RESUMO:
Este estudo tem como objetivo analisar as evidências científicas sobre educação das relações étnico-raciais no âmbito da educação profissional técnica de nível médio. Trata-se de pesquisa exploratória e qualitativa, cuja técnica de revisão integrativa da literatura permitiu a seleção sistemática dos relatos em seis etapas. Inicialmente, a busca dos artigos através do SciELO, Periódico CAPES e Google acadêmico a partir dos termos raça, etnia, fator raça, racismo, preconceito racial, discriminação racial, relações étnico-raciais, educação profissional e tecnológica, e educação profissional, juntamente com operadores booleanos, resultou em 11.336 títulos, e, após a triagem, 11 artigos foram incluídos. Para discussão, foram utilizadas as categorias: institucionalização da Lei nº 10.639/2003 e currículo; racismo estrutural; lei das cotas; núcleo de estudos, pesquisas e extensão afro-brasileiros e indígenas; experiências pedagógicas acerca da diversidade étnico-racial; percepções dos alunos e professores acerca da diversidade étnico-racial no currículo; e a atuação dos professores para educação profissionalizante de mulheres negras. Constatou-se que há um longo percurso a se percorrer para institucionalização das Leis 10.639/03 e 11.645/08 nos currículos e nas práticas de ensino-aprendizagem da formação profissionalizante, reforçado pelas percepções negativas dos alunos e professores sobre diversidade étnico-racial nos currículos das instituições educação profissional e tecnológica, principalmente quando se trata dos cursos integrados. No entanto, as leis de cotas, a implantação do NEABI e as diversas experiências de ensino destacaram-se como ações afirmativas promotoras da igualdade racial.
Palavras-chave: Educação profissional e tecnológica; Racismo; Relações etnico-raciais; Revisão
RESUMEN:
Este estudio tiene como objetivo analizar las evidencias científicas sobre la educación de las relaciones étnico-raciales en el campo de la educación profesional técnica en el nivel secundario. Se trata de una investigación exploratoria y cualitativa, cuya técnica integradora de revisión bibliográfica permitió la selección sistemática de informes en seis etapas. Inicialmente, la búsqueda de artículos a través de SciELO, CAPES Journal y Google scholar de los términos raza, etnia, factor racial, racismo, prejuicio racial, discriminación racial, relaciones étnico-raciales, educación profesional y tecnológica, y educación profesional, junto con operadores booleanos, resultó en 11.336 títulos, y después de la selección, se incluyeron 11 artículos. Para la discusión, fueron utilizadas las siguientes categorías: institucionalización de la Ley nº 10.639/2003 y currículo; racismo estructural; ley de cuotas; núcleo de estudios, investigación y extensión afrobrasileños e indígenas; experiencias pedagógicas sobre diversidad étnico-racial; las percepciones de estudiantes y docentes sobre la diversidad étnico-racial en el currículo; y el papel de las docentes para la formación profesional de las mujeres negras. Se constató que hay un largo camino por recorrer para la institucionalización de las Leyes 10.639/03 y 11.645/08 en los currículos y en las prácticas de enseñanza-aprendizaje de la formación profesional, reforzado por las percepciones negativas de estudiantes y docentes sobre la discriminación étnica- racial. diversidad en los currículos de las instituciones de educación vocacional y tecnológica, especialmente cuando se trata de cursos integrados. Sin embargo, las leyes de cuotas, la implementación del NEABI y las diferentes experiencias docentes se destacaron como acciones afirmativas que promovieron la igualdad racial.
Palabras clave: Educación vocacional y tecnológica; Racismo; Relaciones étnico-raciales; Revisión
ABSTRACT:
This study aims to analyze the scientific evidence on ethnic-racial relations education in the scope of technical professional education at the secondary level. This is an exploratory and qualitative research, whose integrative literature review technique allowed the systematic selection of reports in six stages. Initially, the search of articles through SciELO, CAPES Journal, and Google Scholar from the terms race, ethnicity, race factor, racism, racial prejudice, racial discrimination, ethnic-racial relations, professional and technological education, and professional education, along with Boolean operators, resulted in 11,336 titles, and after screening, 11 articles were included. For discussion, the following categories were used: institutionalization of Law nº 10.639/2003 and curriculum; structural racism; quota law; nucleus of Afro-Brazilian and indigenous studies, research and extension; pedagogical experiences about ethnic-racial diversity; students' and teachers' perceptions of ethnic-racial diversity in the curriculum; and the role of teachers for the professional education of black women. It was found that there is a long way to go for the institutionalization of Laws 10,639/03 and 11,645/08 in the curricula and in the teaching-learning practices of vocational training, reinforced by the negative perceptions of students and teachers about ethnic-racial diversity in the curricula. of professional and technological education institutions, especially when it comes to integrated courses. However, the quota laws, the implementation of NEABI, and the different teaching experiences stood out as affirmative actions that promoted racial equality.
Keywords: Professional and technological education; Racism; Ethnic-racial relations; Review
INTRODUÇÃO
Colonialismo, eurocentrismo e capitalismo são elementos constituintes e específicos do modelo mundial de poder hegemônico, que influenciaram o cotidiano da população de todo o mundo (QUIJANO, 2005). Estes modelos de poder e dominação fundam-se na classificação racial da população
(SANTOS; DE MATOS; EUGENIO, 2019) e no racismo embasado na raça como princípios. Apesar de a raça ser considerada categoria central de análise por abordar biologicamente a diversidade da espécie humana até meados do século XX, atualmente, este significado não é cientificamente válido. Contudo, do ponto de vista científico, a raça, em suas diversas nuances, é uma categoria social com grande impacto na sociedade e seu uso vem sendo estimulado devido às suas implicações para práticas antirracistas (SANTOS et al., 2022).
O racismo é uma forma sistêmica de discriminação, que se manifesta por meio de comportamento consciente ou inconsciente e, em última instância, leva a desvantagens ou privilégios, dependendo do grupo racial a que pertencem (ALMEIDA, 2019). Para Almeida (2019), o preconceito racial é um julgamento baseado em estereótipos sobre indivíduos pertencentes a determinado grupo racial que pode ou não levar a práticas discriminatórias. Tais práticas, quando cometidas individualmente, por meio de insultos e rejeição a um indivíduo fundamentados em ideias preconcebidas, caracteriza-se no racismo individual.
Em sociedades estruturadas com base na discriminação, que privilegia algumas raças em detrimento das outras, o racismo é denominado estrutural, ou seja, um elemento que integra a organização econômica e política da sociedade. Este racismo estrutural manifesta-se a partir das instituições, a exemplo da segurança pública e escola, que o reproduz contra grupos racializados, como negros e indígenas. Já o racismo institucional é o sistema estrutural e legalizado de políticas, práticas e normas que resulta em um acesso diferenciado a bens e serviços (JONES, 2002). No ambiente escolar, o racismo institucional pode ser observado no silêncio pedagógico, dos currículos e conteúdos didáticos que fortalecem a valorização do branco e exclui as representações dos outros grupos racializados, assim como na maior presença de professores e gestores brancos, o que fortalece e mantém esse determinado grupo no poder.
No Brasil, o racismo de Estado perpetrado por aqueles beneficiados com o silenciamento dos povos estigmatizados e oprimidos (SILVEIRA; NASCIMENTO; ZALEMBESSA, 2021), que continuam colhendo os agouros da colonização, mantém a desigualdade através da política, economia e subjetividade das pessoas, com influência direta na educação. Pensar as relações étnico-raciais em termos de colonialidade e eurocentrismo é caminhar para a invisibilidade de todas as outras culturas que dela diferem, evidenciada em gestos nos ambientes escolares que coincidem com a disseminação de representações hegemônicas que reforçam ideias discriminatórias.
Nesse sentido, a escola exerce um papel importante na vida dos sujeitos, no qual o principal deles compreende a educação formal como ferramenta de emancipação das pessoas e um meio para ascensão social. Além disso, é um meio educativo de socialização do estudante no mundo social adulto (LIBÂNEO, 2004), onde aprende a conviver em sociedade. A educação escolar é uma ação intencional que implica a interação entre gerações, do mais velho (experiente) com o mais jovem, ou com menor domínio de conhecimentos ou práticas, na direção de uma formação social, moral, cognitiva, afetiva e, em contexto histórico, social e institucional específico (GATTI, 2013).
Por outro lado, se a escola estimula preconceito e permite a discriminação durante o processo educativo, o indivíduo irá naturalizar isso. Portanto, ela é um espaço de manutenção social, que reproduz e perpetua o racismo. Fato este observado em atividades e conteúdos pedagógicos, que historicamente compuseram o currículo escolar brasileiro, pautados em ideias eurocêntricas de matriz colonial (SANTOS; MATOS; EUGENIO, 2019), como também, nas posturas e nos discursos preconceituosos dos discentes e docentes, no baixo número de professores e equipes pedagógicas negras. Por isso, as escolas devem repudiar a discriminação racial e abordar nos processos educacionais as mais diversas disciplinas curriculares, compreendendo todos os grupos raciais presentes na sociedade, valorizando, assim, a diversidade racial, étnica e cultural, para os estudantes tomarem consciência do processo de racialização pelo qual o país passou, que levou os povos racializados à base da pirâmide social e às piores posições no mercado de trabalho, e de como os saberes ensinados sempre privilegiaram o saber do branco, em detrimento dos saberes dos negros e indígenas.
Em contraposição, a educação das relações étnico-raciais tem como desígnio “a formação de cidadãos, mulheres e homens empenhados em promover condições de igualdade no exercício de direitos sociais, políticos, econômicos, dos direitos de ser, viver, pensar, próprios aos diferentes pertencimentos étnico-raciais e sociais” (GONÇALVES; SILVA, 2007, p. 490). Apesar de esta formação precisar de políticas que desestruturem o racismo na sociedade brasileira alicerçado em representações hegemônicas que reforçam ideias discriminatórias, este estudo foca nas relações étnico-raciais no âmbito da educação profissional dos jovens para o mundo do trabalho, considerando as iniquidades raciais, a dinâmica capitalista que opera, mas, também, uma formação do indivíduo para compreender o significado inexplorado do processo de socialização do saber técnico e sua relação com as entidades sociais diretamente envolvidas nas políticas educacionais. Essas devem apresentar ações afirmativas que fomentem o debate acerca da existência de discriminação e de desigualdades raciais nas instituições brasileiras.
A discriminação apresenta diversas consequências para a vida dos jovens estudantes, nos âmbitos econômico, social, psicológico e biológico. Isso leva o indivíduo a ocupar diferentes posições na estrutura social e, consequentemente, variabilidade do privilégio de obter bens e serviços limitados no meio social (FARO; PEREIRA, 2011). No âmbito psicológico, leva à redução da autoestima e do bem-estar mental, mas, também, a maiores riscos de doenças cardiovasculares, doenças respiratórias e outros efeitos biológicos (MCKENZIE, 2003). Ainda, sofrer discriminação ativa um estigma negativo que afeta simbolicamente o autoconceito dos estudantes, prejudica seu funcionamento social e psicológico (JONES, 2002), de forma a delinear e a limitar suas aspirações educacionais para o futuro.
Estudar as relações étnico-raciais nos currículos da educação básica é relevante para quebrar o silenciamento sobre as realidades africanas e afro-brasileiras nos currículos e práticas escolares e para a afirmação da história, memória e identidade negra (GOMES, 2010), contribuindo, assim, para a formação humana. Nesse sentido, a Educação Profissional e Tecnológica - EPT vem se tornando uma opção em relação à conclusão do ensino médio, que compreende a etapa final da educação básica, no qual o país enfrenta evasão tradicionalmente forte e preocupante, conforme censo escolar realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (BRASIL, 2017), com baixa aspiração educacional dos alunos para continuar os estudos. Salienta-se que a EPT é uma modalidade educacional que abrange diferentes cursos, a saber: qualificação profissional para formação inicial e continuada de trabalhadores; educação profissional técnica de nível médio; educação profissional tecnológica de graduação e pós-graduação (BRASIL, 2021).
Deste modo, o objetivo do estudo foi analisar as evidências científicas sobre educação das relações étnico-raciais no âmbito da educação profissional técnica de nível médio.
MÉTODO
Como fundamentação teórica, o caminho documental baseou-se principalmente nas ações afirmativas, como as Leis de nº 12.711, aprovada em 2012 e intitulada “Lei das cotas”, de nº 10.639/2003 e nº 11.645/2008, que conferiram à educação um caráter mais justo na compreensão da democratização da educação para os afrodescendentes, com o intuito de fazer a sociedade despertar para a situação histórica do negro e do indígena no Brasil, submergindo em questões econômicas, sociais e culturais consolidadas na exclusão e no racismo estrutural. A primeira lei traz a inclusão da temática “História e Cultura da Afro-Brasileira” no currículo da rede oficial de ensino fundamental e médio, o que levou a mudanças na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, em seus artigos 26-A e 79-A (BRASIL, 2003).
A Lei nº 11.645/2008 amplia a temática para “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”, que deve ter seu conteúdo ministrado no âmbito de todo o currículo escolar, especialmente nas áreas de educação artística, literatura e história brasileiras (BRASIL, 2008). A introdução da temática étnico-racial nos currículos pode contribuir para ressignificar a formação politécnica, que oportuniza a “classe operária acima dos níveis das classes burguesa e aristocrática” (RODRIGUES, 2008, p. 112), no processo formativo escolar, de modo especifico na educação profissional. Além disso, Marx e Engels aclararam que a “formação politécnica, defendida pelos escritores proletários, deve compensar os inconvenientes que se derivam da divisão do trabalho, que impede o alcance do conhecimento profundo de seu oficio aos seus aprendizes” (2011, p. 140). Portanto, a pesquisa sob aspectos culturais, políticos e econômicos como uma construção histórica. instiga reflexões e incentiva o combate ao racismo, abordando as relações sociais, educacionais e de trabalho
Trata-se de uma pesquisa de finalidade exploratória, utilizada para buscar informações sobre determinados temas pouco explorados, sem operacionalização de hipóteses, e normalmente precede outros tipos de investigações como as descritivas ou correlacionais (OLIVEIRA, 2018). Possui abordagem qualitativa, pois tem foco no universo microssocial e no aprofundamento dos fenômenos humanos, a exemplo das relações étnico-raciais, e reconhecer a subjetividade, a simbolicidade e a intersubjetividade nessas relações, bem como trazer a sobreposição indissociável entre o sujeito e o objeto entre os participantes sociais e o pesquisador, entre o fato e o sentido, e entre a estrutura e a representação para a análise interna (MINAYO, 2017).
O método utilizado foi a revisão integrativa da literatura que é um instrumento da prática baseada em evidências (PBE), o qual permite a síntese do conhecimento e a aplicabilidade dos resultados dos relatos mapeados, para uma análise sistemática e abrangente de publicações nacionais e internacionais obtidas acerca da educação das relações étnico-raciais na educação profissional técnica de nível médio. O estudo foi conduzido a partir das seguintes etapas: 1) questão da pesquisa; 2) pesquisa de literatura; 3) coleta de informações; 4) análise crítica; 5) discussão de resultados; e 6) apresentação da revisão integrativa (SOUZA, 2010).
Para condução da pesquisa, elaborou-se a seguinte questão condutora: “Quais são as evidências científicas sobre a educação das relações étnico-raciais para estudantes inseridos na educação profissional técnica de ensino médio?”, elaborada a partir do acrônimo PICo - População, Interesse e Contexto, o qual utilizou os termos apresentados no Quadro 1 (CAPP; NIENOV, 2021).
O levantamento da literatura foi realizado em novembro de 2021 através de buscas na base de dados SciELO e nas fontes de dados eletrônicas Portal do Periódico CAPES e Google acadêmico, esta última foi incluída em razão do elevado número de periódicos cujo escopo são publicações que abordem a EPT apresenta esta indexação.
A estratégia de busca utilizada a partir da combinação de termos e operadores booleanos “AND” e “OR” foi a seguinte: (raça OR etnia OR “fator raça” OR racismo OR “preconceito racial” OR “discriminação racial” OR “relações étnico-raciais”) AND (“educação profissional e tecnológica” OR “educação profissional”). Para ampliar o número de estudos a serem incluídos acerca do tema, optou-se por não utilizar palavras-chave referentes à população.
Os critérios para inclusão foram: estudos publicados entre 2017 e 2021 até a data da coleta, em todos os idiomas, acerca das relações étnico-raciais na EPT, considerando o ensino médio integrado e o subsequente. O recorte temporal justifica-se pelo fato da necessidade de pesquisa mais recente acerca da temática. Os critérios de exclusão foram: revisões, editoriais, resenhas, relatos de experiências, dissertações, teses, monografias, capítulos, livros e resumos publicados em anais de eventos.
Para a seleção dos estudos, inicialmente, foram identificados nas bases e fontes de dados utilizando o filtro de tempo; em seguida, foi realizada a triagem dos artigos em duas etapas: na primeira, houve a leitura de títulos e resumos, e, na segunda, ocorreu a leitura dos textos completos dos estudos selecionados na fase anterior. Os motivos para exclusão dos estudos nesta última fase foram registrados e explicitados no capítulo de resultados. Por fim, os estudos que atenderam aos critérios de elegibilidade foram incluídos na síntese após leitura dos artigos na íntegra.
Para a coleta dos dados, optou-se por utilizar um instrumento desenvolvido por uma das autoras deste manuscrito, composto por seis variáveis: numeração, nome dos autores e ano de publicação do artigo; título; objetivos; e resultados.
A análise crítica das evidências encontradas foi realizada de acordo com Galvão (2006). No nível 1, as evidências são provenientes de revisão sistemática ou metanálise de todos relevantes ensaios clínicos randomizados controlados ou oriundas de diretrizes clínicas baseadas em revisões sistemáticas de ensaios clínicos randomizados controlados; nível 2, evidências derivadas de pelo menos um ensaio clínico randomizado controlado bem delineado; nível 3, evidências obtidas de ensaios clínicos bem delineados sem randomização; nível 4, evidências provenientes de estudos de coorte e de caso-controle bem delineados; nível 5, evidências originárias de revisão sistemática de estudos descritivos e qualitativos; nível 6, evidências derivadas de um único estudo descritivo ou qualitativo; nível 7, evidências oriundas de opinião de autoridades e/ou relatório de comitês de especialistas.
Adicionalmente, foi realizada a análise da qualidade das publicações a partir da Plataforma Sucupira por meio do ISSN dos periódicos dos estudos incluídos na síntese, considerando o Qualis para as áreas de avaliação educação, ensino e interdisciplinar, conforme a Classificação de periódicos quadriênio 2013-2016.
Os resultados foram apresentados por meio de quadros contendo a síntese narrativa dos achados das pesquisas que compuseram a revisão. Para discussão dos dados, estes foram agrupados em categorias temáticas com base na análise de conteúdo proposto por Bardin (2011), que seguiu três fases, a saber: a pré-análise para organização do corpus resultante dos estudos incluídos na pesquisa; a exploração do material e escolha das categorias; e por último, o tratamento dos resultados com inferência e interpretação das informações.
Em relação aos aspectos éticos, o parecer do comitê de ética não foi consultado por se tratar de um estudo de revisão de literatura. No entanto, foram respeitados os direitos autorais ao preservar o conteúdo exposto pelos autores dos artigos primários e ao referenciar as informações extraídas dos artigos disponíveis em domínio público.
RESULTADOS
Na busca inicial, foram encontrados 136 estudos no Periódico Capes, 11.200 no Google Scholar e nenhum na base SciELO. Inicialmente, a busca levantou 11.336 títulos. Vale ressaltar que, no Google, a leitura dos títulos lidos restringiu-se ao número de páginas apresentadas na plataforma. Depois da leitura dos títulos e resumos, 29 artigos foram selecionados para serem avaliados na íntegra, dos quais 12 foram excluídos em razão de não serem textos completos publicados em periódicos científicos e três estavam duplicados, de modo que se estabeleceu uma amostra de 11 artigos para compor a síntese qualitativa, conforme representado na Figura 1.
Quanto à nacionalidade, os 11 artigos selecionados foram realizados no Brasil e publicados em periódicos nacionais diferentes, com exceção da Educação Profissional e Tecnológica em Revista, com duas publicações. No tocante aos métodos de estudo, houve predominância da abordagem quantitativa (90%) e apenas um estudo apresentou método misto explanatório sequencial (10%).
A respeito da classificação dos periódicos de acordo com Qualis nas áreas educação, ensino e interdisciplinar, nas quais os estudos foram publicados, apenas dois estudos foram publicados em revistas qualificadas no extrato superior para a educação e ensino - A1 e A2, ou seja, com elevado fator de impacto e relevância nacional e internacional. Quanto ao nível de evidência, 81,8% dos estudos apresentaram nível 6 e 18,2% o nível 7 (Quadro 2).
Elaborou-se um quadro síntese, que contemplou as seguintes informações: numeração do artigo em ordem decrescente; título; periódico; objetivo; e resultados, conforme Quadro 3.
Diante dos estudos apresentados acerca da educação das relações étnico-raciais na educação profissional técnica de nível médio, foi possível elencar algumas categorias temáticas que serão discutidas em texto contínuo, quais sejam: Institucionalização da Lei nº 10.639/2003 e currículo; Lei das cotas; Núcleo de Estudos, Pesquisas e Extensão Afro-Brasileiros e Indígenas (NEABI); Experiências pedagógicas acerca da diversidade étnico-racial; Percepções dos alunos e professores acerca da diversidade étnico-racial no currículo; A atuação dos professores para educação profissionalizante de mulheres negras.
DISCUSSÃO
Alves e Melo (2021) trazem a importância do ensino de História para corrigir equívocos e silenciamentos do passado, cooperar para a superação do quadro de exclusão, discriminação e fragmentação dos sujeitos fragilizados social e historicamente, como os quilombolas, que atualmente ainda enfrentam desafios para acessar direitos sociais básicos. Contudo, sua pesquisa evidenciou, a partir dos relatos de estudantes e docentes do Instituto Federal de Alagoas - IFAL, reforçados pela incipiência desse debate nos livros didáticos, o cenário de ausência da questão quilombola e a necessidade de se replanejar e incluir um espaço para a cultura afro-brasileira nos currículos, principalmente o integrado. Não só isso, mas observa-se carência de livros escritos por autores negros e voltados para a educação profissional.
Na educação profissionalizante, no tocante à perspectiva politécnica como uma visão geral à implementação dos currículos integrados no Brasil, e ao lembrar do conceito politecnia, adotado como possibilidade de libertação da classe trabalhadora, encontra-se a possibilidade de diálogo com outras abordagens epistemológicas, especialmente aquelas com tradições centradas na África e não coloniais, como oportunidade de superar os desafios para sua implementação nos cursos abrangentes e da consideração da diversidade étnico-racial em um único movimento educativo de cunho libertador. Contudo, essas diferenças de pertencimento ficam claras ao analisar os estudos apresentados nesta revisão.
Além disso, no ensino tradicional da história, seguindo a lógica da típica “matriz colonial de poder e saber” do Ocidente, ressaltam-se as narrativas oficiais sobre a vida e a cultura do povo africano e dos povos indígenas do Brasil. Este discurso eurocêntrico excluiu as contribuições das populações indígenas, que habitavam estas terras, e africanas, que compõem até hoje a diversidade cultural neste país (BORJA; PEREIRA, 2018). A narrativa prevalente acerca da vida e cultura de povos originários da África e dos indígenas nativos no Brasil apoia-se na ideologia derivada da matriz colonial de poder e saber e no racismo estrutural.
Barbosa, Kokkonen, Souza (2021), em pesquisa bibliográfica-documental sobre racismo estrutural no Brasil e desafios para a educação profissional, afirmam que, embora exista uma filosofia progressista e comprometida com a emancipação da classe trabalhadora e com a promoção de relações mais justas na Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (RFEPT), o racismo também se faz presente nesse sistema nacional de ensino. O racismo é estrutural porque integra a organização política e econômica da sociedade e fornece sentido, lógica e tecnologia para reproduzir as desigualdades e formas de violência que marcam o cotidiano da população negra na atualidade (ALMEIDA, 2019). Esta violência pode advir de insultos e agressões racistas ou, de forma mais sofisticada, velada, através de comportamentos ou falas que produzem ambiguidades em relação ao entendimento do ato.
As desigualdades provocadas pelo racismo afetam a saúde física e mental dos negros pelas dificuldades que esses indivíduos e suas famílias apresentam na obtenção de moradia, saneamento básico, educação, emprego, cultura, lazer e proteção. Também, devido à exposição a condições perigosas ou ameaçadoras e às agressões sofridas diariamente, o mecanismo biológico do estresse crônico leva a níveis hormonais aumentados e estresse oxidativo a nível celular. A exposição prolongada aos hormônios do estresse, como o cortisol, pode causar inflamação e tornar os indivíduos suscetíveis a doenças crônicas (COHEN, 2012). Portanto, um dos caminhos para mudança é despertar nos indivíduos negros e não-negros a prática antirracista cotidianamente e a implementação das políticas afirmativas para promoção da igualdade racial.
Exemplos de políticas públicas de ações afirmativas para promoção do povo negro e superação da desigualdade social instigada pelo racismo são a criminalização do racismo, o estabelecimento de cotas, a aprovação do estatuto da igualdade racial e a instituição da lei que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana nas instituições. Matos, Bispo e Lima (2017), com o intuito de colaborar com o cumprimento da Lei nº 10.639/03, professores e alunos do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia, campus Vitória da Conquista, em parceria com a Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, executaram o projeto “Novembro Negro” durante um semana específica do mês de novembro em 2011, 2012 e 2013, o que depois passou a ser uma prática habitual, na qual há discussão das realidades em que o negro é historicamente inserido, ou mesmo excluído, demonstrando a relevância de tal discussão e expandindo as possibilidades de se entender o mundo e suas desigualdades.
Nesse sentido, Brazorotto (2021), em sua pesquisa, verificou a efetiva democratização do acesso ao ensino médio integrado ao técnico profissionalizante, por meio de políticas afirmativas de reserva de vagas, e concluiu que a implementação da “Lei de Cotas” avançou em direção à igualdade social, considerando o cenário do CEFET em Minas Gerais, através de pesquisa empírica, pois a maioria dos respondentes declarou-se preta e parda (54,7%); este indicador aproxima-se da população estadual (MG: 60,3). Todavia, o autor reforça que, apesar da mudança, é necessário avançar e incentivar a implantação das políticas afirmativas nas escolas e universidades públicas brasileiras.
Do mesmo modo, Ferreira e Coelho (2019) identificaram que houve um avanço do acesso dos jovens afrodescendentes após a lei das cotas, pois, de acordo com o Relatório Balanço da Política de Cotas (2012-2013), elaborado pelo MEC em 2013, 83% dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia já atenderam, nos anos de 2012 a 2013, a meta de reserva de vagas mínima prevista para o ano de 2016. Contudo, essas instituições carecem de ações concretas para garantir o sucesso acadêmico e a permanência desses estudantes. Verificou-se a necessidade de recursos financeiros para maior atendimento de auxílios aos alunos negros e a urgência de se formular recomendações de supervisão pedagógica. Salienta-se que esses estudantes estão mais propensos a abandonarem o curso. Isto pode ser explicado pela priorização que instituições de ensino dão concretamente ao saber pedagógico, pela situação socioeconômica, que pode apresentar-se como uma dificuldade para se conciliar trabalho e estudo, ou, até mesmo, pela baixa aspiração ocupacional. No entanto, de acordo com o Parecer CNE/CP 3/2004, aprovado em 10/3/2004, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, políticas de compensação voltadas para a educação de negros devem proporcionar a garantia de acesso, permanência e sucesso da educação escolar deste grupo, além de valorizar o patrimônio histórico e cultural dos afro-brasileiros e adquirir habilidades e conhecimentos considerados essenciais para o aprendizado contínuo, como também cumprir todas as condições exigidas para completar cada nível de escolaridade, e ser cidadão e participante responsável, além da qualificação profissional.
Entretanto, salienta-se que as políticas afirmativas não se limitam à inserção de temas e conteúdo no currículo escolar, mas inclui a ampliação de oportunidades de acesso das populações negras e indígenas aos espaços materiais de produção do conhecimento, ou seja, a docência, o acesso à universidade, aos cursos profissionalizantes e às propostas de currículo integrado. A presença desses sujeitos sociais nos espaços educativos questiona as pedagogias tradicionais que silenciam outras epistemologias e detêm a exclusividade pedagógica, e, assim, exigem a emergência de outras pedagogias, pautadas na escuta das vozes dos próprios sujeitos (ARROYO, 2012).
Uma política afirmativa importante é a implantação dos NEABs. A criação dos NEABs antecede as políticas afirmativas. Eles nascem como “movimentos formação política e a produção do conhecimento no enfrentamento ao racismo, sobretudo na educação brasileira” (OLIVEIRA; DA COSTA, 2019, p. 1). Ressalta-se que a Lei nº10.639/2003 reforça a importância dos NEABs para implantação e fortalecimento de ações afirmativas nas instituições de ensino. Também cabe a esses núcleos a tarefa de induzir, monitorar e avaliar a implementação de políticas públicas de ações afirmativas nas instituições.
Nessa perspectiva, Custódio e Oliveira (2021) analisaram os objetivos propostos no Regulamento do NEABI do Instituto Federal do Triângulo Mineiro no tocante à inserção da temática étnico-racial no currículo de dois campi do IFTM a partir de pesquisa documental. Através de perspectivas teóricas que discutem a Rede Federal de Educação e currículo, concluiu-se que há necessidade de se estabelecer estratégias e planos visando à institucionalização efetiva do NEABI e a seguir etapas para sua efetivação. Também constataram ser uma tarefa complexa cumprir os objetivos do regulamento do NEABI/IFTM, como a curricularização da temática étnico-racial, por envolver projeto político pedagógico, formação de professores, introdução de componente curricular na licenciatura, entre outras, o que requer uma articulação de um NEABI central, que faça intermediação com as pró-reitoras para a construção de estratégias para o cumprimento da Lei nº 10.645/2008.
Para Martins e Souza (2021), a implementação das referidas Leis nº 10.639/03 e nº 10.645/2008 é difícil, pois não é apenas inserir a discussão acerca da história e da cultura afro-brasileira e indígena no contexto escolar, mas se exige reestruturar as bases pedagógicas a partir de movimento de resgate histórico com bases teóricas, para que, assim, realmente ocorra uma real modificação do processo de ensino-aprendizagem em busca da valorização dos conhecimentos dessas culturas. Adicionalmente, Fonseca e Rocha (2019) analisaram o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) nas escolas que compõem a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica e constataram que o seu processo de institucionalização da Lei nº 10.639/03 ainda é muito baixo.
Ainda, precisa-se pensar para além do currículo formal, pois a educação intercultural perpassa a organização escolar, o tipo de relações humanas que existe entre os profissionais e os usuários da escola. Ou seja, refere-se a uma mudança de mentalidade, de modificação na maneira como o indivíduo pensa, sente e se comporta em relação aos outros (LIBÂNEO, 2013), de acordo com os pressupostos da Lei nº 10.639/03 (BRASIL, 2003), que tenta quebrar a postura pedagógica de não reconhecer as diferenças na formação nacional.
Quanto às práticas pedagógicas contextualizadas com as identidades e cultura local e com a tendência de utilização de tecnologias de informação e comunicação, enquanto ferramenta pedagógica e instancia de empoderamento e valorização da identidade negra, para construção de um Memorial Virtual intitulado Pérolas Negras do Rio Aliança, destaca-se o estudo de Costa, Rocha e Santos (2020), relatado como experiência coletiva vivenciada no grupo focal. Diante das modificações pelas quais o cenário educacional passa, sejam elas tecnológicas, culturais e organizacionais, ainda se desconhece a amplitude dessas transformações; por isso, deve haver adequação dos modelos de ensino, possibilitando interlocução e articulação entre os sistemas de aprendizagem colaborativos e as ferramentas tecnológicas de informação e comunicação para o ensino da história e cultura afro-brasileira e indígena.
Contudo, apropriar-se da educação das relações étnico-raciais, entendida enquanto direito humano fundamental conforme os princípios constitucionais da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, complementada pelo Parecer CNE/CP 3/2004, por parte das instituições educacionais, é um instrumento fundamental para unir os jovens estudantes em defesa do direito de inserção ocupacional, considerando suas habilidades e competências. Igualmente, não promover o debate sobre as questões identitárias é eximir-se da oportunidade de promover a autoestima de mulheres negro-mestiças, com suas histórias pessoais, quando muitas já experimentaram direta ou indiretamente a rejeição de suas habilidades em razão de suas características (SOARES; SANTOS; VIRGENS, 2017).
O anseio por novas propostas pedagógicas é uma necessidade dos estudantes, principalmente as interdisciplinares (SOUZA; FELZKE, 2020). Já Soares, Santos e Virgens (2017) propõem uma reflexão sobre as questões étnico-raciais existentes na formação profissionalizante em um Centro de Educação Profissional em Logística e Transporte, localizado em Salvador, Bahia, a partir da atuação dos professores do curso, com foco na formação profissional de jovens negras, enfatizando a questão da autoestima e identidade étnico-racial delas. Identificaram que as Leis nº 10.639/03 e nº 11.645/08 na formação profissionalizante de mulheres negras, sob a perspectiva dos docentes e discentes, não foram alvo de análise, nem estiveram de alguma forma inseridas em componentes curriculares que pudessem promover a reflexão nas abordagens dessas leis. Os autores ressaltam a necessidade de se promover o ensino da educação étnico-racial na educação profissional, pois reconhece que seus integrantes e futuros trabalhadores, em sua maioria negra, compõem sobremaneira as salas de aula.
Se não houve mudanças quanto à formação docente, desde a faculdade, com a incorporação da educação étnico-racial nos projetos pedagógicos dos cursos de licenciatura (DIALLO; LIMA, 2022), além da contínua atualização em relação à temática e construção de currículos voltados para elevar a autoestima das jovens negras e contextualizá-las sobre as dificuldades por estas sofridas no mercado de trabalho, as reivindicações dos movimentos feministas continuarão a existir. Para estes movimentos, algumas variáveis analisadas e conflitos intra gênero foram demonstrados, nos quais emergem as distinções como aquelas entre raça e classe.
A naturalização da condição de subalternização e da desigualdade de direitos da população negra se mantém, principalmente da mulher trabalhadora que sofre com a opressão de gênero e de raça. Inclusive, esta situação é bem atual, pois pode ser vista também durante a pandemia de Covid-19, e é consequência da herança escravista e colonial que, mesmo depois da abolição da escravidão, negligenciou completamente a população negra recém-liberta, desprovida de qualquer política pública em seu favor (GUIMARÃES; VERBICARO, 2020), restando-lhe o trabalho precário.
A precarização do trabalho dos afrodescendentes permanece e só contribui para aumentar o abismo social que separa negros e brancos, sendo este o maior legado da escravatura e do autoritarismo no Brasil, que fez da raça e da cor marcadores de opressão e de grandes diferenças na hierarquia social, definindo quem manda e quem obedece, mediado pelas relações de poder (GUIMARÃES; VERBICARO, 2020). Porém, isso ocorreu e ainda ocorre de forma sorrateira, alimentando a ideia da democracia racial no país.
Para a defensora de um feminismo afrolatinoamericano, Lelia Gonzales, o racismo incorporado em e realizado a partir das práticas discriminatórias é o principal determinante da posição dos negros nas relações de produção. Este, assim como o sexismo, torna-se parte das estruturas ideológicas e políticas do capitalismo, reproduzindo a divisão racial ou sexual do trabalho (GONZALEZ, 2020). O racismo latino-americano é uma alienação alimentada por meio da ideologia do branqueamento, cujo desejo internalizado de “embranquecer”, em que, ao mesmo tempo, existe a negação de sua raça e cultura (GONZALEZ et al., 1988), reforça-se pelo mito da democracia racial no Brasil.
Frente ao exposto, as jovens estudantes precisam ser empoderadas e conhecedoras das estratégias e dos instrumentos para o enfrentamento, a ausência de sistematização de uma discussão étnica sobre os lugares no mundo do trabalho para mulheres negras, por meio de prática pedagógica que a instrumentaliza à competitividade do mercado, mas que também promove a continuidade dos estudos concomitante com os discursos identitários referendados na cultura negra e a ressignificação dos papéis sociais historicamente constituídos por elas (SOARES; SANTOS; VIRGENS, 2017).
No tocante à análise metodológica das publicações, houve predominância de estudos com abordagem qualitativa. Contudo poderiam existir mais estudos de campo com os estudantes da educação profissional de grupos racializados, incluindo indígenas e quilombolas, além do uso de diferentes métodos e com níveis de evidência mais elevados para abordar a temática. Apenas dois estudos foram publicados em periódicos no extrato superior para a educação e ensino, com baixo impacto e alcance da maioria dos estudos sintetizados, o que reduz as chances de ampliação da reflexão e do debate acerca das relações étnico-raciais na EPT, que é tão importante para combate do racismo no Brasil.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao analisar os estudos mapeados nesta revisão sobre educação das relações étnico-raciais no âmbito da educação profissional técnica de nível médio, constatou-se que há ainda um longo percurso a se percorrer para a institucionalização das Leis 10.639/03 e 11.645/08 nos currículos e nas práticas de ensino-aprendizagem da formação profissionalizante, reforçado pelas percepções negativas dos alunos e professores acerca da diversidade étnico-racial nos currículos das instituições de EPT, principalmente quando se trata dos cursos integrados. Contudo, as leis das cotas, a implementação do NEABI e as diversas experiências pedagógicas explicitadas neste estudo destacam a importância dessas como ações afirmativas para promoção da igualdade e participação de todos.
Por fim, este trabalho pode ser instrumento para embasar novos estudos, pois existe a necessidade de outras pesquisas serem realizadas sobre as relações étnico-raciais na educação profissional, tendo em vista a relevância do assunto e a incipiência de artigos publicados, principalmente em bases de dados de maior impacto e em periódicos de abrangência nacional e internacional. Além disso, é importante existir o debate permanente acerca da qualidade do ensino básico público no país e alocar recursos para isso, o combate às diversas formas de discriminação cotidiana, e principalmente, ao racismo estrutural a partir de mudanças conjunturais na sociedade, para, assim, conseguir reduzir as repercussões no futuro dos afrodescendentes.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
23 Fev 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
-
Recebido
08 Set 2022 -
Preprint postado em
31 Ago 2022
10.1590/SciELOPreprints.4651 -
Aceito
20 Abr 2023