Open-access A EDUCAÇÃO SEXUAL NAS DIFERENTES VERSÕES DA BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR: DA ABERTURA AO SILENCIAMENTO EM TORNO DA TEMÁTICA1

LA EDUCACIÓN SEXUAL EN LAS DISTINTAS VERSIONES DE LA BASE NACIONAL CURRICULAR COMÚN: DE LA APERTURA AL SILENCIO ALREDEDOR DEL TEMA

RESUMO:

O presente estudo tem por objetivo analisar de que maneira a educação sexual se insere nas diferentes versões da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e apresentar a percepção de professores sobre contexto de narrativas e disputas que intermediaram sua construção. Trata-se de um estudo qualitativo, que teve como fonte de dados a BNCC e entrevistas semiestruturadas realizadas com oito professores que lecionam no ensino fundamental. Os dados foram produzidos por meio da técnica de Análise do Discurso, orientada pelo ciclo de políticas formulado por Stephen Ball e Richard Bowe, cujos procedimentos demonstraram que a atuação incisiva das bancadas políticas conservadoras culminou em políticas regressivas no campo da sexualidade, deixando de evidenciar dimensões importantes no documento final. Compreende-se que a omissão dessas questões nos referenciais curriculares favorece a persistência da intolerância contra a diversidade sexual e enfraquece o combate ao preconceito e discriminações arraigados em nossa sociedade.

Palavras-chave: educação sexual; BNCC; abertura; silenciamento; percepção de professores

RESUMEN:

Este estudio tiene como objetivo analizar cómo la educación sexual se inserta en las diferentes versiones de la Base Nacional Curricular Común (BNCC) y presentar la percepción de los profesores sobre el contexto de narrativas y disputas que intermediaron su construcción. Se trata de un estudio cualitativo, que tuvo como fuente de datos la BNCC y entrevistas semiestructuradas con ocho docentes que enseñan en la enseñanza básica. Los datos fueron producidos utilizando la técnica de Análisis del Discurso, guiados por el ciclo de políticas formulado por Stephen Ball y Richard Bowe, cuyos procedimientos demostraron que la acción incisiva de los grupos políticos conservadores culminó en políticas regresivas en el campo de la sexualidad, sin mostrar dimensiones importantes en el documento final. Se entiende que la omisión de estos temas en las referencias curriculares favorece la persistencia de la intolerancia contra la diversidad sexual y debilita la lucha contra los prejuicios y discriminaciones arraigados en nuestra sociedad.

Palabras clave: educación sexual; BNCC; apertura; silenciamiento; percepción de profesores

ABSTRACT:

This study aims to analyze how sex education is inserted in the different versions of the National Common Curricular Framework (BNCC) and present teachers' perceptions about the context of narratives and disputes that intermediated its construction. This qualitative study used BNCC as a data source and semi-structured interviews with eight elementary-school teachers. We produced data using the Discourse Analysis technique, guided by the policy cycle formulated by Stephen Ball and Richard Bowe, whose procedures demonstrated that the incisive action of conservative political groups culminated in regressive policies in the field of sexuality, failing to show important dimensions in the final document. We understand that the omission of these issues in the curricular references favors the persistence of intolerance against sexual diversity and weakens the fight against prejudice and discrimination rooted in our society.

Keywords: sex education; BNCC; opening; silencing; teacher’s perception

INTRODUÇÃO

Este estudo teve como ponto de partida as indagações surgidas em momentos da trajetória acadêmica da pesquisadora na participação em debates que intermediaram a construção da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Nesses momentos, as controvérsias sobre a inclusão/exclusão das questões de gênero e sexualidade nas versões preliminares da BNCC ganhavam espaço na mídia, mostrando como o discurso conservador procurava construir uma narrativa que definia as questões de gênero e sexualidade como os grandes inimigos a serem combatidos pelas famílias nas escolas.

Essa onda de censura que remonta às primeiras discussões de elaboração do segundo Plano Nacional de Educação (Projeto de lei nº 8.035/2010) perpassou por uma explosão discursiva na ocasião da implementação do Projeto Escola sem Homofobia e, mais recentemente no processo de aprovação da BNCC, tem conseguido retroceder conquistas importantes no campo dos direitos humanos obtidas nas últimas décadas, aprofundando sobremaneira as desigualdades sociais.

Percebendo o quanto essas formulações discursivas poderiam impactar no cotidiano das escolas, que são diariamente desafiadas por questões de gênero e sexualidade, tal cenário foi convertido em projeto de pesquisa que, dentre outras finalidades, visou investigar a educação sexual materializada nos documentos curriculares e na perspectiva de professores do ensino fundamental no atual contexto de disputas de narrativas e de discursos.

Tal perspectiva derivava de dois elementos fundamentais: a relevância e o interesse que o tema possui no contexto educacional. Relevância por se tratar de tema cujas políticas educacionais são fundamentais para transformar o debate sobre a sexualidade, permitindo sua compreensão como fenômeno humano, que se manifesta de formas distintas e que não pode estar sujeito a determinismos morais universais. Interesse por se tratar de um tema inerente à atuação profissional da pesquisadora, sendo a escola o local privilegiado para trabalhar a temática, considerando seu papel central na promoção de mudanças sociais.

Atuando como professora há pouco mais de vinte anos na rede pública de ensino, foi possível para a pesquisadora constatar cotidianamente como a ausência da perspectiva da educação sexual no currículo das escolas impacta na aprendizagem, na aceitação das diferenças e no respeito à diversidade sexual, sobretudo porque a percepção de não pertencimento ao ambiente escolar é motivo de angústias, constrangimentos e, frequentemente, de evasão.

Não discutir esses temas em sala de aula é caminhar em direção oposta do que se compreende por educação nos dias atuais. Ao contrário do que pregam os discursos ultraconservadores e repressores,

[...] trabalhar gênero nas escolas significa refletir sobre: as desigualdades entre homens e mulheres e as implicações negativas dessas desigualdades, para ambos; a responsabilidade, tanto do homem ou rapaz, quanto da mulher ou garota, na prevenção de gravidez e da contaminação por DST; o alto índice de discriminação e violência contra a mulher e contra as minorias raciais, religiosas e sexuais; e o abuso sexual contra crianças e adolescentes. Significa também conscientizar a respeito dos direitos humanos, dos direitos sexuais e direitos reprodutivos e dos diversos tipos de família. Trabalhar Gênero nas escolas é ajudar a compreender a opressão exercida sobre os homens (homem não chora, etc), é educar para o respeito à diversidade, de modo a eliminar todo tipo de preconceito e discriminação, seja racial, sexual ou de religião, entre outros, e é educar para superar o machismo e o sexismo (a divisão: isto é de homem, isto é de mulher) (Figueiró, 2016, p. 2).

Em contrapartida, a invisibilidade da temática nos currículos escolares é proposta e incentivada por aqueles que ignoram o princípio laico da educação. Os estereótipos da cultura machista, sexista, misógina e opressora só poderão ser ultrapassados se a educação sexual nas escolas estiver canalizada para a superação da desigualdade, para a promoção do respeito à diversidade e que possibilite aos estudantes expor seus sentimentos, dúvidas e medos com relação a esses temas (Figueiró, 2018).

Em face do exposto, o presente estudo tem por objetivo analisar de que maneira a educação sexual se insere nas diferentes versões da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e apresentar a percepção de professores sobre contexto de narrativas e disputas que intermediaram sua construção.

INSTRUMENTOS, PROCEDIMENTOS DE COLETA E DE ANÁLISE DE DADOS

No que se refere à metodologia, adotou-se a abordagem qualitativa, que inclui como procedimentos a pesquisa bibliográfica, a análise documental e de um conjunto de entrevistas semiestruturadas com professores que lecionam no ensino fundamental para coleta de dados. A vantagem da entrevista semiestruturada sobre outras técnicas de pesquisa é permitir a captação de informações com profundidade, além de oportunizar a inserção de novas questões, caso seja necessário. Ademais, “o cenário da entrevista qualitativa viabiliza a livre manifestação dos interesses, crenças, expectativas, lembranças, desejos e motivações dos sujeitos entrevistados em relação às informações temáticas que circulam” (Godoi; Mello; Silva, 2006, p. 316).

Para interpretação dos dados, empregou-se a Análise do Discurso (AD) de linha francesa desenvolvida por Michel Pêcheux, orientada pelo ciclo de políticas formulado por Stephen Ball e Richard Bowe. De acordo com Orlandi (2010), a escola francesa de AD atua a partir de três eixos teóricos principais: a Linguística, o Marxismo e a Psicanálise. Trabalha a língua, o discurso, a ideologia e como essas categorias se relacionam para se ressignificarem. Procura compreender os sentidos produzidos pelos sujeitos interpelados no contexto sócio-histórico e fornece ferramentas para acessar os mecanismos ideológicos, de certa forma silenciados, expondo suas articulações de produção de sentidos ao desvelar o inevidente (Orlandi, 2010).

A abordagem do ciclo de políticas é um método para análise de políticas educacionais, atualmente concebido por cinco eixos que se articulam mutuamente: a) contexto de influência; b) contexto da produção do texto; c) contexto da prática; d) o contexto dos resultados; e e) o contexto da estratégia política (Mainardes, 2006).

O contexto de influência, afirma o mesmo autor, é o local em que normalmente as políticas públicas são empreendidas, os discursos políticos são arquitetados e as disputas sobre as finalidades sociais da educação adquirem legitimidade. Já o contexto da produção do texto se refere aos textos políticos resultantes de disputas e acordos entre os grupos que elaboram as políticas. O contexto da prática diz respeito às condições de cada instituição para implementar determinadas políticas, que variam conforme as especificidades locais. O contexto dos resultados refere-se às mudanças que ocorrem na prática e na estrutura da escola, assim como às condições de acesso, igualdade e justiça social. E, finalmente, o contexto da estratégia política compreende as atividades sociais e políticas que podem ser desenvolvidas para lidar com as desigualdades geradas pela política investigada (Mainardes, 2006).

Diferentemente do que prevê a legislação, as escolas também se configuram como instâncias de formulação de políticas, tanto ao imprimirem significados próprios às políticas governamentais quanto ao usarem sua autonomia para definir suas próprias ações. Nessa direção, este estudo está inserido na lógica denominada por Ball de contexto da prática, ou seja, no cotidiano dos professores participantes da pesquisa.

A pesquisa contou com a participação de oito professores que atuam na rede pública estadual e municipal de São Paulo. Em razão da pandemia do coronavírus, as entrevistas foram realizadas por aplicativo de videoconferência e ocorreram entre os meses de setembro e outubro de 2020. A opção por oito professores se deu em virtude de os anos finais do ensino fundamental possuírem oito componentes curriculares distintos e obrigatórios em sua grade curricular.

As entrevistas foram orientadas por um roteiro composto por itens de análise, que derivaram de cinco grandes temas: 1) perfil dos professores entrevistados; 2) compreensão dos professores acerca da educação sexual; 3) educação sexual e políticas educacionais; 4) educação sexual e currículo; e 5) preparação docente para trabalhar com a educação sexual.

A entrevistas foram realizadas em um único encontro por professor, cada qual em dias e horários distintos. Os diálogos foram gravados em áudio com o consentimento dos entrevistados e variaram entre 28:34 min e 1:28 h de duração, totalizando oito horas e quatro minutos de conversação.

Optamos por não identificar os professores entrevistados nem o nome das escolas onde atuam por entendermos que, não se identificando, os entrevistados se sentiriam mais à vontade para relatarem suas vivências pessoais e experiências profissionais acerca do tema da pesquisa.

Os professores estão nomeados pela letra P, seguidos por números de 1 a 8 (P1, P2, P3, P4, P5, P6, P7 e P8), sendo os respectivos números atribuídos conforme a sequência em que as entrevistas foram efetivadas. Fizeram parte desse estudo cinco docentes do sexo feminino (P3, P4, P5, P6 e P8) e três do sexo masculino (P1, P2 e P7). Todos os participantes dessa pesquisa são professores efetivos na rede estadual e/ou na rede municipal de São Paulo. Com exceção do P2, da P4 e da P5, que não acumulam cargos, os demais docentes possuem uma dupla jornada de trabalho entre a rede estadual e a rede municipal de São Paulo ou com outra rede.

O Quadro 1 traz a caracterização do perfil dos professores participantes do estudo, com as seguintes informações: sexo, nível de formação, tempo de atividade docente e quantidade de turmas que possuem atualmente.

Quadro 1
Perfil dos professores entrevistados

Em termos de formação profissional, verifica-se que todos os entrevistados possuem licenciatura plena nas respectivas áreas em que atuam, sendo que quatro dos entrevistados (P1, P3, P6 e P8) possuem pelo menos uma formação complementar em nível de graduação ou especialização. Quanto à formação continuada, o fator tempo foi mencionado por seis dos entrevistados como o elemento predominante da não ampliação da sua participação em cursos de aperfeiçoamento na área da educação.

Tardif (2014) argumenta que os saberes que servem de base para ao ofício de professor são constituídos de elementos que antecedem a formação inicial. Para o autor, os saberes que alicerçam o trabalho dos professores têm relação com a identidade, com a experiência de vida e com o ciclo social de convivência do docente.

Por isso, no âmbito da organização do trabalho escolar, o que um professor sabe depende também daquilo que ele não sabe, e, daquilo que se supõe que ele não saiba, daquilo que os outros sabem em seu lugar e em seu nome, dos saberes que os outros lhe opõem ou lhe atribuem (Tardif, 2014, p. 13).

Em outras palavras, o saber dos professores é um saber social, incorporado no contexto da socialização profissional e progressivamente modificado em função dos condicionantes sociais (imposição da cultura dominante, inculcação de ideologias pedagógicas, lutas profissionais), na maioria das vezes, influenciados por fatores externos à escola (Tardif, 2014).

ALGUNS MARCOS DA EDUCAÇÃO SEXUAL NO CONTEXTO BRASILEIRO E SUA IMPLANTAÇÃO NOS REFERENCIAIS CURRICULARES NACIONAIS

Muitas problematizações são observadas no campo teórico da educação sexual, dentre elas, a divergência acerca do termo mais apropriado para se referir a tais questões como objeto de trabalho pedagógico. Ao se realizarem leituras que discutem educação sexual no âmbito escolar, é comum que se encontrem termos distintos sendo utilizados por pesquisadores para nomear seus trabalhos. Ora são observadas publicações que fazem uso do termo educação sexual, ora orientação sexual, outras empregam o termo educação para a sexualidade ou, ainda, a terminologia educação em sexualidade. Do mesmo modo, não é consensual a definição acerca da terminologia sexualidade, que varia conforme a cultura ou a área do conhecimento que a investiga.

Maia e Ribeiro (2011) definem o termo sexualidade como sendo um conjunto de concepções culturais que envolvem sentimentos, atitudes e percepções relacionadas à vida sexual e afetiva das pessoas. Tais concepções implicam a expressão de valores, emoções, afeto, gênero, práticas sexuais e extrapolam o conceito de genitalidade.

Louro (1997, p. 26), com base nos estudos de Jeffrey Weeks, concorda que “[...] a sexualidade tem tanto a ver com as palavras, as imagens, o ritual e a fantasia como com o corpo.” Para a autora, essa definição possibilita compreender a sexualidade para além das categorias do corpo, sexo, gênero e papéis sexuais. Em outras palavras, significa dizer que a sexualidade se constitui a partir de discursos reguladores que instituem saberes e produzem verdades a serem analisadas.

O termo educação sexual, no entendimento de Ribeiro (2013, n.p.), “[...] se constitui em um espaço para se debater questões de sexualidade a partir de um viés didático, científico, acadêmico [...]”, dentre as quais estão incluídos conhecimentos relativos à anatomia, à fisiologia humana, às relações de gênero, aos direitos sexuais e à cidadania.

Para o autor, o termo educação sexual é o mais adequado para se referir à dimensão pedagógica da sexualidade, pois “[...[ é mais conhecido, popularmente enraizado e define bem tanto um campo de intervenção pedagógica quanto área de ciência educacional” (Ribeiro, 2017, p. 12). A dimensão pedagógica da sexualidade compreende “[...] as formas de ensinar, aprender, as criativas habilidades de falar, refletir, informar sobre as múltiplas facetas e situação da sexualidade” (Nunes, 1996, p. 219).

Conforme pontua Furlani (2012),

[...] o principal papel da educação sexual é, primeiramente, desestabilizar as “verdades únicas”, os restritos modelos hegemônicos da sexualidade normal, mostrando o jogo de poder e de interesse envolvidos na intencionalidade de sua construção; e, depois, apresentar várias possibilidades sexuais presentes no social, na cultura e na política da vida humana, problematizando o modo como são significadas e como produzem seus efeitos sobre a existência das pessoas (Furlani, 2012, p. 69, grifos da autora).

É sob as perspectivas defendidas por Ribeiro (2013, 2017) e Furlani (2012) que este artigo assume a compreensão de educação sexual e analisa de que maneira esta se insere nas diferentes versões da BNCC.

No que diz respeito ao termo orientação sexual,Ribeiro (2017) esclarece que ele foi difundido no final da década de 1970 pelos psicólogos que passaram a ter uma participação mais expressiva em pesquisas relativas à sexualidade, sendo adotado e tornado oficial pelos Parâmetros Curriculares Nacionais como sinônimo de educação sexual. Conforme o autor,

[...] a partir dos anos 2000, a inserção mais acentuada e ampla do movimento LGBT na sociedade trouxe um alargamento conceitual. A orientação sexual também era compreendida como a direção ou inclinação do desejo afetivo-sexual, um sentido diferente, portanto, daquele que se assemelhava à educação sexual. Assim, até para se evitar confusões, houve um encaminhamento natural para a substituição da Orientação Sexual por Educação Sexual (Ribeiro, 2017, p. 11).

Nos dias atuais, o termo orientação sexual é utilizado para aludir a como a pessoa se sente em relação à atração de cunho afetivo-sexual. Se essa atração se dirige a alguém do mesmo sexo, denomina-se orientação homossexual. Se, ao contrário, é canalizada para alguém do sexo oposto, denomina-se heterossexual. Sendo direcionada para os dois sexos, chama-se atração bissexual, não se tratando, portanto, de uma escolha racional dos sujeitos, visto que as experiências sociais de cada pessoa abrangem uma série de complexidades.

Em relação às primeiras tentativas de implementação da educação sexual nas escolas brasileiras, tais iniciativas datam do início do século XX, conforme evidenciam os estudos de Bueno e Ribeiro (2018), Figueiró (1998, 2001), Ribeiro (1990) e Rosemberg (1985).

Bueno e Ribeiro (2018) descrevem que a educação sexual no Brasil é demarcada por episódios de transformações. Segundo os referidos autores, os primeiros episódios decorrem da década de 1920, com a publicação de livros que abordavam questões relativas à sexualidade humana. Como resultado da influência das concepções médico-higienistas do século XIX, algumas dessas obras se referiam aos seguintes assuntos: o perfil da mulher brasileira, patologias e impotência sexual do homem. Produzidos por médicos, professores e sacerdotes, os escritos tinham como finalidade orientar as práticas sexuais dos indivíduos, sendo o foco desse contexto “[...] o combate à masturbação e às doenças venéreas, além do preparo da mulher para ser esposa e mãe” (Bueno; Ribeiro, 2018, p. 50).

Segundo Figueiró (1998), os primeiros trabalhos de educação sexual no Brasil eram motivados pela preocupação com a saúde das mulheres e pela necessidade de saber mais sobre elas, mas mantendo sua posição subserviente com relação aos homens na sociedade. No currículo escolar, relata a mesma autora, as primeiras iniciativas de inclusão da educação sexual ocorreram em 1930, no Colégio Batista do Rio de Janeiro. A iniciativa perdurou de 1930 a 1954, até que o professor responsável pelo projeto fosse processado e demitido por comportamento indecoroso durante as aulas. A autora não fornece detalhes sobre os motivos que levaram à demissão do professor, mas relata que, em períodos anteriores à década de 1960, tais experiências aconteciam unicamente em escolas protestantes sem vínculo religioso.

Para a autora supracitada, o Colégio de Aplicação da USP foi um dos palcos de maior repercussão na inserção da educação sexual na educação básica. A experiência foi conduzida pela professora Maria José Werebe e realizada entre os anos de 1963 e 1968 por meio de orientação de grupos no horário regular das aulas.

Os grupos eram mistos, compostos por meninos e meninas da primeira e segunda séries ginasiais (atuais 6° e 7º anos do ensino fundamental), pelo professor de ciências - responsável pelas informações biológicas - e por um orientador que conduzia as discussões. O projeto foi organizado em quatro ciclos. Cada ciclo compreendia uma média de nove encontros, que discutiam temas de interesse e necessidade dos estudantes, com os devidos cuidados para se manter um ambiente favorável a respeito do assunto tratado (Figueiró, 1998).

Conforme Bueno e Ribeiro (2018, p. 52), “[...] o projeto contava com atendimento individual, trabalho grupal, trabalho com pais e capacitação.” Todos os participantes do projeto frequentavam um seminário semanal de estudos, o que favorecia as trocas de experiências e contribuía para desmistificar e abordar temas considerados como tabus. Em termos gerais, a experiência foi bem-sucedida e resultou no alcance do objetivo proposto: a inserção da educação sexual no processo educativo (Figueiró, 1998).

Contudo, o regime militar imposto pelo Golpe de Estado de 1964 produziu um contexto de redução das manifestações da sexualidade, que acarretou uma crise política no Colégio de Aplicação da USP, culminando na censura do debate sobre a sexualidade e na perseguição a professores. “A sexualidade, ainda associada à ‘subversão’, passa então a figurar como uma questão polêmica e alvo de repressão e de investigações, especialmente quando vinculada à educação de crianças e adolescentes” (Bueno; Ribeiro, 2018, p. 52).

O ideário moralista e autoritário e a perseguição política que assolava o País no final da década de 1960 atravancavam a realização de novas experiências. As escolas e os professores eram reiteradamente vigiados pelo Estado, sendo que aqueles que se atreviam a continuar com projetos nessa área mantinham tais iniciativas em regime de semiclandestinidade, até que em 1970 essas tentativas deixaram de existir (Rosemberg, 1985).

A conspiração do silêncio que envolveu o campo da educação sexual no Brasil se manteve até o ano de 1978. “Neste ano, no contexto de recentes indícios sobre um afrouxamento da Ditadura Militar, ocorre o I Congresso sobre Educação Sexual nas Escolas” (Bueno; Ribeiro, 2018, p. 53). A partir de então, o tema foi retomado, suscitando a realização de outros eventos científicos bem como a implementação de projetos-piloto nas escolas.

Entre o final da década de 1970 e o início da década de 1980, surgiram os primeiros programas de rádio e de televisão sobre questões relacionadas à sexualidade comandados por mulheres. Segundo Bueno e Ribeiro (2018), Maria Helena Matarazzo e Marta Suplicy - ambas com formação específica na área da sexualidade humana - foram duas personalidades que se destacaram no Brasil:

Maria Helena Matarazzo trabalhou em um programa de rádio diário sobre Educação Sexual na Rádio Globo e em dois serviços de orientação sexual por telefone. Marta Suplicy falava abertamente sobre sexualidade em um programa da Rede Globo, o TV Mulher (Bueno; Ribeiro, 2018, p. 54).

Com o advento da AIDS na década de 1980, os projetos de educação sexual foram reinseridos nas escolas para responder a uma emergência preventiva. A partir daí, muitas portas foram abertas e, com isso, questões importantes foram trazidas e discutidas. No entanto,

[...] trabalhava-se a sexualidade não porque acreditavam ser importante para o desenvolvimento integral do indivíduo, mas porque as pessoas começaram a ter a visão de que a educação sexual deveria ser discutida de uma forma que tratasse dos problemas que estavam aparecendo, como: a gravidez na adolescência, o uso de drogas por adolescentes e devido à preocupação de pais e educadores com o aparecimento da AIDS, que começava a “ameaçar” também aos jovens e mudar todos os conceitos e maneiras de vivenciarem a própria sexualidade (Ribeiro, 1990, n.p.).

Esse período também ficou marcado pelas campanhas publicitárias de prevenção ao HIV-AIDS, que erroneamente posicionaram homens homossexuais como os grandes (ou talvez os únicos) vetores de propagação do vírus. “Naquele momento, o movimento LGBT, que vinha se organizando desde o final da década de 1970, passa a ter um papel fundamental, realizando ações de combate ao preconceito e estimulando a solidariedade com pessoas soropositivas e doentes” (Araújo et al., 2018, p. 14).

No período de 1980 a 1990, segundo Bueno e Ribeiro (2018), destacam-se os seguintes eventos: a) a criação de projetos de educação sexual na cidade de Campinas (1984-1998) no Grupo de Trabalho para Formação e Capacitação de Professores em Orientação Sexual, que posteriormente foi incluído na Lei Orgânica Municipal em 1990; b) a inclusão da sexualidade nos currículos de escolas municipais dos estados de São Paulo e Rio Grande do Sul; e c) a atuação de ONGs nas escolas, nos cursos de capacitação de professores, na produção de guias, vídeos, manuais e outros materiais educativos para as escolas.

Entre essas instituições estão, o Instituto Kaplan, o Centro de Educação Sexual (CEDUS), o Centro de Orientação e Educação Sexual (CORES), a Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA), o Comunicação em Sexualidade (ECOS) e o já citado GTPOS. (BUENO e RIBEIRO, 2018, p. 55). Em 1985 foi oferecido o primeiro Curso de Extensão em Educação Sexual na Universidade Federal da Bahia (UFBA) que, mais adiante se converteu no Programa de Educação Sexual (PROEDSEX/UFBA), mantendo suas atividades até a década de 2010 (Araújo et al., 2018).

A partir de 1990, também se observa um impulso no desenvolvimento de políticas públicas voltadas para os jovens. A construção do masculino e do feminino a partir de uma visão sociocultural, e não como um atributo exclusivo da natureza, passou a ser trabalhada por organizações não governamentais e pelas universidades. Também nessa década, o conceito de gênero começou a fazer parte da educação sexual brasileira. Cabe aqui esclarecer que o termo gênero utilizado reiteradamente neste artigo se refere à identidade dos sujeitos. Conforme afirma Louro (1997), as identidades dos sujeitos são plurais, mutáveis, podendo, até mesmo, ser contraditórias.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) foram a primeira iniciativa do Ministério da Educação voltada para a inclusão de questões relativas à sexualidade nas escolas brasileiras. A Orientação Sexual - termo utilizado pelos psicólogos que participaram da elaboração dos PCN - é oficializada nos currículos escolares e apresentada para ser incorporada em todas as áreas do conhecimento, de forma integrada e transversal a todas elas.

A introdução da educação sexual emerge em meio a um conjunto de mudanças impelidas pela promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990 e de uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação, reforçadas por compromissos internacionais assumidos pelo governo brasileiro na Conferência do Cairo, realizada em 1994, e na Conferência de Pequim, realizada em 1995.

Tanto a Conferência do Cairo quanto a Conferência de Pequim resultaram em acordos mundiais para melhorar a vida da população. Dentre os compromissos firmados na Conferência do Cairo, o Brasil se comprometeu com a promoção da igualdade de gênero, eliminação da violência contra as mulheres, garantia dos direitos reprodutivos e redução da mortalidade materna e infantil. Na Conferência de Pequim, colocaram-se em pauta os entraves à participação das mulheres em todas as esferas da vida pública e privada, com vistas à ascensão de seu envolvimento nas áreas da pobreza, educação, saúde, economia, tomada de decisão, mídia e meio ambiente.

Foi nesse contexto, sob influência das agências multilaterais internacionais, que o governo brasileiro lançou os Parâmetros Curriculares Nacionais e oficializou a inclusão da orientação sexual no currículo das escolas. Nos PCN, a orientação sexual tem como premissa transmitir conteúdos que versam sobre o corpo, o papel social do homem e da mulher, o respeito por si e pelo outro, as discriminações e os estereótipos atribuídos e vivenciados nos relacionamentos.

Os PCN lançaram as bases para que a educação sexual fosse implementada nas escolas de forma transversal, mas não houve, por parte dos órgãos governamentais, investimento na formação de professores para que a temática se consolidasse no meio educacional.

Na primeira década dos anos 2000, as ações implementadas pelo governo brasileiro no campo da sexualidade foram decorrentes de movimentos sociais2 que despontaram no final da década de 1970 e de políticas públicas empreendidas ao longo dos oito anos de mandato do governo Lula (2003-2011), que produziram mudanças de concepções a respeito da diversidade sexual.

Dentre as medidas previstas para combater o preconceito contra a diversidade sexual, destaca-se o Programa Brasil sem Homofobia (BSH) e o Projeto Escola sem Homofobia (ESH), que ocorreram por meio de convênios firmados pelo MEC com algumas ONGs. O BSH, lançado em 2004, é o marco brasileiro no combate à discriminação por orientação sexual e identidade de gênero. Segundo Oliveira Júnior e Maio (2017), além da função primária de estabelecer um diálogo da sociedade civil com o Estado no que se refere ao tratamento da diversidade sexual, o BSH busca o reconhecimento e a reparação da cidadania da população LGBTQIAP+3.

Já o ESH - lançado com o objetivo de combater a violência contra gays, lésbicas, travestis e transexuais nas instituições escolares -, além da formação de educadores para tratar questões relacionadas ao gênero e à sexualidade, produziu um conjunto de materiais didáticos a serem distribuídos nas escolas públicas, denominado de Kit Anti-Homofobia. O Kit Anti-Homofobia, pejorativamente apelidado de kit gay por seus detratores, constituía-se de instrumentos didático-pedagógicos que intentavam desconstruir estereótipos sobre a população LGBTQIAP+ e estabelecer um convívio democrático com as diferenças.

Desenvolvido ao longo de dois anos, o Kit seria composto por um conjunto de materiais didáticos incluindo: Boleshs (Boletins Escola sem Homofobia), cartaz de divulgação, carta de apresentação para gestores/as e educadores/as, Caderno (Escola sem Homofobia) e Recursos Audiovisuais: Medo de Quê? Boneca na Mochila, Torpedo, Encontrando Bianca e Probabilidade (Oliveira Júnior; Maio, 2017, p. 133).

Na ocasião da exposição do material, o discurso contestador em tom de deboche do então Secretário de Educação André Lázaro, no momento em que discursava aos congressistas e representantes de entidades de apoio à confecção do material, instigou bancadas políticas e sociedade civil a agirem de forma contrária à adoção do Kit Anti-Homofobia.

A partir de então, uma explosão discursiva na mídia digital e televisiva passou a chamar a atenção da sociedade para os perigos de o suposto material pedagógico produzido pelo MEC incentivar práticas homoafetivas. Até mesmo as pessoas que não tiveram acesso ao material reproduziam o discurso do parlamentar, afirmando que o referido Kit ensinava as pessoas a serem homossexuais (Furlani, 2011a).

Apesar do investimento de 1,8 milhão na confecção de materiais para as escolas, em pesquisas, seminários e atividades de formação contínua para professores, o governo cedeu às pressões e suspendeu a distribuição do material. Na ocasião, a presidente Dilma Rousseff argumentou que não é papel do governo fazer propaganda de opções sexuais (Furlani, 2011b).

De igual modo, no processo de aprovação da BNCC, as questões de gênero e sexualidade sofreram forte resistência de setores ultraconservadores e da bancada evangélica na câmara, culminando na supressão de termos que promovessem a visibilidade e os direitos da população. As inclusões e retiradas desses termos nas diferentes versões da BNCC serão problematizadas no tópico seguinte.

A perspectiva da Educação Sexual nas versões da BNCC

A divulgação da primeira versão da BNCC deu-se num contexto político no qual se acirravam as disputas que resultaram no processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Na ocasião, o tema do currículo foi amplamente difundido pela mídia, e predominavam discussões em que se evidenciava o entendimento de que

os direitos sociais, políticos e éticos e à formação integral dos sujeitos seriam o norte de seu processo de construção e que, sendo a base um parâmetro para inspirar currículos, esta deveria se pautar na busca pela equidade, no acolhimento à diversidade e nos acordos e documentos que já tinham sido produzidos para a Educação Básica (Micarello; Frade, 2016).

Neira, Alviano Júnior e Almeida (2016) observam que a primeira versão da BNCC foi elaborada por uma equipe composta por docentes indicados pelo Conselho Nacional dos Secretários de Educação (CONSED), pela União Nacional dos Dirigentes Municipais da Educação (UNDIME) e por profissionais de 35 universidades. Para estabelecer um diálogo com as atuais correntes da teorização curricular e produzir um documento que incorporasse a diversidade cultural, religiosa, de gênero etc., a equipe se baseou nos currículos estaduais e do Distrito Federal (Neira; Alviano Júnior; Almeida, 2016). Para contemplar as necessidades educativas locais,

Trabalhou-se, como referência, com um parâmetro de que a BNCC ocupasse no máximo 60% da carga horária de cada componente, sendo os outros 40% reservados à parte diversificada, de responsabilidade dos sistemas de ensino (Valladares et al., 2016, p. 9).

No processo de elaboração do documento, ocorreram manifestações legítimas de discordâncias quanto ao que se considerava essencial, secundário e fundamental em matéria de conhecimentos. Para os grupos conservadores, os textos da BNCC estavam muito aquém do que seria necessário em termos de obtenção de conhecimentos. Os grupos progressistas também se posicionaram contrários ao documento e criticaram o encolhimento da proposta, na qual não se mostrou qualquer intenção mercadológica ou favorável às políticas neoliberais (Neira; Alviano Júnior; Almeida, 2016).

No tocante à sexualidade e às questões de gênero, a primeira versão da BNCC vislumbrava a possibilidade de abordar essas temáticas em diversas etapas e áreas do conhecimento. Conforme se verifica no Quadro 2, termos equivalentes a tais temáticas são amplamente difundidos em diversas passagens do documento:

Quadro 2
A educação sexual na primeira versão da BNCC

Da primeira para a segunda versão da BNCC houve significativas mudanças. No que concerne à abordagem das questões de gênero e sexualidade, o Quadro 3 evidencia que a segunda versão amplia a quantidade de informações e de esclarecimentos a respeito dessas temáticas nas três etapas de escolarização e nos enunciados dos objetivos de aprendizagem de diversas áreas do conhecimento:

Quadro 3
A educação sexual na segunda versão da BNCC

Em síntese, a segunda versão da BNCC apresenta uma proposta na qual as vozes de diversos segmentos sociais em diferentes regiões do País puderam argumentar a favor das suas convicções e pleitear a inclusão de políticas afirmativas adotadas pelo Estado em outras áreas com características e escopo diferenciados.

Como se observa no Quadro 4, a análise da terceira versão aponta ajustes nos textos introdutórios do documento, amplia as menções relativas a gênero e/ou sexualidade em componentes curriculares não mencionados nas versões anteriores, como geografia e história e, ao mesmo tempo, elimina a menção explícita desses termos da educação infantil, dos componentes de educação física, ensino religioso e língua estrangeira.

Quadro 4
A educação sexual na terceira versão da BNCC

Nas versões da BNCC até aqui apresentadas, havia não somente menções aos termos gênero, orientação sexual e as múltiplas dimensões da sexualidade como também uma visão mais crítica e reflexiva sobre a diversidade sexual.

No entanto, com a justificativa de que a temática de gênero provocara muita controvérsia, o MEC eliminou da versão oficial os termos gênero e orientação sexual e se comprometeu, posteriormente, a elaborar um documento com orientações específicas sobre os temas por ora suprimidos.

Conforme se verifica no Quadro 5, na versão da oficial da BNCC, a menção explícita da temática sexualidade sobrevém muito timidamente apenas no componente de ciências e restrita ao contexto do oitavo ano do ensino fundamental:

Quadro 5
A educação sexual na versão oficial da BNCC

A análise do quadro anterior denota uma série de retrocessos, principalmente quando comparada com as diretrizes preconizadas pelos PCN. Enquanto em 1997 os Parâmetros Curriculares de Orientação Sexual são oficializados para serem implementados nos currículos escolares, decorridos vinte anos o quadro revela um profundo cerceamento em torno dessa temática.

Os conhecimentos sobre os aspectos anatômicos e fisiológicos da reprodução humana, embora sejam de suma importância, não são suficientes para proporcionar uma intervenção sistemática, capaz de modificar atitudes e comportamentos das crianças e adolescentes com relação à sexualidade. A nosso ver, um processo educativo comprometido com a educação sexual não pode ser somente cognitivo, dado que o social e as questões emocionais intervêm nesse processo.

As habilidades a serem desenvolvidas sobre questões relativas à sexualidade estão esquematizadas da seguinte forma:

(EF08CI08) Analisar e explicar as transformações que ocorrem na puberdade considerando a atuação dos hormônios sexuais e do sistema nervoso.

(EF08CI09) Comparar o modo de ação e a eficácia dos diversos métodos contraceptivos e justificar a necessidade de compartilhar a responsabilidade na escolha e na utilização do método mais adequado à prevenção da gravidez precoce e indesejada e de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST).

(EF08CI10) Identificar os principais sintomas, modos de transmissão e tratamento de algumas DST (com ênfase na AIDS), e discutir estratégias e métodos de prevenção.

(EF08CI11) Selecionar argumentos que evidenciem as múltiplas dimensões da sexualidade humana (biológica, sociocultural, afetiva e ética) (Brasil, 2017b, p. 348-349).

Embora a última habilidade mencione a necessidade de evidenciar as múltiplas dimensões da sexualidade humana, a análise da BNCC em sua integralidade revela uma perspectiva de educação sexual centrada na dimensão biológica com vistas a minimizar problemas de saúde pública.

De acordo com a apuração do portal De Olho nos Planos, “[...] das 235 contribuições enviadas por escrito à 3ª versão da Base, 75 citam explicitamente ‘gênero’ e/ou ‘orientação sexual’, sendo 23 contrárias e 51 favoráveis à inclusão dos temas” (De olho nos planos, 2018, n.p.).

Mesmo com a maioria das contribuições a favor da inclusão dos referidos temas nos referenciais curriculares, na versão oficial do documento os trechos que defendiam o respeito à diversidade de indivíduos com relação às diferenças de sexo, identidade de gênero e de orientação sexual foram banidos de todos os componentes curriculares que traziam essa menção.

Para Ximenes (2017), não houve transparência nos debates que culminaram na versão oficial da BNCC. Segundo o mesmo autor, a versão sigilosa da BNCC, enviada pelo MEC para ser homologada, incorporou o viés conservador dos projetos de lei do Movimento Escola sem Partido que resultaram na exclusão das discussões de gênero e sexualidade nas escolas. Supor que essas temáticas são levadas para a escola para incutir a homossexualidade nos alunos é demonstrar total desconhecimento do contexto escolar e de seus conflitos, que existem justamente porque a escola é plural e diversa (Souza; Oliveira, 2017).

Segundo Manhas (2016) e Ratier (2016), o Movimento Escola sem Partido (ESP), fundado em 2004 pelo advogado e procurador do estado de São Paulo Miguel Nagib, a princípio, por apresentar propostas incoerentes, particularmente com relação aos avanços conquistados na questão dos direitos humanos, não gerou muitas preocupações na ocasião de suas primeiras manifestações. Todavia, nos últimos anos, o ESP tem se corporificado e ganhado visibilidade na mesma proporção de movimentos fascistas, tais como Revoltados Online4, que tentam impor ao País um projeto de vida baseado em impressões e vivências individuais.

O ESP faz uso de um discurso manipulador, adotando informações distorcidas e assombrosas. Desqualifica a escola e os professores, propondo que os estudantes atuem como delatores de docentes que trouxerem, entre outras questões, o debate sobre educação sexual e de gênero para a escola (Penna, 2017). Seu objetivo é subverter a distinção entre educação formal (ofertado pela iniciativa privada) e educação informal (realizado no âmbito das esferas sociais) por meio de falácias ideológicas e enganadoras, baseadas em pesquisas de opinião sem comprovação científica que defendem a omissão do pensamento crítico, da problematização e da possibilidade de se democratizar a escola (Manhas, 2016; Ximenes, 2016).

A pressão de grupos ligados ao ESP pelo silenciamento do professor, possivelmente supondo que, ao não se discutirem essas questões, elas não adentrarão a escola, trata-se, conforme Louro (1997), de uma presunção utópica, dado que a sexualidade, quer queira quer não, está literalmente estampada na vida das crianças e dos jovens.

Elas fazem parte das conversas dos/as estudantes, elas estão nos grafites dos banheiros, nas piadas e brincadeiras, nas aproximações afetivas, nos namoros; e não apenas aí, elas estão também de fato nas salas de aula - assumidamente ou não - nas falas e atitudes das professoras, dos professores e estudantes (Louro, 1997, p. 135).

A compreensão de como as relações de gênero se constroem e se estabelecem em nossa sociedade é de fundamental importância para qualquer proposta de organização curricular. Esses temas precisam adentrar nas escolas porque fazem parte da sociedade. Isto posto, não resta dúvida sobre a grande contribuição dessas reflexões para o aprendizado de valores e atitudes que contribuam para a superação da alienação humana.

A PERCEPÇÃO DE PROFESSORES SOBRE CONTEXTO DE NARRATIVAS E DISPUTAS QUE INTERMEDIARAM A CONSTRUÇÃO DA BNCC

No âmbito político, o campo da educação sexual tem sido objeto de intensas disputas ideológicas, em que a presença de grupos conservadores tem conseguido retroceder conquistas importantes alcançadas no campo educacional nas últimas décadas.

A invenção da ideologia de gênero e sua suposta ameaça à família tradicional cristã tem sido um dos focos de convencimento desses grupos para barrar a discussão de temas correlatos a gênero e diversidade sexual nas escolas, entre outros posicionamentos que representam cerceamentos a direitos e garantias fundamentais.

Furlani (2016) explica que o conceito ideologia de gênero é uma narrativa que tem sua origem no interior da Igreja Católica e do Movimento Internacional e Nacional Pró-vida e Pró-Família, com o objetivo de conter as mudanças políticas e sociais decorrentes do conceito de gênero, sobretudo no campo das políticas educacionais, saúde e direitos humanos. No Brasil, a narrativa ideologia de gênero foi difundida pelo Observatório Interamericano de Biopolítica, um site dirigido pelo professor Felipe Nery que reúne materiais e representantes que se empenham em propagar um pânico social contra os estudos de gênero, políticas públicas voltadas para as mulheres e para a população LGBTQIAP+ (Furlani, 2016).

Ainda conforme a mesma autora, no entendimento dessas instituições há uma conspiração articulada por organizações e países com tendências de esquerda, marxista, ligados ao partido dos trabalhadores, que pretendem instituir políticas que atentam contra a tradicional família cristã - composta por pai, mãe e filhos -, modelo único, normal e hegemônico.

Entre os objetivos dessas ofensivas, adquirem centralidade as disputas acerca da definição dos currículos da educação básica, especificamente pela importância que possuem na definição das políticas de formação de professores e de organização do espaço escolar.

Conforme reportado anteriormente, essa onda de censura remonta às primeiras discussões de elaboração do segundo Plano Nacional de Educação (Projeto de lei nº 8.035/2010), perpassa por uma explosão discursiva na ocasião da apresentação do Kit Anti-Homofobia e, mais recentemente, nos debates que intermediaram a construção da Base Nacional Comum Curricular.

Nessas ocasiões, as narrativas ideológicas repercutiram no cenário nacional, provocando debates incisivos na sociedade brasileira, resultando na retirada de tópicos concernentes à diversidade de gênero/sexual na versão oficial da BNCC. Na versão homologada, a sexualidade está mantida muito timidamente apenas no componente de ciências e restrita ao contexto do oitavo ano do ensino fundamental.

Com a não menção explícita dos termos gênero e orientação sexual, disseminou-se a ideia de que, se não estão contemplados na base, esses temas não poderiam ser abordados em sala de aula, culminando numa atmosfera de censura e de silenciamento em torno de tais temáticas.

Com relação a essa discussão, foi unânime nos depoimentos dos professores entrevistados a associação entre o retrocesso das pautas de sexualidades e igualdade de gênero nos currículos e a presença de grupos religiosos conservadores nos espaços decisórios do Estado brasileiro.

Para a P3 e a P6, o cenário de retrocesso político coloca em risco vários avanços sociais:

De verdade é um grande retrocesso que a sociedade brasileira tá passando né, em nome de um conservadorismo né que é muito ruim porque ele é arraigado nas questões religiosas, então a gente tem um grupo religioso que tá acendendo (sic) nas questões econômicas, aliás, já acendeu (sic) né, já são poderosos, já tem controle da economia, mas que querem também se apropriar das decisões políticas e pra isso eles levantaram uma bandeira da moral e do conservadorismo que atravessa todas aquelas políticas de desenvolvimento que o Brasil tava tendo (P3).

Eu entendo que essas discussões elas têm muito a ver com o grande avanço das igrejas neopentecostais em nossa sociedade, basicamente isso. [...] Eles querem colocar essas discussões dentro do processo democrático, isso é perfeitamente aceitável, não estou questionando isso, o problema é que os outros grupos não estão mais ganhando esse debate (P6).

Em seus argumentos, a P8 chama a atenção para o fato de as imposições de moralidades religiosas não estarem em consonância com os ideais de uma sociedade igualitária:

[...] eu vejo essa intromissão toda como parte de uma base ideológica mesmo que têm outros princípios, outros preceitos que não a... que não condiz com a liberdade de falar sobre educação sexual né, que inclusive pra mim vai contra até a questão do Estado laico. Eu acho que essa opressão está muito ligada a quem está no poder nesse momento sabe? Essa onda de conservadorismo, essa coisa toda. Tem cara ideológica, representa muito o pensamento de quem está no poder nesse momento que pra mim esse pensamento não está de acordo com as demandas de uma sociedade livre e educada em todos os aspectos (P8).

O P7 associa o cenário de retrocesso político instaurado no Brasil aos discursos proferidos pelo antigo presidente, em diversos momentos da sua carreira política:

Vai muito do momento que a gente tá vivendo né, do presidente que foi eleito, dos discursos que são aí suspensos na sociedade né, de que ser gay é um crime né, em fim (sic), eu acho que vai muito ao encontro dessas discussões (P7).

Seja por meio de palestras, seja por meio da divulgação de vídeos na internet, desde a época em que exerceu seus mandatos como deputado federal (1991-2018), Jair Bolsonaro se posicionava contra qualquer política pública que incorporasse a abordagem de questões de gênero e sexualidade na esfera pública e no âmbito da educação. A influência dessas produções discursivas enunciadas pelo antigo presidente é também mencionada pela P5 ao comentar sobre a censura que gerou polêmica na inclusão/exclusão das questões de gênero e sexualidade nas versões da BNCC:

Olha... eu penso que principalmente, com o governo vigente, vários setores estão sofrendo com a questão da censura, né. E trabalhar sexualidade sempre foi um tabu na sociedade. Então eu penso que sempre vai ser uma briga da ciência com relação ao conservadorismo, a sociedade né (P5).

As falas acima descritas nos remetem a um discurso muito marcante proferido pelo presidente Jair Messias Bolsonaro, logo após a divulgação do resultado da eleição presidencial, no dia 9 de novembro de 2018. Na ocasião, o presidente eleito se dirigia a seus eleitores para falar sobre seu plano de seu governo e apresentar o seu time de ministros, que, em suas palavras, iria salvar a economia do País. Num dos trechos do seu discurso, o presidente comentou sobre a indefinição do ministro da educação, por se tratar de um ministério complicado. Em seguida, mencionou um texto sobre o linguajar usado por homossexuais e travestis utilizado no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) de 2018, com o qual se mostrava indignado e o categorizou de estar impregnado deideologia de gênero.

Em seu discurso, reproduzido a seguir, há uma ideia retrógada de educação sexual:

Quando o filho tá indo pra escola não é pra aprender a fazer sexo não [...] quando o pai bota o filho pra escola, é que ele quer que ele aprenda alguma coisa. Nós sabemos que a educação quem dá é os pais, a instrução é da escola e queremos mudar isso [...] nós queremos a normalidade (Bolsonaro, 2018).

A perspectiva de educação sexual manifestada na fala do presidente, que se reveste de defesa da ordem e moralização dos costumes, não só reforça a perspectiva de negação do pluralismo, como desqualifica a diversidade sexual. A regulação das sexualidades pelos preceitos religiosos e fundamentalistas amplia a difusão de uma mensagem sexista, carregada de visões estigmatizadas. Esse posicionamento alimenta a intolerância, monopoliza certas verdades e abre as portas para uma religiosidade contaminada de ódio e repleta de incompreensões.

O ativismo religioso conservador em situações estratégicas de decisão política é também observado nos comentários do P1 e do P2:

[...[ eu acredito que grande parte dessa censura que ocorre para que esse tema não seja tão difundido na escola né, nos documentos referenciais é a influência da religião que hoje é muito presente na política brasileira. Então em todos os seguimentos da... de... fundamentação desses documentos, existe uma influência muito grande dessas bancadas é... cristãs, ditas né, cristãs, evangélicas (P1).

É uma censura mais religiosa, voltada para questão religiosa do que pra questão da educação mesmo. Porque a pessoa que põe essa censura ela não tá percebendo, ela não tá acompanhando o crescimento [...] que ta tendo crescimento da vida sexual das crianças né. Gravidez indesejada, DST que estão aparecendo... Hoje em dia as crianças já falam em namorar, em beijar na boca né (P2).

Os preceitos religiosos e fundamentalistas que alicerçam o debate sobre questões vinculadas à sexualidade são também mencionados pela P3 e pela P8 ao se recordarem das declarações controversas de Damares Alves - ex-ministra do governo Bolsonaro -, responsável pela pasta da Mulher, Família e Direitos Humanos. Vejam-se, portanto, os comentários da P3 e da P8:

Então, a nossa ministra da família aí dos direitos humanos ela é uma das responsáveis por criar mitos em relação ao que nós queremos que a molecada (sic) se compreenda direito, ela fala que a gente é a favor da pedofilia, que a gente é a favor dessas monstruosidades. Bom, se a gente quer educar pra ter denúncia, nós não podemos ser a favor. Quando eles desmontam todas as políticas públicas relacionadas ao que acontece na sociedade brasileira, me parece que eles são bem mais a favor do que eles pensam né, porque é... quando eles falam que eles são conservadores a gente nunca pode deixar de perguntar: mas o que eles querem conservar? [...] Então a gente precisa contextualizar e debater essas questões pra gente entender exatamente pra que lado vai (sic) as políticas públicas né. Só que os meios de comunicação fazem um papel de convencimento importante e as pessoas acabam esquecendo que elas também pensam né, engolem o que os governos e as propagandas falam, acham que é certo e pronto! (P3).

Eu posso não posso impor uma ideologia minha sei lá... contra uma razão maior, contra um motivo maior só porque se dizem (sic) que não é certo. Então tem muito a ver com quem está no governo, com quem está no poder nesse momento. Quando eu vejo a ministra, a sinistra né, a Damares colocando o pensamento dela eu fico pensando de que caverna ela saiu. A palavra é essa “caverna”! (P8).

As críticas da P3 e da P8 referem-se a duas declarações da ex-ministra Damares Alves que repercutiram intensamente na mídia. A primeira ocorreu no início de 2020, com a proposta de incluir a abstinência sexual como política pública de prevenção à gravidez na adolescência e outras situações de risco à saúde reprodutiva e sexual. Em nota divulgada pelo jornal O Globo5, a pasta comandada por Damares justificou que o início precoce da vida sexual leva a comportamentos antissociais ou delinquentes e afastamento dos pais, escola e fé, entre outras consequências.

Tais declarações levaram diversas entidades brasileiras a se posicionarem contra a proposta da ministra. A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) argumentou que a proposta da ministra, além de ineficaz, não tinha respaldo científico, pois as únicas ferramentas eficazes para reduzir os índices de gravidez na adolescência são o acesso à educação e à informação, em conjunto com as ações dos serviços de saúde capacitados. “A abstinência somente é saudável se for uma escolha genuína do adolescente e não uma imposição ou a única opção oferecida” (Silva, 2020, n.p). Em outras palavras, esse é um problema de raízes profundas, que pode ser minimizado com educação sexual e não com medidas simplistas ou ideológicas.

A segunda polêmica a que a P3 e a P8 fizeram referência ocorreu no início de 2019 com a divulgação de um vídeo nas redes sociais, gravado logo após o fim do discurso de posse da ministra Damares Alves, no qual ela manifestou a seguinte convicção: menino veste azul e menina veste rosa, sendo esta a marca de uma nova era no Brasil. Em sua fala, a referida ministra reafirmava pretender acabar com o abuso da doutrinação ideológica de crianças e adolescentes no Brasil e que a revolução estava apenas começando (Quinalha, 2019).

Diante da repercussão dessas declarações, a ex-ministra Damares justificou que se tratava de um posicionamento contra a ideologia de gênero. Na visão da ex-ministra, a ideologia de gênero seria um elemento doutrinador de crianças que traria a destruição da família tradicional cristã - composta por pai, mãe e filhos e entendida como o único modelo normal - e, portando, precisaria ser combatida. A difusão de mensagens sexistas, carregadas de termos simplistas e de visões estigmatizadas,

têm reflexo na vida do menino afeminado que usa cor de rosa e sofre bullying, da menina trans que não consegue ir na escola, das mulheres que são espancadas por seus maridos. Isso não é diversionismo. Isso é efeito concreto de ideologia na vida das pessoas (Quinalha, 2019).

Falácias como as proferidas por membros do governo predecessor se tornaram a bandeira das bancadas políticas religiosas, que discordam da abordagem de questões de gênero e diversidade sexual nos espaços públicos, como a escola. Esses grupos enxergam qualquer pensamento diferente do seu como uma ameaça, que deve ser combatida com disciplina e repressão.

A socialização sexista não apenas redefine papéis sociais de homens e mulheres de forma desigual, como se constitui em um poderoso instrumento para se projetarem essas mesmas posições de gênero e sexualidade, entre possíveis modos de ser, viver e experimentar os corpos (Louro, 1997).

Ainda sobre a polêmica da inclusão/exclusão das questões de gênero e sexualidade no processo de elaboração da BNCC, destaca-se a fala da P4 ao comentar sobre o significado simbólico dos documentos curriculares nacionais e seu papel legitimador das práticas docentes:

Eu acompanhei um pouquinho a questão da Base né que tirou a palavra gênero e tem a palavra sexo né. [...] se não está num documento que é nacional, automaticamente está se dizendo que não é legítimo falar sobre isso né. [...] são questões que não só a gente enquanto adultos, mas os adolescentes trazem também desde muito novos. Então se a gente não tem um documento que respalda isso como é que a gente vai trabalhar né? [...] A gente sabe que uma mulher cisgenero vai ser vista na sociedade de uma forma, a mulher transgênero de outra [...] é bem problemático a gente não ter esse espaço na escola como legítimo (P4).

A fala em questão e os demais comentários até aqui discorridos remetem ao pensamento de Arroyo (2011) quando ele aponta que o currículo passou a ser o território mais normatizado e mais disputado de todos os tempos.

Segundo o referido autor,

Nossas identidades têm como referência recortes do currículo. Somos licenciados para uma disciplina-recorte do currículo. Mestres e educando seremos avaliados, aprovados ou reprovados, receberemos bônus ou castigos por resultados no ensinar-aprender as competências previstas no currículo. A sorte dos alunos está igualmente atrelada ao currículo para seus êxitos ou fracassos e para seus percursos normais ou truncados. Mas também seu direito à educação recebe garantias do currículo (Arroyo, 2011, p. 15).

Para Louro (1997, 2003), a escola não só reproduz ou reflete concepções de gênero e sexualidade difundidas na sociedade, como ela própria se encarrega de produzi-las. Utilizando como exemplo as experiências escolares colhidas em artigos acadêmicos, a autora explica que a escola pratica a pedagogia da sexualidade por meio de estratégias de disciplinarização dos corpos. Para a autora, “tal pedagogia é muitas vezes sutil, discreta, contínua, mas quase sempre, eficiente e duradoura” (Louro, 2003, p. 17).

Nessa direção, Britzman (2003) tece uma crítica quanto à forma como a sexualidade é organizada no currículo. Segundo a autora, na maioria das vezes, a discussão em torno dessa temática contempla apenas o conhecimento de fatos com ênfase no que é certo ou errado e, portanto, atrelado a discursos normativos que “defendem uma forma cultural apropriada e uma idade apropriada para a sexualidade” (Britzman, 2003, p. 104). Nessa perspectiva, afirma a autora, alguns grupos não são incluídos na descrição daquilo que é considerado adequado.

Para Ribeiro (2017), vive-se atualmente no Brasil um momento potencialmente perigoso em que se prega a ruptura do Estado democrático de direito conquistado ao longo da nossa história. A ofensiva do campo religioso tem conseguido atrair contingentes substanciais em protestos nas ruas e mobilizar discursos que objetivam a manutenção de seus interesses para incidir políticas regressivas no campo da sexualidade e dos direitos reprodutivos. Esse ativismo sob a capa de pregação religiosa que atenta contra os direitos humanos e o campo educacional tem retrocedido cerca de oitenta anos nos avanços conquistados nas políticas públicas, especialmente as direcionadas para as questões de equidade de gênero (Ribeiro, 2017).

Os gêneros e as sexualidades com suas múltiplas relações com as identidades estão presentes na vida social e no cotidiano escolar. Conforme pontua Furlani (2016), os estudos de gênero existem para estudar os sujeitos LGBTQIAP+, compreender a expressão de suas identidades, propor conceitos e teorias para sua existência e ajudar na construção de uma sociedade mais igualitária para todos.

Diante da relevância e da urgência de essa temática fazer parte da educação no Brasil, faz-se necessário ampliar a noção de sexualidade pelos professores para que possam lidar com as dificuldades resultantes de tabus e preconceitos enraizados na vida social e contribuir na formação de pessoas em sua totalidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscou-se, com este estudo, analisar de que maneira a educação sexual se insere nas diferentes versões da BNCC, bem como a percepção dos professores sobre as narrativas e disputas que intermediaram o processo de elaboração do citado referencial curricular.

O exame das diferentes versões da BNCC revelou que da primeira para a terceira versão houve mudanças significativas na abordagem das questões de gênero e sexualidade em todas as etapas da educação básica. De modo geral, havia não somente menções aos termos ora suprimidos na versão oficial como também uma visão mais crítica e reflexiva sobre a diversidade sexual.

No entanto, a atuação incisiva das bancadas políticas conservadoras culminou na retirada dos conceitos de gênero e de orientação sexual, deixando de evidenciar dimensões importantes no documento final, configurando um profundo retrocesso, principalmente se comparado com as diretrizes preconizadas na década de 1990 pelos PCN.

Os estudos de gênero se constituem num campo multidisciplinar que abarca diversas ciências. Cada ciência, ao seu modo, se utiliza do conceito de gênero de forma distinta, seja para refletir sobre a sociedade, para explicar a realidade, questionar as compreensões pedagógicas vinculadas à sexualidade, entre outras intencionalidades. Mesmo que determinados termos sejam suprimidos dos documentos curriculares, a humanidade continuará a se expressar em sua diversidade e a buscar aceitação na sociedade.

Com relação às políticas regressivas no campo da sexualidade na BNCC, foi unânime, na percepção dos professores participantes da pesquisa, a presença de grupos conservadores nos espaços decisórios do Estado brasileiro. Todos os docentes participantes da pesquisa consideram que a educação sexual na escola é de fundamental importância para promover reflexão e gerar mudanças de comportamentos com relação à reprodução de desigualdades no ambiente escolar.

Cabe lembrar que a retirada de termos relativos à sexualidade dos referenciais curriculares, além de não extinguir das escolas as tensões oriundas da diversidade humana, favorece a persistência da intolerância e da violência, enfraquecendo o combate ao preconceito, ao abuso sexual e à violência contra a população LGBTQIAP+.

Para além da superação do senso comum, a compreensão das questões sexuais pode contribuir para que as pessoas passem a entender a sexualidade, a partir da desconstrução de tabus, preconceitos e valores enraizados historicamente na sociedade.

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    » http://www.epsjv.fiocruz.br/noticias/entrevista/temos-um-documento-tecnocratico-e-conservador-produzido-sem-transparencia
  • 1
    Artigo publicado com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq/Brasil para os serviços de edição, diagramação e conversão de XML.
  • 2
    Trata-se do Movimento LGBT Brasileiro e do Movimento Negro Unificado, que, nessa época, se articulavam pela defesa da visibilidade e pela luta por direitos civis (Fachini, 2011).
  • 3
    Sigla utilizada para se referir às pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, transgêneros, queers, intersexos, assexuados e pansexuais. O símbolo de soma no final da sigla representa a compreensão de que a diversidade de gênero e sexualidade é fluida e pode mudar a qualquer tempo.
  • 4
    Comunidade virtual online criada por Marcelo Reis em agosto de 2010 na plataforma Facebook e em outras redes sociais para se manifestar contra o governo federal em exercício.
  • 5
    Disponível em: https://oglobo.globo.com/sociedade/ministerio-de-damares-defende-em-nota-tecnica-que-inicio-precoce-da-vida-sexual-leva-delinquencia-24212017. Acesso em: 10 jan. 2021.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

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