Open-access A PRODUÇÃO DA NOÇÃO DE NORMALIDADE E SEUS SENTIDOS HISTÓRICOS1

LA PRODUCCIÓN DE LA NOCIÓN DE NORMALIDAD Y SUS SENTIDOS HISTÓRICOS

RESUMO:

Este artigo é recorte de uma pesquisa mais ampla que analisou discursos da inclusão escolar, em documentos oficiais, e o modo como operam estratégias de governamento sobre os sujeitos ditos normais. Para isso, tensionar o conceito de normalidade foi fundamental à pesquisa. No presente texto, temos por objetivo apresentar como a noção de normalidade foi sendo produzida historicamente e junto a ela práticas de in/exclusão com ênfase no sujeito dito normal. Tomamos como suporte teórico os estudos realizados por Michel Foucault, Lilia Lobo e Georges Canguilhem, autores que, em suas investigações, tensionaram as noções de anormalidade e norma. Como resultados, construímos três sentidos históricos relacionados à noção de normalidade, que se encontram imbricados com os saberes produzidos ao longo de cada época: o ideal transcendental - evidenciado na Idade Média e constituído pelos saberes religiosos e/ou divinos, estando vinculado ao corpo e à conduta dos sujeitos; a normalidade científica - constituída pelos saberes científicos, entre os séculos XVI e XVIII, vinculada ao comportamento dos sujeitos e, no fim do século XVIII, também se mostrando relacionada à sua intimidade; e as normalidades diferenciais - associadas a uma ciência de Estado, aos saberes estatísticos e a uma norma flexível, que entra em operação na sociedade de seguridade. Essa noção constitui-se a partir de dois movimentos relacionados a um mesmo fenômeno: o da naturalização das diferenças. O primeiro movimento refere-se à criação e proliferação de normalidades diferenciais, e o segundo movimento concerne à aceitação, à tolerância e ao respeito à diversidade.

Palavras-chave: normalidade; norma; inclusão

RESUMEN:

Este artículo es el recorte de una investigación más amplia que analizó discursos sobre la inclusión escolar, en documentos oficiales, y el modo como operan estrategias de gobernanza sobre los sujetos llamados normales. Para ello, tensionar el concepto de normalidad fue fundamental para la investigación. El presente texto tiene como objetivo presentar cómo se produjo históricamente la noción de normalidad y junto a ella prácticas de in/exclusión con énfasis en el sujeto llamado normal. Tomamos como soporte teórico los estudios realizados por Michel Foucault, Lilia Lobo y Georges Canguilhem, autores que en sus investigaciones tensionaron las nociones de anormalidad y norma. Como resultados, construimos tres significados históricos relacionados con la noción de normalidad que se encuentran yuxtapuestos con los saberes producidos a lo largo de cada época: el ideal transcendental - evidenciado en la Edad Media y constituido por los saberes religiosos y/o divinos, vinculado al cuerpo y a la conducta de los sujetos; la normalidad científica - constituida por el conocimiento científico, entre los siglos XVI y XVIII, vinculada al comportamiento de los sujetos y, a fines del siglo XVIII, también se muestra relacionada con su intimidad; y normalidades diferenciales - asociada a una ciencia del Estado, a los saberes estadísticos y a una norma flexible, que entra en operación en la sociedad de seguridad. Esta noción se constituye a partir de dos movimientos contemporáneos relacionados con un mismo fenómeno: la naturalización de las diferencias. El primer movimiento se refiere a la creación y proliferación de normalidades diferenciales, y el segundo movimiento se refiere a la aceptación, tolerancia y respeto a la diversidad

Palabras clave: normalidad; norma; inclusión

ABSTRACT:

This article is part of a broader study that analyzed the discourses of school inclusion in official documents and how they enact strategies of governmentality on so-called normal subjects. Therefore, it was crucial to question the normality concept. This text presents how the notion of normality was historically produced and, together with it, the practices of in/exclusion focusing on the subjects considered normal. Our theoretical support is the studies of Michel Foucault, Lilia Lobo, and Georges Canguilhem, who questioned the notions of abnormality and norm. As a result, we built three historical meanings to the notion of normality related to the knowledge produced throughout a specific period: the transcendental ideal - evidenced in the Middle Ages and constituted by religious and/or divine knowledge, linked to the body and conduct of subjects; the scientific normality - founded by scientific knowledge, between the 16th and 18th centuries, which seems connected to the subjects' behaviors and, by the end of the 18th century, also to their intimacy; and the differential normalities- associated to science of State, to statistical knowledge, and a flexible norm, which operates in the security society. Two contemporary movements established this notion related to the same phenomenon: the naturalization of differences. The first refers to the creation and proliferation of differential normalities, and the second to the acceptance, tolerance, and respect for diversity.

Keywords: normality; norm; inclusion

TENSIONAR O CONCEITO DE NORMALIDADE

No Brasil, desde a década de 1990, assistimos a um fortalecimento dos discursos acerca da inclusão, os quais se proliferaram pela sociedade por meio de campanhas, discursos políticos, programas sociais, propagandas, enfim, em uma série de políticas inclusivas. Esses discursos tinham por objetivo sensibilizar e convocar a população, tornando necessária a busca pelo direito à inclusão escolar de todos os sujeitos. Tal ênfase se fez presente em nosso país, pelo menos até 2017, quando então assistimos a uma reconfiguração de tais discursos na atualidade. Nesta pesquisa não discutiremos esse processo de reconfiguração e ataque a alguns direitos historicamente conquistados pelas pessoas com deficiência. Aqui tomaremos como foco o período histórico localizado entre a década de 1990 até 2016. Entendemos que nesse período nos encontrávamos diante da inclusão como imperativo de Estado, a qual se tornava inquestionável, ocupando um espaço de verdade que incidia sobre nossas formas de ser, estar e viver no mundo2.

Para mostrar um pouco dessas práticas discursivas veiculadas nesse período, destacamos a seguir alguns discursos presentes em uma revista de ampla circulação na maior parte das escolas e entre os profissionais da educação:

Jamais haverá uma sociedade inclusiva se não tivermos uma escola transformadora. Cabe à escola, junto com a família, plantar a semente de um cidadão mais ético. A inclusão é, acima de tudo, uma questão de ética. (NOVA ESCOLA, 1997, p. 57).

Preparando a escola inclusiva: o primeiro passo é sensibilizar e treinar todos os funcionários da instituição: professores, orientadores e todo o pessoal que trabalha ali. É importantíssimo também sensibilizar os pais - sobretudo os dos não-deficientes. Todos devem desempenhar um papel ativo no processo de inclusão. (INCLUSÃO, 1999, p. 12).

Através dos discursos destacados, é possível evidenciar um chamamento para que todos assumam para si o compromisso da inclusão, uma necessidade de que ela seja aceita por todos e que por eles seja posta em funcionamento. Ao olharmos os discursos em questão, sabemos que eles nem sempre se apresentaram dessa maneira. Se por muito tempo os anormais3 foram o foco dos discursos e das práticas inclusivas, especialmente ao longo dos anos 2000, vimos a ênfase recair sobre os ditos normais, que se tornam os responsáveis por fazer com que a inclusão aconteça.

Ao considerar, a partir das contribuições de Michel Foucault, que os discursos não são neutros, compreendemos que eles estão relacionados a uma lógica discursiva mais ampla que determina um conjunto de regras que darão condições para o funcionamento do discurso e que vão controlar aquilo que pode ser dito em uma determinada época, pois:

[...] em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade. (FOUCAULT, 2013, p. 8-9).

Diante disso, compreendemos que a inclusão vem sendo constituída através de algumas práticas que convocam e mobilizam a população, expressando verdades relativas a algo que pertence a uma lógica discursiva mais ampla, gerando efeitos sobre todos os sujeitos, tendo por ênfase o sujeito dito normal. A partir de tais entendimentos, demos início à investigação que buscou analisar “como os discursos da inclusão escolar, materializados em documentos oficiais, colocam em funcionamento estratégias de governamento que operam sobre os normais”.

Sendo os ditos normais objeto da pesquisa, tornou-se fundamental tensionar o próprio conceito de normalidade para assim compreendermos como a ênfase das práticas inclusivas passou a recair sobre esses sujeitos. Assim, a partir de aproximações com autores pós-estruturalistas e das contribuições de Michel Foucault, em especial, sobre o conceito de norma, neste artigo nos propomos a apresentar como a noção de normalidade foi sendo produzida historicamente e junto a ela como foram se configurando práticas com ênfase no sujeito dito normal que nos permitem pensar e problematizar a inclusão.

Com este propósito, importa-nos ressaltar que não buscamos realizar uma pesquisa histórica, mas, sim, fazer um recuo histórico composto pela seleção de alguns fragmentos de épocas distintas. Esta escolha pauta-se em alguns entendimentos com relação à história, empregados por Michel Foucault e identificados em seus estudos históricos, conforme veremos a seguir.

RECUAR AO PASSADO PARA PROBLEMATIZAR O PRESENTE: QUESTÕES DE MÉTODO

O recuo histórico que buscamos empregar tem por intenção selecionar alguns fragmentos históricos de épocas distintas, nos quais é possível perceber como a normalidade foi sendo produzida e como as práticas inclusivas passaram a ter sua ênfase sobre os normais. Para isso, apoiamo-nos em algumas questões de método que identificamos sendo empregadas por Michel Foucault em seus estudos históricos, a saber: a problematização do estatuto de verdade da história; o caráter não evolutivo e linear atribuído aos acontecimentos históricos; e a inexistência de universais.

A primeira questão de método que gostaríamos de explicitar é a problematização do estatuto de verdade que a história possui, “as ilusões envolvidas nesse jogo de contar o passado, como se fosse um contato direto com os mortos, acreditando-se revelar o que ‘de fato’ aconteceu.” (RAGO, 2005, p. 258).

Ao recorrer aos acontecimentos históricos, compreendemos que a história não é neutra. Composta por uma seleção de acontecimentos, ela é produzida na e pelas relações de poder que são tecidas em determinados tempos históricos, manifestando um tipo de racionalidade. A história não pode ser entendida como um conjunto de fatos que, como grandes reveladores de uma essência verdadeira, seriam capazes de mostrar o que aconteceu em tempos passados, pois deve-se levar em conta que cada racionalidade põe em funcionamento uma ordem que irá conduzir o olhar do sujeito- historiador, de modo que, em uma determinada época, certos acontecimentos se tornarão mais relevantes a ponto de a comporem.

Entendemos que, para construir, então, uma problematização do presente, não só para conhecermos como se constituíram certos discursos e modos específicos de vida, mas também para pensarmos em novas formas de se viver, é preciso direcionar um olhar para a história, de modo a:

[...] libertar-se de determinadas representações do passado, de procedimentos que levam a determinados efeitos, relações de poder, enfim, de construções autoritárias do passado - sobretudo das que se supõem as únicas verdadeiras - e que, para além dos sujeitos excluídos, suprimem o contato direto com as experiências da liberdade, inventadas e usufruídas por nossos antepassados. (RAGO, 2005, p. 261)

Por isso, ao fazer um recuo ao passado não pretendemos realizar uma descrição cronológica dos gloriosos acontecimentos históricos na busca por uma origem ou por uma relação de causa-efeito - para dizer o que se entende hoje por normalidade e inclusão - , mas desnaturalizar os fatos. Assim, trata-se de olhar para a história no intuito de “marcar a singularidade dos acontecimentos, longe de toda a finalidade monótona; espreitá-los lá onde menos se os esperava e naquilo que é tido como não possuindo história.” (FOUCAULT, 2014, p. 55). Trata-se, também, de mostrar as práticas infames, consideradas irrelevantes de serem postas em discussão, a ponto de ganharem prestígio ou fama nos livros de história.

A segunda questão de método que os estudos de Michel Foucault proporcionam, e que gostaríamos de explicitar, refere-se ao caráter não evolutivo e linear atribuído aos acontecimentos históricos. Ela é compreendida como um conjunto de complexos acontecimentos que ocorrem em diferentes tempos, vista em suas descontinuidades, nas suas rupturas, em seus pontos de emergência, assim como nas condições de múltiplas possibilidades em que surgem outros acontecimentos, pois se reconhece que “o que se encontra no começo histórico das coisas não é a identidade ainda preservada da origem - é a discórdia entre as coisas, é o disparate.” (FOUCAULT, 2014, p. 59). Olhar para a história por esse viés, portanto, é reconhecer que ela se constitui de acontecimentos construídos em meio a complexas redes de contingências, permeadas por relações de poder, onde se dão embates de forças, disputas e conflitos. Conforme aponta Foucault (2014, p. 83):

A história, genealogicamente dirigida, não tem por fim reencontrar as raízes de nossa identidade, mas, ao contrário, se obstinar em dissipá-la; ela não pretende demarcar o território único de onde viemos, essa primeira pátria à qual os metafísicos prometem que retornaremos; ela pretende fazer todas as descontinuidades que nos atravessam.

Por fim, a última questão de método que explicitaremos se refere à inexistência dos universais. No curso Nascimento da Biopolítica, em 1979, Michel Foucault traz como exemplo o modo como analisou os acontecimentos históricos para indagar a loucura, deixando claro que não buscava na história a sua existência. Pelo contrário, suas indagações abandonavam esse conceito e partiam da suposição de sua inexistência, para assim analisar os diferentes acontecimentos e as diversas práticas históricas que se pautaram na ideia da loucura e que assim foram produzindo-a em determinados momentos históricos.

Ao propormos este recuo histórico, portanto, afastamo-nos de qualquer conceito prévio criado sobre a normalidade, preconizando justamente a inversão dessa lógica que permeia diversos trabalhos sobre a inclusão. Ao invés de problematizar a anormalidade, tomando como naturalizada a normalidade, propomo-nos a realizar o movimento inverso: olhar para a produção dos sentidos dados à anormalidade para assim problematizar a construção da noção de normalidade. Trata-se, dessa forma, de desnaturalizá-la, abandonando a ideia de que ela é algo que está dado, a fim de mostrar como foi sendo produzida em diferentes momentos históricos.

Este parece ser um movimento potente de ser empregado neste recuo histórico, visto que existe uma maior ênfase de pesquisas e discussões sobre a constituição da noção de anormalidade e a produção do sujeito anormal. Como um exemplo disso, destacamos a obra Os anormais, de Michel Foucault, em que o autor faz um estudo histórico sobre as três figuras que constituem o campo da anomalia. Colocamos em destaque tal obra pois, a partir desse estudo, observa-se que, de forma correlata ao aparecimento de determinados sentidos construídos sobre a anormalidade, também foram sendo constituídas noções de normalidade; ou seja, as noções de anormalidade e normalidade não apenas surgem em um mesmo período histórico, mas ambas vão se constituindo mutuamente em uma relação de imanência, pois cada uma delas justifica a existência da outra.

Com o intuito de mostrar como a noção de normalidade se constituiu historicamente, foi necessário garimpar os estudos históricos de Michel Foucault, Lilia Lobo e Georges Canguilhem. A escolha por tais autores se deu pelas discussões que fazem sobre as noções de norma, normalidade e anormalidade. Partindo desses estudos, foi possível construir três categorias que expressam noções e sentidos históricos relacionados à normalidade, as quais nomeamos de: ideal transcendental, normalidade científica e normalidades diferenciais. Cabe ressaltar que cada uma dessas noções apresenta particularidades, pois possuem relação com saberes específicos que passaram a ser produzidos e esmiuçados ao longo de cada época. A seguir, passamos a explorar cada uma delas em sua especificidade, a começar pelo ideal transcendental.

O IDEAL TRANSCENDENTAL

Na Idade Média, percebemos a existência de um ideal transcendental, constituído pelos saberes religiosos e por princípios divinos, que funcionavam como um sistema de regras entendidas como naturais, que determinavam formas ideais de ser dos sujeitos. Esses ideais estavam relacionados, com mais ênfase, ao reconhecimento de formas físicas ligadas ao corpo dos sujeitos e, também, às suas condutas, considerando determinados comportamentos como naturais do ser humano.

Com relação ao corpo dos sujeitos, podemos dizer que, para os saberes divinos, ele era entendido como obra da natureza, visto que o homem se encontrava associado à “imagem e semelhança de Deus, portanto, ser perfeito” (FERNANDES; SCHLESENER; MOSQUERA, 2011, p. 135). A ideia de perfeição divina atribuída ao corpo se dava com base em uma série de características visíveis que se mostravam frequentes - e que por essa razão eram entendidas como naturais - entre os sujeitos em termos de estrutura, como por exemplo, a quantidade de membros. Se é possível fazer tal afirmação, é porque sabemos que, de forma correlata a esse ideal de corpo, se tem a existência de um fenômeno raro, o surgimento de um corpo disforme que era compreendido como “não apenas uma violação das leis da sociedade, mas uma violação das leis da natureza.” (FOUCAULT, 2001, p. 69).

As transgressões aos princípios divinos aparecem com as deformidades que “eram percebidas através de signos exteriores do corpo - pernas tortas, dedos a mais nas mãos, pés disformes.” (BENVENUTO, 2006, p. 231). Entretanto, o aparecimento do que Foucault (2001) nomeia como “monstro humano4” não representava apenas a desordem das diferenças que definiam o que seria espécie, gênero e reino, mas também, e sobretudo, as terríveis condições da alma. Suas deformidades eram explicadas pelos saberes divinos como a manifestação da ira de Deus, um castigo divino, devido às transgressões do homem aos preceitos religiosos, como, por exemplo, a depravação e os coitos antinaturais, ou seja, relações sexuais entre um homem e um animal (LOBO, 2008). De acordo com os apontamentos de Canguilhem (2012, p. 190):

[...] a idade média conserva a identificação do monstruoso com o delituoso, mas a enriquece com uma referência ao diabólico. O monstro é a um só tempo o efeito de uma infração à regra de segregação sexual específica e o indício de uma vontade de perversão do quadro das criaturas.

Diante disso, o que podemos afirmar, primeiramente, é que tudo que escapava da ordem religiosa, em termos físicos do corpo, era explicado pelo saber religioso como aberração, castigo divino, ação do demônio, ou estava relacionado à impureza e ao pecado (FRANÇA, 2014). Em segundo lugar, a partir das próprias explicações divinas dadas às transgressões de suas ordens, podemos observar a existência de um ideal transcendental que não se encontrava associado apenas às características corporais dos sujeitos, mas também aos modos como os mesmos se conduziam.

O que nomeamos como ideal transcendental se encontra relacionado, também, às condutas que se guiavam pelos princípios divinos, aos sujeitos que se mostravam prudentes por serem capazes de gerenciar suas vontades, reconhecendo, na obediência a esses saberes, o caminho para a sua salvação e felicidade (MACHADO, 2015). Para garantir sua salvação em outro mundo e a purificação da alma, os sujeitos precisavam seguir rigorosamente as regras de conduta impostas pelos princípios divinos. Dentre as práticas comuns dessa época estão “o jejum, a abstinência e as autoflagelações, [...] cujo objetivo principal era a purificação da alma [...]” (CASSIMIRO; GALDINO; SÁ, 2012, p. 73), bem como “o cuidado com o nu, com os excessos de alimentos, a ‘gula’, com as práticas corporais (o sexo, em particular) e esportivas (a mostra do corpo em público) [...]” (LE GOFF; TRUONG, 2010, p. 610), entre outras.

Nesse sentido, compreendemos que, para corresponderem a esse ideal, não bastava apenas os sujeitos terem um corpo com características entendidas como naturais; ainda era necessário possuir uma conduta de acordo com os princípios religiosos que permitissem a purificação da alma. Isso fica evidente, uma vez que os chamados loucos e os surdos eram também exemplos das transgressões divinas e, por isso, da existência da monstruosidade na Idade Média. Embora eles não apresentassem características visíveis como as deformidades, seus comportamentos eram vistos como uma desordem do espírito, da alma, pois transgrediam os princípios naturais, morais e divinos. O modo como loucos e surdos se comunicavam e se relacionavam com outros sujeitos demonstrava o caráter “contranatureza” de suas ações. Comparados aos animais em estado selvagem, esses sujeitos não apresentavam regularidades divinas como a linguagem e a razão (BENVENUTO, 2006).

Podemos dizer, portanto, que, na Idade Média, a existência de um ideal transcendental é construída tendo como base o saber religioso ou divino, tanto no que se refere à materialização no corpo e sua visibilidade quanto na forma como os sujeitos se conduziam.

A partir do fim do século XVI e no decorrer dos séculos XVII e XVIII, os saberes divinos não se constituem mais como principal paradigma. Eles deixam de ser o principal modo pelo qual os sujeitos se organizam, explicam e compreendem o mundo. O conceito de virada disciplinar, enquanto “fenômeno ocorrido no século XVI em que um novo regime de verdade se estabelecia criando novos saberes não apenas sobre o mundo como, também - e aí a maior novidade -, sobre como colocar uma ordem no mundo” (VEIGA-NETO, 1996, p. 151), ajuda a pensar como nesse contexto a existência de um ideal transcendental passa a ganhar um novo sentido e a se constituir enquanto uma noção de normalidade, conforme visualizaremos a seguir.

A NOÇÃO DE NORMALIDADE CIENTÍFICA

Com a expansão das disciplinas em outro eixo, o dos saberes, a Ciência passa a se constituir como outro regime de verdade. No decorrer dos séculos XVII e XVIII, visualizamos o que Nietzsche (2004) aponta como sendo uma troca de ídolos: “de um lado está Deus, um ser superior, nos trazendo a ideia de transcendência; do outro está a Ciência, marcando o conhecimento legítimo.” (HENNING; CHASSOT, 2009, p. 420). Assim, nesse período ocorre que a verdade, antes alocada em Deus, agora passa a ser explicada pela Ciência, pela Razão. Conforme assinala Pooli (2014, p. 2), “Deus vai dando lugar a razão como princípio explicativo e orientador da vida social, onde se inventarão novas tecnologias de controle, disciplinamento, orientação e instrumentalização específicas para a configuração de uma nova sociedade.”.

O corpo e a conduta dos sujeitos explicados pelos saberes e princípios divinos tornam-se objeto de estudo dos saberes científicos, que buscam produzir descrições minuciosas sobre os sujeitos. Nesse contexto, o homem passa a ser aquele que precisa ser separado da sua “natureza” e distanciado da sua animalidade. Ele “terá que se converter em ser ‘civilizado’, em ser cada vez mais individualizado.” (VARELA, 2000, p. 80). Conforme aponta Veiga-Neto (1996, p. 113),

Em termos comportamentais, então, passa-se a entender como civilizado aquele que segue disciplinadamente um minucioso código que prescreve, de modo muito detalhado, o que se pode e o que não se pode fazer e dizer publicamente; é aquele que obedece, de preferência de modo automático, a um extenso conjunto de regras práticas de permissão e interdição.

O ideal transcendental ganha, assim, um “status científico”. Se, na Idade Média, os comportamentos dos sujeitos estavam associados às disciplinas que existiam e operavam no eixo corporal5, articuladas aos saberes religiosos, agora passam a ser explicados por saberes científicos associados às disciplinas, de modo a constituir um ordenamento com base em determinados padrões, como, por exemplo, morais e de saúde, que servem para posicionar os sujeitos. O que era visto como aberração, obra do demônio ou transgressão da natureza, passa a ser explicado pelos saberes científicos e a ser enquadrado como doença.

O aparecimento dessa noção que nomeamos como normalidade científica se encontra associada, assim, à disciplinarização dos saberes, a uma sociedade disciplinar e à constituição de uma norma fixa e prévia que “[...] vai designar ao mesmo tempo um certo tipo de regras, uma maneira de as produzir e, sobretudo, um princípio de valorização.” (EWALD, 1993, p. 79). Essa nova noção de normalidade aparece, portanto, no deslocamento de uma sociedade que passa a funcionar não apenas por meio da soberania e de suas leis, mas a partir de mecanismos disciplinares e do estabelecimento de normas produzidas a partir das técnicas que descrevem e vigiam “os corpos humanos e os submetem fazendo deles objeto de saber.” (FOUCAULT, 1987, p. 31-32).

A normalidade científica constitui-se, desse modo, através do corpo em sua forma física e, principalmente, pelos comportamentos cotidianos de cada sujeito, que passam a ser analisados com base em saberes científicos, como a medicina e/ou a psiquiatria. Logo, importa “a cada instante vigiar o comportamento de cada um, apreciá-lo, sancioná-lo, medir as qualidades ou os méritos.” (FOUCAULT, 1987, p. 169). Afinal, é isso o que se levará em conta na organização social. Não será tanto uma natureza ou uma suposta essência dos sujeitos, como foi possível observar no ideal transcendental - até mesmo porque a preocupação passa a ser com a organização social deste mundo, e não com a salvação da alma em outro. O que se torna relevante, então, para a definição da normalidade nessa época será uma regra prévia estabelecida a partir desses saberes, que vão definir o comportamento normal, permitindo a regulação do que se deseja como aceitável para se viver em sociedade.

A produção dos saberes minuciosos sobre os indivíduos produzirá, portanto, essa medida válida e desejável, a qual se nomeia como norma. Ela vai ser o modo pelo qual se tornam comparáveis os sujeitos, uma medida comum que igualiza ao mesmo tempo que torna desigual; ou seja, vai permitir a aproximação dos sujeitos a uma regra, ao passo que, do mesmo modo, possibilita fazer uma distinção daqueles que não se aproximam. Dessa forma, a norma torna cada indivíduo comparável a outro e também permite que os sujeitos se reconheçam diferentes uns dos outros, “age ou provocando ações que homogeneízem as pessoas, ou provocando ações que exaltem as diferenças a partir de referenciais comunitários.” (LOPES; FABRIS, 2013, p. 42).

Na sociedade disciplinar, a norma é fixa, estabelecida previamente como uma espécie de modelo. Possui, desse modo, um caráter prescritivo. A partir dela é “que a determinação e a identificação do normal e do anormal se tornam possíveis.” (FOUCAULT, 2008b, p. 75). A noção de normalidade científica constitui-se, assim, na prática da norma disciplinar. Nessa prática, há primeiramente uma definição da norma enquanto condição permanente, um modelo, para depois uma identificação dos sujeitos de forma dicotômica. O processo de normalização disciplinar “[...] consiste em procurar tornar as pessoas, os gestos, os atos, conformes a esse modelo, sendo normal precisamente quem é capaz de se conformar a essa norma e o anormal quem não é capaz.” (FOUCAULT, 2008b, p. 75).

Nesse sentido, cada indivíduo se torna um caso, estando sujeito a um processo de individualização. Reconhece-se dessa forma “normal e anormal não como antítese um do outro, mas como elementos que montam contrafaces da mesma moeda.” (FREITAS, 2012, p. 488). As práticas da norma disciplinar não consideram algo exterior a ela, normal e anormal; ambos estão e são considerados pela norma, ela “integra tudo o que desejaria excedê-la - nada, nem ninguém, seja qual for a diferença que ostente, pode alguma vez pretender-se exterior, reivindicar uma alteridade tal que o torne um outro.” (EWALD, 1993, p. 87).

Diante disso, podemos dizer que a noção de normalidade científica será constituída enquanto uma condição, um estado de adequação a uma regra imposta aos sujeitos através de uma norma disciplinar que apresentará um modelo considerado ideal aos indivíduos. Os efeitos dessa padronização que passam a constituir essa noção de normalidade podem ser visualizados nos acontecimentos históricos, primeiramente, no âmbito familiar, em seus investimentos educativos, e nas técnicas pedagógicas que são desenvolvidas lentamente no século XVIII (FOUCAULT, 2001). A partir desse modelo, observável principalmente nesses dois âmbitos, familiar e escolar, os sujeitos vão ser posicionados como normais ou anormais, e, para esses últimos, que escapam da noção de normalidade, outras ações serão pensadas, como podemos observar a partir do caso dos incorrigíveis.

O modelo de transgressão da normalidade científica não vai ser tanto o monstro humano, como foi possível observar no ideal transcendental, mas o que Michel Foucault chamou de “indivíduo a ser corrigido”. De forma correlata a essa constituição de normalidade científica, uma variedade de mecanismos disciplinares de correção e normalização são postos em operação para agir sobre os sujeitos que escapam a essa noção de normalidade. O indivíduo a corrigir é um exemplo desses sujeitos. Ele se torna aquele difícil de determinar. Sua definição vai se dar pelo fato de não se adaptar a certas regras sociais, pelo fracasso das técnicas familiares e dos investimentos educacionais. O incorrigível através de seu comportamento vai transgredir todo um aparato que tende a disciplinar os sujeitos, ou seja, toda uma série de regras comportamentais para se viver em sociedade. Ele é um sujeito que se constitui nesse jogo de corrigível e incorrigível, exigindo uma nova tecnologia com outros saberes, procedimentos e intervenções que, no século XIX, passam a se desenvolver para aproximá-los dessa noção de normalidade.

Com o refinamento e a proliferação de diferentes campos do saber, como, por exemplo, a medicina, a biologia e os saberes psi, no fim do século XVIII, intensificam-se as buscas por explicações para os comportamentos que transgrediam e/ou ameaçavam a ordem social. Porém, nesse contexto, a noção de normalidade científica não só aparece associada aos conhecimentos sobre o corpo esquadrinhado e aos comportamentos disciplinados dos sujeitos, como também passa a considerar as relações que o indivíduo estabelece consigo mesmo. Trata-se de um desdobramento dessa normalidade científica. Se a partir do século XVI, como já mostramos anteriormente, observam-se a normalidade e o sujeito normal sendo definidos com mais ênfase a partir de normas comportamentais e/ou sociais produzidas pelos saberes científicos, no fim do século XVIII, o refinamento desses saberes e a busca por explicações sobre os comportamentos desviantes invadem a psique humana e se deslocam para um outro polo dessa normalidade científica. Tal polo passa a considerar aquilo que não é visível no indivíduo, ou seja, os pensamentos, as emoções, os desejos, suas vontades e experiências, enfim, tudo aquilo que constitui a intimidade do sujeito e, por isso, pode ser considerado como a sua verdade. É a intimidade do sujeito exposta que será capturada pelos saberes científicos.

Dessa forma, a noção de normalidade sofre, assim, um deslocamento importante. Aquilo que era compreendido pelos saberes religiosos e/ou divinos como “coisas da alma” passa a ser ordenado, classificado e categorizado pelo saber do campo psi e da medicina. Na modernidade, observa-se que as “coisas da alma” serão, então, elementos

“[...] onde se articulam os efeitos de um certo tipo de poder e a referência de um saber, a engrenagem pela qual as relações de poder dão lugar a um saber possível, e o saber reconduz e reforça os efeitos de poder. Sobre essa realidade-referência, vários conceitos foram construídos e campos de análise foram demarcados: psique, subjetividade, personalidade, consciência, etc.; sobre ela técnicas e discursos científicos foram edificados; [...] (FOUCAULT, 2001, p. 33).

A partir desses saberes, aquilo que era entendido pelo saber religioso como alma passa a ser considerado como a subjetividade, a personalidade e/ou a consciência do sujeito. Tais instâncias vão estar estritamente relacionadas com os modos segundo cada um age, vive e se conduz na sociedade e, por isso, vistas como importantes elementos a serem estudados. Observamos, assim, que a subjetividade dos sujeitos passa a ser consultada, interrogada e entendida como a verdade que eles carregam sobre si, a ponto de ser legitimada e ganhar status científico para explicar suas condutas e enquadrá-las em um estado de normalidade ou anormalidade.

Se isso ocorre, é porque, na busca por achar explicações sobre as condutas transgressoras, se acreditava que as normas comportamentais e/ou sociais deveriam “ter sua origem investigada, descoberta, revelada.” (MAGALHÃES, 2012, p. 34). Logo, os saberes científicos - dentre estes se destacam os saberes psi e da medicina - investiram e colocaram em operação estratégias que não funcionavam apenas como técnicas de cura ou de correção, mas de compreensão e de prevenção. Os saberes científicos passam a capturar e a enquadrar as condutas transgressoras em categorias médico-psiquiátricas, a fim de que os sujeitos sejam tratados e/ou curados dos seus vícios, ou seja, com o intuito de trazê-los o mais próximo dessa noção de normalidade científica.

O modelo de transgressão dessa normalidade pode ser observado por meio do exemplo da criança masturbadora, analisada por Michel Foucault. Nesse exemplo é possível visualizar uma série de práticas que são postas em operação a partir da relação médico-família para conter a masturbação das crianças. As famílias passam a se inserir na racionalidade médica e são orientadas a vigiar seus filhos, de modo a evitar que a prática da masturbação ocorra, uma vez que ela estará na origem “de todas as doenças possíveis.” (FOUCAULT, 2001, p. 302). Caso essa prática seja descoberta pelos pais, o médico terá de intervir. Conforme nos mostra Foucault (2001, p. 317),

Os pais devem, portanto, vigiar, espiar, chegar pé ante pé, levantar cobertas, dormir ao lado filho [do filho]; mas, descoberto o mal, têm de fazer o médico intervir imediatamente para curá-lo. Ora, essa cura só será verdadeira e efetiva se o doente aceitá-la e participar. O doente tem de reconhecer seu mal; tem de compreender as consequências dele; tem de aceitar o tratamento. Em suma, tem de confessar. Ora, está muito bem dito, em todos os textos dessa cruzada, que a criança não pode e não deve fazer essa revelação aos pais. Só pode fazê-la ao médico: “De todas as provas - diz Deslandes -, a que é a mais importante adquirir é uma confissão.” Porque a confissão elimina “toda espécie de dúvida”. Ela torna “mais franca” e “mais eficaz a ação do médico”. Ela impede que o sujeito recuse o tratamento. Ela coloca o médico e “todas as pessoas que têm autoridade [...] numa posição que lhes permite ir direto ao assunto, e por conseguinte ter êxito.”

Podemos dizer que, a partir dessas práticas, os saberes conseguem transformar o que compõe a intimidade do sujeito em um ato preciso, em uma afirmação, em uma espécie de “prova”, permitindo que a conduta transgressora seja psiquiatrizada. A criança masturbadora aparece, desse modo, como um sujeito universal em um contexto onde a sexualidade e a própria masturbação são reconhecidas como um discurso e uma prática que devem permanecer interditadas devido ao mal que podem causar. A prática da masturbação e a manifestação da sexualidade, vistas em um primeiro momento pelo saber religioso como o pecado do homem cometido contra a carne, seu corpo e alma, vão ser capturadas na modernidade pelo campo da medicina sendo vinculadas pelos médicos como a raiz de muitos males, como as doenças corporais e psicológicas. Nesse sentido, elas vão ser compreendidas:

como a raiz possível, ou mesmo a raiz real, de quase todos os males possíveis. [...] é a espécie de causalidade polivalente à qual se pode vincular, e à qual os médicos do século XVIII vão vincular imediatamente, toda a parafernália, todo o arsenal das doenças corporais, das doenças nervosas, das doenças psíquicas. No fim das contas, não haverá na patologia dos fins do século XVIII praticamente nenhuma doença que, de uma maneira ou outra, não decorra dessa etiologia, isto é, da etiologia sexual. (FOUCAULT, 2001, p. 75).

A partir do exemplo dessa figura, a masturbação e a sexualidade podem ser observadas não só como uma conduta que transgride as normativas sociais impostas e vistas como desejáveis em uma sociedade, mas também, a partir delas, todo um processo de patologização de determinadas formas de vida. Conforme aponta Canguilhem (2009, p. 56), “um ser vivo é normal em um determinado meio na medida em que ele é a solução morfológica e funcional encontrada pela vida para responder a todas as exigências do meio.”.

Dessa forma, a noção de normalidade vai se constituir como uma atividade normativa, pois “entende-se por normativo qualquer julgamento que aprecie ou qualifique um fato em relação a uma norma, mas essa forma de julgamento está subordinada, no fundo, àquele que institui as normas. No pleno sentido da palavra, normativo é o que institui as normas.” (CANGUILHEM, 2009, p. 48). Portanto, compreendemos que a normalidade será assim fabricada por normas que serão inventadas por aqueles que nesta época possuem autoridade para instituí-las. Logo, “não existe fato que seja normal ou patológico em si. A anomalia e a mutação não são, em si mesmas, patológicas. Elas exprimem outras normas de vida possíveis. [...] o patológico não é a ausência de norma biológica, é uma norma diferente.” (CANGUILHEM, 2009, p. 59).

Diante do exposto, compreendemos que a noção de normalidade vai ser atribuída aos sujeitos que conseguem incorporar as normas comportamentais e/ou sociais, morais e de saúde impostas pela sociedade como uma forma de vida. Não será somente a obediência a essas normas que permitirá a atribuição da normalidade aos sujeitos. É necessário não só obedecê-las, “[...] mas também produzir e tonar público a verdade sobre si mesmo[...]” (FOUCAULT, 2011, p. 156). Mostrar seu interior, reconhecer-se em equilíbrio com essas normas e incorporá-las como uma verdade sua.

Eis, portanto, a normalidade científica. Conforme mostramos anteriormente, essa noção de normalidade aparece, em um primeiro momento, entre os séculos XVI e XVIII, vinculada aos comportamentos dos sujeitos que estão de acordo com as normas sociais impostas pelos saberes científicos. -Em um segundo momento, no fim do século XVIII, esta noção de normalidade aparece vinculada, também, à intimidade dos sujeitos, que passa a ser capturada pelos saberes científicos e que se encontra em conformidade com as normas impostas por esses saberes. O comportamento e a intimidade dos sujeitos são elementos que compõem estes dois momentos que caracterizam a noção de normalidade científica. Embora mostrem modos distintos de definir a normalidade dos sujeitos, ambos caracterizam a normalidade científica devido à relação de imanência que estabelecem entre si. Dessa maneira, compreendemos que o sujeito normal não será aquele que somente obedece às normas morais e sociais de conduta, mas o que as incorpora, fazendo delas sua forma de vida. Vai ser aquele que é reconhecido cientificamente por possuir uma origem biológica saudável e, ao mesmo tempo, um equilíbrio psíquico que o torna capaz de se autogerenciar, aceitando essas normativas como uma verdade sua.

As formas de normalidade científica que se desenvolveram até o século XVIII apresentavam uma ênfase individual, buscavam explicações nos saberes científicos sobre fenômenos individuais expressados no corpo, no comportamento e na intimidade do sujeito. A partir do século XVIII, na passagem de uma sociedade disciplinar para uma sociedade de seguridade ou de controle, tais fenômenos passam a fazer parte de um novo campo de problematização e se associar ao todo, ao conjunto, à coletividade, e não apenas ao sujeito individual. Isso foi possível devido ao surgimento de um novo tipo de corpo, “um corpo de múltiplas cabeças”, ou seja, da noção de população como um conjunto de pessoas com fenômenos próprios e regularidades sobre as quais novos saberes se tornaram necessários. Passou-se a considerar não só o indivíduo no nível do detalhe, como é possível ver com as disciplinas, mas também os processos biológicos desse corpo-espécie.

Conforme vai se constituindo essa noção de população, torna-se cada vez mais necessário produzir saberes e estratégias que se ocupem dos processos biológicos desse corpo-espécie, “das relações entre essas cabeças, suas aproximações, suas diferenças, suas regularidades.” (VEIGA-NETO, 2011, p. 114). Surge, assim, toda uma preocupação em torno dos fenômenos que são próprios da vida, e ferramentas como o saber estatístico e a medicina social surgem para explicar, nomear, compreender e controlar esse corpo múltiplo e as ações dos sujeitos a partir de cálculos de risco, estimativas e probabilidades. Diante desse contexto, a noção de normalidade se complexifica, tornando-se plural, conforme veremos a seguir.

A NOÇÃO DE NORMALIDADES DIFERENCIAIS

A partir do século XVIII, a noção de normalidade passa a estar associada a uma ciência de Estado, constituída por saberes estatísticos e uma norma flexível, que entra em operação na sociedade de seguridade. Nesse contexto, essa outra noção de normalidade se constitui a partir de dois movimentos contemporâneos importantes que aparecem relacionados a um mesmo fenômeno: o da naturalização das diferenças. O primeiro movimento refere-se à criação e proliferação de normalidades diferenciais, e o segundo movimento concerne à aceitação, à tolerância e ao respeito à diversidade.

Nesse primeiro movimento, relacionado ao fenômeno de naturalização das diferenças, a noção de normalidade passa a se constituir no campo das ciências econômicas e de Estado, por meio da produção de saberes estatísticos sobre a população, e a se deduzir deles. Através de estudos estatísticos, são criados saberes sobre a população que vão mapear regularidades presentes em grupos ou comunidades, produzindo uma espécie de “média normal” para cada um desses grupos. A noção de normalidade estará vinculada, portanto, à média normal de cada grupo, o que permite o desenvolvimento de um processo de criação e proliferação de normas que objetivam não uma distinção e/ou demarcação entre normais e anormais, como percebemos com as disciplinas, mas muito mais uma identificação entre ambos. Logo, entendemos que a norma na sociedade de seguridade vai agir “na pluralização dos modelos que devem ser referência para que todos possam se posicionar dentro de limites locais, e uns em relação aos outros.” (LOPES; FABRIS, 2013, p. 42).

Na sociedade de seguridade, a norma será então estabelecida “no interior das normalidades diferenciais. O normal é que é primeiro, e a norma se deduz dele, ou é a partir desse estudo das normalidades que a norma se fixa e desempenha seu papel operatório.” (FOUCAULT, 2008b, p. 83). Não podemos, dessa maneira, falar em normalidade, considerando a existência de uma norma a priori, mas em normalidades, uma vez que é a partir do apontamento do normal em um determinado contexto e grupo que se tem uma determinação, construção e proliferação das normas. Todos serão, assim, capturados e incluídos de acordo com determinados critérios construídos no interior de grupos sociais. Entendemos, portanto, que a norma vai ser produzida de acordo com as variações dos grupos. Cada um deles pode e cria novas normalidades para atender a determinadas exigências e regras sociais, permitindo que os sujeitos sejam capazes de circularem, fazerem parte e atuarem em diferentes espaços sociais.

Nesse caso, observamos que a ação da norma de seguridade não possibilita apenas uma proliferação das normas, mas também, e podemos dizer que muito mais, uma expansão da própria norma, uma vez que nos processos de normalização “o movimento não parte da norma, mas, ao contrário, faz dela um ‘gradiente’, ou melhor, uma possibilidade de expandir a norma e torná-la flexível para outros enquadramentos que fogem da dicotomia ‘normal/anormal’.” (RECH, 2010, p. 75). Cada sujeito, independentemente de toda e qualquer diferença, portanto, passa a ser incluído em uma posição ou situação diferenciada, de modo a ocupar um lugar na zona de normalidade. Normais e anormais passam, dessa maneira, a ser incluídos em “diferentes níveis de participação ou gradientes de inclusão.” (LOPES et al., 2010, p. 5).

Em uma sociedade de seguridade, as práticas que são postas em operação recaindo sobre os processos de normalização dos sujeitos anormais permanecem existindo, como podemos visualizar na sociedade disciplinar. No entanto, a novidade é que a ênfase dessas práticas não recai apenas sobre esses sujeitos anormais. Para que os anormais ocupem e se mantenham nessa zona de normalidade, é preciso “normalizar os fluxos que podem atrapalhar o desenvolvimento e a articulação interna e externa a eles.” (LOPES et al., 2010, p. 12). Com isso, talvez possamos dizer que a ênfase das práticas em uma sociedade de seguridade recai sobre os processos e as estratégias de subjetivação, agindo sobre os sujeitos normais para promover e efetivar a aceitação da presença do outro. Conforme aponta Rech (2010, p. 75),

[...] o objetivo é fazer com que o indivíduo seja normalizado através da naturalização da sua presença e se enquadre em uma das distribuições permitidas pela curva de normalidade. Falando de outro modo, é necessário que o “anormal” ocupe um lugar nessa curva, a fim de permitir o seu reconhecimento frente a sociedade. Para que esse reconhecimento aconteça de maneira “natural”, a população precisa ser educada para reconhecer esse dito “anormal” e conviver com ele sem estranhamento. O objetivo é torná-la apta para aceitar a sua presença.

A produção dessas normalidades diferenciais não vai ocorrer só pela normalização dos anormais, ou melhor, do seu enquadramento em uma zona de normalidade. Para além de uma demarcação dos sujeitos, como ocorre na sociedade disciplinar, para que o sujeito anormal esteja incluído em diferentes níveis de participação e/ou gradientes de inclusão, é necessário que seja reconhecido pela sociedade, que sua presença seja aceita. Dessa forma, outras intervenções sobre os sujeitos se tornam necessárias, principalmente aquelas que são direcionadas aos normais.

Temos, assim, o segundo movimento relacionado ao fenômeno de naturalização das diferenças, que consiste na aceitação de toda e qualquer diferença. Não se trata mais de corrigir, mas de aceitar. A noção de normalidade na contemporaneidade é constituída, assim, por processos e estratégias que não se restringem apenas em posicionar normal e anormal, mas que incidem sobre os normais de forma a subjetivá-los para a aceitação da presença do outro. Um exemplo disso são os slogans como “ser diferente é normal”, presentes na maior parte dos discursos que se proliferam pela sociedade e que passam a constituir a normalidade no contato com o outro.

Com isso, não queremos dizer que a normalidade deixa de ser adequação a uma regra. Ela continuará sendo determinada por ações que são impostas aos sujeitos. No entanto, na contemporaneidade, não é só isso que constituirá essa nova noção de normalidade, que nomeamos aqui como normalidades diferenciais. O que vai determiná-la também, e podemos dizer que com mais ênfase, serão as estratégias postas em funcionamento, que permitem aos normais desenvolverem ações sobre si mesmos. Diante disso, a noção de normalidade na contemporaneidade não se mostra uma condição permanente, como é possível observar na sociedade disciplinar. Ela deixa de ser imposta, “seu poder se assenta na sedução do indivíduo com promessas de saúde, felicidade, longevidade e beleza.” (MISKOLCI, 2003, p. 124).

Se é possível pensar a construção dessa noção de normalidade plural contemporânea a partir das ações que os sujeitos desenvolvem sobre si mesmos, é devido à existência de um governo econômico que se encontra estritamente relacionado aos princípios neoliberais. No contexto neoliberal, compreendemos que ocorre uma radicalização do campo econômico, ou seja, o corpo social passa a fazer parte desse campo. Trata-se “não de um governo econômico, como aquele que sonhavam os fisiocratas, isto é, o governo tem apenas de reconhecer as leis econômicas; não é um governo econômico, é um governo de sociedade.” (FOUCAULT, 2008a, p. 199).

A partir dos entendimentos de Foucault (2008a), entendemos que o neoliberalismo não se configura somente como uma simples teoria econômica. Os princípios neoliberais vão ser incorporados aos sujeitos, constituindo-se também como um modo de vida, como a “ciência do comportamento humano.” (FOUCAULT, 2008a, p. 306). Aplica-se esse saber em uma análise dos comportamentos, das condutas, enfim, em todos aspectos sociais e afetivos dos indivíduos de uma sociedade. Cada sujeito se torna uma peça importante para o funcionamento do neoliberalismo. Todos precisam ser economicamente ativos, de modo que saibam se autoconduzirem para produzirem ferramentas úteis ao Estado - ou seja, todos precisam ocupar um nível de participação, um gradiente de inclusão, na sociedade.

Diante disso, observamos que as estratégias e os discursos inclusivos se estendem a todo um corpo social, operando também sobre os sujeitos normais com o objetivo de torná-los sensíveis e tolerantes para conviver em uma sociedade onde “os sujeitos passam a ser responsáveis, não só pela gestão de suas vidas, como também pela coletividade [...]”. (HATTGE, 2007, p. 198). Nesse contexto, todos os sujeitos passam a ser, desse modo, uma extensão do Estado, desenvolvendo ações de governamento, de condução das condutas sobre os outros e sobre si mesmos.

As normalidades diferenciais são, nesse sentido, constituídas em “um espaço de fronteiras frágeis, maleáveis e negociáveis de acordo com os desejos dos sujeitos e dos grupos que eles integram.” (LOPES; FABRIS, 2013, p. 45). A partir das determinações de cada grupo, novas noções de normalidade podem surgir e ser reconhecidas como tal. Percebemos que a noção de normalidade, aquela vinculada à sociedade disciplinar, se alarga e abarca uma variedade de tipos e formas construindo a noção de normalidades diferenciais.

A partir desse alargamento da noção de normalidade é que se tem, portanto, o aparecimento da noção de normalidades diferenciais, as diferenças se naturalizam e os processos de aceitação e respeito às diferenças se tornam necessários para o funcionamento da sociedade de seguridade. Portanto, é necessário que os sujeitos normais aceitem, respeitem e se sensibilizem com a presença do outro, da diferença, das múltiplas formas de ser que agora compõem essa noção de normalidade múltipla e alargada. Com este intuito é que se vê na contemporaneidade uma série de estratégias inclusivas produzindo aquilo que Menezes (2010) nomeia como subjetividades inclusivas, que se caracterizam pelos “comportamentos, princípios e modos de vida incumbidos da necessidade de olhar para si e para o outro, em busca de condições de participação (nas práticas sociais, nos grupos sociais, nos espaços sociais) [...]” (MENEZES, 2010, p. 7).

Sendo assim, observamos a não fixidez dos processos que passam a constituir o alargamento da noção de normalidade, dando ensejo à noção de normalidades diferenciais, bem como uma série de discursos e práticas inclusivas que colocam em operação o fenômeno da naturalização das diferenças, tendo por alvo os sujeitos ditos normais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nas discussões e análises apresentadas neste artigo, buscamos mostrar como a normalidade foi sendo produzida e discursos e práticas inclusivas passaram a ter sua ênfase sobre os sujeitos normais. A partir do recuo histórico em que foram selecionados alguns fragmentos históricos de épocas distintas, foi possível identificar três sentidos históricos relacionados à normalidade, que se encontram relacionados com os saberes produzidos ao longo de cada época, os quais são: o ideal transcendental, a normalidade científica e as normalidades diferenciais.

Como foi possível observar, o ideal transcendental se mostra em evidência na Idade Média e é constituído pelos saberes religiosos e/ou divinos, estando vinculado ao corpo e à conduta dos sujeitos. Os que apresentavam um corpo com características físicas frequentes, entendidas pelos saberes religiosos como o corpo natural, e que gerenciavam sua conduta de acordo com os princípios religiosos garantindo a purificação da alma no outro mundo, eram aqueles que correspondiam ao ideal transcendental. Entre os séculos XVI e XVIII, observamos que o ideal transcendental ganha um “status científico”, o que possibilita o aparecimento da noção de normalidade científica. Esta aparece vinculada ao comportamento dos sujeitos e, no fim do século XVIII, também, se mostra relacionada à sua intimidade. Ocupavam o lugar da normalidade aqueles que apresentavam comportamentos em conformidade com as normas morais e sociais e que as incorporavam, fazendo delas sua forma de vida.

Nas análises, vimos que, se foi possível evidenciar tais noções, é porque nos estudos históricos analisados se identificam os desvios e a figura da anormalidade. Diante do exposto, entendemos que normalidade e anormalidade são construções sociais e históricas que foram sendo constituídas de forma correlata, de modo que uma justifica a existência da outra. Ainda, a partir dos estudos analisados, foi possível identificar, ao serem apresentados o ideal transcendental e a noção de normalidade científica, uma ênfase de discursos que explicavam desvios e a anormalidade, bem como a existência de práticas de in/exclusão, que tinham por foco, portanto, os sujeitos anormais.

A partir do século XVIII, a noção de normalidade começa a se complexificar. Associada a uma ciência de Estado, aos saberes estatísticos e a uma norma flexível, que entra em operação na sociedade de seguridade, essa outra noção de normalidade, nomeada como normalidades diferenciais, se constitui a partir de dois movimentos contemporâneos relacionados a um mesmo fenômeno: o da naturalização das diferenças. O primeiro movimento refere-se à criação e proliferação de normalidades diferenciais, e o segundo movimento concerne à aceitação, à tolerância e ao respeito à diversidade. Nesta noção há um alargamento do conceito de normalidade, o normal não ocupa uma condição permanente. Todos transitam entre a zona de normalidade ocupando gradientes de inclusão. Vemos, assim, uma série de discursos e práticas que buscam reconhecer todos os sujeitos e suas diferenças, tendo por ênfase sensibilizar todos - principalmente aquele dito como normal, o mais próximo da zona de normalidade - ao reconhecimento da normalidade plural.

Por fim, destacamos que com este artigo foi possível mostrar como o conceito de (a)normalidade se constitui socialmente e historicamente. Se tomarmos dessa maneira a noção de normalidade por si só, ela não será nada mais que um significado vazio. Enquanto condição, a normalidade não tem sentido e nem significado se não estiver em articulação com uma norma e a sociedade em que se insere. O mesmo vale para o normal. O que é o normal? Ou quem é sujeito normal? Não há essência ou natureza nesses conceitos; a normalidade, assim como o normal, são abstrações, construções e invenções datadas, que se modificam no espaço e no tempo. A normalidade não pode ser entendida como um conceito pré-definido, mas como uma noção na qual vão sendo atribuídos sentidos - provisórios e mutáveis - pelas relações de saber/poder produzidas em cada época histórica e em conformidade com tais relações.

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  • VEIGA-NETO, Alfredo. A ordem das disciplinas Tese (Doutorado em Educação). Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1996. Disponível em: Disponível em: http://hdl.handle.net/10183/131158 Acesso em:10 abr. 2022.
    » http://hdl.handle.net/10183/131158
  • VEIGA-NETO, Alfredo. Incluir para excluir. In: LARROSA, Jorge; SKILAR, Carlos (Orgs. Habitantes de Babel: políticas e poéticas da diferença. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2011. p. 105-118.
  • 1
    Artigo publicado com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq/Brasil para os serviços de edição, diagramação e conversão de XML.
  • 2
    Para compreender a reconfiguração contemporânea do imperativo da inclusão, a que temos assistido nos últimos anos, indicamos: LOCKMANN, Kamila. As reconfigurações do imperativo da inclusão no contexto de uma governamentalidade neoliberal conservadora. Pedagogia y Saberes, p. 67-75, 2019.
  • 3
    Assim como Veiga-Neto (2011, p. 105), tomamos essa palavra emprestada de Foucault (2001), que a emprega “[...] para designar esses cada vez mais variados e numerosos grupos que a modernidade vem, incansável e incessantemente, inventando e multiplicando: os sindrômicos, deficientes, monstros e psicopatas (em todas as suas variadas tipologias), os surdos, os cegos, os aleijados, os rebeldes, os pouco inteligentes, os estranhos, os GLSiii, os ‘outros’, os miseráveis, o refugo enfim”.
  • 4
    Da Idade Média ao século XVIII, o monstro se constituía em um misto. Ele era “[...] o misto de dois reinos, o reino animal e o reino humano: o homem com cabeça de boi, o homem com pés de ave [...] a mistura de duas espécies [...]: o porco com cabeça de carneiro [...] o misto de dois indivíduos: o que tem duas cabeças e um corpo, o que tem dois corpos e uma cabeça [...] o misto de dois sexos: quem é ao mesmo tempo homem e mulher. [...] Enfim, é um misto de formas: quem não tem braços, nem pernas, como uma cobra, é um monstro.” (FOUCAULT, 2001, p. 79).
  • 5
    Conforme se aponta na tese A ordem das disciplinas, na Idade Média “os usos da palavra disciplina pendiam em favor do eixo corporal” (VEIGA-NETO, 1996, p. 112). Em muitas línguas europeias, as disciplinas eram um termo usado para designar “instrumento com que frades e crentes se açoitavam por penitência ou castigo.” (VEIGA-NETO, 1996, p. 112).

DECLARAÇÃO DE CONFLITO DE INTERESSE

  • 6
    Os autores declaram que não há conflito de interesse com o presente artigo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

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