RESUMO:
O presente estudo visa problematizar o conceito de pós-criticidade nos usos curriculares no campo da Educação Física escolar. Para tanto, utilizamos as teorizações advindas tanto do campo filosófico quanto do educacional, bem como seus efeitos nas discussões epistemológicas do componente supracitado. Como método de trabalho, tomamos como inspiração o conceito de geofilosofia a partir dos filósofos franceses Gilles Deleuze e Félix Guattari (Deleuze; Guattari, 2010). Em um primeiro momento, a partir de sua territorialização no campo curricular e reterritorialização na Educação Física, destacamos as condições de imanência e as potencialidades do conceito em pauta para, em seguida, desterritorializá-lo, apontando os riscos que acompanham pensamentos classificatórios. Como reflexão final, lançamos a proposta de uma radicalização do processo diferencial na produção curricular, posicionando todas as criações propositivas minoritárias no âmbito da Educação Física como importantes para uma sociedade mais justa e menos violenta, sendo necessária a continuidade dos trabalhos que evitem reducionismos e sectarismos.
Palavras-chave: currículo; pós-crítico; geofilosofia
RESUMEN:
El presente estudio tiene como objetivo problematizar el concepto de poscriticidad en los usos curriculares en el campo de la Educación Física escolar. Para ello, utilizamos teorizaciones provenientes tanto del campo filosófico como educativo, así como sus efectos en las discusiones epistemológicas de dicho componente. Como método de trabajo, tomamos como inspiración el concepto de geofilosofía de los filósofos franceses Gilles Deleuze y Félix Guattari (DELEUZE; GUATTARI, 2010). En un primer momento, a partir de su territorialización en el campo curricular y reterritorialización en Educación Física, destacamos las condiciones de inmanencia y las potencialidades del concepto en cuestión, para luego desterritorializarlo, señalando los riesgos que acompañan a los pensamientos clasificatorios. Como reflexión final, proponemos una radicalización del proceso diferencial en la producción curricular, posicionando todas las creaciones propositivas minoritarias en el ámbito de la Educación Física como importantes para una sociedad más justa y menos violenta, exigiendo la continuidad de obras que eviten reduccionismos y sectarismos.
Palabras clave: currículo; poscrítico; geofilosofía
ABSTRACT:
This study aims to problematize the concept of post-criticality in curricular uses in the field of school Physical Education. To this end, we used theorizations from both the philosophical and educational fields, as well as their effects on the epistemological discussions of the aforementioned component. As a working method, we took as inspiration the concept of geophilosophy from the French philosophers Gilles Deleuze and Félix Guattari (Deleuze; Guattari, 2010). At first, based on its territorialization in the curricular field and its reterritorialization in Physical Education, we highlight the conditions of immanence and the potential of the concept in question and then de-territorialize it, pointing out the risks that accompany classificatory thinking. As a final reflection, we propose a radicalization of the differential process in curricular production, positioning all propositional minority creations in the field of Physical Education as important for a fairer and less violent society, requiring the continuity of work that avoids reductionism and sectarianism.
Keywords: curriculum; post-critical; geophilosophy
INTRODUÇÃO
O campo curricular da Educação Física apresenta em sua história propostas forjadas em processos sociopolíticos contextuais diversos, indo inicialmente de um projeto liberal burguês levado a cabo por meios ginásticos (Soares et al., 1992) até a hegemonia esportivista formulada para atender as transformações capitalistas do pós-guerra (Bracht, 2005). Os anos 1980 marcam a aurora crítica do componente, com uma crise epistemológica somada a um movimento renovador que traz em sua esteira novas propostas metodológicas, cunhadas em outras perspectivas sociais e educacionais. Ainda que algumas dessas possibilidades apresentassem “novas epistemologias”, ao fim e ao cabo, estavam igualmente ancoradas nas ciências psicobiológicas, comumente caracterizadas na área como acríticas (Neira; Nunes, 2006; 2009). Não obstante, nesse mesmo diapasão, surgiram também propostas críticas, como o currículo crítico-superador (Soares et al., 1992), apoiado no materialismo histórico-dialético; e a perspectiva crítico-emancipatória (Kunz, 1991; 1994), vinculada à teoria da ação comunicativa, corrente de pensamento desenvolvida pela Escola de Frankfurt.
Mais recentemente, a partir de obras como Pedagogia da cultura corporal: crítica e alternativas (Neira; Nunes, 2006) e Educação física, currículo e cultura (Neira; Nunes, 2009), outra perspectiva inaugura na Educação Física o pensamento conhecido no âmbito curricular como pós-crítico. Grosso modo, a perspectiva curricular cultural visa proporcionar aos sujeitos da educação um amplo conhecimento e a compreensão do repertório cultural corporal, por meio da leitura e produção da diversidade de práticas corporais. O intento final é a produção de subjetividades não fascistas (Bonetto; Vieira, 2021), ao perspectivar no processo pedagógico a problematização de relações de poder, a regulação discursiva e a construção da identidade e da diferença. Para tanto, inspira-se em diversos campos discursivos, como o multiculturalismo crítico, os estudos culturais, os estudos pós-coloniais, a teoria queer, os estudos de gênero, a filosofia da diferença, entre outros.
Dessa condição de emergência alguns enfrentamentos teóricos - que, em alguma medida, já se apresentavam no âmbito das teorias críticas do componente - tornaram-se inevitáveis. Na maioria das vezes, trata-se de conflitos absolutamente legítimos que ocorrem em virtude do embate teórico entre filiações epistemológicas distintas. Em outras ocasiões, talvez por mero desconhecimento ou, ainda, por receio de perder a hegemonia para o que seria uma nova proposição em vanguarda, alguns teóricos ortodoxos - no sentido de compreenderem sua visão como a única correta -, alinhados às concepções críticas, associaram a teorização pós-crítica ao neoliberalismo, relativismo e ao conservadorismo, sendo comum a intitulação jocosa de “pós-moderna”2. Na outra face desse embate, teóricos filiados ao pensamento pós-crítico (Neira; Nunes, 2009; Borges, 2019; Vieira, 2020; Bonetto, 2021) questionam, entre outros, o caráter teleológico, essencialista, representacional, bem como o sujeito emancipado e racional requerido pelas propostas críticas estruturalistas. Para incursionar na manifesta possibilidade, não pretendemos recorrer às clássicas e extensas obras sobre a história da Educação Física, tampouco retomar as características epistemológicas e didáticas de cada concepção curricular, trabalho já efetuado em várias obras. Nosso intuito é tão somente problematizar alguns pontos do que se convencionou chamar de “currículo pós-crítico”, além de sinalizar alguns de seus possíveis efeitos no campo da Educação Física. Metodologicamente, o presente artigo se inspira na geofilosofia de Deleuze e Guattari (2010), que nos lança para um duplo exercício intelectual, baseado nos conceitos de territorialização e desterritorialização. Sendo assim, buscamos apontar os riscos e as potencialidades de cada movimento, seja reafirmando-territorializando, ainda que provisoriamente, as categorias, classificações e diferenciações, seja rompendo-desterritorializando supostas trincheiras conceituais que impedem a movência do pensamento curricular e suas criações.
Isso posto, nossa análise distancia-se de julgar as teorizações existentes como mais ou menos verdadeiras, melhores ou piores, ultrapassadas ou vanguardistas, uma vez que compreendemos que qualquer classificação ou categoria, por mais pedagógica e criteriosa que seja, é carregada de relações de poder. Em face do exposto, direcionamos nossos esforços em apontar as diferentes noções de sujeito e conhecimento, almejando, assim, abrir caminhos e potencializar outras práticas pedagógicas, estratégias e concepções para uma Educação Física que esteja “em ação”, ou seja, compreendida como um ato constante de criação.
O MÉTODO GEOFILOSÓFICO
As discussões concernentes ao espaço teórico do pós-estruturalismo ou filosofia(s) da diferença, aqui tratados como sinônimos, defendem a impossibilidade de captura do real com exatidão (conhecimento como representação) e refutam a ideia de essencialidade nos conhecimentos ou objetos (conhecimento como produção diferencial). Diante disso, a realidade cognoscível pode se tornar caótica. De acordo com Deleuze e Guattari (2010), para se guiar nas infinitas possibilidades, a filosofia traça planos de imanência que recortam o caos, estabelecendo um personagem conceitual e, a partir desses planos, conceitos são criados para operar em problemas específicos. Essa maneira de ver a filosofia é uma ruptura radical com a concepção clássica grega, da qual a civilização ocidental é profundamente devedora e cujo objetivo é a contemplação ou a reflexão (Gallo, 2013).
Deleuze e Guattari (2010) propõem uma geologia dos conceitos filosóficos, ou melhor, do pensamento, por meio do que chamam de “geofilosofia”. Na concepção geofilosófica, filosofar é uma tarefa inventiva em ato sempre imanente, com planos compostos por conceitos. Tal plano não remete a uma linearidade, mas se trata de um território atravessado por muitos outros planos (por sua vez, também imanentes e com seus próprios conceitos). Nos múltiplos atravessamentos, os conceitos podem se conectar, repelir, duelar ou aliançar a outros conceitos, dentro de um mesmo plano ou de inúmeros outros. Tal perspectiva filosófica compreende o conceito de maneira não essencializada, pois este não pode ser definido de forma última. Diante da processualidade da invenção, um conceito qualquer é sempre um ato imanente de criação, distante de um ente transcendente. Logo, conceitos não são descobertos, mas inventados, isto é, um acontecimento do ato de pensar. A ideia de personagem conceitual, por sua vez, busca responder quem empreende a atividade filosófica, que não remete simplificadamente ao filósofo. Este mergulha no caos de modo não racional, não controlado, não consciente - não se trata de um sujeito, portanto. Essa defesa do caos, proteção do pensamento, verdadeiros heterônimos do pensador, compõe a imagem de um personagem conceitual (Deleuze; Guattari, 2010).
Diante do exposto, podemos compreender a perspectiva geofilosófica proposta por Deleuze e Guattari como movimentos do pensamento, binômios operativos de terra-território e territorialização-desterritorialização. “O sujeito e o objeto oferecem uma aproximação do pensamento. Pensar não é nem um fio estendido entre um sujeito e um objeto, nem uma revolução de um em torno do outro. Pensar se faz antes na relação entre o território e a terra” (Deleuze; Guattari, 2010, p. 113).
Peters (2002, p. 79) colabora na compreensão:
Contra o conservadorismo, o apoliticismo e o a-historicismo da filosofia analítica, Deleuze e Guattari desenvolvem, começando com os gregos, uma geografia da filosofia: uma história da geofilosofia. Em vez de uma história, entretanto, eles conceitualizam a filosofia, em termos espaciais, como uma geofilosofia. Tal concepção complica, imediatamente, a questão da filosofia: ao ser vinculada a uma geografia e a uma história - uma espécie de especificidade espacial - a filosofia não pode escapar de sua relação com a Cidade e o Estado. Em suas formas moderna e pós-moderna, ela não pode evitar um vínculo com o capitalismo industrial e da sociedade do conhecimento.
Terra e território, nesse caso, não compõem uma unidade fixa, uma representação identitária, mas duas zonas avizinhadas que demarcam uma conjunção entre um plano e sua imanência.
O território pode ser relativo tanto a um espaço vivido, quanto a um sistema percebido no seio do qual um sujeito se sente ‘em casa’. O território é sinônimo de apropriação, de subjetivação fechada sobre si mesma. Ele é o conjunto de projetos e representações nos quais vai desembocar, pragmaticamente, toda uma série de comportamentos, de investimentos, nos tempos e nos espaços sociais, culturais, estéticos, cognitivos (Guattari; Rolnik, 2013, p. 323).
Simplificadamente, Deleuze e Guattari (2012, p. 224) definem: “[...] podemos afirmar que a desterritorialização é o movimento pelo qual se abandona o território, é a operação da linha de fuga”, e a reterritorialização é o movimento de construção do território. Referindo-se aos movimentos cartográficos de territorialização e desterritorialização, Santos (2013) destaca que, a partir da filosofia deleuze-guattariana, uma geofilosofia dos conceitos e do pensamento mobiliza topologias instáveis.
Os movimentos de desterritorialização não são separáveis dos territórios que se abrem sobre um alhures, e os processos de reterritorialização não são separáveis da terra que restitui territórios. São dois componentes, o território e a terra, com duas zonas de indiscernibilidade, a desterritorialização (do território à terra) e a reterritorialização (da terra ao território). Não se pode dizer qual é primeiro. Pergunta-se em que sentido a Grécia é o território do filósofo ou a terra da filosofia (Deleuze; Guattari, 2010, p. 103).
Faz-se mister um aviso: desterritorialização e reterritorialização não são processos dissociáveis, pois sempre que existe um movimento de desterritorialização, há igualmente movimento de reterritorialização acontecendo concomitantemente. A importância da ressalva recai, para além da explanação conceitual, no desdobramento deste texto onde buscaremos evidenciar ambas as movimentações.
Por fim, argumentamos que Deleuze e Guattari (2010) utilizam a concepção de geofilosofia como oposição à visão histórica que entende o pensamento como algo evolutivo. Se os conceitos refletem sua imanência, são criados para dar conta de questões particulares, ferramentas para pensar problemas criados com interesses contextuais, específicos, contingentes: é o direito de refletir sobre os próprios problemas, ou mesmo criá-los, a partir de desejos singulares (Gallo, 2013).
Diante do que foi explicado, fica visível a frequência no campo da educação de movimentos de desterritorialização, ou melhor, realocação em seu próprio campo das produções teóricas de filósofos expoentes. Foi assim com alguns filósofos gregos clássicos, também com Rousseau, Nietzsche, Marx, e está sendo com Foucault, Derrida, Deleuze, Guattari, Butler, entre muitos outros. Entendemos que essa maneira de operar das pesquisas em educação não é algo especificamente ruim, que impede a originalidade do campo, fazendo-o replicador ou copista de conhecimentos produzidos por outras áreas das ciências humanas. Pensamos, tal como os filósofos Deleuze e Guattari, que, quando roubamos ou desterritorializamos conceitos de determinados campos e territorializamos em outro com o objetivo de responder a certos questionamentos, estamos criando outros conceitos e produzindo novas possibilidades. Nas palavras de Carvalho (2016, p. 49), “o pensamento que é convocado pela experimentação filosófica tem por objetivo fundamental produzir certo caos nas experiências educativas”.
Ainda na perspectiva da criação, Gallo (2013) retira do fazer filosófico deleuze-guattariano argumentos para defender um combate à filosofia da educação como reflexão, entendendo que essa forma empobrece e paralisa o movimento do pensamento. O entrave tem como uma das consequências o endereçamento da educação como uma arena opinativa repleta de disputas vazias, incapazes de mobilizar o campo. O filósofo também afirma que o múltiplo campo da educação é atravessado por um duplo corte, quais sejam os planos de imanência da educação e da filosofia. Estes são consequência, por sua vez, de um cruzamento entre os planos filosóficos, artísticos e científicos. Assim, na educação, sob essa perspectiva, a postura de pensar os próprios problemas a partir de conceitos subverte a finalidade da educação moderna.
Os movimentos realizados no campo curricular da Educação Física são igualmente expressões dessas movimentações de território. Não é muito arriscado dizer que, sob essa ótica, as conversações que nos interessam são as que deram o pontapé a uma perspectiva crítica - movimento iniciado na Educação Física em meados da década de 1980, mesmo que este seja um campo atravessado por múltiplos planos de produção conceitual, dos quais muitos não traçamos alianças. Nas décadas seguintes, novos planos foram delineados, novas territorializações-reterritorializações. Na sequência, sob a égide da geofilosofia, esboçamos alguns desses processos como forma de caracterizar suas nuances e problematizar seus efeitos.
TERRITORIALIZANDO PÓS-CRÍTICO COMO UM CONCEITO FILOSÓFICO
Neste tópico, buscaremos apresentar alguns efeitos da territorialização do conceito pós-crítico no campo da Educação e, em consequência, na Educação Física, como forma de marcar alguns possíveis distanciamentos entre as teorias do currículo críticas e pós-críticas. Territorializar, nesse sentido, é o ato de alegar um uso para tal dicotomia, trata-se de definir fronteiras e afirmar a diferença entre as vertentes curriculares. Antes dessa caracterização, contudo, delinearemos, sucintamente, algumas configurações de irrupção e os pressupostos de cada uma das concepções curriculares anteriormente mencionadas.
Sobre o termo “pós-crítico”, encontramos o Professor Tomaz Tadeu da Silva como seu difusor mais destacado no Brasil, o qual, a partir de meados dos anos 1990, passa a escrever, traduzir e organizar uma série de obras que revolucionaram o campo acadêmico curricular brasileiro. Para Silva (2007), toda teoria pedagógica é também curricular, com respectivas visões de sociedade, reflexo, portanto, de diferentes posições políticas. De forma bastante pedagógica, Silva classifica o campo curricular em três categorias: currículos tradicionais, críticos e pós-críticos. No campo da educação, o currículo tradicional seria, de forma abreviada, todos aqueles que não questionam os arranjos sociais e não problematizam os conteúdos que compõem o processo escolar, limitando-se às discussões metodológicas sobre como atingir a função social escolar determinada pela sua genealogia moderna-burguesa (Noguera-Ramírez, 2011). Mediante uma reterritorialização da lente teórica formulada por Silva (2007), Neira e Nunes (2006; 2009) classificam os currículos da Educação Física, entendendo como tradicionais as perspectivas ginástica, esportivista, desenvolvimentista, psicomotora, e a versão renovada da perspectiva da saúde do final do século XX.
Durante a década de 1960 e após, temos o surgimento de movimentos sociais que colocam em xeque a ordem vigente a partir de vários prismas. A título de exemplo, temos os protestos estudantis na França que tiveram seu ápice no mês de maio de 1968; os movimentos estudantis semelhantes em vários outros países europeus; os protestos contra a guerra do Vietnã nos EUA; o movimento feminista ganha força na Europa e nos EUA; as lutas contra a ditadura militar no Brasil. Saliente-se que é nesse quadro conjuntural que surgem propostas curriculares questionando os modelos de educação tradicionais, denominadas teorias críticas. As teorizações críticas irrompem no Brasil a partir da década de 1980, propulsionadas pela abertura política e pela redemocratização: “É nesse momento que explode, em todo o país, uma literatura pedagógica de cunho mais progressista” (Moreira, 2003, p. 15).
Em Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo, Silva (2007) discorre sobre as principais obras da teorização curricular crítica e elege como representantes do movimento os ensaios de Louis Althusser, baseados na análise marxista da sociedade; na ideia de pedagogia racional de Pierre Bordieu e Jean-Claude Passeron, que propunham um currículo em que as crianças das classes dominadas tivessem as mesmas condições das crianças da classe dominante; no movimento idealizado por William Pinar, denominado reconceptualização, com influências da fenomenologia e hermenêutica; na crítica neomarxista de Michael Apple, que compreende o currículo em suas conexões com relações de poder; na proposta de Henry Giroux de currículo como política cultural; na pedagogia do oprimido de Paulo Freire, influenciando estudos pós-colonialistas; a nova sociologia da educação, de Michael Young, cuja preocupação central é a conexão entre conhecimento e poder; e a sociologia da educação de Basil Bernstein, questionando o papel da escola no processo de reprodução cultural e social.
Segundo os ensinamentos de Moreira (2003), a partir da década de 1980 e com mais intensidade na seguinte, o aporte teórico crítico encorpa sua consistência no País, tratando sempre de questões como “a preocupação com o conhecimento escolar” e a valorização da “cultura do aluno no processo de seleção de conteúdos”. Traçando forte oposição aos currículos tradicionais, a vanguarda crítica enfrenta a hegemonia visando a desconstrução dos modelos vigentes, sempre apregoando a necessidade de interrogação coletiva acerca dos pressupostos acríticos. Nesses termos, são incidentes problematizações que realizam alusão a alguns conceitos que se tornariam amplamente difundidos, como consciência crítica, emancipação individual e social, razão e alienação, somente para citar alguns. Silva (2007) reforça o argumento quando afirma que as formulações de teóricos vinculados às teorizações críticas vão compreender o currículo como capitalista, uma vez que a escola transmite a ideologia discriminatória por meio do currículo, ensinando a classe subordinada a submissão e a classe dominante, o controle.
Na Educação Física, novamente sob o olhar de Neira e Nunes (2006; 2009), podemos entender como currículos críticos as perspectivas crítico-emancipatória e crítico-superadora. A primeira surge em 1991, com a obra Educação Física: ensino e mudanças, de Elenor Kunz. Nesse trabalho, Kunz se ampara na teorização crítica de Frankfurt de criar um ambiente educacional que vá além do desenvolvimento físico e esportivo, promovendo a consciência crítica e a emancipação por meio da participação ativa dos discentes, visando uma transformação da sociedade ao desafiar as normas tradicionais do ensino de esporte. Posteriormente, na obra Metodologia do ensino de educação física (Soares et al., 1992), somos apresentados à segunda e possivelmente mais difundida visão crítica da Educação Física, intitulada por seus idealizadores de “crítica-superadora”, que tem como maior “avanço” estabelecer a cultura corporal - carregada de significados produzidos historicamente em dado contexto - na qualidade de objeto de estudo da Educação Física. Há mais: a perspectiva realiza incisivas interrogações ao ensino convencional da Educação Física, hegemonicamente amparado pela perspectiva anátomo-fisiológica e didaticamente inspirado na esportivização de alto rendimento. De imediato, o teor crítico do texto mostra-se evidente. Na esteira do materialismo histórico-dialético, a perspectiva curricular crítico-superadora preconiza que, no decorrer do projeto pedagógico, considerem-se os processos históricos e, ainda, a contextualização das expressões corporais estudadas, entendidas como linguagem. Alguns anos à frente, os trabalhos de Eleonor Kunz reaparecem de modo mais sistematizado com a obra Transformação didático-pedagógica do esporte (Kunz, 1994), a qual se consubstancia na proposta “crítico-emancipatória”, proferindo críticas ao ensino tecnicista do esporte e fazendo uso do conceito de cultura de movimento, uma vez que o conceito de cultura corporal veiculado pela proposta crítico-superadora, na visão de Kunz (1994, p. 19), seria “dualista” e “tautológico, uma vez que não pode existir nenhuma atividade culturalmente produzida pelo homem que não seja corporal”. Desse modo, propõe uma transformação didática da Educação Física, que gira em torno do conceito “se-movimentar”. Ambas as obras ganharam muito prestígio no campo acadêmico e se tornaram muito difundidas na Educação Física escolar. Reconhecemos, contudo, que somente com essa aligeirada descrição epistemológica e didática de cada concepção ficam evidente os riscos de alocá-las como críticas de forma igualada sem ocorrer minimamente em uma pasteurização. Não obstante, por questões de delimitação e escopo do estudo, neste momento não temos espaço para esmiuçar essas proposições curriculares, uma vez que o foco de análise aqui é o conceito de pós-crítico. Todavia, como se pode entrever, já se aponta no horizonte a problematização acerca das categorias que faremos no terço final do texto.
Retornemos ao contexto amplo: em suas investigações sobre o campo do currículo no Brasil e nos Estados Unidos, Moreira (2003) destaca que, apesar das contribuições das teorias críticas, em meados da década de 1990 ocorre uma espécie de crise na concepção crítica de currículo, sobretudo em razão das dificuldades de aplicar, na prática, seus princípios teóricos. Ademais, algumas ideias muito caras para a teorização crítica, por exemplo, reprodução, classe social e emancipação, para muitos não dão conta de investigar a complexidade social, o que demanda novas formulações conceituais. Está montado o cenário para novas movimentações teóricas no campo curricular, justamente o contexto de emergência da teorização pós-crítica3.
Silva (2007) entende que o currículo pós-crítico busca superar os limites das discussões prévias ao não se limitar às questões de relações de poder e econômicas do capitalismo, mas amplia o escopo e incorpora diversas temáticas e categorias ligadas à diferença, entre elas o multiculturalismo crítico, estudos feministas, teoria queer, estudos étnicos e raciais, pós-modernismo, pós-estruturalismo, estudos culturais, pós-colonialismo, entre outros movimentos teóricos existentes ou que venham a ser formulados. Se não bastasse outra concepção diante das questões do identitarismo, a perspectiva pós-crítica atrela-se a novas concepções de sujeito, conhecimento, função social da escola, entre outras.
Não é desinteressante salientar, contudo, que cada campo de conhecimento comumente intitulado de pós-crítico, amplamente apropriado nos estudos sobre currículo na atualidade, possui questões e problemáticas próprias e, portanto, não se constitui em um conjunto de doutrinas comuns, de modo que, por vezes, até mesmo se opõem; sem embargo, não é raro o uso do termo teorias pós-críticas para nomear essas formas teóricas discursivas, conforme explicam Lopes e Macedo (2011), em Teorias de currículo, e Lopes (2013), em “Teorias pós-críticas, política e currículo”. As produções em pauta apresentam com profundidade algumas chaves de leitura que, entre outras questões, marcam as diferenças entre os movimentos pós-estruturalistas, pós-coloniais, pós-modernos, pós-fundacionais e pós-marxistas.
Todos esses movimentos se cruzam, se mesclam e por vezes também se confrontam, pertencendo a uma tradição que se remete aos pensamentos de Nietzsche, Heidegger e Derrida. São marcadamente anti-essencialistas, anti-objetivistas, críticos dos determinismos e valorizam a linguagem como central na mediação da compreensão do social, substituindo as estruturas pelo discurso e ampliando as discussões filosóficas da cultura. Nesse sentido, impactam particularmente no campo do currículo pela problematização das teorias críticas de registro sociológico [...] (Lopes, 2013, p. 17).
Diagnóstico análogo, mas não de todo coincidente, é ofertado por Silva (2002). Na esteira do perspectivismo nietzschiano, o autor apresenta uma espécie de mapa que, a nosso ver, sintetiza de modo preciso alguns dos principais temas da teorização curricular pós-crítica. Vejamos mais de perto:
A verdade como ficção, invenção e criação. Uma visão perspectivista e interpretativa do conhecimento. O conceito como produção e intervenção e não como descoberta ou reflexo. A insistência no caráter produtivo da linguagem. O privilegiamento da diferença e da multiplicidade em detrimento da identidade e da mesmidade. Rejeição da transcendentalidade e da originariedade do sujeito. O caráter heterogêneo, derivado, das formações de subjetividade. A não-identidade do “sujeito” consigo mesmo. A opção por uma genealogia em prejuízo de uma ontologia. A pesquisa não das essências e das substâncias, mas das forças e das intensidades. Insistência no “poder” de inventar, fixar, tornar permanente e não na capacidade cognitiva de descobrir, revelar, desvelar. Contra o duvidoso gosto pela essência, uma declarada predileção pela aparência. Não a presença (do ser?), mas seu deferimento, sua diferença, seu retardamento, seu espaçamento. Horror ao pensamento da negação e da contradição. O devir em vez do ser. Não os valores, mas sua valoração. Não a moral, mas sua proveniência (Silva, 2002, p. 35).
De forma bastante didática, Silva (2007) nos ajuda a entender as fronteiras entre as categorizações ao elencar quatro questionamentos aos princípios da Modernidade, nos quais se apoiam as teorias críticas: 1) objeção às “narrativas mestras”, consideradas expressão da vontade de domínio e controle da modernidade; 2) profunda dúvida da noção de progresso social presente no cerne dos princípios modernos; 3) combate à transcendência de princípios privilegiados na fundação de sistemas de pensamentos, considerados axiomas inquestionáveis; 4) descrença do sujeito como centro da ação social, como possuidor de uma essência identitária em que sua existência seja a expressão de seus pensamentos - o princípio do sujeito racional.
Onde se inicia esse posicionamento filosófico? Para Hicks (2011), mesmo que Kant seja, por vezes, tido como um defensor do racionalismo, quando tomamos o tema da relação entre razão e realidade, explicitado em Crítica da razão pura, o filósofo de Könisberg afirma que a razão não é capaz de conhecer a realidade tal como ela “é”. Nesse sentido, se a realidade está para sempre separada da racionalidade, pois esta última se limita a perceber e compreender seus substratos imersos de subjetividade, a razão não acessa nada que esteja fora dela - assim qualquer dogmatismo é arbitrário e meramente uma imposição. Apesar de defensor de racionalidades universais, o posicionamento de Kant perante a questão da relação com o real é mais importante para a construção do pensamento contemporâneo: sem a universalidade, a coerência é resultado de construtos subjetivos. A singularidade humana não acessa o real, de modo que o conhecimento se trata de como a nossa subjetividade estruturou a realidade a partir da percepção. A verdade é somente uma relação individual de coerência.
Apesar da importância de Kant, é o filósofo alemão Friedrich Nietzsche quem radicaliza a postura antirrealista. Para Larrosa (2008), Nietzsche via o mundo como duas infinitudes, a material e a interpretativa, logo, todo conhecimento é uma fábula, uma criação que se pensa verdadeira. A escrita de Nietzsche refletia tal pensamento, de modo que não pretendia transmitir verdades, nem educar, nem contrapor outras convicções, mas expressar forças que se combinam, promovendo experiências. A objetividade, nesse sentido, não é aquela da positividade científica, mas o rigor da multiplicidade. Reforça-se, nesse sentido, a importância de Nietzsche quando se observa que o filósofo figura em muitas análises como o marco do rompimento com a Modernidade, tamanhas sua importância e originalidade.
Fensterseifer (1999), importante interlocutor da Educação Física e defensor do racionalismo, por outro lado, adverte para uma espécie de vácuo civilizatório resultante do profundo questionamento dos preceitos modernos, o que abriria espaço para uma retomada fundamentalista mítica, que estaria tomando a dianteira na reorganização dos fragmentos da razão ocidental. Notemos sua reflexão a esse respeito: “Por que esta aposta na razão? Porque acredito, como Freud que, embora limitado, esse deus/logos é o que nos resta, o que também não acho pouco” (Fensterseifer, 1999, p. 183). Ora, apoiando-nos nos trabalhos de viés pós-críticos, é possível ampliar a análise do autor, pois não se trata de um abandono da ferramenta do pensamento, mas de uma potencialização de suas formas com o que pode aquilo que não é próprio da razão.
Aqui é importante traçar um crivo: pensar na ótica pós-crítica não pode ser confundido com equilibrismo linguístico como uma maneira de buscar interesses mesquinhos - estamos distante da armadilha relativista. A defesa é pela multiplicidade de perspectivas na construção rigorosa dos saberes. Logo, não se trata de abandonar toda e qualquer racionalidade, mas de questionar uma forma de razão, herança iluminista, como via única. É a subordinação da razão à história, sem uma essência ou a priori, deslocando a racionalidade da transcendência para a contingência. Se o pensamento é histórico, não faz sentido falar em uma razão-guia, mestra, e sim em uma multiplicidade de razões, ou melhor, múltiplas formas de pensar.
A perspectiva pós-crítica, nesse sentido, coloca no mesmo bojo matrizes teóricas heterogêneas, sobretudo aquelas oriundas da filosofia francesa contemporânea, herdeira de Nietzsche e seu perspectivismo, cujas publicações ganharam força na última metade do século XX. Em geral, os pensadores vinculados à teorização em tela assentem com os discursos que questionam muitas das “premissas” da Modernidade, em especial sobre a crença de que as “descobertas” científicas poderiam pôr fim à miséria humana, ao trabalho demasiado, à visão teleológica da civilização humana. Logo, há uma visão apressada e equivocada de que os ditos pós-críticos seriam os que deixam de acreditar que o progresso científico pode propiciar, entre outras coisas, a felicidade da humanidade, bem como uma maior igualdade social.
As propostas pós-críticas não estão livres de contra-argumentações e são muitas vezes entendidas como neoliberais, acusadas de enfraquecer as propostas críticas, ao fragmentar identidades de classe ou, ainda, de despotencializar a resistência ao capitalismo e despolitizar a escola. Fensterseifer (1999) é, novamente, um dos debatedores no campo da Educação Física que repudia a “postura pós-moderna”: “Às vezes me pergunto se essa espécie de aversão a toda forma de teleologia não é um resíduo positivista que perpassa a filosofia analítica, e que pensa ser possível uma total isenção de pressupostos” (Fensterseifer, 1999, p. 147). Discordamos de seu posicionamento, pois não se trata de aversão, mas de desconfiança. Sem rejeitar os profundos avanços alcançados, sobretudo os tecnológicos e suas positividades (no sentido de ação produtiva), as perspectivas críticas à Modernidade buscam analisar por que muitas das transformações que ocorreram, além de não gerarem os avanços sociais esperados, produziram alguns efeitos nefastos em sua produção.
Na Educação Física, as teorias pós-críticas engendram a perspectiva curricular difundida academicamente como currículo cultural, multicultural, proposta culturalmente orientada, entre outras denominações similares. A proposta, inicialmente divulgada nas obras de Neira e Nunes (2006; 2009), após quase duas décadas de pesquisas científicas e experiências escolares, conta com muitos outros autores e autoras sustentando uma Educação Física pós-crítica. Apoiada em uma aleturgia4 procedimental (Borges, 2019) e em uma aleturgia de princípios5 (Bonetto; Vieira, 2021), retirados principalmente dos campos dos estudos culturais, do multiculturalismo crítico e do pós-colonialismo, o currículo cultural aposta em uma escrita curricular sensível aos fluxos imanentes do cotidiano escolar e desatrelada das metanarrativas acadêmicas, das teleologias modernas e dos modelos salvacionistas.
Fica evidente, a partir de uma análise geofilosófica, que se trata de concepções distintas de conhecimento, sujeito, corpo, linguagem, ciência, função social da educação e Educação Física. Assim, teorias críticas e teorias pós-críticas são categorias que levam a estratégias políticas distanciadas, ainda que algumas pautas, sobretudo as de caráter macro, articulem-se. O resultado das trilhas epistemológicas no campo curricular também é inequívoco: estamos falando de apostas diferenciadas, perspectivas diferentes, teleologias distintas, estratégias afastadas.
Como é possível vislumbrar, a pluralidade epistemológica é bastante presente no campo da Educação Física, em que coexistem propostas pedagógicas distintas, com enfoques de atuação e encaminhamentos didáticos próprios. Julgamos que tal efervescência é deveras importante para o campo, mas não se trata de defender uma diversidade apolítica, uma vez que nossa repulsa a determinadas posturas não remete à concepção amplamente difundida de currículo como campo de enfrentamento epistemológico, pois tais embates podem facilmente ser compreendidos como a própria propulsão do campo.
Veiga-Neto (2022) apresenta um argumento evidenciando um posicionamento que nos parece interessante: na impossibilidade de um juizado transcendente sobre qual saber é superior aos demais, as escolhas filosóficas resultam mais de uma atitude de questionamento sobre os discursos que nos subjetivam. O debate entre pensamentos diferentes é perfeitamente possível, mas não pode orbitar nos conceitos modernos de razão, liberdade, consciência, sujeito. As disputas se assemelham, portanto, a atos de convencimento. Nessa direção, distante de um posicionamento sectário, realizamos nossas escolhas sem, no entanto, condenar outros esforços do pensamento ou compará-los como mais ou menos “corretos”. A partir desse direcionamento, é possível pensar os currículos da Educação Física que buscam enfrentar as condições hegemônicas da contemporaneidade, seja pela ótica crítica, seja pela pós-crítica, como currículos minoritários, como faz Vieira (2022). A partir do conceito de menor, cunhado por Deleuze e Guattari (2014), Vieira (2022) afirma que o campo curricular da Educação Física está, desde meados dos anos 1980, constantemente cunhando concepções pedagógicas em um processo que visa resistir a partir da molecularidade da diferença aos autoritarismos capitalistas. Nesse sentido, em que pesem as discrepâncias epistemológicas e consequentes estratégias diferenciadas, teorizações críticas e pós-críticas miram alvos semelhantes.
DESTERRITORIALIZANDO: A RADICALIZAÇÃO DAS DIFERENÇAS CURRICULARES
Apesar de as teorias pós-críticas surgirem na esteira das teorias críticas do currículo e não serem propriamente oposição integral, uma vez que incorporam algumas de suas ideias e ampliam seus conceitos, Moreira (2003) enfatiza que algumas análises colocam essas correntes curriculares como incompatíveis. Todavia, o mesmo autor não descarta aproximações cuidadosas, apontando inclusive alguns nomes que julga terem realizado tal feito - pensadores como Michael Apple, Peter McLaren e Henry Giroux, mundialmente reconhecidos por trabalhos na corrente crítica que , em fases mais recentes, incorporaram conceitos pós-críticos.
Como se vê, não há necessariamente antagonismo entre as propostas, e as aproximações mais gerais evidenciam a luta por uma sociedade menos injusta nos esforços para transformar contextos carregados de violência, exclusão e desigualdade. Ambas as posições teóricas também se assemelham nas forças que mobilizam com características minoritárias, ou seja, são propostas articuladas nas margens por poucos pesquisadores e pesquisadoras que se distanciam das discussões tradicionalmente direcionadas para questões socioeconômicas de cunho capitalista. Tanto partidários críticos quanto pós-críticos enfrentam o senso comum contemporâneo alinhado ao neoliberalismo, individualismo, consumismo e demais valores do capitalismo hegemônico. Críticos e pós-críticos, nesse sentido, ainda que apresentem divergências teóricas que culminem em estratégias de luta distintas, defendem valores como justiça social, combate às misérias, preconceitos, violência e exclusão de toda sorte.
Por essa perspectiva, críticos e pós-críticos se alinham às forças sociais progressistas incomodadas com certas estruturas que perpetuam condições deploráveis para boa parte dos habitantes do planeta. Dessarte, parece-nos que as duas correntes curriculares partilham de um posicionamento de esquerda, conforme define Deleuze (1995, transcrição de vídeo):
Se me pedissem para definir o que é ser de esquerda, ou definir a esquerda, eu o faria de duas formas. Primeiro, é uma questão de percepção. A questão de percepção é a seguinte: o que é não ser de esquerda? Não ser de esquerda é como um endereço postal. Parte-se primeiro de si próprio, depois vem a rua em que se está, depois a cidade, o país, os outros países e, assim, cada vez mais longe. Começa-se por si mesmo e, na medida em que se é privilegiado, em que se vive em um país rico, costuma-se pensar em como fazer para que essa situação perdure. [...] E ser de esquerda é o contrário. [...] Primeiro eles percebem o contorno. Começam pelo mundo, depois o continente europeu, por exemplo, depois a França etc., até chegarmos à Rue de Bizerte e a mim. É um fenômeno de percepção. Primeiro se percebe o horizonte.[...] E, segundo, ser de esquerda é ser ou devir minoria. Não deixar devir minoritário. A esquerda nunca é maioria enquanto esquerda. Por uma razão muito simples: a maioria é algo que supõe, até quando se vota, não é só a maior quantidade que vota para tal coisa, mas a existência de um padrão.
Nesse sentido, parece-nos que a polarização exacerbada entre tais teorias é despropositada e desnecessária, sendo, portanto, importante descontruir rivalidades que empreguem guetos epistemológicos dentro de uma guerrilha filosófica. Afigura-se-nos muito mais interessante e potente desenvolver o pensamento de forma desanuviada das tensões dialéticas, evitando imposições ao mesmo tempo que se traçam alianças com outros planos de afinidade.
Nesse espírito, a intenção nessa reta final é intensificar a análise geofilosófica por dentro da “gaveta conceitual” denominada pós-crítica. Ao perscrutarmos com mais cuidado as obras dos autores e autoras elencados como parte de um mesmo movimento filosófico ou semelhante classificação curricular denominada pós-crítica, ficam evidentes os riscos de generalizações, costuras rasas, erros conceituais e usos, para dizer o mínimo, equivocados. Sob uma categoria como pós-crítico (e, como não afirmar, crítico) estão autores e autoras que, em absoluto, resumem-se aos mesmos sistemas de pensamento, com inquietações importantes entre os campos elencados como pertencentes à suposta mesma categoria (pós-modernismo, narrativas étnico-raciais, pós-colonialismo, feminismo, teorizações queer etc.). Portanto, utilizar certas classificações demanda acuidade filosófica sob pena de produzir reducionismos e generalizações. Por exemplo, com muita frequência, intelectuais como Lyotard, Foucault, Deleuze, Derrida, entre muitos outros, são inclusos como influências importantes para a categoria pós-crítico. Entretanto, cada um destes erigiu sistemas filosóficos que, mesmo com certas aproximações no que diz respeito à descentralização de premissas fundacionais ancoradas na filosofia da consciência, são absolutamente distintos no que diz respeito às problemáticas, conceitos e produções filosóficas.
Um dos poucos aspectos que os unem é a constante presença do filósofo alemão Nietzsche. O enquadramento do pensamento no campo da identidade/representação remete à filosofia platônica, e Nietzsche foi um de seus críticos mais vorazes. Schöpke (2012, p. 39-40) explica como o pensamento nietzschiano inaugura uma crítica da representação:
Segundo Nietzsche, todo conhecimento é efeito de uma dupla metáfora: na primeira, transformamos um estímulo nervoso em uma “imagem”; na segunda, a imagem adquirida é modelada em um “som”. Este seria, primordialmente falando, o fundamento da representação e da linguagem. O problema estaria no fato de tomarmos essas metáforas pelas coisas mesmas e supormos conhecer o mundo quando não temos dele senão imagens. É neste sentido que a linguagem não diz as cosias, mas é somente uma metáfora delas. E é também neste sentido que o conhecimento, em Nietzsche, nada mais é do que a produção de um território à parte - construção humana que tende a igualar o não igual, excluindo as diferenças individuais e os acontecimentos singulares.
Essa forma de pensar leva a compreender a construção do tecido social, o campo da cultura, como uma arena de confrontos intersubjetiva atualizada no campo material e insere de forma imperativa a questão do poder. Todavia, mesmo partindo do mesmo ponto, as criações pós-críticas não estão livres das tensões das forças, do enfrentamento entre si. Ao contrário, com muita frequência, um mesmo autor produz pesquisas que se distanciam, contradizem, enfrentam-se nessa arena filosófica.
Talvez os casos mais evidentes desses enfrentamentos sejam as produções das teorias de gênero e teorização queer, que apontam os limites dos pensadores homens, cis e heterossexuais, mesmo que sejam próximos intelectualmente e partam de pontos parecidos. As produções de Judith Butler e Paul Beatriz Preciado são exemplares nessas problematizações. Outro caso saliente trata das críticas pós-coloniais e decoloniais quando demonstram o caráter eurocêntrico dos questionamentos de pensadores muito utilizados pelas teorizações pós-críticas - podemos citar, para deixar claro, a obra de Achille Mbembe, para ficar em um entre muitos outros. Essas duas tensões poderiam ser acusadas de resguardar resquícios identitários que, em alguma medida, remetem a determinada essencialização na concepção de sujeito, um certo local de fala. É possível buscar outros tensionamentos mais complexos que evidenciem a radical diferença entre os múltiplos projetos filosóficos. À guisa de encaminhamentos finais, vamos a alguns exemplos.
Foucault problematiza, em suas obras, as epistemes6, buscando as continuidades e descontinuidades dos saberes históricos, sempre crítico perante a produção discursiva. É importante assinalar que a crítica que Foucault desfere à racionalidade moderna não é a negação da razão, mas um questionamento à transcendentalidade iluminista, à metanarrativa unificadora que compreende o plano social como o terreno onde acontece a ação humana guiada por uma natureza racional. É uma crítica arqueológica, porquanto trata os discursos como acontecimentos históricos, e uma crítica genealógica, pois pensa a contingência da ontologia. Nas palavras de Veiga-Neto (2003, p. 28-29): “[...] A crítica foucaultiana é uma crítica da crítica, que está sempre pronta a se voltar contra si mesma para perguntar sobre as condições de possibilidade de sua existência, sobre as condições de sua própria racionalidade. [...]. Por isso costumo chamá-la de hipercrítica”.
Nessa direção, mas por outras vias, Deleuze e Guattari (2011a) radicalizam a discussão ao não respeitarem muros disciplinares entre os regimes de signos e seus objetos. Em uma perspectiva transversal do pensamento e ignorando as divisões artificiais do conhecimento, os franceses entendem a realidade como processos maquínicos (no sentido de produção, e não mecanicista), em que os signos, os indivíduos e a materialidade adentram um sistema de correlações incessantes movido a intensidades - entendida aqui como o resultado de modos de afetação pelos encontros de toda sorte: “Os agenciamentos coletivos de enunciação funcionam, com efeito, diretamente nos agenciamentos maquínicos, e não se pode estabelecer um corte radical entre os regimes de signos e seus objetos” (Deleuze; Guattari, 2011b, p. 22). Assim, uma forma qualquer de linguagem é sempre a resposta de determinada contingência histórica que não existe em si, heterogeneidades atreladas a uma micropolítica desejante, conexões e transformações constantes que não remetem a uma origem. Enunciados, assim como fluxos de desejo, não são interpretações, mas produções do inconsciente entendido como fábrica, avesso à concepção edipiana de Sigmund Freud.
As diferenças entre as construções teóricas de Foucault e Deleuze não se limitam às compreensões de conhecimento, também se distinguem nas concepções de sujeito filosófico. Ainda que ambos partam da não essencialidade da subjetividade humana, enquanto o primeiro foca as atenções aos processos de subjetivações, o segundo, com Guattari, desloca a perspectiva de análise das relações de poder para as produções desejantes, preterindo a ideia de sujeito para o conceito de hecceidade - fruto de agenciamentos coletivos de enunciação e agenciamentos maquínicos de desejo. Dentro do mesmo tema filosófico, os Estudos Culturais, principalmente na perspectiva de seu principal expoente, o comunicador social jamaicano Stuart Hall, isto é, na vertente pós-estruturalista, preferem o conceito de identidade (sob rasura, ou seja, reconhecendo seus limites e potencialidades) compreendido como um ponto de apego temporário para posições de sujeito criadas em processos de significação e representação social imersos em relação de poder. Preciado, por sua vez, extrapola as ideias foucaultianas e deleuze-guattarianas para conceber a sexualidade como uma produção prostética, questão mal tocada por seus predecessores.
Podemos elencar mais um exemplo tácito: enquanto os estudos culturais partem da centralidade da cultura nas ciências humanas como mote para entender as relações de força que criam as fronteiras entre a identidade e a diferença, utilizando o conceito de cultura como uma arena de enfrentamento, lócus de produção de injustiças e opressões na materialidade social, para Guattari, a própria ideia de cultura é um conceito reacionário, uma vez que concebe as produções do devir em termos identitários que circunscrevem o desejo (e a diferença) em categorias estanques que limitam os potenciais revolucionários7.
O que os exemplos nos mostram é que o termo pós-crítico, ainda que carregue potencialidades, pode esconder uma série de armadilhas do pensamento ao: a) criar rivalidades superficiais que bifurcam pesquisas e subjetividades pesquisadoras em identidades filosóficas doutrinárias; b) generalizam e reduzem sistemas filosóficos complexos em termos simplificados e simplificadores.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a radicalização da desterritorialização do conceito de pós-crítico, não tencionamos negar seu uso acadêmico-didático, muito menos reduzir todo debate curricular que se aprofunda a epistemologias sobre o sujeito, o conhecimento e as teleologias educacionais a um único espectro. De forma semelhante, não podemos ignorar que as apropriações em torno do conceito pós-crítico são parte de movimentações imanentes de um campo em processo, em um ritmo típico da academia. Entendemos, portanto, que a importante produção dos curriculistas pós-críticos/pós-estruturalistas, que felizmente não se resumem às obras de Tomaz Tadeu da Silva, estaria ainda gerando reverberações, mesmo que boa parte delas seja para superar certos elementos.
Acreditamos que a mesma processualidade se aplica ao campo da Educação Física. Ramificando-se como rizoma, em que novas teorizações ampliam as formas de olhar para o cotidiano escolar. Não defendemos, assim, oposição radical e negação da comunicação entre as classificações denominadas como teorias críticas e pós-críticas A diferença é que, distante da concepção que “é tudo a mesma coisa”, defendemos que cada proposta curricular é uma multiplicidade de pensamentos que se aproximam ou se afastam na consecução de um projeto em comum: a luta contra as forças homogeneizantes da sociedade capitalista.
Aqui, levantamos uma reflexão importante: Que estratégias devem adotar aqueles e aquelas que engajam em determinada concepção crítica ou pós-crítica? Buscar as aproximações via debate acadêmico, em discussões rigorosamente bem fundamentadas em seus respectivos campos, ou buscar um pensamento de trincheira que se feche em suas proposições? Ressaltamos que mesmo as proposições que se classificam como críticas possuem distinções relevantes e significativas, de modo que a resposta a essa questão não é relevante somente para a dicotomia crítico/pós-crítico.
Talvez a geofilosofia apresente uma possibilidade mais interessante do que simplesmente julgar a (im)pertinência do conceito, pois não se buscarão sínteses dialéticas, mas a constante movimentação do pensar filosófico diante da imanência dos problemas; em comum, a vontade de colocar em ações forças que refutem a violência do mundo. Nesse sentido, os currículos minoritários, sejam eles críticos ou pós-críticos, são multiplicidades compostas de maneiras infindáveis, aproximando-se ou não uns dos outros na busca por uma micropolítica no chão da escola. Oxalá, um dia, ganharemos força na criação de uma sociedade melhor, independentemente de como a nomeiem. A estratégia, de forma inequívoca, é a criação incessante - muito distante de posicionamentos intransigentes que perdem de vista o que temos a perder.
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Artigo publicado com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq/Brasil para os serviços de edição, diagramação e conversão de XML.
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Um exemplo que consideramos ilustrativo é o que segue: “[...] é com pesar que tememos dizer que vamos ‘mal das pernas’, pois elas - as teorias críticas - (não só) no âmbito da Educação Física, notadamente a partir dos anos 90, vêm sendo banidas da ambiência acadêmica. Primeiramente pelas consequências do forte enraizamento do pensamento pós-moderno no mundo acadêmico” (Castellani Filho, 2020, p. 37). “Também de índole conservadora - todavia de conservadorismo distinto ao do acima comentado -, dada sua episteme filiada ao pensamento pós-moderno e, nele, às teorias pós-crítica e pós-estruturalista, mas, sem dúvida, de ética progressista, encontramos estudos e propostas da lavra do professor Marcos Neira” (Castellani Filho, 2020, p. 48).
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É de suma importância deixar elucidado que se trata de uma posição de Moreira (2003) no início do século XX, ou seja, muitas produções de concepção crítica continuaram a buscar novos caminhos e possibilidades. A esse respeito, ver, por exemplo, Apple; Au; Gandin (2011). Além disso, há de se considerar os limites do próprio autor, ainda que renomado no campo curricular, em dar conta de explorar toda a teorização crítica então existente. Ao utilizarmos a referência em tela não estamos intencionando reforçar como verdadeiro um discurso acadêmico, mas apresentar o encadeamento de ideias que levaram uma parcela de intelectuais curriculistas a procurar outras bases epistêmicas. Dados os limites da linguagem no processo de escrita, em que pese o cuidado tomado, é um risco que podemos correr em diversos momentos, qual seja, cristalizar discursos educacionais como hierarquicamente superiores, em vez de apresentar suas dispersões entremeadas em relações de poder. Esse alerta é uma tentativa de dirimir tais riscos.
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De acordo com Foucault (2014, p. 8), “poderíamos chamar de ‘aleturgia’ o conjunto dos procedimentos possíveis, verbais ou não, pelos quais se revela o que é dado como verdadeiro em oposição ao falso, ao oculto, ao indizível, ao imprevisível, ao esquecimento, e dizer que não há exercício do poder sem algo como uma aleturgia”.
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Na concepção de aleturgia de princípios e procedimentos, tal como compreendida por Bonetto e Vieira (2021), destacam-se encaminhamentos didáticos como: mapeamento, aprofundamento, ampliação, ressignificação, registro e avaliação; e princípios pedagógicos, dentre os quais: reconhecimento das identidades culturais, justiça curricular, descolonização do currículo, evitar o daltonismo cultural e ancoragem social dos conhecimentos.
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Conjunto de regras e condições locais e particulares que dão sentido e são significadas por práticas discursivas, o que permite a emergência de enunciados que compõem o arquivo como um jogo de relações discursivas (Veiga-Neto, 2003).
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7
Cabe uma importante ressalva: toda a argumentação dos Estudos Culturais, especialmente com Stuart Hall, ocorre em uma concepção de cultura que não é a mesma em que Guattari centra sua crítica, a saber, uma visão elitista e produtora de guetos e hierarquias. Ao se apoiar em Jacques Derrida e em seus estudos sobre a linguagem, Hall entende a cultura como uma arena de enfrentamentos em que a diferença é constantemente produzida. Ainda que no campo curricular o conceito pós-crítico tenha se popularizado na obra de Silva (2007), Lopes e Macedo (2011) adensaram o debate aprofundando justamente essa discussão linguística com maior rigor.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
02 Ago 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
-
Recebido
02 Jun 2023 -
Aceito
15 Abr 2024 -
Preprint postado em
06 Mar 2022
10.1590/SciELOPreprints.4189