Open-access Um pacto curricular: o pacto nacional pela alfabetização na idade certa e o desenho de uma base comum nacional

RESUMO:

Este estudo objetiva analisar o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) identificando-o como movimento inicial, parte do contexto de discussão e defesa de uma Base Nacional Comum Curricular. Por meio de sua análise, torna-se possível observar o delineamento de elementos que são retomados como argumentos a favor da necessidade dessa base comum: os direitos de aprendizagem como garantia de democratização qualitativa. Busco pôr em evidência e discutir as concepções de currículo, conhecimento e aprendizagem que sustentam o PNAIC, interrogando com o que se propõe pactuar. Para tanto, defendo a compreensão do currículo como articulação/produção de significados, destacando sua dimensão discursiva, em diálogo com os estudos de Ernesto Laclau e Homi Bhabha. Analisar as forças que engendram as disputas de sentidos e as estratégias criadas para hegemonização de um dado sentido se configura como mote para esta análise.

Palavras-chave: Política curricular; Conhecimento; Direito.

ABSTRACT:

This study aims to analyze the National Pact for Literacy at Proper Age (PNAIC - Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa), identifying it as an initial movement, a part of debate and defense of a National Common Curriculum Base. Such analysis makes it possible to observe arising elements that become supporting arguments for such common base necessity: the right to learn as a qualitative democratization guarantee. I seek to highlight and debate the concepts of curriculum, knowledge and learning that support PNAIC, questioning what it proposes as a pact. Therefore, I defend that curriculum must be understood as articulation/production of signifiers, pointing out its discursive dimension, in dialog with both Homi Bhabha's and Ernesto Laclau's studies. The analysis of the forces that engender senses competition as well as the strategies created to hegemonize a particular sense sets the moto of this research.

KEYWORDS: Curriculum policy; Knowledge; Right.

Por uma questão de direito...

Educação como direito: esse é o mote que, com base no que é assegurado e reafirmado desde a promulgação da Constituição Federal (BRASIL, 1988) e asseverado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) 9.394/96, apresenta-se como disparador das discussões e motivador de propostas educacionais que se apresentam contemporaneamente no cenário nacional e que incitam debates.

A educação é direito de todos e há que se assegurar o cumprimento desse direito, ao mesmo tempo que se discute a qualidade da educação. Se a ideia da educação como direito é fato, adensado pela perspectiva da educação como direito humano, há que se questionar o que se entende por direito à educação.

O que temos visto é a ideia do direito à educação numa associação direta entre educação e escolarização e, daí, o entendimento da educação como aprendizagem. Sendo assim, para que o direito à educação, visto nessa perspectiva, seja garantido, há que se delimitar o que aprender e como aprender. Assim, a questão da aprendizagem ganha centralidade, e sua efetivação se desdobra no delineamento pormenorizado, com o acompanhamento e a validação necessários para averiguar se o direito foi garantido ou não, por meio de propostas de avaliação. Tal descrição, ainda que neste momento seja apresentada de forma sintética e superficial, pode ser associada ao que se pretende desenvolver na proposição de uma Base Nacional Comum Curricular para a Educação Básica (BNCC). A mesma descrição não se depreende de uma pseudoinferência, mas de indícios substantivos a partir de ações que se articulam à proposição da BNCC, como as ações do Pacto Nacional para Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), que tem suas discussões iniciadas em 2010-2011 e seu lançamento em 2012, tendo o desenvolvimento do programa se iniciado em 2013, estando em curso em todo o país.

O PNAIC prioritariamente tem suas ações centradas na formação continuada de professores, mas se articula em torno de quatro eixos estruturantes, a saber: ações articuladas entre diferentes instâncias federativas; formação; avaliação; e elaboração de materiais pedagógicos - o que tenho argumentado (FRANGELLA, 2014; 2015 ) que se delineia como política pública curricular.

Uma das discussões centrais que se coloca no PNAIC e que se apresenta como argumento de defesa e, ao mesmo tempo, fundamento com base no qual se desdobra a organização do material é a questão do direito à aprendizagem. Discutir a concepção de "direito" em que se assentam as proposições e, daí, a articulação discursiva que vai significando "currículo" e "conhecimento" é o foco das análises desenvolvidas neste artigo, o que permite o desdobramento da problematização em torno da BNCC.

Educação e direito: igualdade com horizonte?

A centralidade do direito à aprendizagem desdobra-se de uma assertiva praticamente inquestionável: o direito à educação. Se há um consenso praticamente inegável em torno disso, há que se questionar os sentidos de "direito" e "educação" que se defendem. McCowan (2010) problematiza a questão ao expor que, se há a defesa pelo direito à educação e é desejável que essa perspectiva exista, há também pontos problemáticos que envolvem a discussão: a identificação da educação com escolaridade; a restrição do direito absoluto para o nível elementar; e a falta de discussão sobre as formas assumidas pela educação.

Assim, se a educação é um direito humano, isso se desdobra em direito à aprendizagem? Segundo McCowan (2015), em língua inglesa, as justificativas para afirmação do direito à educação se dão como base em dois elementos: socialização e autonomia. A socialização incide sobre o bem-estar, os conhecimentos necessários ao se estar no mundo e a convivência com o outro; e a autonomia refere-se à agência, à possibilidade de deliberação, o que, acrescenta o autor, compõe-se também de componentes duais: compreensão e ação ética.

Diante disso, a complexidade do entendimento do que significa "direito à educação" se expande. Se, por um lado, evidencia-se o direito à aprendizagem como parte integrante da defesa pelo direito à educação, a aprendizagem por si só não assegura outras dimensões do direito à educação como direito humano. A aprendizagem alinha-se à ideia de escolarização; sobre isso, o autor adverte acerca da identificação educação/escolaridade como reducionista e falaciosa.

Isso porque, mesmo o direito à educação sendo defendido como direito humano, e daí o entendimento de que esse direito é unívoco e universalmente válido, é preciso questionar os discursos da universalidade, da igualdade e do consenso (FRANGELLA; RAMOS, 2013) que se alinham à ideia de direito reduzido à escolarização. Vista dessa forma, a ideia de universalidade corresponde a uma perspectiva de igualdade como horizonte democrático. Contudo, como advertem Butler e Laclau (2008, p. 411), "dependendo das circunstâncias, a igualdade pode conduzir ao reforço ou debilidade das diferenças". McCowan (2015, p. 30, tradução nossa) indica características para que a educação seja entendida como direito humano e, entre elas, destaca:

O direito à educação é um direito aos processos educativos, ao invés de ingressos ou resultados. Em particular, há problemas com a associação do direito com o acesso à escolarização. Além disso, o direito à educação não pode estipular resultados universais de aprendizagem, considerando os diversos valores envolvidos, a imprevisibilidade da educação e a necessidade da espontaneidade e da liberdade na aprendizagem. As pessoas têm o direito de participar de processos significativos de aprendizagem.

Penso ser esse um questionamento contundente frente à lógica impressa na ideia de direito à aprendizagem que tem sido vinculada às proposições acerca da formulação de propostas curriculares e de formação que temos acompanhado.

A ideia de direito à aprendizagem como fundamento das propostas de políticas educacionais focalizadas mostra claramente a centralidade que o conhecimento ocupa nessa discussão. A associação direta entre conhecimento e aprendizagem reduz o entendimento do direito à educação, secundarizando a dimensão formativa que incide sobre a agência; nessa linha, a ideia de direito à aprendizagem se desdobra no dever da escola de ensinar. Sem dúvida, cabe à escola a atividade de ensino, mas reduzir a educação à dimensão de ensino de conteúdos indubitavelmente implica o estreitamento do sentido de educação ao de ensino, que não podem ser entendidos como equivalentes. Macedo (2012, p. 179) adverte: "Assumindo que sem diferença não há educação, defendo que a escola, para educar, precisa colocar o ensino sob suspeita. Se isso não significa deixar de ensinar, pelo menos, retirar o ensino do centro nevrálgico da escola".

A tomada do conhecimento como marcador conceitual que baliza a proposição de políticas públicas que, sob o foco da aprendizagem e, daí, do ensino, abrem caminho para uma centralização curricular a partir da definição do que é um direito de aprendizagem - no caso analisado, a partir da proposição do PNAIC -dá-se no entendimento do direito que se desdobra em objetivos de aprendizagem. Alferes e Mainardes (2014) chamam atenção para o uso da ideia de direitos de aprendizagem como substituição de "expectativas de aprendizagem", expressão que aparece nas Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental e cujo conceito é contestado, tal como se pode observar em documento-síntese do "Congresso Internacional - Educação: uma agenda urgente", realizado em Brasília em 2011, pela organização Todos pela Educação, que tem sido voz importante nessas discussões, em parceria com o Conselho Nacional de Educação. No documento "Definição da expectativas da aprendizagem - textos para consulta"1, entre defesas e recusas na discussão sobre a necessidade de expectativas de aprendizagem, elas são elencadas sempre vinculadas a uma necessária definição precisa que possa orientar que essas expectativas sejam atendidas. É afirmado:

A princípio, queremos sugerir que o termo utilizado não seja o de expectativas mínimas de aprendizagem. Precisamos buscar definir uma base comum nacional para as expectativas de aprendizagem, que contemple parâmetros curriculares, conteúdos e orientações didáticas necessárias para que essas expectativas sejam alcançadas com eficácia. (DANNEMANN, 2011, p. 2)

Nessa linha, o que se revela é a discussão que busca observar o princípio norteador da definição das expectativas, e, de diferentes formas, isso é remetido às necessidades básicas de educação e aprendizagem, termos cujas definições são dificultadas pela falta de clareza quanto à indicação de conteúdos comuns - de uma base comum. Atrela-se a isso que, para que as expectativas, de fato, efetivem-se, há que se garantir equidade, vista como igualdade:

Equidade para haver qualidade: se a qualidade deve ser oferecida a todos os alunos, a equidade exige que os educadores dominem conhecimentos, métodos e tecnologias que lhes permitam atender de modo eficaz e eficiente aos que partem de diferentes realidades, garantindo a todos oportunidades iguais. (NEVES, 2011, p. 2)

Dessa forma, garantir equidade é garantir direito à aprendizagem. Assim, as expectativas de aprendizagem transmutam-se em direitos sem que haja uma alteração naquilo que indicam - os objetos de ensino e os objetivos de aprendizagem. Contudo, há, sem dúvida, um deslizamento de significação, uma vez que, ao se deixar de considerar como expectativa, que traz em si uma ideia de probabilidade, ainda que de algo viável de efetivação, mas que implica espera, como direito, passa-se à necessidade de normatização, legitimando formas adequadas de se alcançar a sua efetivação. Nas palavras de Bobbio (2004, p. 8), "não há direito sem obrigação; e não há nem direito nem obrigação sem uma norma de conduta".

Não assegurar a aprendizagem é infringir o direito do estudante, direito aqui alinhado à igualdade. Butler e Lacla (2008, p. 408) permitem problematizar essa significação ao discutirem o uso do significante "igualdade":

Não só creio que estas duas noções {diferença e igualdade} não são incompatíveis, mas também acrescentar que a proliferação das diferenças é pré-condição para a expansão da lógica da igualdade. Dizer que duas coisas são iguais - quer dizer, que são equivalentes entre si em alguns aspectos - pressupõe que são diferentes entre si em alguns outros aspectos (de outro modo, não falaríamos de igualdade, mas de identidade). A igualdade no campo político é um tipo de discurso que intenta expressar as diferenças; é, se preferir, uma maneira de organizá-las.

Porém, na leitura do documento sobre os Direitos de Aprendizagem (BRASIL, 2012a) e de outros com os quais se relaciona, como o PNAIC, a igualdade vista como horizonte implica que a diferença seja subsumida, num ideário de democracia que se ampara numa ideia de uniformização como via para equidade. O comum ressaltado a ser partilhado acaba se revertendo no homogêneo, que se põe em relação antagônica com a diferença. O alinhamento de direito à igualdade se desdobra aqui em normatização, que busca, na determinação de uma forma fixa de conteúdos/procedimentos/objetivos, garantir direito/igualdade. Assim, unificar objetos de conhecimento e procedimentos no seu trato é apontado como caminho. Seria esse caminho democrático?

Partilho com Laclau e Mouffe (200) a ideia de que o terreno político é atravessado pela contingência e esta é condição mesma para a produção de projetos democráticos. Ao trazer a ideia de contingência, remeto-me à lógica de liminaridade e de indeterminação em que se encena a luta política como processo de negociação e complexa significação, o que se dá marcado pela alteridade. Conceber alteridade não como múltiplo - ou, dito de outra forma, muitos do mesmo - implica conceber a diferença não como algo a ser eliminado, mas como articuladora do momento intersubjetivo que permite a agência. Se, segundo Laclau (2011), é possível pensar a agência em termos de decisão que se dá no terreno do indecidível, é a contingência a temporalidade do indecidível, e, nesses termos, valho-me do argumento de Bhabha (2003, p. 259) para afirmar que a agência

{...} negocia sua própria autoridade através de um processo de descosedura iterativa e religação insurgente. Ele singulariza a totalidade da autoridade ao sugerir que a agência requer uma fundamentação, mas não requer que a base dessa fundamentação seja totalizada; requer movimento e manobra, mas não requer uma temporalidade de continuidade ou acumulação; requer direção e fechamento contingente, mas nenhuma teleologia e holismo.

Assim, o que busco argumentar não se trata de refutação absoluta e polarização entre universalidade, significada a partir da noção de direito, e particularismos, entendido como enfoque subjetivista e relativista. Ancorando-se nas teorizações de Laclau e Mouffe (2004), não se trata aqui de considerar universalismo/particularismo como lógicas opostas e excludentes; os autores defendem que são dimensões que se interconectam, e sua imbricação é fundamental. Desse modo, rechaçam a visão dicotômica e polarizada entre universalidade e particularismo, como analisa Norval (2008), e apontam para além da dicotomia entre consenso e dissenso. O horizonte democrático se prefigura na tensão constante entre universal-contingente-particular, nesse entretempo, dimensão intervalar de "ancoramento dos significantes" (BHABHA, 2003, p. 259).

Questiono: é possível antever a possibilidade de negociação no que vem sendo defendido como direito? E aqui reafirmo: trata-se de questionar a ideia de direito à aprendizagem, e não de direito à educação, o que implica pensar a complexidade da ação humana, incluindo aí a agência. Ao problematizar o direito à aprendizagem como fundamento, faço-o também na discussão do próprio questionamento do sentido deste fundamento. Bobbio (2004), nas análises histórico-filosóficas da constituição dos direitos do homem, no que chama de era de direitos, discute se um fundamento absoluto é possível e, caso o seja, se seria desejável. Nessa linha argumentativa, o autor diz:

Da finalidade visada pela busca de fundamento, nasce a ilusão do fundamento absoluto - ou seja, a ilusão de - de tanto acumular e elaborar razões e argumentos - acabaremos por encontra a razão e o argumento irresistível, ao qual ninguém poderá recusar sua própria adesão. {...} Diante do fundamento irresistível, a mente se dobra necessariamente, tal como o faz a vontade diante do poder irresistível. O fundamento último não pode mais ser questionado, assim como o poder último deve ser obedecido sem questionamentos. Quem resiste ao primeiro se põe fora da comunidade de pessoas racionais, assim como quem se rebela contra o segundo se põe fora da comunidade das pessoas justas e boas. (BOBBIO, 2004, p. 16)

A partir disso, o autor discute sobre a busca do fundamento absoluto ser infundada e sobre a impossibilidade de uma noção precisa, advertindo que essa busca não é só ilusão; muitas vezes, serve de pretexto para a defesa de posições conservadoras.

O que se destaca é a ideia de que o direito se assenta num fundamento. No caso posto em análise, o direito à aprendizagem tem como fundamento, a partir de uma noção de equidade como igualdade, o acesso aos conhecimentos. Daí se depreende uma noção de conhecimento como algo fixado, dado e validado e que, assim, prescinde de justificativas e/ou validações outras que indiquem sua relevância e pertinência - são os conhecimentos o fundamento absoluto? Que conhecimentos? Tais perguntas, na direção que a discussão toma, são cabíveis?

PNAIC: caminho para uma base comum?

Cabe esclarecer que, ao focalizar na análise o PNAIC, entendo-o como instituinte de políticas curriculares, num movimento de duplicação, assinalado pelo e. Não se trata "nem de um nem de outro" (BHABHA, 2003), mas de algo a mais, duplificado nos termos que expõe Bhabha (2003): a duplicação do significante marca o lugar da ambivalência, de uma presença adiada - uma presença por meio da ausência, ambivalente na duplicidade da iteração.

Laclau (2011) chama atenção para a iteração como parte da operação hegemônica, numa duplicação da dimensão de repetição e deslocamento de sentido, que, numa perspectiva derridiana, compreende a iteração não como continuísmo, mas como processo aditivo; repetição numa pluralidade de instâncias, que, num vazio progressivo, articula essas iterações numa formação hegemônica.

A tomada do PNAIC para análise se justifica por este ser apresentado como ação estratégica no âmbito da formulação de políticas educacionais para o Ensino Fundamental, pela sua extensão, sua abrangência e seu movimento de adesão: os dados fornecidos pela Secretaria de Educação Básica (SEB) do MEC afirmam que estão envolvidos no programa 317 mil professores alfabetizadores, 15 mil orientadores de estudo, 5.420 municípios, 38 universidades públicas nos 26 Estados e no Distrito Federal. Vimos serem desenhados no PNAIC elementos que estão sendo postos em pauta nas propostas de formulação das BCCNs, entre elas, a tomada dos direitos de aprendizagem como eixo articulador das proposições feitas. Isso fica claro na portaria que institui o PNAIC, em que se definem:

Art. 2 Ficam instituídas as ações do Pacto, por meio do qual o MEC, em parceria com instituições de ensino superior apoiará os sistemas públicos de ensino dos Estados, Distrito Federal e Municípios na alfabetização e no letramento dos estudantes até o final do 3o ano do ensino fundamental, em escolas rurais e urbanas, e que se caracterizam: .

I - pela integração e estruturação, a partir do eixo Formação Continuada de Professores Alfabetizadores, de ações, materiais e referências curriculares e pedagógicas do MEC que contribuam para a alfabetização e o letramento;

II - pelo compartilhamento da gestão do programa entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios;

III - pela garantia dos direitos de aprendizagem e desenvolvimento, a serem aferidos nas avaliações externas anuais.

{...}

Art. 5 As ações do Pacto tem por objetivos:

{...} V - construir propostas para a definição dos direitos de aprendizagem e desenvolvimento das crianças nos três primeiros anos do ensino fundamental. (BRASIL, 2012a)

Os direitos de aprendizagem são apresentados através do documento Elementos conceituais e metodológicos para definição dos direitos de aprendizagem e desenvolvimento do Ciclo de Alfabetização" (BRASIL, 2012b). Como o mesmo contextualiza:

Este documento faz parte essencial de uma política de governo que está consubstanciada na MP No 586/2012 que foi anunciada pela Presidente da República no mesmo dia do lançamento do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, em novembro de 2012 com a assinatura de adesão de 5240 municípios e dos 27 estados da federação. (BRASIL, 2012b, p. 7, grifo do original)

A articulação entre as apresentações do PNAIC e do documento acima citado explicita a tônica que se imprime ao próprio PNAIC e afirma a centralidade do conhecimento e em que concepção esse conceito se assenta - daí o entendimento de que se trata de ocupar-se do ensino como via para qualificação da educação, o que é indicado na breve síntese apresentada no próprio documento:

O presente documento esta organizado em duas partes que contemplam os fundamentos Gerais do Ciclo de alfabetização, bem como os Direitos e Objetivos de aprendizagem e desenvolvimento por área de conhecimento e componente curricular de Língua Portuguesa que se consubstanciam na aprendizagem das crianças de 6 a 8 anos.

A primeira parte trata do contexto atual do movimento curricular no Ensino Fundamental e do conceito de aprendizagem como direito humano. Defende ainda a concepção de infância como universo singular dessa aprendizagem, tendo o currículo e o ciclo continuo de aprendizagem desses direitos. Tais conceitos são fundamentais para orientar essa trajetória, tendo em vista a avaliação e suas diferentes possibilidades de garantia dos direitos.

Na Segunda Parte, cada área de conhecimento e o componente curricular de língua portuguesa definem seus direitos de aprendizagens, os eixos que estruturam esses direitos e os diversos objetivos de aprendizagem de cada eixo, num rol que compõe cerca de 30 direitos, 20 eixos estruturantes e 256 objetivos de aprendizagem.

Tem-se como próxima tarefa do MEC, após a aprovação pelo CNE, a elaboração de cadernos metodológicos que produzam reflexões de práticas sobre como efetivar os objetivos de aprendizagem nas milhares de salas de aula de todo território nacional.

Sob a responsabilidade do MEC, o documento recebe agora o abrigo no CNE para nele ser analisado, debatido e normatizado. Lembrando que como texto de referência, e passível de ampliação depois de submetido às diversas vozes que ainda serão incluídas. Pretende-se assim recuperar os tantos anos desta divida histórica de ter nossas crianças e jovens totalmente alfabetizados. É dívida, e direitos de todos, obrigação do Estado e compromisso da sociedade. (BRASIL, 2012b, p. 8-9, grifo do original)

Ou seja, a definição dos direitos se desdobra na indicação de objetivos e seus conteúdos relativos, mas, para assegurar a garantia de direitos, há que se ter a indicação de o que fazer para atingir isso - modalizando as formas de ensino com definição de procedimentos metodológicos.

Assim, observa-se a clara vinculação entre a formulação dos direitos à aprendizagem e a produção do PNAIC, figurando a primeira como fundamento a partir do qual se desdobra a segunda:

Como consequência desse intenso trabalho colaborativo, este documento contém a definição de Direitos e Objetivos de Aprendizagem e Desenvolvimento para o Ciclo de Alfabetização. Os princípios e pressupostos fundamentais são aprofundados nos Cadernos de Formação do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, havendo, portanto, profunda articulação entre os pressupostos explicitados no presente documento e os textos inseridos no material do Pacto Nacional para a Alfabetização na Idade Certa, que será disponibilizado pelo MEC para orientar a prática docente a partir de 2013. (BRASIL, 2012b, p. 17)

Dessa forma, o que fica evidenciado é como os direitos à aprendizagem, expressos em forma de objetivos de aprendizagem, são orientadores do trabalho a ser desenvolvido no âmbito do PNAIC, e isso se consubstancia na própria organização da proposta de trabalho, tal como está exposto no Caderno de Formação de Professores (BRASIL, 2012c, p. 24-25) na apresentação da estrutura da formação no Pacto Nacional pela Alfabetização da Idade Certa:

Quadro 1
A estrutura da formação no Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa

Quadro 1
(Continuação) - A estrutura da formação no Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa

Na leitura do quadro, é possível perceber a articulação entre direitos, currículo, conhecimento. Há na estrutura apresentada uma clara ênfase na definição de um currículo, bem como o entendimento deste em termos de operacionalização dos objetivos formulados, indicados a partir dos direitos. Sendo assim, como direito, há um deslocamento de significação e que permite o entendimento de que:

O presente documento, relativo aos Direitos e Objetivos de Aprendizagem e Desenvolvimento, por conseguinte, não é uma proposta de currículo, mas é um marco na busca da articulação entre as práticas e as necessidades colocadas pelo cotidiano da escola. É uma proposta de delimitação de princípios básicos relativos aos direitos dos estudantes, que possa trazer mais subsídios para os gestores dos sistemas, em diferentes instâncias, em suas práticas de criação objetivas de ensino e aprendizagem nas escolas e para os professores planejarem situações didáticas que favoreçam as aprendizagens, considerando, para isso, os objetivos do ensino; as situações de interação de que os estudantes participam e as de que têm direito de participar; os conhecimentos e habilidades que já dominam e os que têm direito de dominar. (BRASIL, 2012b, p. 29)

Dito isso, ainda que os direitos não tragam de forma direta uma proposição curricular, significam o currículo de forma incisiva naquilo a que ele compete: delineamento de formas de ensinar/aprender, planejamento para a consecução dos objetivos. Sem duvida, essa é uma dimensão importante e que não pode ser esmaecida no desenvolvimento de propostas curriculares, contudo, o que se discute é que, ao focalizar apenas essas dimensões, o que se depreende é um sentido de currículo numa perspectiva técnico-instrumental, segundo a qual o arranjo adequado de questões procedimentais e a organização precisa desses movimentos podem garantir o desenvolvimento do trabalho pedagógico. Assim, aprender é uma questão em que fatores exógenos são preponderantes, e esses são marcados por questões técnicas. E as dimensões contextuais do processo ensino-aprendizagem? Ressalte-se que:

Desse modo, os conhecimentos produzidos na esfera da ciência e em outras esferas de construção de saberes que circulam na escola sofrem alterações (simplificações, recortes) no processo escolar, a fim de garantir que haja progressão na aprendizagem, continuidade, reflexão e sistematização. Os conhecimentos, portanto, transformam-se em conteúdos escolares. É necessário, no entanto, que neste processo de transformação haja vigilância para não se perderem as referências das esferas extraescolares. Os conteúdos devem ser encarados como objeto de aprendizagem, mas precisam ser apropriados em situações o mais similar possível das práticas extraescolares. Nessa perspectiva, há (sic.) que se observar diferentes formas de organização e de relação com o saber e, mais especificamente, com o saber escolar. Há que se observar, sobretudo, a existência de currículos de diferentes concepções acerca do que ensinar e de como organizar as situações didáticas. (BRASIL, 2012b, p. 29)

Afirma-se que a organização das situações de ensino e aprendizagem deve ser feita com clareza e precisão:

A reflexão em curso, no âmbito do Ministério da Educação, a partir dos resultados das avaliações em larga escala - Provinha Brasil, Prova Brasil, ENEM e SAEB - e da elaboração do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa e em vista das demandas dos professores para uma maior clareza e precisão sobre o para que ensinar, o que ensinar, como ensinar e quando ensinar, tem levado os dirigentes do Ministério a elaborar e produzir documentos que explicitem os Direitos e Objetivos de Aprendizagem e Desenvolvimento dos estudantes. (BRASIL, 2012b, p. 14-15)

Conhecimento vai sendo entendido como conteúdo a ser ensinado, como dado fixo e estável e que permite observar que a discussão acerca da sua inserção no processo de ensino-aprendizagem pode ser discutida em termos de manejo, de pensar formas adequadas de transmissão.

Observando os nexos estabelecidos entre direitos/currículo e conhecimento, na análise do material do PNAIC, tomando a Unidade 1, que trata de "Currículo na Alfabetização: concepções e princípios" (BRASIL, 2012d), a discussão sobre currículo é feita de forma tangencial, tendo como referência o material elaborado pelo MEC Indagações sobre currículo (BEAUCHAMP; PAGEL; NASCIMENTO, 2007). Deste é destacado:

a discussão sobre currículo envolve diferentes aspectos, tais como os conhecimentos escolares, os procedimentos e as relações sociais que conformam o cenário em que os conhecimentos se ensinam e se aprendem, as transformações que se deseja efetuar nos alunos, os valores que se deseja inculcar e as identidades que se pretende construir. Os autores, ao falarem sobre currículo, se referem a "experiências escolares que se desdobram em torno do conhecimento, em meio a relações sociais, e que contribuem para a construção das identidades de nossos/as estudantes". (BRASIL, 2012d, p. 7)

Assim, o debate sobre currículo aparece em meio a argumentações sobre a trajetória da alfabetização, as concepções de alfabetização e a necessária organização de um currículo com base em tais concepções, que, segundo o fragmento destacado, articulam-se em torno da definição de que aprendizagens devem ser garantidas e como agir para que isso se efetive. Ainda que, na leitura do material Indagações sobre currículo (BEAUCHAMP; PAGEL; NASCIMENTO, 2007) sejam também destacados a perspectiva de que os currículo sejam culturalmente orientados e os vínculos entre currículo e cultura, na sequência do volume, ao tratar das concepções de alfabetização, o subtítulo dessa seção indica "O que ensinar no ciclo de alfabetização", apontando o caminho que é traçado na articulação currículo/alfabetização, o que se evidencia na afirmação:

É preciso, portanto, a definição de direitos de aprendizagem relacionados aos diferentes eixos do ensino da Língua Portuguesa a serem desenvolvidos ao longo dos três primeiros anos do Ensino Fundamental, tal como os que são sugeridos no primeiro fascículo do material do Programa Pró-Letramento, que propõe um conjunto de capacidades a serem desenvolvidas pelos alunos dos três primeiros anos do Ensino Fundamental. Outro exemplo de proposição de direitos de aprendizagem pode ser visualizado na seção Compartilhando deste caderno. O principal objetivo dessa proposição é que tal exemplo possa servir de ponto de partida para a discussão, em cada município, acerca de conhecimentos e capacidades que possam ser propostos nos documentos oficiais que orientam o trabalho nas escolas. (BRASIL, 2012d, p. 22)

Nesse momento é colocado que a definição desses direitos seja dialogada e contextualmente feita, contudo, na leitura do conjuntos dos cadernos do PNAIC e mesmo do documento acerca dos Direitos de Aprendizagem (BRASIL, 2012b), esses estão definidos e são os fundamentos para o trabalho a ser desenvolvido na âmbito da formação. Retomando a própria definição do PNAIC, apresentada na portaria que o institui, e os indícios observados na leitura do material, é perceptível como o PNAIC articula-se a um movimento maior de formulação de uma Base Nacional Comum Curricular, além de a formação de alfabetizadores no âmbito do pacto constituir referências curriculares para a alfabetização, abrindo caminho para reflexões e ações que possam se desdobrar de forma generalizada para outros anos/etapas da educação básica.

Esse currículo comum, no alinhamento entre currículo/conhecimento/direito/avaliação, implica o entendimento do comum como único, uma vez que se articula a observância de garantia de direitos, e esses serão aferidos a partir da realização de avaliações universais, no caso, a Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA), também criada concomitante e articuladamente ao PNAIC.

Tendo em vista essa abordagem de progressão da aprendizagem no Ciclo de Alfabetização, este documento apresenta Objetivos de Aprendizagem organizados em torno de Eixos Estruturantes. Esses Eixos, por sua vez, foram concebidos para garantir os Direitos de Aprendizagem e Desenvolvimento que compõem cada Área de Conhecimento e o Componente Curricular Língua Portuguesa. Para cada Objetivo de Aprendizagem, nesta proposta, o professor encontrará uma escala contínua de desenvolvimento I/A/C a ele relacionado. Estas letras que aparecem ao lado de cada Objetivo de Aprendizagem indicam a progressão esperada durante o desenvolvimento da criança no Ciclo de Alfabetização.

Essa progressão possibilita que o planejamento da escola seja processualmente avaliado, uma vez que se tem a possibilidade de acompanhar o desenvolvimento ao longo dos três primeiros anos, garantindo assim que tais objetivos sejam assegurados pela escola. (BRASIL, 2012b, p.21-22)

Assim, o que se observa nesse enredamento é a busca pela precisão e pela clareza, possível também a partir da definição dos conteúdos da aprendizagem, garantidos como direitos.

A centralidade do conhecimento como chave de significação para o que se entende por currículo fica mais evidente na Unidade 1 do ano 2 (BRASIL, 2012e). O primeiro caderno de formação intitula-se "Currículo no ciclo de alfabetização: consolidação e monitoramento do processo de ensino e de aprendizagem". Nesse há uma discussão que se volta para a busca de definir o sentido de currículo que se defende no âmbito do PNAIC. Já no primeiro texto do volume, afirma-se:

A função da escola vem se ampliando à medida que o direito à educação se alarga, considerando-se as individualidades e subjetividades, na perspectiva que busca formar sujeitos comprometidos eticamente com a justiça, a solidariedade, a paz. Mas, considerar essas aprendizagens relativas aos valores éticos não implica desconsiderar os conteúdos escolares.

No documento "Indagações sobre o currículo", Moreira e Candau (2007)2 apontam a necessidade atual de recuperar o direito do estudante ao conhecimento. Recupera, portanto, os vínculos entre cultura, currículo e aprendizagem.

Ao concebermos a educação como um direito, somos impelidos a pensar na inclusão como princípio de organização do currículo. Significa considerar a necessidade de que todos estudantes tenham acesso ao conhecimento e avancem nas suas aprendizagens. Para isso, é primordial a consideração dos direitos de aprendizagem como um compromisso social, de modo a garantir que até ao 3º ano do Ensino Fundamental todos estejam alfabetizados. (BRASIL, 2012e, p. 6)

Dito isso, passa-se, então, a expor como essa compreensão se desdobra numa proposição curricular, enunciada aqui em termos de organização do espaço-tempo da aprendizagem e de sua submissão ao fundamento absoluto (BOBBIO, 2004): o direito à aprendizagem.

Ao elaborar a proposta curricular do ciclo de alfabetização, é preciso tomar decisões básicas que envolvem questões relacionadas a "o que", "para que" e ao "como" ensinar articuladas ao "para quem". Tais questões estão atreladas ao conteúdo, às experiências, aos planos de ensino, aos objetivos, aos procedimentos e processos avaliativos.

De acordo com Veiga (2006) 3, essas decisões estão relacionadas à (i) relevância do conteúdo (devemos saber que ele não é neutro, e sim marcado pelo interesse das diferentes classes sociais); (ii) intencionalidade (é necessário definir a intencionalidade para alcançar a finalidade em função dos objetivos); (iii) tipo de conteúdo, pois esse deve ser significativo e crítico (é preciso privilegiar a qualidade desses conteúdos, e não a quantidade de informações, e ainda, a seleção desse conteúdo deve estar relacionada com a realidade social dos alunos). (BRASIL, 2012e, p. 9)

O que se percebe é que o que se discute, num arranjo de forma apenas, é como organizar o ensino no processo de alfabetização. Ainda que essa ideia de currículo se projete assentada numa perspectiva de letramento, baseada em práticas sociais de leitura e escrita, ultrapassando em sua conceituação e discussão a lógica instrumental do aprender a ler e escrever, e sejam ressaltados elementos importantes - como a singularidade da infância -, a necessidade de remeter a práticas extraescolares, à diversificação de material, ao silenciamento em torno do conhecimento tomado como dado e sua uniformização em nome da igualdade leva a uma perspectiva em que a discussão curricular se encerra na gradação da aprendizagem e em decisões de caráter metodológico. É correto despolitiza-se uma discussão importante ao caracterizar o conhecimento como unidade fixa e estável, abrindo espaço, inclusive, para uma hierarquização entre aqueles conhecimentos dignos de ser ensinados, cuja aprendizagem deve, portanto, ser assegurada a todos como direito? E os outros conhecimentos? Aliás, há espaço para outros?

Ao questionar a centralidade do conhecimento, não o faço no sentido de negação da importância dessa discussão no debate curricular, mas ponho sob suspeita uma autoridade epistemológica que, sob o manto do científico que qualifica o conhecimento, diferencia-o e normaliza-o, esvaziando a discussão a seu respeito, no que entendo como um movimento de despolitização. Politizar permite compreender o conhecimento como algo que ocorre na permanente luta política por meio da qual sentidos provisórios são instituídos, cedem espaço à diferença e permitem a relação com o conhecimento, não como um fim a ser alcançado, definitivo e universal, mas como expressão dessa disputa hegemônica processual, cujo horizonte é sempre incompleto.

Não é o conhecimento, adjetivado como científico ou não, também produção político-cultural? Penso que o conhecimento é uma forma de institucionalização de um discurso, o que implica entender sua produção em meio à luta política. A dimensão cultural do conhecimento é passível de ser discutida em diálogo com Bhabha (2003), quando analisa a produção de uma autoridade para diferenciar na análise da cultura. Discute, a partir daí, a ambivalência provocada pela incerteza, pela cisão, que "não é nem a contestação dos contraditórios nem o antagonismo da oposição dialética" (BHABHA, 2003, p. 188). O autor argumenta que, a partir da análise do contexto colonial - que põe lado a lado, como campos opostos, culturas pré-constituídas, e, ao mesmo tempo, cria estratégias normalizantes, as quais, por meio de uma autoridade cultural, permitem generalizações -, abre-se espaço para o movimento ambivalente, que implica uma parcialidade na incorporação da cultura nativa e outra parte que é incognoscível, numa inscrição dupla que emerge como incerteza e abala a autoridade da cultura.

As análises do PNAIC como caminho para as BCCNs podem ser endossadas pelas proposições apresentadas no documento "Pátria Educadora: a qualificação do ensino básico como obra de construção nacional" (BRASIL, 2015). Um dos eixos dessa construção nacional é a reorganização do paradigma curricular e dos modos de ensinar e aprender, o que se concretizaria com o estabelecimento das BCCNs. Sobre isso afirma-se:

O currículo como sequência de capacitações: sequência padrão e sequências especiais. O Currículo Nacional deve ser, portanto, organizado como sequência de capacitações, adquiridas e exercitadas em campos variáveis, sob o signo da primazia de aprofundamento sobre abrangência, à medida que o ensino médio avança para seus degraus superiores. (Exemplo interessante de esforço neste sentido é o currículo nacional australiano.) (BRASIL, 2015, p. 10-11)

Tanto a sequência curricular padrão como as sequências especiais precisam ser encarnadas em rico repertório de protocolos disponibilizados aos professores. Os protocolos darão exemplos práticos e pormenorizados de como liderar cada aula em cada disciplina. Substituirão o livro didático na imprópria função de servir como guia curricular residual. (BRASIL, 2015, p. 11)

Se antes não é clarificada a concepção de "currículo" que perpassa as proposições feitas, os extratos destacados permitem inferir o caráter de previsibilidade e preditividade que se atrela à qualificação do ensino - um controle pormenorizado das ações que garantiriam e validariam os resultados, que permitiriam com mais precisão a correção de desvios.

A ideia de organização curricular apresentada incorre na homogeneização, com a proposição de protocolos, de definições que deixariam a escola e seus professores no papel de fazer adaptações, ajustes na execução. As sequências podem ser lidas como formas de planejamento e organização das ações pedagógicas sem pôr em debate, em si, o que se planeja e organiza - os conhecimentos são dados e respaldados em sua proposição pelo direito à aprendizagem, direito inequívoco e, assim, inquestionável.

O que tal centralidade do conhecimento e a articulação conhecimento/direito trazem para pensarmos o currículo?

Essa é a questão que, em diferentes esferas, é necessário trazer à baila, mobilizando o debate acerca de que significado preenche o "comum" que qualifica a base: o uno/homogeneizado? Quem discute o que é comum? Comum a quem?

Fora isso, em meio à defesa pelos direitos, penso ser importante pensar que os direitos devem, sim, ser assegurados, mas pensados não sob uma forma reducionista e pragmática. Assim, mais que direito à aprendizagem, é preciso vislumbrar o direito à educação, que, embora englobe a dimensão instrucional, não se limita a ela. Nesse sentido, penso que é preciso defender direitos não pela metade, mas como sugere a composição de Antunes, Frommer e Britto (1987):

Bebida é água! Comida é pasto! Você tem sede de quê? Você tem fome de quê? A gente não quer só comida A gente quer comida, diversão e arte A gente não quer só comida A gente quer saída para qualquer parte A gente não quer só comida A gente quer bebida, diversão, balé A gente não quer só comida A gente quer a vida como a vida quer Bebida é água! Comida é pasto! Você tem sede de quê? Você tem fome de quê? A gente não quer só comer A gente quer comer e quer fazer amor A gente não quer só comer A gente quer prazer pra aliviar a dor A gente não quer só dinheiro A gente quer dinheiro e felicidade A gente não quer só dinheiro A gente quer inteiro e não pela metade {...} Diversão e arte Para qualquer parte Diversão, balé Como a vida quer Desejo, necessidade, vontade Necessidade, desejo, eh! Necessidade, vontade.

REFERÊNCIAS

  • ALFERES, M. A.; MAINARDES, J. Um Currículo Nacional para os Anos Iniciais? Análise preliminar do documento "Elementos conceituais e metodológicos para definição dos direitos de aprendizagem e desenvolvimento do ciclo de alfabetização (1º, 2º e 3º anos) do Ensino Fundamental". Currículo sem Fronteiras {online}, v. 14, n. 1, p. 243-259, jan./abr. 2014. Disponível em: <Disponível em: http://www.curriculosemfronteiras.org >. Acesso em: jan. 2015.
    » http://www.curriculosemfronteiras.org
  • ANTUNES, A. FROMMER, M. e BRITTO, S. Comida. IN: Cabeça Dinossauro. Interprete: Titãs. Rio de Janeiro: Nas Nuvens, 1987. Faixa 2 (3min 59s)
  • BEAUCHAMP, Jeanete; PAGEL, Sandra D; NASCIMENTO, Aricélia R. do. Indagações sobre currículo. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2007.
  • BHABHA, H. O local de cultura. Belo Horizonte: UFMG, 2003.
  • BOBBIO, Noberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. 8. reimpressão.
  • BRASIL. Constituição. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. DF: Senado, 1988.
  • BRASIL. Portaria Nº 867, de 4 de julho de 2012. Institui o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa e as ações do Pacto e define suas diretrizes gerais. 2012a. Disponível em: <Disponível em: http://pacto.mec.gov.br/images/pdf/port_867_040712.pdf >. Acesso em: 28 jun. 2015.
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  • BRASIL. Ministério da Educação. Elementos conceituais e metodológicos para definição dos direitos de aprendizagem e desenvolvimento do Ciclo de Alfabetização (1º, 2º e 3º anos) do Ensino Fundamental. Brasília: MEC/SEB, 2012b.
  • BRASIL. Ministério da Educação. Pacto nacional pela alfabetização na idade certa: formação de professores no pacto nacional pela alfabetização na idade certa. Brasília: MEC/SEB, 2012c.
  • BRASIL. Secretaria de Educação Básica. Diretoria de Apoio à Gestão Educacional. Pacto nacional pela alfabetização na idade certa: currículo na alfabetização: concepções e princípios: ano 1: unidade 1 .Brasília : MEC, SEB, 2012d.
  • BRASIL. Secretaria de Educação Básica. Diretoria de Apoio à Gestão Educacional.Pacto nacional pela alfabetização na idade certa: currículo no ciclo de alfabetização: consolidação e monitoramento do processo de ensino e de aprendizagem ano 2 : unidade 1. Brasília: MEC, SEB, 2012e.
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  • FRANGELLA, R. Formação de professores e políticas curriculares para o ensino fundamental: produções sob rasura. In: ENCONTRO NACIONAL DE DIDÁTICA E PRÁTICA DE ENSINO, 12., 2014. UECE, 2014.
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  • MCCOWAN, Tristan. Reframing the universal right to education. Comparative Education, Philadelphia, v. 46, n. 4, p. 509-525, 2010.
  • MCCOWAN, Tristan. O direito humano à aprendizagem e a aprendizagem dos direitos humanos. Educar em Revista, Curitiba: Editora UFPR, n. 55, p. 25-46, jan./mar. 2015.
  • NEVES, Carmen Moreira de Castro. Os princípios norteadores... In: CONGRESSO INTERNACIONAL EDUCAÇÃO: UMA AGENDA URGENTE, 1., Brasília, 2011. Definição das extectativas de aprendizagem: texto para consulta. Brasília: Conselho Nacional de Educação - CNE, Todos pela Educação, 2011. p. 2. Disponível em:<http://www.todospelaeducacao.org.br//arquivos/biblioteca/03_expectativasaprendizagem.pdf>. Acesso em: jul. 2015.
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  • NORVAL, Aletta. Las decisions democráticas y la cuestión de la universalidad. In: CRITCHEY, S.; MARCHART, O. (Comp.). Laclau aproximaciones criticas a su obra. Buenos Aires: Fondo de Cultura Economica, 2008. p. 177-208.
  • 1
    Disponível em: <http://www.todospelaeducacao.org.br//arquivos/biblioteca/03_expectativasaprendizagem.pdf>. Acesso em: jan. 2015.
  • 2
    Cf. MOREIRA, A. F. B. CANDAU, V. M. Currículo, conhecimento e cultura. In: BEAUCHAMP, J. PAGEL, S. D; NASCIMENTO, A. R. do. Indagações sobre currículo. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2007. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Ensfund/indag3.pdf >.
  • 3
    Cf. Veiga (2006) VEIGA, I. P. A. Docência: formação, identidade profissional e inovações didáticas. In.: SILVA, Aida Monteiro {et al.} (Org.). Educação formal e não formal, processos formativos, saberes pedagógicos: desafios para a inclusão social. Recife : ENDIPE, 2006.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2016

Histórico

  • Recebido
    11 Ago 2015
  • Aceito
    06 Nov 2015
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