RESUMO:
O artigo se propõe a discutir as práticas e as expressões de sociabilidade dos negros na Província de Pernambuco na primeira metade do século XIX, entendendo-as enquanto instâncias educativas criadas pela população negra. Para tanto, realizamos uma pesquisa documental nos acervos locais de modo a identificar Entre os arranjos associativos observados destacamos o papel de algumas irmandades negras da Província na construção de alternativas "autônomas" de vida social e política frente à ordem escravista, em que o fator educativo é dimensão fundamental da própria dinâmica associativa, permitindo o compartilhamento de valores e saberes entre seus membros. Tais organizações se constituíam, portanto, em instâncias de educabilidade e de afirmação identitária para a população de africanos e de negros nascidos no Brasil.
Palavras-chave:
Irmandade; Associacionismo; Educabilidade.
ABSTRACT:
The paper discusses practices and black sociability expressions in Pernambuco Province in the first half of the nineteenth century, understanding them as educational institutions created by the black population. Therefore, we did a documentary research to identify some forms of social organization, analyzing their political capacity and educational importance. Among these associative arrangements, we observed the role of some black fraternities of the Province in constructing "autonomous" alternatives of social and political life facing the slaving reality. The educational factor is a fundamental dimension of associative dynamics, allowing the sharing of values and knowledge among its members. So, these organizations are constituted as instances of educability and identity affirmation for the population of Africans and black people born in Brazil.
Keywords:
Brotherhood; Associationism; Educability.
Introdução
A experiência da escravização nas Américas acabou possibilitando aos africanos e seus descendentes nela implicados certas aproximações e, com elas, a construção e o compartilhamento de noções que os uniam em novas relações sociais e se expressaram em diferentes manifestações culturais. Sendo assim, a construção da identidade étnica envolve a consciência das diferenças entre os sujeitos em contato, capaz de produzir novos significados ao se inserirem em sistemas sociais. Como explica Souza (2010SOUZA, Edilson Fernandes de. Entre o fogo e o vento: as práticas de batuques e o controle das emoções. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2010.), ao construir novas instituições a partir da diáspora, da escravização e do contato com o Novo Mundo, processo que se iniciava na travessia do Atlântico e na criação de laços entre os malungos, as comunidades em formação evocavam tradições que não eram exatamente iguais às de seus ancestrais, mas que a eles remetiam.
Entre esses processos de constituição de novas identidades no contexto Atlântico, podemos destacar a própria ressignificação da ideia de "nação" feita pelos africanos e seus descendentes dentro do quadro de possibilidades do escravismo. Isso porque esse agrupamento em nações específicas não significava a reprodução exata de padrões culturais anteriores, mas, sim, a recriação de uma africanidade nas Américas.
Diante da política de domínio e exploração imposta ao longo do período escravista à população negra1 1 Embora os censos populacionais dessa época no Brasil costumassem adotar termos mais específicos para qualificar a população de cor (pretos, pardos...), utilizaremos a expressão "população negra", neste texto, como recurso para abarcar esse segmento social mais diretamente afetado pela dinâmica das relações raciais nesse contexto. , mesmo imersos em múltiplas diferenças, afinidades e conflitos, esses "encontros" produziram formações sociais que aglutinavam diversas contribuições a partir de processos historicamente definidos, possibilitando a adoção de alternativas de convivência, formas de organização e alguma distinção. Nesse sentido, tais formações também representaram instâncias significativas de formação ou educação para os membros dessa comunidade negra, o que fortalecia as relações sociais tecidas no movimento do escravismo ou da diáspora.
Em meio a essas possibilidades de promoção social, sobressaíram-se as associações fraternais, com destaque para o papel marcante e atuante das Irmandades, muitas vezes incompreendidas pelos interessados na história da escravidão em função das suas contradições de cunho social e político. Na análise de Cunha (1986CUNHA, Manuela Carneiro da. Antropologia do Brasil: mito, história e etnicidade São Paulo: Brasiliense. Editora Universidade de São Paulo, 1986.), porém, mesmo à sombra da Igreja, essas associações de organização local tiveram um papel importante em seu contexto na medida em que defendiam os interesses corporativos de seus membros e muitas delas chegavam a adiantar dinheiro a seus associados cativos para viabilizar sua alforria - além da conhecida preocupação com os rituais funerários.
Uma vez que eram formadas por indivíduos com elementos de identificação em comum, como a atividade profissional ou o princípio religioso, também importa considerar a contribuição da dimensão educativa para o surgimento e o funcionamento de tais entidades, na medida em que a dinâmica associativa era também formativa, já que implicava a circulação de valores e saberes entre seus membros. Por isso, trata-se de uma das atividades culturais dessa população que tiveram no caráter formativo e socializador da educação elemento fundamental na busca por construir uma realidade favorável no contexto adverso da sociedade escravista.
Nosso objetivo, portanto, é discutir a importância dessas irmandades, entendendo-as justamente por seu papel enquanto instâncias educativas no conjunto dos arranjos coletivos produzidos por essa população no interior da ordem escravista do Brasil oitocentista. Tal exercício tem como cenário a Província de Pernambuco da primeira metade do século XIX, lugar que consideramos estratégico no circuito do tráfico atlântico de escravizados oriundo da África e, por conseguinte, onde se observava uma expressiva presença dessa população de africanos e seus descendentes.
Nesse contexto, analisamos particularmente o papel de três irmandades negras instaladas na cidade do Recife e que figuravam entre os espaços sociais que agregavam essa população: Irmandade do Rosário dos Homens Pretos, Irmandade de N. S. do Terço e Irmandade de S. José do Ribamar. Procuramos observar o funcionamento dessas entidades, assim como as articulações porventura existentes entre elas, e também sua capacidade de promover a circulação de valores e saberes diversos, demonstrando, portanto, seu potencial educativo.
Para tanto, primeiramente discorremos sobre a formação desse tipo de entidade de Portugal ao Brasil, apresentando, então, as três confrarias a partir do seu processo de fundação, estruturação e inserção no contexto oitocentista recifense, além de tratar da dinâmica de suas composições com destaque para os encadeamentos familiares. A seguir, discutiremos mais diretamente a importância dessas confrarias como canais para busca de alguma distinção social e como o fator educativo acabava sendo mobilizado nesse processo de distinção pessoal e coletiva para as irmandades frente à realidade adversa do escravismo.
O caminho por nós percorrido nos permite concluir nossa reflexão com algumas considerações a respeito não só sobre a importância das irmandades negras no cenário do Brasil oitocentista, e particularmente da Província de Pernambuco dessa época, mas também sobre sua dimensão educativa, vivenciada e utilizada como um dos instrumentos do próprio processo de ressignificação identitária resultante da experiência negro-diaspórica.
Devoção e sociabilidade no mundo atlântico
Desde o período colonial, as diferentes categorias sociais costumavam se organizar e se fazer representar através de certas associações de caráter religioso e filantrópico, cuja forma mais conhecida e que veio a se difundir pelos diferentes pontos das Américas foram as irmandades leigas. Segundo Reis (1991REIS, João José. A morte é uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.), essas irmandades eram associações corporativas, no interior das quais se teciam solidariedades fundadas nas hierarquias sociais. Algumas delas eram mais poderosas, dado que seus membros pertenciam à nata da elite branca, no topo das quais estavam as Santas Casas de Misericórdia, que controlavam vasta rede filantrópica de hospitais, recolhimentos, orfanatos e cemitérios, desenvolvendo uma caridade voltada principalmente para os destituídos da sociedade, uma vez que seus irmãos eram os socialmente privilegiados.
Em Portugal, ainda de acordo com o autor, as confrarias, divididas principalmente em irmandades e ordens terceiras, já existiam pelo menos desde o século XIII, dedicando-se a obras de caridade voltadas para seus próprios membros ou para pessoas carentes não associadas. Tanto as irmandades, quanto as ordens terceiras, embora recebessem religiosos, eram formadas, sobretudo, por leigos, mas as últimas se associavam a ordens religiosas conventuais (franciscana, dominicana, carmelita), daí se originando seu maior prestígio. As irmandades comuns foram bem mais numerosas, e da metrópole acabou se espraiando para o Império Ultramarino, inclusive o Brasil, o modelo básico dessas organizações.
Em suas viagens, ou em mudanças de domicílio, os "terceiros" (membros das ordens terceiras), como eram assim chamados esses primeiros membros da sociedade, tinham seus direitos de associados protegidos por convênios entre ordens da mesma denominação estabelecidas em diferentes vilas, cidades, capitanias, províncias, países e continentes. Bastava o viajante ou o imigrante apresentar sua carta patente para receber os serviços da ordem local ou ser nela admitido, pagando apenas parte da joia e evitando os rituais de iniciação a que estavam obrigados os noviços.
Tal como ocorria na Europa desde alguns séculos, apesar das pequenas diferenças administrativas e da vinculação simbólica a seus santos protetores específicos, muitos dos quais eram representações diretas das próprias classes a que pertenciam os devotos, essas confrarias possuíam características em comum:
{...} primeiro, a ênfase na prática das virtudes cristãs em palavras e atos; segundo, um espírito de responsabilidade coletiva pelo bem-estar físico daqueles irmãos (e seus dependentes) que precisassem de esmolas, assistência médica, alimentos, roupas e sepultamento; terceiro, quando os fundos permitiam, um compromisso com a ajuda caritativa aos pobres e doentes da paróquia. (RUSSELL-WOOD, 2005RUSSELL-WOOD, A. J. R. Escravos e Libertos no Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005., p. 192)
Segundo relata Assis (1988ASSIS, Virgínia Almoêdo de. Pretos e Brancos a serviço de uma ideologia da dominação: o caso das irmandades do Recife. 1988. (Mestrado em História) - UFPE, Recife. 1988.), o processo migratório por portugueses, que conhece períodos de maior e menor intensidade, introduz no Brasil o catolicismo, cujos agentes principais são os leigos, instituindo, assim, o chamado "catolicismo do povo". As irmandades passaram a ser, ao mesmo tempo, força auxiliar, complementar e substituta da Igreja, propondo-se a facilitar a vida social, desenvolvendo inúmeras tarefas que, pelo menos a princípio, seriam da alçada do poder público, intermediando, assim, o contato Igreja-Estado.
No caso das confrarias religiosas, conforme ainda destaca a autora, a arregimentação dos seus membros não provinha de um determinado grupo econômico, uma vez que eram compostas por homens e mulheres leigos, cujo desejo consistia em realizar obras de caridade cristã. Comum a todas as irmandades era a vontade de prover o bem-estar social dos irmãos e de suas famílias, cumprindo, assim, uma função social que o aparelho político-administrativo não tem meios de realizar.
Uma vez sendo representantes de caráter jurídico, com patrimônio, e dependentes da autoridade eclesiástica apenas no aspecto religioso, as irmandades favoreceram o processo de reorganização dos escravizados, por meio dos acordos de reciprocidade, que abriam a possibilidade de garantir ao escravizado ou liberto transplantado um novo local de moradia e um acesso imediato à comunidade negra local, fazendo com que os filiados representassem para cada escravizado uma boa rede de contatos. Além disso, também eram uma forma de reunião permitida a esses cativos por parte das autoridades governamentais e religiosas, embora isso não fosse uma regra geral e essa aparente flexibilidade também levasse em conta bem mais do que simplesmente o reconhecimento da humanidade e naturalmente dos direitos desses sujeitos livres ou escravos ao exercício da fé e da vida associativa.
Por isso, as irmandades constituem um objeto privilegiado para a investigação da inserção dos africanos na sociedade colonial. Essas confrarias tiveram uma larga inserção em muitas províncias e cidades do Brasil, chegando a alcançar grande expressão social e política, tornando-se, com o passar dos anos, parte do próprio cotidiano local. Não à toa, o inglês Henry Koster2 2 KOSTER, 1978. , um dos diversos viajantes estrangeiros que passaram pela Província de Pernambuco nesse período, constatou, durante sua estadia no Recife na primeira metade do século XIX, que não apenas existia um grande número de igrejas, capelas, nichos e santos, como também eram muitas as confrarias religiosas leigas em intensa atividade. Segundo o referido observador - e todo o estranhamento do seu olhar -, os integrantes dessas confrarias estavam continuamente fazendo arrecadações para círios e outros artigos consumidos em louvor do patrono, bem como para a construção de capelas e igrejas, realização de funerais e enterros.
Fundada em 1674 e tendo a pedra fundamental da sua igreja colocada em 1789, a irmandade de N. Senhora do Rosário dos Homens Pretos é uma das mais famosas desse gênero não apenas em Pernambuco, mas no Brasil como um todo e, até mesmo, na metrópole portuguesa, onde também adotava o princípio da organicidade e da solidariedade entre os seus. Instalada num ponto central da cidade, essa irmandade não só conseguia agregar bastantes irmãos e mobilizá-los de acordo com os princípios que adotava, mas também seu reconhecimento social lhe conferia relativo prestígio político.
A irmandade de N. Senhora do Terço foi fundada em 1726, também numa área central, o bairro de S. José, embora sua igreja não ficasse tão próxima do circuito administrativo da cidade como a do Rosário. Mesmo assim, não deixava de ter sua importância nesse período e, com o desmembramento definido pela Diocese em meados do século XIX para a freguesia de Santo Antônio e a criação da freguesia de São José, tornou-se uma das igrejas matrizes dessa nova freguesia. Tal indicação não foi à toa, tendo em vista que a igreja do Terço era uma das mais frequentadas pela população de cor, livre e escrava, que circulava pelo centro e que então passaria a se concentrar nesse lado da cidade, que constituía um verdadeiro reduto negro.
Formada até meados do século XIX basicamente por carpinteiros, marceneiros e tanoeiros - apesar de chegar também a incorporar outros profissionais -, embora não fosse oficialmente uma irmandade fechada aos negros, esse era o pertencimento dos integrantes da irmandade de S. José do Ribamar, havendo entre eles, inclusive, escravos e ex-escravos. Localizada também na freguesia de São José, sua igreja, segundo Guerra (1978GUERRA, Flávio. Velhas Igrejas e Subúrbios Históricos. Recife: Itinerário, 1978.), foi fundada em 1653, mas só teve suas obras definitivamente concluídas em 1787, por ordem do governador D. Tomáz José de Melo3 3 Um pouco da história da igreja de São José do Ribamar também é contada por Lins e Coelho (1955). .
É preciso lembrar que tais confrarias tinham, entre seus preceitos, a devoção aos santos patriarcas e às santas padroeiras, algo que pressupunha também o altar como um lugar específico para sua instalação e adoração. Com a proliferação de irmandades em algumas cidades sem a quantidade suficiente de templos que as atendesse, cada um desses espaços acabava acomodando diversas confrarias, que veneravam seus santos patronos em altares laterais. De acordo com Reis (1991REIS, João José. A morte é uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.), existiam irmandades com a mesma denominação espalhadas pelas igrejas do Brasil e mesmo de cada província ou cidade. Os templos que ocupavam representavam um marco fundamental de identidade, pois, em princípio, neles não funcionava mais de uma confraria com o mesmo nome. Muitas irmandades que iniciaram suas atividades de maneira tímida, em altares laterais, com o tempo, levantaram recursos para a construção de seus próprios templos.
Parece ter sido essa a situação da Irmandade de São Sebastião, instalada na Igreja de Nossa Senhora do Terço da cidade do Recife em 5 de fevereiro de 18054 4 IPHAN: A.P. Documentos manuscritos avulso (séc. XIX e XVIII). , e cujos indícios apontam para a permanência nessa igreja por pelos menos cerca de três anos em convivência com a própria Irmandade de Nossa Senhora do Terço e, eventualmente, com outras confrarias que também estivessem usando os altares laterais do templo.
Na mesma situação estava a Irmandade de Nossa Senhora do Bom Parto, instalada na Igreja de S. José do Ribamar, onde já havia pelo menos irmandade principal do templo, ou seja, a própria irmandade de devoção a S. José5 5 IPHAN: A.P. Documentos manuscritos avulso (séc. XIX e XVIII). . Não sabemos quanto tempo durou tal permanência, nem como foi a convivência entre os membros das duas confrarias nos diferentes aspectos. No entanto, imaginamos que possa não ter sido um tempo muito curto, uma vez que a saída do concedido dependia da construção do próprio templo, algo que não era simples de se fazer diante das limitações ou mesmo eventuais proibições para juntar recursos, principalmente no caso dos escravizados.
Se, por um lado, essa prática de compartilhamento do mesmo templo, e eventualmente espaços como os consistórios, demonstrava uma significativa rede de articulação e, por que não, de identificação entre as irmandades leigas, por outro, isso não implicava a ausência de conflitos e disputas. Nessa tensa dinâmica que envolvia as irmandades, não era raro ocorrerem desentendimentos, o que também poderia ser um motivo para saída das confrarias menores de onde estavam instaladas.
Esse tipo de tensão se deu com a irmandade de S. José do Ribamar6 6 Um estudo mais amplo sobre essas irmandades e particularmente sobre a Irmandade de S. José do Ribamar e sua inserção no contexto do Recife oitocentista pode ser conferido em: LUZ, Itacir Marques. Compassos Letrados: artífices negros entre instrução e ofício no Recife (1840-1860). Editora UFPE. Recife, 2014. quando, em 16 de outubro de 1848, recebera uma petição da irmandade do Senhor Bom Jesus dos Aflitos, assinada por seu escrivão, Mathias dos Santos, e seu provedor, Félix Soares de Carvalho. No texto da solicitação, a dita confraria apresentava à mesa regedora dos artífices a seguinte questão:
Vai esta da Irmandade do Sr. Bom Jesus dos Afflitos para que Vossas Senhorias nos faça o favor com attenção declarar o lugar onde nos possamos fazer as nossas consultas da nossa Irmandade por não termos onde as faça rezão da mesa do anno de 1846, nos retirar do consistório honde nos fazíamos as nossas consultas necessárias ficando ella mesma mesa de nos dar hum lugar próprio para este fim e como nunca tivessem esta occasião propria como agora temos, nunca exigimos tal lugar, mas como agora precisamos de fazer nossas consultas de festa (sic) necessarios, faz-nos precizo que Vossas Senhorias haja de declarar o lugar próprio. Recife, 16 de Outubro de 18487 7 ALEPE - Arquivo P 120: 1848. .
Como observado na petição, os integrantes da irmandade de Bom Jesus dos Aflitos reivindicavam um local para realizar suas reuniões, pois o espaço concedido para tal, certamente depois de um acordo que envolvera alguma contrapartida, havia-lhes sido retirado pela irmandade principal do templo, sob a promessa da concessão de outro lugar. Como até então isso não fora cumprido e estava prejudicando as atividades, a irmandade agregada não escondia toda sua indignação, exigindo a resolução do problema por parte da confraria responsável pelo templo.
Portanto, a necessidade de um lugar para exercerem normalmente suas atividades conforme previsto nos seus estatutos levava as irmandades a buscarem espaço nos templos de outros, o que se dava por meio de petição, que era avaliada pela irmandade procurada, que muitas vezes respondia positivamente. Mas tal convivência também implicava a possibilidade de terem prejuízos políticos, administrativos e morais, na medida em que a permanência dessas entidades agregadas nos templos ficava sempre submetida às decisões e aos desejos das irmandades titulares dos templos. Esse conflito por espaço e reconhecimento também podia ganhar dimensão mais ampla, envolvendo não apenas a relação das irmandades dentro das igrejas, mas também seu prestígio na cidade. Tanto que a irmandade de S. José do Ribamar passou a exigir, também nessa época, que as autoridades concedessem para sua igreja o título de matriz da freguesia, uma vez que estava localizada e funcionando nessa área há mais tempo que qualquer outro templo ainda aberto, além de o seu padroeiro dar nome à própria freguesia recém-criada.
O Bispo Diocesano da Província se pronunciou quanto a esse pleito com um ofício enviado à Assembleia Provincial em 1845, no qual colocava o interesse da confraria no reconhecimento da importância de seu templo dentro dessa nova configuração que tomava a cidade. No entanto, o posicionamento apresentado pelo clérigo seguiu em tom de concordância com tal demanda:
{...} parece lhe que a Igreja de S. José de Riba-Mar não he apta pa se designar Matriz, por qto, seguindo esta informação, carece de grandes reparos e principalmente d'uma Capella novamente construída para nesta existir o Santíssimo Sacramento, qdo a Irmandade não preste seo consentimento para o mesmo Senhor ser collocado na capella Mor, lugar proprio, q' já mais lhe pode ser negado. E como a Igreja do Terço, posto que menor que a de S. José seja mais central(o que muito que se deve attender) e a Irmandade d'aquella Igreja prestasse com louvavel prestesa o seu assenso pa faser causa comum com a Irmandade do Santissimo Sacramento da Igreja de S. José recentemente instituida satisfeita de que em sua Igreja se administrassem os sacramentos, e se celebrasse a Missa Conventual, estas as rasões porque o Prelado Diocesano he di parecer, que a Igreja do Terço seja designada Matriz da Freguesia de S. José do Reciffe se a Irmandade daquela Igreja convier de que o mesmo Prelado não duvida enquanto em logar proprio se não edificar huma nova Matriz, cuja empresa não será difficil, attenta a piedade Christã, que se divisa nos Pernambucanos, coaprovando a Thesouraria Prova pela parte que lhe pertence, quando assim o determine a Assemblea Legislativa. 8 8 ALEPE - OR (ofícios): 1845
Portanto, apesar de ter apresentado uma argumentação em seu favor baseada na coerência do que estava posto, a pretensão da irmandade de S. José do Ribamar em tornar sua igreja a matriz da nova freguesia esbarrou na avaliação negativa do Bispo Diocesano, para quem o templo dessa confraria não tinha estrutura física adequada para ser reconhecido como matriz, já que diversas atividades, fundamentais de acordo com os preceitos desse tipo de entidade religiosa, vinham sendo afetadas por consequência desse estado de coisas. A matriz passaria a ser, então, a igreja de Nossa Senhora do Terço, também localizada na mesma freguesia, até que se construísse aí uma igreja para ser a matriz. Justificava o Bispo que, embora menor do que o templo dos solicitantes, a igreja do Terço estava instalada num lugar mais central e, além disso, também havia cedido espaço no seu templo para a instalação e a realização dos rituais de certa Irmandade do Santíssimo Sacramento da Igreja de S. José, instituída há pouco tempo na cidade.
Essa importância atribuída à recepção da Igreja do Terço a tal confraria do Santíssimo Sacramento chama atenção, já que a ocupação de altares laterais por outras irmandades, sob certas exigências financeiras e morais, era uma prática comum, inclusive na própria igreja de S. José do Ribamar. Diante disso, caberia ponderar até que ponto a influência política e econômica que notoriamente tinham as confrarias do Santíssimo Sacramento - tradicionalmente formadas por homens brancos e de mais posses - podem ter sido determinantes para essa decisão do Bispo Diocesano favorável à igreja do Terço.
Sendo instituições que tinham ou buscavam reconhecimento jurídico e político - como é possível observar nos casos acima, por exemplo -, as irmandades adotavam como base de seu funcionamento uma espécie de estatuto, normalmente conhecido como Compromisso, os quais periodicamente podiam ser reelaborados, a depender das mudanças internas e externas pelas quais essas entidades passassem9 9 No ano de 1838, por exemplo, os membros da Irmandade de S. Jose do Ribamar reuniram-se para aprovação do Compromisso, o que aparentemente seguiu depois as autoridades competentes no período posterior para ser confirmado, como sugere um ofício enviado pelo Procurador Geral da confraria à Assembleia Legislativa em 1840 (ALEPE - Arquivo: 117- p. RELIGIÃO, 1840). .
De acordo com Reis (1991REIS, João José. A morte é uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.), além de regularem a administração das confrarias em matérias como, por exemplo, a renovação anual dos integrantes de sua mesa através de votação - sendo a reeleição expressamente proibida pelas Constituições Primeiras -, os compromissos estabeleciam as exigências para os sócios em matéria de condição social ou racial, além dos seus deveres e direitos. Dentre os deveres estavam o bom comportamento e a devoção católica, o pagamento de anuidades, a participação nas cerimônias civis e religiosas da irmandade. Como contrapartida, os irmãos tinham direito à assistência médica e jurídica, ao socorro em momento de crise financeira, em alguns casos, ajuda para a compra de alforria e, muito especialmente, direito a enterro decente para si e membros da família, com acompanhamento de irmãos e irmãs de confraria, e sepultamento na capela da irmandade.
Já a organização administrativa das irmandades estava estruturada nas figuras de juízes, presidentes, provedores, e a Mesa dessas confrarias também era composta por escrivães, tesoureiros procuradores, consultores, mordomos, que desenvolviam diversas tarefas: convocação e direção de reuniões, arrecadação de fundos, guarda dos livros e dos bens da confraria, visitas de assistência aos irmãos necessitados, organização de funerais, festas, loterias e outras atividades.
Na Mesa da Irmandade de S. José do Ribamar, por exemplo, a composição era de um juiz, um escrivão, um tesoureiro e um procurador geral, que era também responsável pelo patrimônio, quatro procuradores parciais, um zelador e doze definidores. Para todos esses empregos haveria anualmente uma eleição a ser efetuada no primeiro domingo do mês de março ou, em caso de algum impedimento, se realizaria no domingo seguinte, mas preferencialmente num dia santo10 10 Compromisso da Irmandade de S. José do Ribamar (1838, cap.3). .
Assim como outras irmandades religiosas, no entanto, apesar da importância dos aspectos políticos-administrativos e socioeconômicos, a feição essencialmente religiosa da confraria se mantinha como algo sério e relevante. Afinal, como salienta Assis (1988ASSIS, Virgínia Almoêdo de. Pretos e Brancos a serviço de uma ideologia da dominação: o caso das irmandades do Recife. 1988. (Mestrado em História) - UFPE, Recife. 1988.), a finalidade específica e formal das irmandades é a devoção a um santo, o que vai significar a unidade dos irmãos na proteção e na salvaguarda dos interesses comuns.
Numa visão barroca do catolicismo, segundo Reis (1991REIS, João José. A morte é uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.), o santo não se contenta com a prece individual e, portanto, sua intercessão será tão mais eficaz quanto maior for a capacidade dos indivíduos de se unirem para homenageá-lo de maneira espetacular. Para receber força do santo, deve o devoto fortalecê-lo com as festas em seu louvor, festas que representavam exatamente um ritual de intercâmbio de energias entre homens e divindades. Como ideologia, a religião era, então, coisa dos doutores da Igreja, cabendo aos irmãos o lado "emblemático" e mágico da religião.
Essa celebração ao santo na irmandade de artífices aqui discutida acontecia no dia 19 de março, dia oficial de homenagem ao padroeiro. Conforme consta no capítulo 22 do seu compromisso de 1838, se por algum empecilho não fosse realizada nessa data, a Mesa Regedora deliberava outro dia, que não seria com menos pompa e magnificência que a data oficial. A mesma Mesa deveria determinar em tempo os detalhes da festa, de modo que pudessem recolher as "joias" não só de todos os seus membros, mas também de juízes, escrivão e mais os mordomos que serviam por devoção, além das esmolas de devotos particulares e do dinheiro de algumas multas que era reservado para esse fim.
Nessas celebrações das confrarias negras, o sagrado e o profano frequentemente se justapunham e às vezes se entrelaçavam. Além de procissões e missas, a festa se fazia de comilanças, mascaradas e elaboradas cerimônias, não mencionadas nos compromissos, em que se entronizavam reis e rainhas negros devidamente aparatados com vestes e insígnias reais. Esses monarcas fictícios ocupavam cargos meramente cerimoniais, como se as irmandades fossem uma espécie de monarquia parlamentar. (REIS, 1991REIS, João José. A morte é uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1991., p. 62)
Como destaca o mesmo autor, a aceitação da Igreja com relação à celebração de festas religiosas por escravos talvez fosse por considerá-las provas vivas de almas conquistadas. Mas, obviamente, havia limites à tolerância clerical quanto à africanização da religião dominante. Já entre as irmandades, parecia haver uma espécie de esforço para superar umas às outras nas homenagens aos seus santos de devoção. O prestígio delas, a capacidade de recrutar novos membros e a possibilidade de estes se destacarem socialmente dependiam da competência lúdica de cada uma.
Outro aspecto a ser observado nas irmandades negras é sua capacidade de acolher conjuntos familiares. Nesse sentido, problematizamos alguns casos relativos a essa questão, a partir do que nos sinalizam certos registros dos seus integrantes, a exemplo da Sra. Jozefa Ma dos Santos, mulher do Sr. Vicente de Souza, e que foi registrada na irmandade em 15 de julho de 1818, com pagamento de 2$000r, morta em 7 de agosto de 1826. Também no mesmo dia 15, o próprio Sr. Vicente de Souza, seu esposo, que era oficial de marceneiro e morador na Rua das Águas Verdes ingressou na confraria, pagando o mesmo valor11 11 Livro de Termos: 1829-1853 (IRMANDADE DO ROSÁRIO DOS HOMENS PRETOS - IPHAN). .
Mais do que simples matrículas concomitantes, temos aí um indicativo de ingresso de um núcleo familiar nos quadros da irmandade de N. S. do Rosário dos Pretos, já que se tratava de cônjuges, e o registro não faz menção a mais membros dessa família. O curioso é que, ainda nessa mesma data, a Sra. Benedita da Trindade de Souza, escrava do Sr. Vicente de Souza, também foi matriculada na irmandade e, embora não conste quanto pagou, provavelmente foi o mesmo valor dos seus demais "familiares"12 12 Livro de Registro de Irmãos: 1742-1820 (IRMANDADE DO ROSÁRIO DOS HOMENS PRETOS - IPHAN). . Embora escrava, Benedita não só é matriculada na mesma irmandade dos seus senhores, como isso se deu provavelmente em conjunto, numa espécie de "ação familiar". A motivação para isso pode ter sido meramente pragmática dentro da lógica servil e controladora do sistema escravista, mas também pode ser tomada como expressão da certa importância dentro desse núcleo familiar, algo que talvez alcançasse até mesmo o plano afetivo e que, por isso, ajudava a fazer valer suas demandas pessoais.
Outro exemplo dessa adesão de pequenos núcleos familiares é o da entrada de Josefa Joaquina de Santa Anna, parda, casada com o irmão Caetano Pintor, e que teve entrada em 23 de novembro de 1843 na Irmandade de São José do Ribamar, pagando 2$00013 13 Termos de Entradas: 1820 (IRMANDADE DE S. JOSÉ DO RIBAMAR - IPHAN). . Nesse caso, Josefa passa a fazer parte de uma confraria da qual seu esposo, um trabalhador especializado, já era membro. Assim como sua senhora, uma mulher parda, é provável que Caetano fosse um homem de cor, tendo em vista ser comum no perfil dessa irmandade o trabalhador negro, geralmente de ofícios específicos. Assim, o registro da matrícula de Josefa nos traz indícios não apenas sobre o ingresso familiar nessa irmandade, mas também um pouco sobre o próprio perfil racial dessas famílias como um todo, lançando mais questões sobre o debate em relação à afetividade entre homens e mulheres negras e seus arranjos domésticos nesse contexto.
Por fim, se ainda restarem dúvidas quando a essa busca coletiva e a presença familiar no interior das irmandades, tratemos então do caso do "irmão" João José Pacheco e sua família. Qualificado como "irmão", João já era, portanto, membro da Irmandade de N. S. do Terço, fonte desse registro. Mas esse interesse, ou necessidade, em participar da confraria não se resumiu a ele. Suas filhas Maria da Paz, Theodora Maria do Rosário, Marianna Cecília de Jesus, assim como a esposa, Joanna Baptista da Conceição, deram entrada na mesma entidade em 10 de janeiro de 1857, pagando-se a quantia de 20$000 por cada uma14 14 Livro de Entrada de Irmãs: 1837-1870 (IRMANDADE DE N. S. DO TERÇO - IPHAN). .
É possível cogitar que a entrada dessas mulheres na confraria tenha sido compulsória, até mesmo pela condição que as mulheres ocupavam politicamente nessa sociedade, mesmo aquelas de comunidades. Mas, se isso era regra nessas comunidades, também não dá para garantir, e, portanto, é preciso considerar a capacidade e o desejo dessas mulheres de manifestar seu interesse em fazer parte desse tipo de entidade, mais ainda, de alguma em particular. Da mesma forma, isso precisa ser analisado conforme os princípios e os valores praticados por essa comunidade negra da qual faziam parte, embora não haja menção à sua cor nos referidos registros.
Sendo assim, ingressar na irmandade poderia ser visto não apenas como uma exigência social frente aos padrões da comunidade e mesmo da sociedade escravista mais ampla, mas também como uma forma de estender essa atmosfera familiar vivenciada com os parentes para outros espaços ou até mesmo viabilizá-la por meio destes e, da mesma forma, ressignificar essa noção de família a partir do convívio com os demais membros dessa "comunidade negra".
Irmandade: distinção e educabilidades negras
As confrarias, portanto, acabaram se colocando como uma espécie de espaço legítimo de sociabilidade para a população negra livre e escrava - e eventualmente até mesmo para não negros -, o que não deixava de espelhar a tensão social da época. A partir do seu estudo sobre as irmandades religiosas de pardos no Rio de Janeiro dos séculos XVII e XVIII, por exemplo, Viana (2007VIANA, Larissa. O idioma da mestiçagem. Campinas: Editora da Unicamp, 2007.) traça um panorama do modo como tal segmento social foi tratado pela sociedade colonial na América portuguesa por se tratar de uma realidade crescente, fortemente impulsionada pela chegada maciça de mão de obra africana. Diante desse fenômeno da mestiçagem instalado, ainda segundo a autora, disseminaram-se a partir do século XVII as preocupações a respeito do lugar social dos mulatos, e as irmandades religiosas por eles criadas acabariam tendo papel importante para consolidar sua posição nesse universo colonial.
No entanto, além da sua importância nesse jogo social e político de constituição da população brasileira frente a todo o seu universo de singularidades, as irmandades também acabaram se constituindo como uma instância educativa para os indivíduos que dela participavam, tendo em vista que diversos outros processos formativos ocorreriam por meio da própria prática já estabelecida tradicionalmente. Nesse sentido:
As irmandades eram associações que integravam e liberavam os indivíduos, liberando seus anseios, funcionando como um canal de suas queixas, palco de suas discussões. Por tudo isso, podiam interferir no comportamento de seus membros, educando-os para a vida associativa no mundo urbano15 15 Em relação a esse papel das irmandades, também conferir: LUZ, Itacir Marques. "Sobre o caráter educativo das irmandades negras no Brasil oitocentista". XXVIII ANPUH, 2013. . (GONÇALVES, 2000GONÇALVES, Luiz Alberto Oliveira. Negro e educação no Brasil. In: LOPES, Eliane Marta Teixeira; FARIA FILHO, Luciano Mendes; e VEIGA, Cynthia Greive (Org.). 500 anos de educação no Brasil Belo Horizonte: Autêntica, 2000. p. 325-346., p. 71)
Significa que a própria experiência associativa que vivenciavam cotidianamente dentro das irmandades era um dos aspectos que viabilizavam essa dimensão educativa, tendo em vista que seus membros passavam a fazer parte uma estrutura organizacional e coletiva à qual precisavam aprender a se integrar, respeitando princípios religiosos, normas internas e códigos de conduta. Mas, além disso, também seriam afetados por outras práticas educativas difusas comuns nesse tipo de entidade, a exemplo da oralidade a partir de narrativas e ensinamentos, de rituais, rezas e músicas, assim como da apropriação do idioma e mesmo da escrita, inclusive por meios mais sistemáticos como as aulas de alfabetização.
Indiscutivelmente, o fator financeiro era algo importante nessas confrarias, o que era compreensível dado às necessidades de funcionamento desse tipo de organização social. Um exemplo disso estava na cobrança de taxas para a entrada e para a manutenção do vínculo dos irmãos, o que passava por significativo controle da administração através de livros de registro das mensalidades ou das anuidades.
Para ingressar na de São José do Ribamar, por exemplo, era necessário o pagamento de uma taxa de entrada, no valor de 4$000, independentemente de sexo e "qualidade" - termo da época para se referir aos significantes definidos socialmente a partir da cor da pele. Com isso, demonstra que poderiam entrar na irmandade pessoas negras, mulatas e pardas, contanto que fossem livres e que pagassem as taxas estabelecidas.
Havia também uma taxa anual de 320 réis, que deveria ser paga por todos os irmãos, novatos ou antigos, e que, no caso de atrasarem o pagamento por três anos ou mais, poderiam ser executivamente obrigados a pagar, caso não estivessem em dificuldade financeira. Neste caso, a irmandade deveria socorrer o sócio com uma esmola mensal, ao que tal requerimento era arbitrado pela Mesa Regedora, considerando-se seus serviços prestados à irmandade16 16 Nos casos dos menores de 14 anos, o valor ficava reduzido para 2$000, e, para os maiores de 60 anos, ficava estipulado o valor de 8$000. Nos casos de "remissão", os valores a serem pagos eram alterados conforme a idade dos sócios e o momento em que era realizada (IRMANDADE, 1838, cap. 3). .
Mas, apesar de todas as exigências em relação aos aspectos financeiros na regulação da entrada de membros, um fator preponderante na formação e no funcionamento das confrarias não era necessariamente ocupacional ou econômico, e isso aponta para outros significados simbólicos dessa vida associativa.
Destaque-se que, a partir da Independência, brancos de todas as origens passaram a frequentar as mesmas confrarias das quais os negros e os mulatos eram impedidos de participar, especialmente nas ordens terceiras, o que levou esses sujeitos a formarem suas próprias irmandades. Geralmente essas confrarias de "homens de cor" eram mais numerosas e costumavam se dividir em três segmentos: as de crioulos (pretos nascidos no Brasil), mulatos e africanos. Todas as irmandades exigiam que o cargo máximo de juiz ou presidente - ou prior, como no caso das ordens terceiras - fosse ocupado por alguém "da raça". Assim, como as confrarias de brancos eram presididas por brancos, as de mulatos eram presididas por mulatos e, consequentemente, o mesmo acontecia com as confrarias de pretos. Esse padrão de organização demonstra que:
{...} o critério que mais frequentemente regulava a entrada de membros nas confrarias não era ocupacional ou econômico, mas étnico-racial. Havia irmandades de brancos, de pretos e de pardos. As confrarias de brancos podiam se dividir entre aquelas cujos membros eram predominantemente portugueses e aquelas, mais numerosas, nas quais predominavam brasileiros natos. As mais prestigiosas exigiam em geral de seus membros, além de sucesso material, que pertencessem à raça dominante. (REIS, 1991REIS, João José. A morte é uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1991., p. 53)
Já as irmandades de africanos se subdividiam de acordo com as etnias de origem, como, por exemplo, as dos angolanos, jejes e nagôs. Ao contrário da ideia de que funcionavam como veículo de acomodação e domesticação africana e afrodescendente, as irmandades parecem ter funcionado como meios de afirmação cultural, embora, do ponto de vista das classes dirigentes, essas segmentações tenham sido interessantes para manter as rivalidades étnicas entre os negros e, com isso, evitar suas perigosas alianças.
Se chegaram mesmo a impedir uma uniformização ideológica dos negros e com isso submetê-los de algum modo a um controle social mais rígido, com o passar do tempo, as irmandades serviriam, inclusive, como espaço de alianças interétnicas ou, pelo menos, como canal de "administração" das diferenças étnicas no interior da comunidade negra. Essa democracia interna, porém, tinha seus limites, já que, de acordo com Reis (1991REIS, João José. A morte é uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.), o sistema de representatividade étnica, comum nas irmandades de cor, permitia aos grupos hegemônicos uma melhor administração de suas diferenças, o que também podia significar um melhor controle dos irmãos de outras etnias.
A investigação da origem étnica dos membros de irmandades de cor revela interessantes estratégias de alianças, ao lado de fortes hostilidades étnicas. Ao analisar a dificuldade dos africanos escravizados, e mesmo os libertos da Bahia, de formar famílias, o mesmo autor destaca que isso pode explicar por que eles redefiniram a abrangência semântica da palavra parente para incluir todos da mesma etnia: o nagô se dizia parente de outro nagô, o jêje se dizia parente do jêje, e assim por diante, fazendo com que se inventasse aqui, através do africano, verdadeiramente o conceito de "parente de nação". Essa intensidade com que os escravos produziram parentescos simbólicos ou fictícios revela como era grande o impacto do cativeiro sobre mulheres e homens vindos de sociedades baseadas em estruturas de parentesco complexas, das quais o culto aos ancestrais era uma parte importantíssima.
As irmandades penetraram essa mesma brecha institucional, já que os irmãos de confraria formavam uma alternativa de parentesco ritual. E, como "parentes", cabia à "família" de irmãos oferecer a seus membros, além de um espaço de comunhão e identidade, socorro nas horas de necessidade, apoio para conquista da alforria, meios de protesto contra os abusos senhoriais e, sobretudo, rituais fúnebres dignos.
Nesse sentido, participar de uma confraria nas diversas posições de sua estrutura organizativa representava um privilégio para seus membros e isso não acontecia de forma automática. Afinal, com o privilégio também vinham as responsabilidades de acordo com cada cargo ocupado, e isso tinha implicações em relação aos irmãos e, também, à comunidade e às autoridades em geral.
Talvez a aceitação desse tipo de "ajustamento" à dinâmica da confraria também poderia ser contemplada pelos integrantes como uma possibilidade de experimentar mais autonomia, principalmente no caso dos escravos, considerando que poderiam exercer a prerrogativa de selecionar líderes dentro de sua própria comunidade através de eleições anuais do presidente e da diretoria, algo que tenderia a contribuir, com o passar do tempo, para seu discernimento político e sua capacidade de negociar seus interesses pessoais.
Para ocupar as diferentes posições dessa estrutura e nelas também saber atuar frente a outra estrutura social maior e objetivamente mais poderosa, pode-se considerar que a preparação dos irmãos se iniciava antes mesmo de ingressar na irmandade, a contar dos critérios estabelecidos para fazer parte dela, o que incluía, com variações de importância de uma confraria para outra, o pertencimento étnico, a atividade profissional, a conduta moral e a vinculação parental.
Para algumas irmandades negras, principalmente aquelas reunidas a partir de alguns segmentos profissionais, a ocupação de cargos da sua estruturação dependia diretamente do conhecimento do ofício. Para ocupar os principais cargos da irmandade de S. José do Ribamar, por exemplo, o candidato precisava ser examinado no seu ofício. Segundo dirigentes da irmandade, isso era necessário porque, desde a extinção das Corporações de Ofício, muitos dos profissionais dos quatro ofícios que compunham a irmandade aproveitaram-se para exercer indevidamente algumas funções, excluindo-se a de zelador. Para obter esse título, o candidato deveria fazer um requerimento à Mesa através do qual comprovasse que era mestre e que, como tal, era geralmente reconhecido por obras de sua autoria, por poder ter Tenda aberta e por já ter servido em algum cargo na irmandade.
Quando o parecer da Mesa fosse favorável, o juiz despachava o requerimento e o pretendente depositava na mão do tesoureiro a quantia de 10$000 para o santo padroeiro e recebia o título de profissional examinado. O exame exigido pela irmandade consistia no seguinte: o oficial de qualquer dos quatro ofícios que fosse reconhecido pelos mestres como tal deveria dirigir-se ao Juiz da irmandade e lhe pedir verbalmente que marcasse o dia e o local onde o teste seria realizado, o que comumente acontecia no consistório da Igreja. Ao chegar a data, o candidato comparecia para ser interrogado por três Mestres do mesmo ofício no qual seria avaliado, nomeados pela Mesa Regedora da irmandade, dentre os quais um iria presidir o ato. Feito o exame, ou seja, os interrogatórios, saíam da sala o examinado e todos os assistentes, ficando unicamente os examinadores, que votavam cada um com uma cédula se o candidato estava aprovado ou reprovado.
Se todas as cédulas da urna estivessem com aprovação, o examinando era declarado aprovado plenamente e, se a aprovação só aparecesse em duas cédulas, seria aprovado simplesmente. O candidato seria declarado reprovado, porém, se aparecesse outro resultado diferente desses previstos. O resultado da decisão era escrito pelo presidente do ato e uma cópia desse mesmo termo era escrita no livro, registrando-se o título do indivíduo examinado, que ainda pagava 10$000 réis, segundo a irmandade, quantia destinada ao Santo Patriarca. Sem esse título de examinado, ficava proibido aos mestres de ofícios, daquela data em diante, abrir edifício ou tenda, e aqueles que o fizessem seriam multados em 16$000 réis, o que se cobraria quantas vezes fossem as reincidências cometidas.
Essa regulação rígida do exercício da profissão feita pela irmandade, instituindo o exame de habilitação nos ofícios e a cobrança de multas para aqueles trabalhadores que insistiam em não respeitá-lo, encontrava suas justificativas na sua própria época. Basta lembrarmos que a representação sobre os ofícios mecânicos era revestida de respeito e certo status, mesmo numa sociedade escravista que estigmatizara o mundo do trabalho. Considerados artes, na sua acepção empírica e concreta, o controle sobre a prática do ofício significava, além da reserva de um mercado para o trabalho, também um meio de "zelar" pelo ofício, garantindo que não fosse exercido por qualquer um a ponto de sujar a imagem de toda uma categoria, com toda sua tradição e história.
Essa foi efetivamente a alegação feita pelos mestres e os juízes da irmandade de S. José do Ribamar, argumentando que a imagem particularmente dos carpinas e dos pedreiros estava sendo atingida quando oficiais inexperientes indevidamente ingressavam em obras de grande porte. Por isso, estabelecia que somente os mestres examinados poderiam ser contratados nessas obras, pois os outros acabavam abandonando o serviço no início ou terminando-o com imperfeições por falta de capacidade. Os oficiais que desobedecessem a essa determinação seriam multados em 16$000 réis, multa que se repetiria quantas vezes fossem as reincidências.
No que se refere à formação dos aprendizes dos ofícios, a irmandade procurava intervir determinando como deveriam ser tratados e de que maneira seus serviços deviam ser utilizados enquanto estivessem sob a responsabilidade dos mestres 17 17 Compromisso de 1838, capítulo 20. . Tal responsabilidade dos mestres sobre a formação do aprendiz aumentava na medida em que não era permitido a outros mestres contratá-lo, salvo em situações extremas, como abandono ou agressão do discípulo. Interessante notar que a aceitação do aprendiz a partir de então seria feita por escrito, onde se registraria até o tempo médio que duraria a formação, o que dava a esse aprendizado um caráter bem contratual. Daquilo que ganhava o aprendiz, cabia ainda ao mestre separar uma parte para a irmandade, com o objetivo de o assentar como Irmão, logo que ele completasse um ano de aprendizado do oficio. A entrada seria paga pelo mesmo Mestre, e, caso nesse aspecto os mesmos se omitissem, a multa recebida seria de 2$000 réis.
A avaliação direta ou indiretamente feita pelos pares, principalmente os mais velhos e experientes, em regime de nomeação ou votação, para determinados cargos, remete a um processo de acompanhamento da trajetória desses mestres, além do reconhecimento de seu engajamento, competência e saberes, elementos adquiridos em grande medida na convivência com os pares da comunidade e ao longo do tempo.
Se essa experiência dos membros mais velhos era tida como um fator fundamental da dinâmica associativa e, por isso, era prerrogativa para a ocupação de determinados postos da estrutura das entidades, tem-se, portanto, o reconhecimento desses indivíduos como mestres entre seus pares, e, como tal, importantes agentes de transmissão de saberes, os quais contribuíam para o fortalecimento identitário do grupo.
Nesse sentido, é interessante pensarmos, por exemplo, que Jorge Gonçalves Barros, membro da irmandade de S. José do Ribamar a partir de 1735, assim como o cativo Antonio da Costa, que entrou na confraria no ano de 1755, por não constarem os registros de seus óbitos no livro de matrículas, talvez ainda estivessem vivos e atuantes na confraria no início do século XIX, embora idosos. Isso significaria a presença de mestres anciãos com toda sua experiência figurando entre os membros mais jovens como verdadeiros ícones de grande conhecimento e, portanto, principais referências para o aprendizado aos saberes necessários para integrar esse tipo de confraria.
Embora, no caso da irmandade da qual faziam parte esses dois indivíduos, os ensinamentos e aprendizados estivessem mais focalizados no universo profissional, mais exatamente nos ofícios específicos, como destacado detalhadamente em seu próprio compromisso de 1838, tal dinâmica de trocas entre os pares, e especialmente entre gerações, constituía-se num dos elementos fundamentais para garantir a própria estabilidade, atuação e continuidade do grupo.
Um pouco do percurso pode ser observado, por exemplo, em casos como o de Theodora Custodia de Oliveira Rego e Albuquerque, que se iniciou na Irmandade de N. S. do Terço em 20 de outubro de 1857 pagando 20 mil réis por ter sido Mordoma. Da mesma maneira, Simphrianna Olimpia de Alburquerque iniciou-se em 3 de outubro de 1860, pagando também 20 mil réis por ter sido Escrivã. E, finalmente, Izabel Maria de Wasconcelos, que se iniciou em 28 de outubro de 1860, só que nesse caso pagou 50 mil réis por ter sido Juíza18 18 Livro de Termos: 1829-1853 (IRMANDADE DO ROSÁRIO DOS HOMENS PRETOS - IPHAN). . Considerando que o valor da taxa paga por elas equivale também ao que fora pago pelas filhas e a esposa de João Jose Pacheco em exemplo anterior, a ocupação de um cargo não conferia necessariamente privilégio em relação ao compromisso financeiro com a irmandade.
No caso de Izabel, que foi juíza, pelo contrário, fica nítido; teve que arcar com um valor até maior que suas companheiras, variação esta que, embora não saibamos o critério, chegava a valores bem menores, como o exigido a Cândida Maria da Penha, uma parda solteira, filha de Luiz Fernando Xaves, e que, tendo sido mordoma da Irmandade de São José do Ribamar, pagou pelo cargo 1$600 em 18 de novembro de 1829. Francisca de Santa Clara, parda solteira e talvez parente de um já irmão dessa confraria, em 28 de abril de 1841, foi mordoma, pagando para isso 4$000. Por sua vez, João da Cruz da Fonseca, dando para entrada e mordomagem a quantia de 1$000 à irmandade de N. S. do Bom Parto, também instalada na Igreja de S. José do Ribamar, fora assentado em 1817.
A disponibilidade de fazer parte desse tipo de irmandade e especialmente exercer algum cargo de sua estrutura com todas as suas exigências e atribuições, portanto, vai além do fator econômico e do mero status social, embora fossem elementos que ficassem bastante evidentes. Afinal, o que estava em questão eram princípios, valores, tradição, algo que precisava ser alimentado e mantido com o passar do tempo, e as circunstâncias, demandando de cada integrante, antigo ou novo, responsabilidades talvez desnecessárias a outros olhos fora desse contexto identitário.
No entanto, a existência das confrarias negras durante o período mostra que não apenas a população negra compreendia, em alguma medida, a importância política e social dessas entidades, como também o que representavam enquanto instâncias educativas, as quais deveriam ou poderiam acessar. Entre os exemplos dessa potencialidade está, no estudo feito por Cunha (2004CUNHA, Perses Maria Canellas. Educação como forma de resistência: o caso da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos. 2004. (Mestrado em Educação) - UFF, Niterói, 2004.) em relação à Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos, que, entre suas atividades, chegou a promover um curso de alfabetização em Florianópolis no ano de 185919 19 Outros exemplos desse tipo de experiência educacional dos negros também podem ser conferidos em: SCHUELER; RIZZINI; MARQUES, 2015; POMBO, 2005. .
Por essa razão, para Russel-Wood (2005), as irmandades constituíam uma resposta associativa a uma necessidade coletiva e individual sentida pelos negros e pelos mulatos. Exemplificaram uma maneira pela qual os indivíduos de ascendência, escravos ou libertos, conseguiram encontrar coesão e unidade de propósito e agir coletivamente no ambiente social e econômico da escravidão, em geral considerado capaz de sufocar, suprimir e até erradicar tais características.
Expressar opiniões, deliberar decisões e eleger os oficiais e os personagens da realeza restituiu a "humanidade" daqueles subjugados pelo sistema escravista; e mesmo o "simples" contato diário entre todos os confrades possibilitou a reconstituição de antigas afinidades (grupos étnicos) e a consolidação de novas relações de sociabilidade (grupos de procedência).
Em geral, a origem infiel e a cristandade assumida não se contrapunham enquanto elementos característicos da nova feição de um africano traficado. Mais frequentemente, os status de um negro "convertido" ao catolicismo não implicava no total aniquilamento das tradições africanas, mas sim na relegação ao culto privado por aqueles que almejavam ser reconhecidos pela ordem vigente. Ao menos no aspecto formal, quando não apropriada de fato, a fé oficial foi exteriorizada por escravos e libertos integrantes das associações fraternais, nas quais também, prontamente assimilaram seus grupos étnicos. Ao contrário do que afirma o senso comum, a vida cristã não aniquilou a memória dos escravizados; nas irmandades leigas, o passado africano foi retomado a partir de suas representações permitidas como e, em especial, a noção de territorialidade. (PINHEIRO, 2006PINHEIRO, Fernanda Aparecida Domingos. Confrades do Rosário: sociabilidade e identidade étnica em Mariana - Minas Gerais (1745-1829). 2006. Dissertação (Mestrado em História) UFF, 2006., p. 177)
Por sua capacidade de viabilizar a existência desses vínculos, inegavelmente as irmandades formadas por pessoas de cor do Brasil, diante de uma sociedade competitiva e dominada pelos brancos, representaram uma proteção não só para o negro trazido da África como cativo, mas também para os negros e os mulatos nascidos no Brasil, fossem estes escravizados ou libertos, sujeitos de saberes, princípios e tradições.
Conclusão
A chegada dos negros ao Novo Mundo representou um suposto distanciamento de suas referências identitárias diante do encontro e do eventual confronto com uma cultura estranha à sua. Mais simples supor terem perdido as raízes africanas. Porém, a trajetória da população negra demonstra que o desafio de viver num novo mundo foi vencido não exatamente pela cristalização do comportamento e dos valores em relação a essa realidade. Ele foi vencido justamente pela compreensão da necessidade de recombinar suas tradições, ressignificando práticas, símbolos e princípios para restaurar ou recriar essa realidade de acordo com seus desejos. Por meio de processos explícita ou implicitamente educativos, táticas, estratégias e crenças, foram mobilizadas para resgatar velhos e criar novos laços familiares e, num sentido mais amplo, um sentido de comum de identidade.
Os diferentes arranjos coletivos criados pela população negra colocam-se, então, como expressão de alternativas "autônomas" de vida social e política frente à ordem escravista a partir do compartilhamento de valores e saberes entre gerações, sendo a própria dinâmica associativa uma via de educabilidade. Os estudos sobre essa prática associacionista da população negra nesse período também apontam para essas entidades como possibilidade de certas "vivências africanas" para seus membros, ao mesmo tempo em que também ajudava na configuração de estatutos sociopolíticos diferenciados, o que pode nos ajudar a avançar na compreensão sobre as diferentes formas de afirmação e resistência promovidas pelos negros, a partir do fortalecimento ou da ressignificação das tradições de base africana, contribuindo, com isso, para reafirmar seu valor identitário no Brasil.
FONTES DOCUMENTAIS
ALEPE: Arquivo - 117- P/ Religião. Ofício do Procurador da Irmandade de S. José do Ribamar à Assembléia Legislativa de Pernambuco. Recife, 1840.
ALEPE: Arquivo - OR. Ofício do Bispo Diocesano da Freguesia de São José à Assembléia Legislativa da Província de Pernambuco. Recife, 15 mar. 1845.
ALEPE: Arquivo - P. 120. Petição da Irmandade de Senhor Bom Jesus dos Aflitos. 16 de outubro de 1848:
APEJE: Assuntos Eclesiásticos - 07. pp. 652-674. Compromisso da Irmandade de São José do Ribamar - 1872.
IAHGP: Arquivo - Estante A/Gaveta 15. Compromisso de 1838 (IRMANDADE DE S. JOSÉ DO RIBAMAR).
IPHAN: A.P. Documentos manuscritos avulso (séc. XIX e XVIII).
IPHAN: Livro de Entrada de Irmãs: 1837-1870 (IRMANDADE DE N. S. DO TERÇO).
IPHAN: Livro de Registro de Irmãos: 1742-1820 (IRMANDADE DO ROSÁRIO DOS HOMENS PRETOS).
IPHAN: Livro de Termos: 1829-1853 (IRMANDADE DO ROSÁRIO DOS HOMENS PRETOS).
IPHAN: Termos de Entradas: 1820 (IRMANDADE DE S. JOSÉ DO RIBAMAR).
REFERÊNCIAS
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- CUNHA, Perses Maria Canellas. Educação como forma de resistência: o caso da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos. 2004. (Mestrado em Educação) - UFF, Niterói, 2004.
- CUNHA, Manuela Carneiro da. Antropologia do Brasil: mito, história e etnicidade São Paulo: Brasiliense. Editora Universidade de São Paulo, 1986.
- GONÇALVES, Luiz Alberto Oliveira. Negro e educação no Brasil. In: LOPES, Eliane Marta Teixeira; FARIA FILHO, Luciano Mendes; e VEIGA, Cynthia Greive (Org.). 500 anos de educação no Brasil Belo Horizonte: Autêntica, 2000. p. 325-346.
- GONDRA, José; SCHUELER, Alessandra. Poder, sociedade e educação no Império Brasileiro. São Paulo: Cortez, 2008.
- GUERRA, Flávio. Velhas Igrejas e Subúrbios Históricos. Recife: Itinerário, 1978.
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- LINS, João Batista; COELHO, Arnaldo Barbosa (Org). Templos Católicos do Recife. Recife: Edições Folha da Manhã, 1955.
- LUZ, Itacir Marques. Compassos Letrados: artífices negros entre instrução e ofício no Recife (1840-1860). Recife: Editora UFPE, 2014.
- LUZ, Itacir Marques. Sobre o caráter educativo das irmandades negras no Brasil oitocentista. ANPUH, 28, Natal, 2013.
- PINHEIRO, Fernanda Aparecida Domingos. Confrades do Rosário: sociabilidade e identidade étnica em Mariana - Minas Gerais (1745-1829). 2006. Dissertação (Mestrado em História) UFF, 2006.
- POMBO, Surya. Negrinhos que por ahi andão: a escolarização da população negra em São Paulo (1870-1920). São Paulo: Universidade de São Paulo, 2005.
- REIS, João José. A morte é uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
- RUSSELL-WOOD, A. J. R. Escravos e Libertos no Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.
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- SOUZA, Edilson Fernandes de. Entre o fogo e o vento: as práticas de batuques e o controle das emoções. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2010.
- VIANA, Larissa. O idioma da mestiçagem. Campinas: Editora da Unicamp, 2007.
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1
Embora os censos populacionais dessa época no Brasil costumassem adotar termos mais específicos para qualificar a população de cor (pretos, pardos...), utilizaremos a expressão "população negra", neste texto, como recurso para abarcar esse segmento social mais diretamente afetado pela dinâmica das relações raciais nesse contexto.
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2
KOSTER, 1978KOSTER, Henry. Viagens ao Nordeste do Brasil. Recife: Secretaria de Educação e Cultura, 1998(Coleção Pernambucana, volume XVII)..
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Um pouco da história da igreja de São José do Ribamar também é contada por Lins e Coelho (1955)LINS, João Batista; COELHO, Arnaldo Barbosa (Org). Templos Católicos do Recife. Recife: Edições Folha da Manhã, 1955..
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IPHAN: A.P. Documentos manuscritos avulso (séc. XIX e XVIII).
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5
IPHAN: A.P. Documentos manuscritos avulso (séc. XIX e XVIII).
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6
Um estudo mais amplo sobre essas irmandades e particularmente sobre a Irmandade de S. José do Ribamar e sua inserção no contexto do Recife oitocentista pode ser conferido em: LUZ, Itacir Marques. Compassos Letrados: artífices negros entre instrução e ofício no Recife (1840-1860). Editora UFPE. Recife, 2014LUZ, Itacir Marques. Compassos Letrados: artífices negros entre instrução e ofício no Recife (1840-1860). Recife: Editora UFPE, 2014..
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7
ALEPE - Arquivo P 120: 1848.
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8
ALEPE - OR (ofícios): 1845
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No ano de 1838, por exemplo, os membros da Irmandade de S. Jose do Ribamar reuniram-se para aprovação do Compromisso, o que aparentemente seguiu depois as autoridades competentes no período posterior para ser confirmado, como sugere um ofício enviado pelo Procurador Geral da confraria à Assembleia Legislativa em 1840 (ALEPE - Arquivo: 117- p. RELIGIÃO, 1840).
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Compromisso da Irmandade de S. José do Ribamar (1838, cap.3).
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Livro de Termos: 1829-1853 (IRMANDADE DO ROSÁRIO DOS HOMENS PRETOS - IPHAN).
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12
Livro de Registro de Irmãos: 1742-1820 (IRMANDADE DO ROSÁRIO DOS HOMENS PRETOS - IPHAN).
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13
Termos de Entradas: 1820 (IRMANDADE DE S. JOSÉ DO RIBAMAR - IPHAN).
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Livro de Entrada de Irmãs: 1837-1870 (IRMANDADE DE N. S. DO TERÇO - IPHAN).
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Em relação a esse papel das irmandades, também conferir: LUZLUZ, Itacir Marques. Sobre o caráter educativo das irmandades negras no Brasil oitocentista. ANPUH, 28, Natal, 2013., Itacir Marques. "Sobre o caráter educativo das irmandades negras no Brasil oitocentista". XXVIII ANPUH, 2013.
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Nos casos dos menores de 14 anos, o valor ficava reduzido para 2$000, e, para os maiores de 60 anos, ficava estipulado o valor de 8$000. Nos casos de "remissão", os valores a serem pagos eram alterados conforme a idade dos sócios e o momento em que era realizada (IRMANDADE, 1838, cap. 3).
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Compromisso de 1838, capítulo 20.
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18
Livro de Termos: 1829-1853 (IRMANDADE DO ROSÁRIO DOS HOMENS PRETOS - IPHAN).
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Outros exemplos desse tipo de experiência educacional dos negros também podem ser conferidos em: SCHUELERGONDRA, José; SCHUELER, Alessandra. Poder, sociedade e educação no Império Brasileiro. São Paulo: Cortez, 2008.; RIZZINI; MARQUES, 2015SCHUELER, Alessandra; RIZZINI, Irma; MARQUES, Jucinato. Felismina e Libertina vão à escola: notas sobre a escolarização nas freguesias de Santa Rita e Santana (RJ, 1888-1906). Revista História da Educação, Porto Alegre, v. 19, n. 46, p. 145-165, maio/ago. 2015.; POMBO, 2005POMBO, Surya. Negrinhos que por ahi andão: a escolarização da população negra em São Paulo (1870-1920). São Paulo: Universidade de São Paulo, 2005..
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Jul-Sep 2016
Histórico
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Recebido
30 Ago 2015 -
Aceito
01 Abr 2016