os sentidos que os entrevistados dão aos fenômenos e eventos de sua vida cotidiana, a partir do enlace da memória com seus modos de narrar (Meihy; Holanda, 2015MEIHY, José Carlos Sebe Bom; HOLANDA, Fabíola. História oral: como fazer, como pensar. São Paulo: Contexto, 2015.).

Na sistematização dos dados, foram utilizados dois tipos de categorização: a analítica e a empírica. Para Oliveira e Mota Neto (2011)OLIVEIRA, Ivanilde Apoluceno de; MOTA NETO, João Colares da. A construção de categorias de análise em pesquisa em educação. In: MARCONDES, Maria Inês; TEIXEIRA, Elizabeth; OLIVEIRA, Ivanilde Apoluceno de. Abordagens teóricas e construções metodológicas na pesquisa em educação. Belém: EDUEPA, 2011., nas pesquisas qualitativas realizadas no campo da educação, a interpretação e análises dos dados constituem-se como um processo que acompanha o desenvolvimento da pesquisa desde sua gênese até o momento de sistematizar e analisar os dados, sendo necessária, nesta etapa, a categorização.

Na primeira parte do artigo, inicialmente apresentamos a discussão saberes culturais e educação; o MOVA: concepção político-pedagógica; os sujeitos da pesquisa; o trilhar da pesquisa: momentos das coletas das narrativas; relatos sobre os saberes e significações produzidos a partir das práticas educativas do MOVA; e finalizamos o texto com nossas considerações finais.

Saberes Culturais e Educação

Como ponto de partida deste estudo, apresentamos uma breve reflexão, em diálogo com Brandão (2002)BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A educação como cultura. Campinas: Mercado de Letras, 2002., acerca da importância de se pensar a educação na sua relação com as massas populares. Uma educação cujo projeto se apresenta a partir da relação educação-saber-cultura, e que propõe um trabalho cultural comprometido com os sujeitos e com a preservação de seus modos próprios de ação, representação do real e de sua reprodução como cultura popular.

Na compreensão de Brandão (1984)BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é Educação?São Paulo: Brasiliense, 1984., ninguém escapa da educação, pois ela ocorre em casa, na rua, na igreja ou na escola. De uma maneira ou outra, todos são envolvidos pela educação, tanto para aprender, quanto para ensinar. Diariamente somos envolvidos pela educação. Nessa perspectiva, as ações educativas se desenvolvem em diversos espaços da sociedade, distinguindo-se pelo modo que os processos educativos ocorrem.

A educação como prática cultural, marcada por temporalidades e contextos diversos, se processa como ato natural, a partir de um entrecruzamento de culturas. Uma ação educativa mobiliza um conjunto de saberes criados e recriados pelos sujeitos envolvidos em contextos culturais diversos.

Nas palavras de Brandão (2002, p. 139)BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A educação como cultura. Campinas: Mercado de Letras, 2002., “[…] toda a educação é cultura. Toda a teoria da educação é uma dimensão parcelar de alguns sistemas motivados de símbolos e de significados de uma dada cultura […]”. Assim, saberes, valores, códigos e gramáticas de relacionamento entre diferentes sujeitos são construídos em suas relações cotidianas, que não se limitam ao espaço escolar.

Segundo Mota Neto (2015, p. 57)MOTA NETO, João Colares da. A educação no cotidiano do terreiro: saberes e práticas culturais do Tambor de Mina na Amazônia. 2008. 196 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade do Estado do Pará, Belém, 2008., para as ciências humanas e sociais contemporâneas, “[…] o estudo do cotidiano é uma das vias mais utilizadas para a compreensão da cultura dos sujeitos sociais, a organização social, a relação indivíduo e sociedade, a apropriação dos espaços, a história dos sujeitos comuns e da cultura popular”. Implica em reconhecer que homens e mulheres, cotidianamente, produzem história e cultura. O estudo do cotidiano, portanto, trata-se de um conceito múltiplo para o estudo do ser humano, da cultura, da sociedade e da educação.

No campo da educação, compreende-se o cotidiano social como espaço de produção e transmissão de saberes, bem como arena de relações de poder e de construção de identidades. Nessa perspectiva, a educação deve ser uma prática social contextualizada, capaz de estimular os saberes, as culturas, as experiências e a autonomia dos/as educandos/as. Para Mota Neto (2015, p. 59)MOTA NETO, João Colares da. A educação no cotidiano do terreiro: saberes e práticas culturais do Tambor de Mina na Amazônia. 2008. 196 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade do Estado do Pará, Belém, 2008., “[…] a cultura e a sabedoria dos grupos sociais, os diversos processos educativos vivenciados nas relações sociais, a produção de significados nos espaços educativos, são questões emergentes em estudos sobre o cotidiano”.

Ao defendermos um permanente esforço de reflexão acerca dos sujeitos enquanto possuidores de múltiplos saberes específicos, construídos coletivamente em suas práticas cotidianas, dialogamos com Freire (2019, p. 98)FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2019. por tecer profundas críticas à concepção “bancária” da educação, enquanto instrumento de alienação. Sugere, ao contrário, uma concepção problematizadora e libertadora da educação, a qual busca “[…] a emersão das consciências, de que resulte sua inserção crítica na realidade”.

A concepção e a prática “bancárias”, para Freire (2019)FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2019., terminam por desconhecer os homens como seres históricos, enquanto que a concepção problematizadora parte do caráter histórico e da historicidade dos homens, fazendo-se revolucionária. Nessa perspectiva, Freire propõe uma alfabetização de dentro para fora pelo próprio sujeito alfabetizando, somente ajustado pelo/a educador/a.

Esse movimento de busca, em que educadores/as e educandos/as se fazem sujeitos do processo, a partir de um quefazer humanista e libertador, permeou a metodologia do MOVA, ao priorizar a formação intelectual em diálogo com a organização social.

A seguir, apresentaremos a concepção político-pedagógica do MOVA, que nasceu de uma experiência instituída em São Paulo por Paulo Freire, e que sustentou seus princípios político-pedagógicos numa concepção libertadora de educação.

O MOVA: concepção político-pedagógica

O Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos (MOVA) foi inaugurado em São Paulo, em outubro de 1989, na gestão de Luiza Erundina (1989-1992). Esse movimento de alfabetização teve como idealizador o educador Paulo Freire, então secretário de educação da cidade, atuando em parceria com a sociedade civil.

Defendia-se uma concepção libertadora de educação, evidenciando o papel da educação na construção de um projeto histórico, que concebesse o educando como sujeito do conhecimento, e compreendesse a alfabetização não apenas como um processo lógico, intelectual, mas, sobretudo, um processo humanizador, segundo Jardilino e Araújo, 2014JARDILINO, José Rubens Lima; ARAÚJO, Regina Magna Bonifácio de. Educação de jovens e adultos: sujeitos, saberes e práticas. São Paulo: Cortez, 2014..

Sobre a criação do MOVA, Gadotti (2008, p. 56)GADOTTI, Moacir. MOVA: por um Brasil Alfabetizado. São Paulo: Instituto Paulo Freire, 2008. (Série Educação de Adultos; 1). nos esclarece que:

Na época [da construção do MOVA] estava em processo de discussão o projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), no qual os educadores defendiam a inclusão de um capítulo específico sobre educação de jovens e adultos. Nele, os educadores sustentavam a tese de que o direito ao ensino fundamental daqueles que não o tiveram na idade própria, só poderia ser garantido pela cooperação entre Estado e sociedade civil. A prefeitura de São Paulo antecipava-se ao que estava sendo definido na LDB.

Baseada nos preceitos freireanos de que ninguém alfabetiza ninguém e que o alfabetizador é apenas o mediador do processo de alfabetização do/a seu/sua educando/a, a concepção pedagógica do MOVA tinha como princípio orientador a concepção de que, nas palavras de Jardilino e Araújo (2014, p. 67)JARDILINO, José Rubens Lima; ARAÚJO, Regina Magna Bonifácio de. Educação de jovens e adultos: sujeitos, saberes e práticas. São Paulo: Cortez, 2014.: “[…] é a ação do educando sobre o mundo letrado, pensando e agindo sobre a própria escrita e a escrita dos outros, o ponto de partida para a leitura do mundo”.

Assim, percebemos a importância atribuída à educação no processo de autonomia dos/as educando/as do MOVA, bem como ao domínio dos códigos linguísticos no processo de alfabetização, para a construção da autonomia intelectual e da leitura crítica da realidade desses/as educando/as.

Com o sucesso da experiência do MOVA em São Paulo, outros estados, municípios, ONGs e movimentos sociais, buscaram essa parceria, implementando a metodologia utilizada nos círculos de cultura do movimento. Constituía-se, assim, a Rede MOVA-BRASIL, com a finalidade de fortalecer o movimento em nível nacional, por meio da construção de espaços de diálogos entre as diferentes experiências dos MOVAs, bem como por meio da ampliação de políticas públicas voltadas à educação de jovens e adultos, segundo Jardilino e Araújo (2014)JARDILINO, José Rubens Lima; ARAÚJO, Regina Magna Bonifácio de. Educação de jovens e adultos: sujeitos, saberes e práticas. São Paulo: Cortez, 2014..

Destacamos a ampliação do MOVA pelo país, considerando as palavras de Jardilino e Araújo (2014, p. 69)JARDILINO, José Rubens Lima; ARAÚJO, Regina Magna Bonifácio de. Educação de jovens e adultos: sujeitos, saberes e práticas. São Paulo: Cortez, 2014., que nos esclarecem que:

Os MOVA’s estenderam-se por todo o território nacional e mantêm uma linha pedagógica comum, recebendo em sua denominação o nome do Estado, município ou localidade em que atua, por exemplo, MOVA-Porto Alegre, MOVA-MG, MOVA-Belém, MOVA-ABC. […] São diferentes projetos, mas todos construídos a partir dos ideais da pedagogia freireana […]. Tudo isso sustentado por um processo de alfabetização que vai além do letramento, traduzindo-se numa formação crítica e emancipatória.

Em Belém/PA, o MOVA foi inaugurado em 2001, na gestão de Edmilson Rodrigues (1997-2004), à época, do Partido dos Trabalhadores (PT). Seus mandatos, denominados de “Cabano” – em uma referência ao movimento da Cabanagem1 1 A Cabanagem foi uma revolta popular que aconteceu entre os anos de 1835 e 1840 na província do Grão-Pará (região norte do Brasil, atual estado do Pará). Recebeu este nome, pois grande parte dos revoltosos era formada por pessoas pobres que moravam em cabanas nas beiras dos rios da região. Estas pessoas eram chamadas de cabanos (Ramos, 2022). – pressupunha, nas palavras de Pojo (2006, p. 54)POJO, Oneide Campos. Entre saberes e práticas: a alfabetização de jovens e adultos no MOVA Belém. 2006. 165 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2006., “[…] um processo de construção coletiva de um projeto de governo que tivesse como objetivo básico uma inversão de prioridades, de modo que essas fossem consubstanciadas nos princípios da inclusão social e da participação popular […]”. Essa “inversão de prioridades” consistia, portanto, no atendimento prioritário às camadas sociais economicamente desfavorecidas.

Segundo Pojo (2006)POJO, Oneide Campos. Entre saberes e práticas: a alfabetização de jovens e adultos no MOVA Belém. 2006. 165 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2006., “O Governo do Povo”, como foi denominada a gestão de Edmilson Rodrigues, investiu na qualificação e ampliação do movimento popular, oportunizando-o definir os rumos do município de Belém em parceria com a administração municipal.

O MOVA Belém foi fruto das demandas e reivindicações do movimento popular, que apresentou como um de seus principais objetivos a superação do analfabetismo na capital paraense (Pojo, 2006POJO, Oneide Campos. Entre saberes e práticas: a alfabetização de jovens e adultos no MOVA Belém. 2006. 165 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2006.). Apresentou-se, também, como um movimento de resistência diante do discurso hegemônico, neoliberal, que visa à formação do/a trabalhador/a atrelada à lógica mercadológica. Nesse sentido, a proposta do MOVA Belém objetivava oportunizar uma formação humanizadora aos/às seus/suas educandos/as.

Quanto ao funcionamento do MOVA Belém, Araújo (2007, p. 105)ARAÚJO, José Carlos Ferreira. A política de formação na Educação de Jovens e Adultos no município de Belém (1997-2004). 2007. 187 f. Dissertação (Mestrado em Educação) –Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Pará, Belém, 2007. destaca que:

As turmas tinham duração de um ano, mas quem determinava a passagem do educando para o ensino formal na escola, era o ritmo de construção de sua aprendizagem, era o desenvolvimento de suas potencialidades e de construção de novos conhecimentos; as aulas aconteciam de segunda à quinta-feira com o tempo de duas horas, em turmas próximas à residência dos educandos, sob a mediação de um (a) professor (a) alfabetizador (a).

O/A educador/a popular era quem organizava as turmas em suas localidades. Saía batendo de porta em porta, lançando convites às pessoas interessadas em participar do processo de alfabetização do movimento. Como um de seus critérios, as turmas só iniciavam depois de alcançado o total de 20 educandos/as. Os encontros aconteciam de segunda à quinta-feira, com duração de 2 horas diárias, e às sextas-feiras, os/as educadores/as recebiam formações continuadas de seus/suas coordenadores/as. A remuneração dos/as educadores/as era no valor de R$ 400,00 mensais.

Para atuar como educador/a no MOVA Belém, exigia-se somente o ensino médio completo, e disponibilidade para atuar como alfabetizador/a. E, uma de suas atribuições era conseguir o local para realização dos encontros com seus/suas educandos/as, que na maioria das vezes aconteciam em centros comunitários.

Após o processo de alfabetização do MOVA Belém, os/as educando/as eram matriculados em escolas mais próximas às suas residências, que atendessem ao público da EJA. Dava-se início ao processo de escolarização formal de seus/suas egressos/as, de preferência na rede municipal de ensino.

Após o término do período de gestão de Edmilson Rodrigues, em 2004, o MOVA Belém perdeu força. Seus líderes continuaram lutando para manter vivo o movimento. As turmas resistiram até o ano de 2014, no início da gestão de Zenaldo Coutinho (2013 – 2020), quando definitivamente o programa encerrou suas atividades, sem previsão de retorno, sobretudo devido à falta de repasses de recursos por parte do Governo Federal, que era quem financiava o movimento.

O MOVA, durante toda a sua existência, lutou contra as injustiças sociais, com um trabalho comprometido com o social, que reconhecia como ponto de partida de seu processo de alfabetização seus/suas próprios/as educandos/as. Reafirmou o movimento de participação popular e a luta pelos direitos sociais dos/as cidadão/ãs.

Os Sujeitos da Pesquisa

Participaram deste estudo quatro egressos/as do MOVA Belém – identificados por nomes fictícios para facilitar a leitura –, moradores do bairro do Jurunas, da turma do ano de 2010, com faixas etárias que variam entre 44 a 72 anos de idade, sendo dois homens e duas mulheres.

Todos vieram do interior do estado do Pará à procura de uma possibilidade de vida melhor. São pessoas oriundas de famílias ribeirinhas, que tiveram de ajudar desde a infância no sustento familiar, justificando o fato de não terem frequentado à escola quando criança, com exceção da dona Margarida, que não estudou por falta de sua documentação pessoal.

Abaixo, alguns trechos das falas dessas pessoas, que como muitas, não puderam aproveitar a fase da infância:

Com 10 anos de idade, separei-me da minha mãe. Sou filho de Chaves [Pará]. Disse para minha mãe que naquele momento meu interesse era trabalhar, ganhar dinheiro e ajudar em casa

(seu João – dados verbais);

Quando eu era criança, morava no interior. Nunca tive certidão [de nascimento], porque fui adotada ainda muito pequena. Então, a família que me adotou nunca procurou tirar meus documentos. Por isso, não tinha como eu estudar. Queria brincar com meus colegas na escola, mas não podia, porque eu não tinha os documentos necessários para me matricular

(dona Margarida – dados verbais);

Só estudei um pouquinho [na infância]. Somente o ABC. Já com cinco, seis anos de idade. Não tinha condições! Morava em Igarapé-Miri [Pará] e trabalhava pegando cuuba

(seu Raimundo – dados verbais);

Sou de Bujarú [Pará]. Sou do interior, mesmo. Lá das Colônias. Quando eu era criança, não tinha aula, só tinha trabalho

(dona Lurdes – dados verbais).

Seu João, de 72 anos, o mais velho entre os entrevistados, contou-nos que aos dez anos de idade saiu de casa, no município de Chaves/PA, para trabalhar na pesca, contrariando sua mãe, que queria vê-lo frequentando a escola. Disse-nos, também, que chegou a viajar por muitos lugares, até mesmo para outro país, como o Peru: “Minha vida era viajar pelo mundo à fora pescando aí pelo Norte. Andei muito nessa vida, fui até para fora. Fui até para o Peru” (dados verbais).

Hoje, seu João é viúvo, aposentado, mora sozinho em um quarto alugado. Por ser muito religioso, diz não se importar com a solidão, pois Deus está sempre lhe acompanhando: “Moro aqui nessa casa. Essa casa é de Deus, não é? Mora só Deus e eu nessa casa. Não tenho um “pinto” para dar água, não é mesmo?” (dados verbais).

Dona Lurdes, de 65 anos, que é a mais velha entre as mulheres, narrou uma história de muita luta. É oriunda das colônias do município de Bujarú/PA. Onde morava, quando criança, não haviam escolas, daí o motivo de não ter frequentado às salas de aulas. Aos 14 anos de idade veio para Belém/PA, para trabalhar em casa de família, já que sua família não tinha condições financeiras para continuar sustentando-a: “Vim para cá [Belém/Pará], aos 14 anos de idade, tentar uma vida melhor. Continuei sem estudar. Só trabalhava, mesmo. Naquela época, a gente era quase um escravo. Não foi como eu esperava” (dados verbais).

Por ter começado a trabalhar muito nova, há um bom tempo já é aposentada, e continua trabalhando em uma fábrica de castanha, em Outeiro/PA, por não conseguir se desapegar do trabalho. É “amancebada”2 2 Casada sem documento oficial. , e possui sete filhos.

Seu Raimundo, de 53 anos de idade, é oriundo de família ribeirinha, do interior do município de Igarapé-Miri/PA. Contou-nos que desde criança começou a trabalhar para ajudar no sustento familiar. Explicou que o trabalho era muito cansativo, e que quando chegava em casa não tinha “cabeça” para estudar:

Vivia uma vida muito cansativa. Trabalhava muito. Não tinha forças para ir para a escola. Passava o dia inteiro trabalhando, porque minha família precisa do dinheiro que eu ganhava. Quando eu chegava em casa, não tinha mais ‘cabeça’ para estudo. Mas, me arrependo muito (dados verbais).

Hoje, seu Raimundo é casado, possui uma residência própria, que sempre foi seu maior sonho. Trabalha como açougueiro, e diz estar satisfeito com o salário que recebe, pois, o que recebia, na juventude, pela atividade cansativa que exercia era pouco, mal dava para o sustento.

Dona Margarida, de 44 anos, é a nossa entrevistada mais alegre, apesar de possuir uma trajetória de vida marcada por constrangimentos e humilhações por, até à adolescência, não saber ler e escrever. É oriunda do município de Moju/PA, filha adotiva de uma família de origem ribeirinha. Contou-nos que é oriunda de uma família de analfabetos, justificando o fato de por muitos anos ter vivido sem possuir seus documentos, nem mesmo a certidão de nascimento. Passou a tê-los depois dos trinta anos de idade. Na infância, chegou a frequentar a escola, contudo, era uma aluna “encostada”, pois, não tinha como oficializar seus estudos por falta dos documentos. Contava com a compreensão das professoras para frequentar às aulas, como relata o trecho a seguir:

Eu ia para o colégio, mas não sabiam que eu não estava matriculada, entendeu? Só frequentava. Isso, porque eu não tinha documento, para provar que eu existia. As professoras, simplesmente, ficavam com ‘pena’ e tentavam me ensinar alguma coisa. Mas, no interior o ensino é muito fraco (dados verbais).

Atualmente, dona Margarida trabalha em um restaurante como auxiliar de cozinha, com todos os seus direitos garantidos. É “amancebada”, e, possui um casal de filhos e dois netos, que ela ajuda a criar.

Quanto à escolaridade, tratam-se de pessoas que tiveram que adiar sua inserção à escola, pelo fato de possuírem, cada um com sua especificidade, histórias de vida marcadas pela negação de direitos. Todos os quatros entrevistados perseguem o sonho de continuar estudando, contudo, as tarefas do dia a dia dificultam sua realização, como podemos observar em suas falas:

Eu tive que parar [de estudar], porque minha filha engravidou, aí eu tive que cuidar do filho dela. Ela foi trabalhar. Eu não tive mais tempo. Aí eu parei. Mas, acho que vou voltar ainda

(dona Margarida – dados verbais);

Eu queria voltar a estudar. A minha vontade era crescer, só que eu não tenho condição, porque eu trabalho. Eu não tenho tempo

(seu Raimundo – dados verbais);

Eu não tenho mais como estudar, porque ainda trabalho. Meu trabalho é muito longe. Quando chego em casa quero logo ir dormir

(dona Lurdes – dados verbais).

Cabe mencionar que, após as experiências de alfabetização do MOVA Belém, todos foram matriculados em uma escola municipal do bairro. Isso se explica pelo fato do programa, após suas atividades, encaminhar seus/suas egressos/as para escolas, prioritariamente, da rede municipal de ensino, mais próximas das residências de seus/suas educandos/as, e que atendam ao público da EJA.

Apenas dona Lurdes chegou a ficar um pouco mais de ano na escola, cursando até o 3º ano do ensino fundamental. Os demais desistiram logo em seguida. Até o momento da finalização da pesquisa, nenhum dos entrevistados estava frequentando a escola, e justificam a desistência dos estudos, dentre outros motivos, pela mudança na metodologia de ensino aplicada pela escola. A formação em centros comunitários permiti-lhes, segundo os relatos, uma formação mais próxima de suas realidades, gerando, consequentemente, um sentimento de pertencimento. O ambiente torna-se mais acolhedor.

O Trilhar da Pesquisa: momentos das coletas das narrativas

Para ter acesso aos entrevistados, contamos com a colaboração de uma educadora popular do MOVA, residente do bairro do Jurunas, que se dispôs a caminhar conosco pelas ruas do bairro à procura de seus/suas ex-educandos/as. Andávamos pelas ruas do bairro, batendo de porta em porta, na expectativa de convencê-los a participar deste estudo.

A educadora nos telefonava sempre que conseguia falar com alguém, e pedia que fôssemos ao seu encontro, imediatamente. Passamos três semanas andando pelo bairro, de manhã, de tarde e à noite, no período das comemorações de Carnaval.

Por ser um bairro muito movimentado e com um número muito grande de festas de ruas, por diversas vezes ficou difícil encontrar alguns/algumas egressos/as em suas casas. Outro motivo que dificultou os encontros foi a questão da religiosidade de alguns, que com muita frequência iam à igreja, assim, quando não estavam no trabalho, estavam na igreja.

Muitos não aceitaram participar deste estudo, alegando não saber responder às perguntas. Contudo, a educadora nos explicou o real motivo da resistência apresentada. Relatou-nos que há poucos meses antes do início das nossas visitas ao bairro, uma pessoa que se dizia ser candidato a vereador passou a frequentar aquela redondeza, prometendo conseguir aposentadoria aos moradores mais velhos, sobretudo àqueles que não sabiam ler. No entanto, descobriu-se que tudo não passou de um golpe. Desde então, passaram a desconfiar de todas as pessoas que os procuravam.

Depois de muitas conversas e insistências, sobretudo da educadora, que é muito querida por todos da comunidade, quatro pessoas aceitaram participar deste estudo.

A fase correspondente às entrevistas foi realizada de acordo com a disponibilidade de cada entrevistado/a, bem como a escolha do melhor local ficou a critério de cada um/a. As entrevistas aconteceram em suas respectivas residências, com exceção da entrevista da dona Margarida que aconteceu na residência da educadora que estava nos auxiliando, a pedido da própria entrevistada que alegou ser sua residência um local de intenso barulho por conta de dois netos ainda crianças que passam o dia com ela. Dona Margarida morava ao lado da residência da educadora.

Sobre a questão da escolha do local das entrevistas, Meihy e Holanda (2015, p.c56)MEIHY, José Carlos Sebe Bom; HOLANDA, Fabíola. História oral: como fazer, como pensar. São Paulo: Contexto, 2015. ressaltam que:

A fim de produzir melhores condições para as entrevistas, o local escolhido é fundamental. Deve-se, sempre que possível, deixar o colaborador decidir sobre onde gostaria de gravar a entrevista […] mas geralmente a casa da pessoa, quando não há impedimento, passa a ser o espaço escolhido.

Diante de tal situação, respeitamos a decisão de cada entrevistado/a. Logo, uma das primeiras dificuldades que surgiram e que fez com que esse período de entrevistas se prolongasse bastante foi o período das intensas chuvas, que caem durante os primeiros meses do ano na cidade. As entrevistas aconteceram entre os meses de fevereiro a março de 2016.

Nossa aproximação com a comunidade iniciou já no primeiro mês do ano de 2016, para que os moradores se familiarizassem com nossa presença, bem como para terem certeza de que nossa intenção era desenvolver uma pesquisa para a Universidade do Estado do Pará. Esses primeiros contatos foram muito importantes para conquistar a confiança da comunidade em nossa pesquisa, pois há a prática de atividades ilícitas em alguns locais dessa comunidade, e a presença de pessoas estranhas é sempre uma ameaça aos que desenvolvem tais atividades.

A segunda dificuldade que encontramos foi o longo período que os entrevistados se ausentavam de casa, por trabalharem em locais distantes do bairro. A exemplo da dona Lurdes que trabalha no Distrito da Ilha de Outeiro/PA, distante à 18 quilômetros do centro de Belém/PA, e que precisava sair às 5h00 e só retornava às 19h00, extremamente cansada. A exceção foi seu João, que é aposentado e passava a maior parte do tempo em casa.

Devido à dificuldade de encontrarmos essas pessoas em suas residências de segunda à sexta-feira, decidimos por entrevistá-los aos finais de semana, sobretudo na semana de Carnaval, período em que alguns estariam em casa. A proposta foi bem recebida por todos/as.

A primeira entrevista foi realizada com seu Raimundo, já no primeiro contato que estabelecemos com ele. Não foi preciso muito esforço para convencê-lo a participar da pesquisa. Quando o encontramos na rua, estava vindo da feira de bicicleta, indo em direção à sua residência. Depois de nos apresentarmos, pediu que o esperássemos na residência de sua sogra, que fica na rua da educadora que estava nos acompanhando. Quando chegamos, fomos muito bem recebidas por sua sogra, esposa e cunhada, que haviam se reunido na sala para nos receber. Ao final da entrevista, presenteou-nos com alguns uxis e mangas, frutas típicas de nossa região, que retirou de uma de suas sacolas.

A entrevista aconteceu no dia 06 de fevereiro de 2016, por volta das 9h30, com duração de 24 minutos, sem interrupções, embora um intenso barulho que vinha de um bar localizado em frente à residência ter incomodado bastante. Ao iniciarmos as primeiras perguntas, percebemos que seu Raimundo estava à vontade para corroborar com nosso estudo. As primeiras respostas foram bem seguras, sobretudo as que pediam para falar sobre os motivos que o levaram a não frequentar a escola quando criança.

No decorrer das perguntas, seu Raimundo ficava mais à vontade para responde-las, até se emocionou ao narrar uma situação constrangedora que havia sofrido há dois na fila de um banco. Contou-nos que, por não saber manusear o caixa-eletrônico, teve que enfrentar uma fila por mais de uma hora para depositar um dinheiro na “boca-do-caixa”. Quando chegou sua vez de ser atendido, o funcionário do banco pediu-lhe que depositasse o dinheiro no caixa-eletrônico.

Seu Raimundo pediu a esse funcionário que lhe ajudasse, recebendo uma negativa. O funcionário disse-lhe que não poderia ajudá-lo naquele momento, pedindo que esperasse um pouco. Seu Raimundo ficou mais uma hora esperando, e o funcionário não apareceu. Então, pediu à uma pessoa desconhecida ajuda para depositar o dinheiro. Por sorte, deparou-se com uma pessoa honesta. Diante de tal falto, destacamos essa passagem da entrevista para vislumbrar o quão seu Raimundo se sentiu à vontade para falar de sua vida e de alguns desafios enfrentados em seu dia a dia.

Depois dessa experiência tranquila com o primeiro entrevistado, passamos a conduzir as demais entrevistas com mais calma, pois percebemos que estávamos lidando com pessoas que precisavam desabafar sobre experiências constrangedoras que lhes entristeciam, motivadas por não saberem ler e escrever. Logo, em todas as demais entrevistas chegávamos ao local combinado com uma hora de antecedência, para que os entrevistados pudessem falar daquilo que lhes incomodavam, e para que não fugissem do foco das entrevistas. Contudo, muitos, ainda, repetiam nas entrevistas o que falavam nas conversas.

Acerca dessa estratégia, nos baseamos nas falas de Meihy e Holanda (2015)MEIHY, José Carlos Sebe Bom; HOLANDA, Fabíola. História oral: como fazer, como pensar. São Paulo: Contexto, 2015., ao ressaltarem a importância de algumas perguntas serem respondidas antes do início das gravações, a exemplo: faz-se necessário saber um pouco mais do entrevistado ou não? A resposta depende do tipo de projeto que estamos estruturando. Tratando-se do nosso estudo, saber um pouco mais do entrevistado foi muito importante, dessa forma, nossas perguntas ganharam direcionamentos que implicaram em repostas mais consistentes.

A segunda entrevista ocorreu no mesmo dia, com seu João, em sua residência, às 16h00. Entretanto, chegamos às 15h10, para conversarmos sobre a intenção de nosso estudo e ouvi-lo um pouco. É importante destacar que todos os entrevistados residem na mesma rua.

A entrevista teve duração de 30 minutos, sem interrupções. Contudo, o problema que tivemos na entrevista do seu Raimundo voltou a se repetir: o intenso barulho que vinha de um bar. Esse barulho tinha relação com uma festa de carnaval que o estabelecimento estava promovendo.

Durante a entrevista, seu João se mostrou bem à vontade, e disposto a colaborar no que fosse preciso. Por muitas vezes repetiu ser evangélico, justificando todas as suas decisões, sobretudo a de ter aceitado o convite para participar do MOVA Belém, para aprender a ler a Bíblia. Mas, muitas vezes tínhamos que voltar à pergunta para que respondesse aquilo que era de nosso interesse, pois apresentava algumas fugas nas falas que se remetiam, novamente, ao fato de ser evangélico. Esperávamos ele completar a ideia, e voltávamos a formular as perguntas. Durante toda a entrevista, mostrou-se ser uma pessoa muito alegre, facilitando nossa interação.

No dia 08 de fevereiro de 2016, numa segunda-feira de Carnaval, entrevistamos dona Lurdes. A entrevista aconteceu em sua residência, às 20h15. Chegamos ao local às 19h35, para conversarmos sobre nossa pesquisa. Contudo, tivemos que expor nossos objetivos a um dos seus filhos, que estava cursando o ensino superior, para que dona Lurdes se sentisse segura em corroborar com a produção dos dados necessários para este estudo.

No início, dona Lurdes se mostrou um pouco nervosa, perguntando-nos se ela seria a pessoa ideal para ser entrevistada. Respondemos que sim, e explicamos novamente os objetivos da pesquisa. Esperamos ela se acalmar, e prosseguimos com a entrevista. Deixamos bem claro que ela poderia interromper a entrevista sempre que achasse necessário, mas isso não aconteceu.

A entrevista com dona Lurdes aconteceu sem nenhuma interrupção, com duração de 29 minutos. Tempo suficiente para responder a todas as perguntas, sem dificuldades. Entretanto, pediu que todos os seus familiares que estavam na sala se retirassem, para ficar mais à vontade para se expressar.

Por fim, realizamos a quarta e última entrevista com dona Margarida, no dia 11 de fevereiro de 2016, às 19h40. Por motivos já citados anteriormente, a entrevista aconteceu na casa da educadora que nos acompanhou neste estudo.

Muito simpática, dona Margarida respondeu a todas as perguntas, indagando, a todo instante, se estávamos entendendo o que estava dizendo, e com gestos respondíamos que sim. Com um jeito muito espontâneo, a cada pergunta respondida, perguntava, com gestos, se estava indo bem. Sua entrevista durou 20 minutos, concretizando-se como a mais rápida dentre as entrevistas já realizadas, e esse fato é explicado pela sua espontaneidade. Possui uma grande facilidade em se expressar e responder às perguntas. Quando fazíamos uma pergunta, ela repetia o que havíamos perguntado para saber se realmente tinha compreendido a pergunta. Assim, facilitou nossa interação. Algumas perguntas foram condensadas a outras, encurtando o tempo da entrevista.

Com muita simpatia, dona Margarida narrou uma passagem que marcou sua vida, por não saber ler: quando jovem, tinha um namorado que sempre a convidada para passear, e, em um desses passeios ela leu uma propaganda de refrigerantes de forma errada, e na mesma hora foi chamada atenção pelo rapaz. Esse fato a deixou muito constrangida, a chegar ao ponto de romper com o namorado.

Quando indagamos à dona Margarida sobre suas experiências de alfabetização no MOVA Belém, mostrou-se muito orgulhosa. Foi lá que aprendeu a ler e escrever, aos 42 anos, e, hoje, diz se sentir segura para ler as coisas na rua.

Ao final da fase de coleta dos dados, esclarecemos que todas as entrevistas gravadas seriam transcritas manualmente, depois, transcritas para o computador, e, por fim, levadas aos entrevistados, para serem conferidas.

A transcrição das entrevistas se constituiu como uma etapa muito delicada. Em um primeiro momento, fizemos a transcrição absoluta dos relatos orais, ou seja, as palavras foram escritas em estado bruto, mantendo as perguntas e respostas, de forma que as repetições, erros e palavras foram escritas sem peso semântico, com base nas orientações de Meihy e Holanda (2015)MEIHY, José Carlos Sebe Bom; HOLANDA, Fabíola. História oral: como fazer, como pensar. São Paulo: Contexto, 2015..

Ao final das transcrições apresentamos uma versão final, que foi aceita pelos/as entrevistados/as, para compor esta produção.

Relatos sobre os Saberes e Significações Produzidos a partir das Práticas Educativas do MOVA

Vivendo numa sociedade letrada, sobretudo nos espaços urbanos, caracterizada por um enorme universo escrito e por exigir variados tipos de leitura, pode-se dizer que não existe analfabeto, no sentido do efeito discursivo e da acepção estrita dessa concepção, segundo Moll (2011)MOLL, Jaqueline. Educação de jovens e adultos. Porto Alegre: Editora Mediação, 2011.. Para a autora, muitos conseguem criar suas próprias estratégias para driblar os pequenos e grandes desafios, que exigem a apropriação do código escrito.

Nos foi permitido a partir deste estudo conhecer homens e mulheres mergulhados/as em variadas situações de letramento que, em sua maioria, não possuem escolaridade, mas que foram iniciados no processo de alfabetização. São pessoas movidos/as por sonhos, e que encontraram no MOVA Belém a esperança da concretização desses sonhos.

A seguir, apresentamos alguns relatos dos entrevistados quanto às suas motivações sobre o MOVA Belém:

Tinha muita vontade de aprender. Sou um servo de Deus há anos! Mas, não leio a Bíblia. Queria aprender só a ler a Bíblia. Era só o que eu queria no MOVA

(seu João – dados verbais);

Queria muito aprender. Eu queria ler a minha Bíblia, versículos, essas coisas de Deus. E, também, achava bonito ver as pessoas lendo

(dona Lurdes – dados verbais);

Tinha muita vontade de crescer. Ter um emprego melhor, mas, para isso precisava aprender a ler e escrever

(seu Raimundo – dados verbais);

Meu sonho era aprender a ler e escrever um pouco. Aprender a escrever meu nome

(dona Margarida – dados verbais).

Todos/as depositaram no MOVA Belém seus sonhos, na esperança de realizá-los. Os sonhos iam desde assinar seu próprio nome, ler a Bíblia, até a ascensão profissional. Nesse momento, percebemos a valorização da leitura e escrita, destacando-as como primordiais para a concretização desses sonhos.

A respeito da leitura da Bíblia, percebemos que ganha destaque entre as falas dos/as entrevistados/as. Tal situação se justifica por serem, em sua maioria, muito ligados à crença espiritual. Três dos quatro entrevistados disseram frequentar a igreja diariamente, e relataram se sentirem constrangidos em somente escutar a “palavra de Deus” e não poder lê-la. A exemplo dessa situação, apresentamos a fala de seu João, que foi iniciado no processo de alfabetização, contudo, não consolidou o processo de leitura e escrita:

Queria aprender a ler, porque é muito importante conhecer a bíblia. É dentro dela que está a verdade! Alí é o único lugar que está a verdade de Jesus! Eu queria muito aprender, porque não dá para ficar “adulando” os outros: - “Fulano, lê este papel pra mim!” (dados verbais).

Anterior ao MOVA Belém, os entrevistados narraram que não sabiam ler, como podemos perceber em suas falas:

Antes [do MOVA Belém] não lia nada. Eu via as pessoas lerem e achava bonito

(dona Lurdes – dados verbais);

Não lia nada. Aprendi a ler depois que entrei no MOVA. Hoje, já leio um pouco. Consigo fazer minhas coisas com mais facilidade

(seu Raimundo – dados verbais);

Aceitei o convite e fui estudar no MOVA. Lá que eu fui aprender a ler um pouquinho, a escrever o meu nome, porque eu não sabia nada. Não sabia nada! A minha vida toda foi trabalhar

(dona Margarida – dados verbais).

Diante das falas dos/as entrevistados/as, percebemos que somente seu João não conseguiu consolidar o processo de alfabetização. Contudo, com a experiência no MOVA Belém, percebemos que conseguiu criar estratégias de sobrevivência para lidar com situações do dia a dia, a saber:

Hoje, pegar um ônibus é algo que consigo. Ficou muito mais fácil! Consigo reconhecer os ônibus que passam aqui perto de casa. Têm ônibus que já leio o nome, porque memorizei o nome. Por exemplo, o ônibus Pedreira, é o ‘P’, não é? Ele começa com ‘P’, tem um nome grande e termina com ‘A’. O ônibus Ceasa: começa com ‘C’, tem um tamanho pequeno, termina com ‘A’, e tem a cor verde. Antes, eu nem sabia os nomes das letras

(seu João – dados verbais).

O motivo de seu João não ter aprendido a ler e escrever e os demais entrevistados sim, tem relação direta com questões econômicas e sociais, questões muito presentes entre o público da educação de jovens e adultos de nosso país. São pessoas com experiências de vida, expectativas e bagagens culturais diversas. Entretanto, apresentam histórias de vida muito parecidas: foram impossibilitados de iniciar ou dar continuidade aos estudos na infância, por motivos diversos, destacando-se, a questão econômica.

Percebemos uma elevação da autoestima de cada um/a a partir do contato com as práticas educativas do MOVA Belém. Essa autoestima elevada tem relação direta com a inserção no mundo social, que no caso dos grupos sociais urbanos pouco letrados, evidencia uma condição de exclusão de determinados aspectos culturais da sociedade na qual estão integrados. Nesse sentido, de acordo com Kleiman (2007)KLEIMAN, Angela. O conceito de letramento e suas implicações para a alfabetização. In: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO, 1., 2007, Campinas. Anais […]. Campinas: CEFIEL, 2007., a escrita se apresenta como um dos principais fundamentos do modo letrado de pensamento.

Seu João mostrou-se uma pessoa com a autoestima mais elevada após sua experiência no MOVA Belém, ao narrar um fato que para muitos pode não significar muito, mas que para ele é motivo de orgulho, a saber:

Agora, não vão mais me obrigar a escrever meu nome no dedo, como faziam antigamente. Agora, é uma alegria, pois, já escrevo meu nome no papel. Não vou mais sujar meu dedo (dados verbais).

Para seu João, ser capaz de assinar seu próprio nome torna-o mais importante aos olhos da sociedade. É uma forma de autoafirmação. Significa a possibilidade de uma vida mais digna. Segundo o entrevistado, esse foi o maior bem que adquiriu no MOVA Belém.

Todos/as os/as entrevistados/as reconhecem que pequenas ações do dia a dia, como ler as horas, eram impossibilitadas da apropriada execução pela falta do domínio do código escrito. Abaixo algumas falas que ilustram a importância da leitura das horas:

Hoje, sei ler as horas. Antes, ficava com vergonha de colocar um relógio no braço, com medo de alguém vir me perguntar: – ‘que horas são?’ E eu não saber responder… A senhora sabe como eu me sentia? Um fracassado! A senhora agora pode me perguntar que eu respondo na hora! E, eu não preciso daqueles relógios de números [relógio digital], já posso ler as horas nos relógios de ponteiros [relógio analógico]. Tudo isso eu devo ao MOVA

(seu Raimundo – dados verbais);

Graças ao meu bom Deus já sei ler as horas. Era horrível não saber as horas. Não saber se está cedo ou tarde. Eu me sentia perdida! Toda hora eu tinha que perguntar para alguém. Às vezes, eu passava o dia em casa com o rádio ligado para me atualizar nas horas do dia. É muito bom quando a gente vai aprender a ler e aprende logo a ler as horas

(dona Lurdes – dados verbais);

Uma das coisas que dei muito valor ao MOVA foi ter aprendido a ler as horas. Pensa numa coisa boa… já pensou uma pessoa nessa idade não saber as horas? É muito triste. Agora, já até informo as pessoas sobre as horas

(dona Margarida – dados verbais).

Uma outra ação que se destaca entre as falas dos/as entrevistados/as é a possibilidade de se expressar com mais segurança, como verificamos a seguir:

Foi tudo de bom! A partir de agora que sei lê, posso ir aqui na mercearia, não é? Aí eu digo: – ‘Ivan, me dê dois ovos!’ Eu falava ‘dois ovo’, entendeu? – ‘me dá dois ovos!’ Me dá uma manteiga…

(dona Margarida – dados verbais);

O MOVA me ajudou a ser mais educado. Já sei falar ‘direito’ com as pessoas, principalmente no meu trabalho, pois lá as pessoas têm mais dinheiro. Em qualquer lugar que eu vá consigo conversar com as pessoas, sei pedi informação. Já não fico ‘acanhado’

(seu Raimundo – dados verbais);

Comecei a me comunicar bem melhor depois que participei do MOVA. A professora sempre me ‘corrigia’ quando eu falava alguma coisa errada. Ela não fazia para me envergonhar, mas para me ajudar. Até meus filhos me elogiam

(dona Lurdes – dados verbais);

Já sei falar melhor. Já consigo obedecer as pessoas. Isso é muito importante

(seu João – dados verbais).

Uma fala que muito nos chamou a atenção foi a de seu João, ao dizer que por saber se comunicar melhor, consequentemente, consegue “obedecer” melhor às pessoas. Concluímos que o que ele quis expressar é que agora consegue compreender o que as pessoas querem lhe dizer. No entanto, percebemos uma fala em que se coloca numa condição de inferioridade em relação às pessoas, por sua condição de pessoa de 72 anos de idade que não sabe ler e escrever.

Esse relato de seu João tem forte relação com o sentimento de vergonha por não saber ler e escrever, sobretudo quando precisa assinar documentos com o polegar ou depender do auxílio de outras pessoas para identificar preços de produtos, ler documentos, dentre outras situações.

Segundo Traversini (2009, p. 578), no que se refere aos programas de alfabetização, relata-nos que:

A necessidade de mudar tais características atribuídas aos analfabetos é recorrentemente encontrada como justificativa para a realização de programas de alfabetização de jovens e adultos. Uma das ações amplamente anunciadas para alcançar a prometida mudança centra-se no resgate da autoestima. Se prestarmos atenção não apenas nos programas de alfabetização de jovens e adultos, mas também em outras propostas derivadas de políticas educacionais inclusivas, encontraremos o resgate da autoestima como um investimento para atingir as metas desejadas.

Assim, resgatar a autoestima é uma tarefa considerada importante no processo de alfabetização. O sentimento de opressão e de inferioridade, a vergonha, o estigma por não saber ler e escrever e o temor do preconceito são condições que dificultam o processo de alfabetização de jovens e adultos. Desse modo, a relação entre autoestima e aprendizagem pode ser fortalecida com a difusão de práticas pedagógicas emancipatórias.

A alfabetização, para Traversini (2009)TRAVERSINI, Clarice Salete. Autoestima e alfabetização: o que há nessa relação? Cadernos de Pesquisa, FGV, São Paulo, v. 39, n. 137, 2009. Disponível em https://www.scielo.br/j/cp/a/b7YfTfw8CTtHqcqxqmcfqKF/. Acesso em: 12 jan. 2017.
https://www.scielo.br/j/cp/a/b7YfTfw8CTt...
, quando parte da realidade de seus/suas educandos/as, permite-lhes uma formação para atuarem como agentes transformadores de suas próprias realidades, a partir de uma formação crítica. Essa prática facilita a permanência do educando nos programas de alfabetização.

Após as experiências no processo de alfabetização do MOVA Belém, percebemos uma maior participação dos/as egressos/as em práticas letradas, destacando, portanto, grandes contribuições do programa. Além de uma participação mais efetiva, as próprias práticas cotidianas ganharam amplitude. Destaca-se, sobretudo, a superação da baixa autoestima dos/as entrevistados/as, que se apresentava como uma constante antes das atividades do MOVA Belém.

Os saberes e significações produzidos a partir de vivências em práticas educativas do MOVA são percebidos, neste estudo, como reflexos da complexidade humana do viver em uma sociedade letrada, a partir da criação e recriação de saberes necessários à vida cotidiana. Percebemos uma ressignificação do cotidiano em cada fala, a partir do momento que passaram a interagir com o meio social com mais autonomia.

Considerações Finais

As pessoas que neste texto apresentaram os saberes e significações produzidos a partir de suas vivências em práticas educativas do MOVA Belém, reconheceram a importância que tem a escrita em suas vidas, bem como a necessidade de ampliar conhecimentos para lidar de modo satisfatório com algumas práticas cotidianas.

Embora um dos entrevistados não tenha se apropriado efetivamente do código escrito, como seu João, percebemos que a partir do aprendizado que lhe foi oportunizado conseguiu criar estratégias de sobrevivência para lidar com situações do dia a dia que exigem a leitura, como pegar ônibus, assinar seu nome, expressar-se com mais segurança, dentre outras.

O impacto positivo produzido em suas vidas, por meio do processo de alfabetização, permitiu-lhes diversas possibilidades de participação em práticas letradas mais efetivas, como a aquisição de um emprego melhor, leituras de impressos que circulam no dia a dia, leitura mais crítica da realidade, elevação da autoestima.

A partir do que observamos, percebemos que os saberes construídos respondem aos desejos de promoção social, cultural e econômica, permitindo-lhes, assim, uma nova forma de cidadania.

É preciso que fique claro que todos os entrevistados se sentiram acolhidos nesse processo de alfabetização, sobretudo pelo fato das aulas acontecerem em um centro comunitário do bairro e serem lecionadas por uma educadora popular do próprio bairro. O ambiente amoroso e familiar permitiu-lhes perder a vergonha e o medo de não conseguir aprender. Sobre isto, Freire (2016, p. 36)FREIRE, Paulo. Educação e mudança. São Paulo: Paz e Terra, 2016. nos ensina que “[...] quem não é capaz de amar os seres inacabados não pode educar”. Para ele, não há educação sem amor.

Diante de tal cenário, a organização e a mobilização popular constituem-se em uma luta política pelo direito das massas populares dizerem suas palavras, expressarem seus saberes, afirmarem suas culturas e experiências de vida, imporem suas epistemologias. É neste sentido que a prática educativa de professores/as e educadores/as populares deve caminhar, desenvolvendo-se uma prática social profundamente contextualizada e compromissada com os/as educandos/as.

Destacamos a importância da formação de professores/as e educadores/as populares numa perspectiva dialógica, que estimule a autonomia, os saberes, as experiências e as culturas de seus/suas educandos/as.

A prática educativa desenvolvida em espaços comunitários, desse modo, deve estimular o protagonismo de seus/suas educandos/as, apontando para a história como possibilidade e não como determinação. O que requer um discurso pedagógico inovador, construção coletiva do conhecimento, luta contra as mais distintas formas de opressão, bem como a amorosidade e a afetividade.

  • 1
    A Cabanagem foi uma revolta popular que aconteceu entre os anos de 1835 e 1840 na província do Grão-Pará (região norte do Brasil, atual estado do Pará). Recebeu este nome, pois grande parte dos revoltosos era formada por pessoas pobres que moravam em cabanas nas beiras dos rios da região. Estas pessoas eram chamadas de cabanos (Ramos, 2022RAMOS, Jefferson Evandro Machado. Cabanagem. Sua pequisa.com (online), 14 mar. 2022. Disponível em: http://www.suapesquisa.com/historiadobrasil/cabanagem.htm. Acesso em: 12 mar. 2023.
    http://www.suapesquisa.com/historiadobra...
    ).
  • 2
    Casada sem documento oficial.

Disponibilidade dos dados da pesquisa:

O conjunto de dados de apoio aos resultados deste estudo está publicado no próprio artigo.

Referências

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  • BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é Educação?São Paulo: Brasiliense, 1984.
  • BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A educação como cultura Campinas: Mercado de Letras, 2002.
  • FREIRE, Paulo. Educação e mudança São Paulo: Paz e Terra, 2016.
  • FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2019.
  • GADOTTI, Moacir. MOVA: por um Brasil Alfabetizado. São Paulo: Instituto Paulo Freire, 2008. (Série Educação de Adultos; 1).
  • GOMES, Jaqueline Teixeira. Saberes e Significações Produzidos nas Práticas Educativas do Mova-Belém/PA 2017. 106 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Centro de Ciências Sociais e Educação, Universidade do Estado do Pará, Belém, 2017.
  • JARDILINO, José Rubens Lima; ARAÚJO, Regina Magna Bonifácio de. Educação de jovens e adultos: sujeitos, saberes e práticas. São Paulo: Cortez, 2014.
  • KLEIMAN, Angela. O conceito de letramento e suas implicações para a alfabetização. In: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO, 1., 2007, Campinas. Anais […] Campinas: CEFIEL, 2007.
  • MEIHY, José Carlos Sebe Bom; HOLANDA, Fabíola. História oral: como fazer, como pensar. São Paulo: Contexto, 2015.
  • MOLL, Jaqueline. Educação de jovens e adultos Porto Alegre: Editora Mediação, 2011.
  • MOTA NETO, João Colares da. A educação no cotidiano do terreiro: saberes e práticas culturais do Tambor de Mina na Amazônia. 2008. 196 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade do Estado do Pará, Belém, 2008.
  • OLIVEIRA, Ivanilde Apoluceno de; MOTA NETO, João Colares da. A construção de categorias de análise em pesquisa em educação. In: MARCONDES, Maria Inês; TEIXEIRA, Elizabeth; OLIVEIRA, Ivanilde Apoluceno de. Abordagens teóricas e construções metodológicas na pesquisa em educação Belém: EDUEPA, 2011.
  • POJO, Oneide Campos. Entre saberes e práticas: a alfabetização de jovens e adultos no MOVA Belém. 2006. 165 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2006.
  • RAMOS, Jefferson Evandro Machado. Cabanagem. Sua pequisa.com (online), 14 mar. 2022. Disponível em: http://www.suapesquisa.com/historiadobrasil/cabanagem.htm Acesso em: 12 mar. 2023.
    » http://www.suapesquisa.com/historiadobrasil/cabanagem.htm
  • TRAVERSINI, Clarice Salete. Autoestima e alfabetização: o que há nessa relação? Cadernos de Pesquisa, FGV, São Paulo, v. 39, n. 137, 2009. Disponível em https://www.scielo.br/j/cp/a/b7YfTfw8CTtHqcqxqmcfqKF/ Acesso em: 12 jan. 2017.
    » https://www.scielo.br/j/cp/a/b7YfTfw8CTtHqcqxqmcfqKF/

Editado por

Editor responsável: Luís Henrique Sacchi dos Santos

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    14 Mar 2023
  • Aceito
    05 Nov 2023
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