RESUMO:
Este artigo analisa o papel do ensino superior, em especial no que toca as suas novas diretrizes sobre a extensão, para constituir uma sociedade mais solidária e menos competitiva. Em primeiro lugar, com base na metodologia de reconstrução de processos sociais, a partir de uma análise bibliográfica e da proposição de tipos ideias, ele mostra as origens e a influência contemporânea do modelo de “Universidade Modo 2”, proposto pelo sociólogo Michael Gibbons, dando ênfase na sua adesão a uma antropologia individual e uma valorização da meritocracia. Em seguida, o artigo traz uma crítica desse paradigma, ao mesmo tempo que resgata uma antropologia solidária, com o intuito de pensar um projeto de ensino superior capaz de reduzir os efeitos perversos de uma sociedade competitiva. Nesse sentido, valendo-se do método indutivo, propõe-se uma reflexão sobre as formas de acesso ao ensino superior, o papel e o potencial das atividades de extensão, em especial pela Resolução no. 7, de 2018, que previu que elas devem compor, no mínimo, 10% do total da carga horária curricular dos cursos de graduação. O artigo conclui que é possível uma releitura da tese do historiador Burton J. Bledstein, de modo a pensar o ensino superior como um dos principais mecanismos para transformar a sociedade, não no sentido da formação da “cultura do mérito”, como diagnosticado no século XX, mas na perspectiva de uma valorização da “cultura da solidariedade”.
Palavras-chave: ensino superior; extensão; solidariedade; meritocracia
RESUMEN:
Este artículo analiza el papel de la educación superior, en particular en lo que se refiere a sus nuevos lineamientos de extensión, para construir una sociedad más solidaria y menos competitiva. En primer lugar, basado en la metodología de reconstrucción de procesos sociales, a partir de un análisis bibliográfico y la proposición de tipos ideales, muestra los orígenes y la influencia contemporánea del modelo “University Mode 2”, propuesto por el sociólogo Michael Gibbons, destacando su adhesión a una antropología individual y una apreciación de la meritocracia. Luego, el artículo presenta una crítica a este paradigma, al mismo tiempo que rescata una antropología solidaria, con el objetivo de pensar un proyecto de educación superior capaz de reducir los efectos perversos de una sociedad competitiva. En este sentido, a partir del método inductivo, se propone una reflexión sobre las formas de acceder a la educación superior y el papel y potencial de las actividades de extensión, especialmente a partir de la Resolución n. 7, de 2018, que dispuso que deben constituir por lo menos el 10% de la carga curricular total de los cursos de pregrado. El artículo concluye que es posible releer la tesis del historiador Burton J. Bledstein, para pensar la educación superior como uno de los principales mecanismos de transformación de la sociedad, no en el sentido de formar una “cultura del mérito”, como se diagnostica en el siglo XX, pero en la perspectiva de una valorización de la “cultura de la solidaridad”.
Palabras clave: educación superior; extensión; solidaridad; meritocracia
ABSTRACT:
This article analyzes the role of higher education, especially regarding its new guidelines on extension, to build a more supportive and less competitive society. Firstly, based on the methodology of the reconstruction of social processes, stemming from a bibliographical analysis and the proposition of ideal types, it shows the origins and contemporary influence of the “University Mode 2” model proposed by the sociologist Michael Gibbons, emphasizing his adherence to individual anthropology and an appreciation of meritocracy. Then, the article presents a critique of this paradigm whilst rescuing a solidarity-based anthropology, to think about a higher education project capable of reducing the perverse effects of a competitive society. In this sense, based on the inductive method, I propose a reflection on the ways of accessing higher education and the role and potential of extension activities, particularly from Resolution n. 7, of 2018, which stipulated that such activities should make up at least 10% of the total curricular workload of undergraduate courses. The article concludes that it is possible to reread the thesis of historian Burton J. Bledstein to think of higher education as one of the main mechanisms for transforming society, not in the sense of forming a “culture of merit”, as diagnosed in the 20th century, but in the perspective of an appreciation of the “culture of solidarity”.
Keywords: higher education; extension; solidarity; meritocracy
INTRODUÇÃO
“Mais do que em qualquer país ocidental no último século, o desenvolvimento do ensino superior na América tornou possível uma fé social no mérito, na competência, na disciplina e no controle, que eram fundamentais para as concepções aceitas de conquista e de sucesso.” (BLEDSTEIN, 1976, p. X, tradução livre.)
Esse constato de Bledstein, feito em meados dos anos 1970, trazia consigo um paradoxo. Tal como a face de Jano, era possível olhar para frente e para trás ao mesmo tempo. De uma perspectiva, ele fazia um diagnóstico: as grandes universidades norte-americanas - ou o modelo multiversity, como definiu Kerr (1982) -, consolidavam-se como instituições inseridas na sociedade de mercado, preparando os estudantes para aquilo que Bledstein (1976), no título do seu livro, definiu como a “cultura do profissionalismo”. Mas havia ali também um prognóstico: o advento das políticas neoliberais, a partir dos anos 1980, iriam levar as concepções de “conquista e sucesso” para um outro patamar; e as universidades norte-americanas continuariam sendo, como mostrou Michael Sandel (2020), as principais responsáveis pela “tirania do mérito”.
Essa alusão ao modelo estadunidense é necessária. Da virada filantrópica dos robber barons (ZINN, 2002) aos trabalhos de Flexner (1968), passando pelo Morril Act (LEE, 1963), as universidades norte-americanas foram se tornando instituições de referência, consolidando-se na segunda metade do século XX como um modelo para reformas do ensino superior ao redor do mundo. O resultado mais claro dessa genealogia se encontra no “fenômeno Michael Gibbons”, cujo quadro analítico, denominado “Modo 2”, encontra-se em toda parte (RESENDE; OVIEDO, 2020). Segundo Gibbons (1998), vivemos uma nova forma de produção do conhecimento (aplicável, transdisciplinar, diversificada, etc.), e a única maneira de as universidades se adaptarem é por meio daquilo que ele define como “economically-oriented paradigm”. Ou seja, o principal papel do ensino superior é formar a mão de obra necessária e contribuir para o crescimento econômico (GIBBONS et al., 1994; GIBBONS, 1998; NOWOTNY; SCOTT; GIBBONS, 2003).
As críticas a essa visão institucional são antigas. Quando os sofistas surgiram em Atenas, oferecendo aos jovens uma formação que os preparava para uma carreira de engrandecimento pessoal na vida política e social da época, a reação de Sócrates e Platão foi imediata: a educação não podia deixar de lado seu compromisso com a cidadania (MONROE, 1968). O constato de Sandel, séculos depois, não é muito diferente: as universidades norte-americanas fizeram do mérito pessoal na economia de mercado a quintessência do ensino superior, constituindo uma dinâmica de “vencedores e perdedores” que vem trazendo efeitos perversos para a sociedade, deixando de lado a ideia de que precisamos viver juntos em coletividade (SANDEL, 2020).
Foram várias as propostas institucionais alternativas a esse ideal de ensino superior. No século XIX, com o advento da Revolução Industrial e as transformações da universidade para atender às demandas de uma nova mão de obra emergente, tanto Humboldt (1979) como Newman (1996) perceberam o que poderia acontecer: o ensino superior não deveria se limitar a um mero instrumento pragmático para o crescimento econômico; ele era o local para a formação de uma elite dirigente (proposta humanística de Newton) ou para o desenvolvimento da pesquisa pura (proposta científica de Humboldt). É verdade que essa batalha entre as “duas culturas”, conforme a classificação de C. P. Snow (1965), continua até hoje, mas a explosão demográfica e a massificação das universidades, de um lado, e a contextualização da pesquisa e as controvérsias em torno do progresso científico, de outro, tornaram os modelos newmaniano e humboldtino obsoletos para o mundo contemporâneo (RUBIÃO, 2013a).
Uma outra reação surgiu na América Latina, no começo do século XX. Hugo Biagini (2002) narra uma anedota, passada em 1913, que ilustra a novidade: durante um congresso estudantil, realizado em Nova York, enquanto as delegações norte-americanas e europeias estavam preocupadas em aproveitar o encontro, de forma hedonista, além de se contentarem com discussões de temas clássicos, os estudantes latino-americanos decidiram abandonar o congresso, alegando estarem preocupados com os problemas sociais que ocorriam no mundo e com a capacidade transformadora da universidade. Não foi por acaso que, quatro anos depois, eclodiu o Grito de Córdoba, movimento que influenciaria toda a América Latina (PORTANTIERO, 1978). Como sintetizou seu principal líder, Deodoro Roca (1978, p. 431): “reforma universitária é o mesmo que reforma social”. Ou seja, a universidade deveria ser vista como uma instituição capaz de agir nas principais demandas da sociedade, não por meio de uma elite dirigente, seja ela “humanista” ou “científica”, mas de forma dialógica com o corpo social. Nesse sentido, o modelo de Córdoba trazia diversas novidades: democratização no acesso e na gestão das universidades, responsabilidade social da instituição, preocupação com os problemas nacionais, luta contra o imperialismo, etc. (TUNNERMANN, 1978, p. 44-45).
Essas características podem ser sintetizadas na ideia de extensão. É verdade que o conceito não surgiu na América Latina. No decorrer da Revolução Industrial, os ingleses falaram em uma extended university, no sentido de uma instituição que pudesse alargar suas fronteiras para formar a mão de obra emergente. Há mesmo registros de iniciativas pontuais de universidades ao redor do mundo ligadas à de uma responsabilidade social. Mas foi a partir do movimento de Córdoba que esse conceito se transformou, institucionalizando-se como uma função da universidade, ao lado do ensino e da pesquisa (RUBIÃO, 2013b). Para se ter uma noção dessa originalidade e identidade latino-americana, um artigo de 2005, falando da realidade europeia, anunciava uma novidade com a criação de uma “terceira função” da universidade, ligada à “missão cívica” e à “responsabilidade social” (KANTANEN, 2005). Na América Latina, esse papel institucional foi sendo desenvolvido ao longo de todo o século XX, com inúmeras experiências bem-sucedidas no campo da extensão (ORTIZ-RIAGA; MORALES-RUBIANO, 2011).
De fato, não há muita novidade em torno da reflexão a respeito desse papel institucional. O que parece entrar em cena é um constato dos efeitos perversos de um modelo que leva ao paroxismo a formação profissional com base no mérito (LAVAL, 2003; SANDEL, 2020). Não se trata de negar a importância dessa dimensão, mas de pensar a respeito das externalidades do ensino superior no mundo contemporâneo. Nesse sentido, a extensão tem muito a contribuir, especialmente no Brasil, com as novas diretrizes do Plano Nacional de Educação (PNE), ao prever que 10% da grade curricular seja destinada a essa função. Trata-se de uma oportunidade não somente para valorizar esse que sempre foi o pilar mais fraco da universidade (ALMEIDA FILHO, 2007), mas de repensar os seus contornos num contexto de sobrevalorização do “economically-oriented paradigm” (GIBBONS et al., 1994; GIBBONS, 1998; NOWOTNY; SCOTT; GIBBONS, 2003).
O objetivo deste artigo é pensar a respeito do papel transformador do ensino superior, em especial por meio das formas de acesso e da valorização da extensão, para combater os efeitos perversos da sobrevalorização do mérito. Se para Bledstein a universidade norte-americana foi a principal instituição para formar a “cultura do profissionalismo”, trata-se de adotar uma hipótese no caminho inverso, ou seja, de que maneira o ensino superior pode fomentar o que definiremos como “cultura da solidariedade”?
Visando responder esta pergunta, é preciso definir melhor a “Universidade Modo 2” (seção 1), para compreender não somente os riscos desse modelo institucional (seção 2), mas como ele se constituiu a partir de uma antropologia individual (seção 3) e um discurso sobre a meritocracia (seção 4). Esse diagnóstico é importante para pensar o trajeto contrário, isto é, a maneira como o constato de uma antropologia solidária (seção 5) pode justificar um modelo de ensino superior que valorize não somente aptidões alternativas à meritocracia para o acesso dos alunos, como também as atividades de extensão ao longo da formação deles, visando reequilibrar os excessos de uma sociedade competitiva (seção 6).
METODOLOGIA
Em primeiro lugar, é preciso deixar claro que este artigo trabalha com tipos ideias (WEBER, 1974), em especial no que toca os conceitos de “Universidade de Modo 2”, “antropologia individual” e “antropologia solidária”. Trata-se, assim, de uma construção aproximada, não sendo encontrada empiricamente de forma completa, mas que serve como instrumento analítico para explicar a realidade social, possuindo valor heurístico.
Valendo-se desses tipos ideias, com base numa analise bibliográfica, o artigo utilizou o método qualitativo de “reconstrução de processos sociais”, ou seja, buscou uma generalização histórica, na tentativa de captar mudanças estruturais e padrões de longa duração, sem que haja uma observação direta dos fenômenos ou uma interação com os indivíduos, mas uma reconstrução que busca evidenciar uma “dependências da trajetória” (path dependency), isto é, “a ideia de que a ação que vem antes condiciona a que vem depois, no sentido de que limita as possibilidades de mudança de seu curso, e pode, mesmo, lhe dar certa direção”. (ALONSO, 2016, p. 7).
Essa “dependência de trajetória” é exposta na formação da “Universidade de Modo 2” e na sua associação com a sobrevalorização da antropologia individual ao longo do século XX. O artigo vale-se então do método indutivo (SOUZA, 2020), para trabalhar a hipótese de que as atividades de extensão e mudanças na forma de acesso ao ensino superior podem valorizar uma antropologia solidária, visando reduzir os efeitos perversos da “sociedade do mérito”.
A “UNIVERSIDADE MODO 2”
“Os imperativos econômicos irão varrer tudo antes e, se as universidades não se adaptarem, elas serão deixadas de lado.” (GIBBONS, 1998, p. 9, tradução livre).
Michael Gibbons foi um dos principais consultores do Banco Mundial (BM) para assuntos relativos ao ensino superior e um dos autores mais citados, com relação ao ensino superior, nos índices de citação. Christian de Montlibert é um dos que chamam a atenção para o fato desse quadro analítico proposto por ele vir dominando as discussões em torno da universidade (MONTLIBERT, 2004). Gibbons lançou o conceito de “Modo 2”, em 1994, no livro The New Production of Knowledge: The Dynamics of Science and Research in Contemporary Societies, junto com outros autores (GIBBONS et al., 1994). Essa mesma ideia foi aperfeiçoada num segundo livro, Rethinking Science, também em parceria com outros autores (NOWOTNY et al., 2003). Gibbons, além disso, refletiu exclusivamente sobre a aplicação do “Modo 2” de produção do conhecimento no ensino superior num relatório para o BM, denominado Higher Education Relevance in the 21 Century (GIBBONS, 1998). Mas o que significa esse quadro analítico?
Segundo Gibbons, uma nova forma de produção do conhecimento estaria surgindo na sociedade. Essa nova forma (“Modo 2”) difere substancialmente da antiga (“Modo 1”). No modo clássico, que surgiu a partir da Revolução Científica, as universidades eram os centros hegemônicos da produção do conhecimento. Havia um quadro cognitivo fixo, com disciplinas independentes, voltadas sobretudo para a “pesquisa fundamental”. A ciência era vista como atividade autônoma, regida por suas próprias ideias, regras, valores, normas (MERTON, 1973). Era ela que descobria - dizia o slogan - “a indústria aplicava, o homem acompanhava”.
O que mudou? De acordo com Gibbons, a partir da segunda metade do século XX, teve início uma série de transformações, cada vez mais visíveis, que nos levam a acreditar no surgimento de uma nova forma de produção do conhecimento. As principais características desse novo “Modo” são as seguintes: i) O conhecimento é produzido no contexto da aplicação. Ou seja, não cabe mais a distinção entre “pesquisa pura” e “pesquisa aplicada”; ii) Transdisciplinaridade. Ao contrário do antigo quadro disciplinar rígido, o “Modo 2” congrega especialistas de diversas áreas. Longe de querer estabelecer verdades últimas, essas equipes trabalham em torno do consenso, voltado para resolução de problemas temporários; iii) Diversidade organizacional. A universidade perdeu a hegemonia na produção do conhecimento. Agora ela tem que compartilhá-lo com institutos de pesquisa, agências governamentais, laboratórios industriais, think tanks, etc.; iv) Reflexividade, social accountability e qualidade de controle. Diante dessa nova realidade, há um número cada vez maior de pessoas envolvidas na produção do conhecimento. O antigo sistema de “julgamento pelos pares” cede lugar a uma rede complexa de atores. As decisões são “negociadas”, tendo que equacionar interesses de ordem econômica, política, ética, ambiental, social, cultural, etc. (GIBBONS et al., 1994; GIBBONS, 1998).
Se pensarmos exclusivamente na universidade, é possível afirmar que esse quadro analítico proposto por Gibbons já estava presente na multiversiy de Kerr. Quando escreveu o livro que lançou esse conceito, em 1963, Clark Kerr era o presidente da Universidade de Berkeley, com mais de 50 mil estudantes. Segundo ele, a multiversity não era “nem Oxford, nem Berlim”; ela era uma “instituição de tipo inédito”. (KERR, 1982, p. 19). A ideia desse modelo institucional era agregar todas as funções da universidade: na graduação buscava-se uma linha britânica de “educação liberal”, cujas origens remontavam a Platão; na pós-graduação buscava-se uma vertente alemã de pesquisa, também presente em Pitágoras; e finalmente as outras atividades seguiam um modelo americano, cuja diversidade já se encontrava nos Sofistas (KERR, 1982, p. 29-30).
Além disso, faziam parte desse multiverso os estudantes, os professores, os dirigentes, o poder público, as fundações, as agências federais, os ex-alunos, a imprensa, as comunidades empresariais, esportivas, profissionais, rurais, sindicais, etc. (KERR, 1982, p. 30-36).
Por diversas vezes, Kerr fala da “governabilidade da universidade”, ou seja, como esses diversos atores interagiam, contribuindo cada qual para uma função, e como o presidente se transformava num verdadeiro líder político (ou comunitário), para administrar interesses muitas vezes conflitantes (KERR, 1982, p. 117).
No entanto, apesar de esse dinamismo se assemelhar ao “Modo 2”, Kerr jamais aderiu à tese de um “economically-oriented paradigm”. É verdade que alguns críticos falaram de marketversity (RENAUT, 1995, p. 224), referindo-se aos excessos utilitários do novo modelo, e que o vocabulário de Kerr muitas vezes se aproxima do discurso “mercadológico”; mas o fato de a multiversity ter sido atacada tanto pela direita como pela esquerda, em meio à ebulição dos anos 1960, mostra como sua autodefinição de “conciliador” é mais apropriada (RUBIÃO, 2013a).
O mesmo não pode ser dito de Gibbons. Um exemplo é a sua opinião sobre o financiamento da universidade. Esse tema foi muito debatido na primeira Conferência Mundial sobre Ensino Superior, em 2009. Marco Antônio Dias, representante da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), responsável pela organização do evento, fez a seguinte observação:
Enquanto mais de 180 países e representantes da comunidade internacional se preparavam para definir em Paris, em outubro de 1998, a educação como um serviço público (artigo 14 da Declaração da CMES), indicando que essa devia basear suas orientações a longo prazo em objetivos e necessidades sociais (artigo 60 da mesma Declaração), outros grupos bastantes ativos trabalhavam para que fossem adotados [...] princípios totalmente opostos. (DIAS, 2003, p. 52, grifo do original).
Dentre esses grupos, o BM talvez seja o maior exemplo. É verdade que o órgão abandonou sua postura radical dos anos 1990, quando recomendava que os governos deixassem de investir no ensino superior (BANCO MUNDIAL, 1994; WORLD BANK, 1998), mas continua defendendo um balanceamento entre os investimentos público e privado, sem deixar de dar preferência para o segundo (WORLD BANK, 2000). Como sintetiza o próprio Gibbons(1998, p. 23, tradução livre), no seu relatório para o Banco:
Embora na maioria dos países industrialmente avançados o estado vá permanecer a fonte predominante para financiar o ensino superior, o financiamento em bloco provavelmente será substituído por uma perspectiva mais focada, especialmente na pesquisa e na educação universitária, via mecanismos de alocação imitando o mercado.
Um segundo exemplo pode ser dado com a ideia de uma institucionalização mercadológica do ensino superior. Vejamos algumas ilustrações no texto de Gibbons (1998, p. 8-9, tradução livre):
Universidades devem servir à sociedade, primeiramente apoiando a economia e promovendo a qualidade de vida dos seus cidadãos. [...] O novo paradigma traz consigo uma nova cultura de responsabilidade, como é evidente pela expansão do gerencialismo e do éthos do valor do dinheiro através dos sistemas internacionais de educação superior. [...] A relevância [da educação superior] será julgada sobretudo em termo de resultado, com a contribuição que ela faz para a performance econômica nacional.
Na verdade, essa “virada economicista” é complexa e envolve uma série de atores. Gerard de Selys (1998) chama a atenção para o papel da European Round Table of Industrialists (ERT), um think tank dedicado a aumentar a competitividade. Já em um dos primeiros relatórios desse órgão, Education and Competence in Europe, de 1989, afirmava-se que “a educação e a formação [...] são consideradas investimentos estratégicos vitais para o sucesso das empresas”. No mesmo sentido, Christian de Montlibert destaca a influência da ERT na Comissão Europeia, que ao longo dos anos foi adotando sugestões e terminologias como foco na “educação a distância”, a “produção de logiciais educativos”, o “mundo dos negócios como conceptualizador do conteúdo ensinado”, a “formação contínua para o mercado”, a “flexibilidade das disciplinas”, a “ineficiência das universidades”, etc. (MONTLIBERT, 2004, p. 22-24, tradução livre).
Dessa forma, Montlibert destaca a convergência, no final do século XX, entre patrões de multinacionais, experts de agências internacionais e sociólogos como Gibbons para transformar o ensino superior, inserindo-o dentro da perspectiva de um discurso neoliberal. Ele condena essa racionalidade instrumental, que visa, nas palavras Viviane Reading (comissária europeia), “fazer de cada universidade uma empresa” (MONTLIBERT, 2004, p. 14); ou, nas palavras da “Estratégia de Lisboa”, fazer da educação e da formação, dentro da perspectiva da “sociedade do conhecimento”, os principais fatores do crescimento econômico (MONTLIBERT, 2004, p. 36).
OS RISCOS DA MERCANTILIZAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR
“A comercialização está mudando a natureza das instituições acadêmicas de uma forma que nós ainda vamos nos arrepender.” (BOK, 2003, p. X, tradução livre).
Derek Bok tem legitimidade para falar. Ex-presidente de Harvard, autor de diversos livros sobre o ensino superior, ele não é nenhum outsider, nenhum manifestante de “extrema-esquerda”, nenhum planfetário agitador. Muito pelo contrário, Bok tem uma visão bastante pragmática das universidades, uma visão que não difere muito do “Modo 2”. Mas Bok vem alertando para os excessos desse formato, para os riscos daquilo que ele denomina como “Universities in the Marketplace” (BOK, 2003).
Quais são esses perigos? O primeiro deles, já nos alertava Bok num livro da década de 1980, é o risco das matérias ou pesquisas que trazem pouca rentabilidade econômica desaparecerem (BOK, 1988). Com a lógica mercantilista - de resultados, de eficiência, de out puts, de financiamento privado... -, pode haver uma concentração de recursos nos tópicos com grande rentabilidade e um esquecimento daqueles que não forem tão atrativos. Essa preocupação, de fato, vem sendo expressa em diversos outros países. O sociólogo camaronês Jean-Marc Éla, por exemplo, alerta não apenas para o desaparecimento das disciplinas que não são economicamente viáveis, como para a extinção de qualquer pensamento crítico e da ideia de responsabilidade social nas universidades do continente africano (ÉLA, 2004, p. 95-100).
Outro ponto importante, segundo Bok, é a desvalorização do ensino, que não conta quase nada nas classificações dos rankings internacionais das universidades (BOK, 2003, p. 160). Marilena Chauí (2001 p. 191) sintetiza muito essa questão:
A docência é pensada ou para habilitação rápida para graduados, que precisam entrar rapidamente no mercado de trabalho, do qual serão expulsos em poucos anos, pois se tornam, em pouco tempo, jovens obsoletos e descartáveis; ou então como correia de transmissão entre pesquisadores e treino para novos pesquisadores. Transmissão e adestramento. Desapareceu, portanto, a marca essencial da educação: a formação.
Mais um ponto, para o qual Christian Laval e Thomas Piketty nos chamam a atenção, é a tendência para a desigualdade entre os estabelecimentos. Nesse contexto de concorrência acirrada entre as universidades, de financiamento privado, de parcerias com as indústrias, etc., “há uma polarização social crescente com, em certos casos, um apartheid entre estabelecimentos de ricos e de pobres (LAVAL, 2003; PIKETTY, 2020). Com efeito, essa divisão fica clara nos Estados Unidos, país que vem levando essa “lógica do mercado” ao extremo. Christopher Newfield nos mostra como além da enorme diferença - de qualidade, de oportunidades, de visibilidade - entre as universidades de elite e os demais estabelecimentos do ensino superior, o caminho para se chegar às primeiras, na maioria das vezes, passa pela condição financeira dos alunos: como se não bastassem os preços elevados, que acabam inibindo os mais desfavorecidos, cerca de 20% dos estudantes admitidos nas grandes universidades americanas recorrem aos serviços de um personal coach, que pode custar até 30.000 dólares (NEWFIELD, 2007).
No que toca a pesquisa, há diversas preocupações. Naomi Klein (2001) cita dois exemplos que ilustram muito bem os riscos da parceria indústria-universidade. A Dra. Dong, pesquisadora da Universidade da Califórnia, recebeu uma proposta da companhia farmacêutica Boots para testar um medicamento para a tireoide, que fora patenteado pela empresa, comparando-o com um medicamento genérico. O objetivo era mostrar que, apesar de mais caro, o medicamento era mais eficaz, mas os estudos concluíram que eles apresentavam resultados iguais. Quando a Dra. Dong quis publicar os resultados no Journal of American Medical Association, acabou sendo impedida, devido a uma cláusula contratual de veto nas publicações. Somente dois anos depois, através de um furo, o caso foi parar no Wall Street Journal. O outro caso, ocorrido na Universidade de Toronto, é ainda mais grave. A Dra. Olivieri, especialista numa doença de sangue chamada thalassaemia, estava desenvolvendo uma pesquisa para um gigante farmacêutico (a Apotex), junto com o Hospital for Sick Chilren, quando descobriu que um medicamento da empresa (o Deferiprone) estava fazendo mal para as crianças. Impedida contratualmente de mostrar os resultados, ela narrou, de toda forma, o episódio para o The New England Journal of Medicine e acabou perdendo seu posto de pesquisadora na universidade (KLEIN, 2001).
Outros dados preocupantes: Eliot Marshal (1997) cita uma avaliação, publicada no The Journal of the American Medical Association, em que 20% dos 2.167 cientistas acadêmicos que foram entrevistados admitem que atrasam publicações, por mais de seis meses, devido a interesses comerciais dos financiadores; Sheldon Krimsky (2003) também cita um artigo publicado no The Journal of the American Medical Association, mostrando que os estudos patrocinados por empresas têm probabilidade significativamente maior do que estudos não patrocinados por elas de chegar a conclusões favoráveis ao patrocinador.
Esse cenário é extremamente preocupante. Dominique Pestre chama a atenção para aquilo que alguns juristas americanos estão chamando de movimento de enclosure, ou seja, a maneira como a ciência vem sendo privatizada, deixando de ser um bem público, passando a atender a novos atores econômicos (PESTRE, 2001). Exemplo disso pode ser constatado num recente relatório da OXFAM (Oxford Committee for Famine Reliefe/Comitê de Oxford para o Alívio da Fome), ao qual Ricardo Abramovay (2008, [s.p.]) faz alusão, demonstrando dados estarrecedores sobre a produção e o consumo de medicamentos:
Apenas 15% dos habitantes do globo consomem nada menos que 90% dos remédios que o setor coloca no mercado. As indústrias concentram suas pesquisas em produtos que não correspondem às enfermidades mais frequentes. Dos 163 novos produtos lançados entre 1999 e 2004, apenas três se referiam a doenças prevalecentes em países pobres. O setor concentra-se excessivamente na busca por proteção dos direitos de propriedade intelectual em detrimento do acesso dos mais pobres ao que necessitam.
A universidade, então, que poderia ser um fator de equilíbrio, na busca por uma “ciência do bem comum”, vem sofrendo cada vez mais pressões para se associar ao capital privado, entrando nessa lógica mercantilista. Como diz Bok (2003, p. 6-7), não existe nenhum conluio por parte do mudo do business para acabar com a ciência pública ou a “universidade de interesse comum”, mas acreditar que essa relação entre capital privado ou doações não mudam as instituições de ensino superior é uma grande inocência.
A ANTROPOLOGIA INDIVIDUAL
“Nada nos agrada mais do que observar em outros homens uma solidariedade com todas as emoções de nosso próprio peito; e nada nos choca mais do que a aparência do contrário.” (SMITH, 2002, p. 11).
A leitura de Teoria dos sentimentos morais pode nos revelar alguns paradoxos. Se Adam Smith ficou conhecido por sua defesa do liberalismo, não menos importante foi sua contribuição para a ideia de simpatia ou solidariedade. Como anuncia a frase de abertura do livro: “Por mais egoísta que se suponha o homem, evidentemente há alguns princípios em sua natureza que o fazem interessar-se pela sorte de outros, e considerar a felicidade deles necessária para si mesmo, embora nada extraia disso se não o prazer de assistir a ela.” (SMITH, 2002, p. 7).
Nesse sentido, enxergar Smith como um militante do individualismo, de modo que o aporte social dos cidadãos se resumiria à contribuição deles ao crescimento econômico, parece uma imagem limitada do seu pensamento. É verdade que em A riqueza das nações ele não instituiu um diálogo entre sua teoria moral e as reflexões em torno da economia política, motivo pelo qual a mão invisível do mercado se apresenta como o fio condutor da tessitura social. Mas não se pode deixar de levar em conta o contexto no qual o livro foi escrito: Smith denuncia os efeitos perversos da regulamentação estatal, no âmbito do paradigma mercantilista, enxergando no livre-comércio uma alternativa mais eficaz para o crescimento econômico, além de um fator importante para a harmonia entre os indivíduos e as nações (SMITH, 1983). Mas o que dizer das contradições sociais que estavam por vir? Homem do século XVIII, Smith não presenciou a escalada da desigualdade, as revoltas dos trabalhadores e o clima de desarmonia advindo do liberalismo. Reivindicá-lo hoje como o apóstolo de uma visão de mundo individualista, circunscrita à lupa do crescimento econômico, parece-nos não somente um curto-circuito histórico, como um contrassenso em face da sua ideia de moralidade. Como revela o próprio Smith (2002, p. 294): “A todo momento o homem sábio e virtuoso está disposto a sacrificar seu próprio interesse particular ao interesse público de sua própria ordem ou sociedade.”
Mas nada contribuiu mais para essa visão de mundo individualista, centrada no crescimento econômico, do que o “darwinismo social”. Principal difusor dessa ideia, Spencer vinha estudando a transformação das espécies. Após ler a obra de Darwin e descobrir o conceito de “seleção natural”, ele encorpou-o à sua teoria antropológica, partindo da hipótese de que o progresso humano se dá por uma competição que resulta na sobrevivência dos mais fortes, ou seja, no sucesso destes em detrimento dos mais fracos, um processo contínuo que leva ao aperfeiçoamento da sociedade. Nas palavras do próprio Spencer (2012, p. 96):
O desenvolvimento das espécies superiores se pauta por um progresso em direção a uma forma de existência capaz de buscar uma felicidade isenta de necessidades deploráveis. É na raça humana que essa felicidade se deve realizar. A civilização é a derradeira etapa em direção a essa realização. E o homem ideal é o homem que vive sob as condições onde ela se realiza. Enquanto espera, o bem-estar da humanidade existente e o progresso em direção à perfeição final, são assegurados, tanto um como o outro, por uma disciplina benéfica mas severa à qual toda a natureza se encontra sujeita: disciplina impiedosa, lei inexorável que conduz à felicidade, mas que jamais cede ante a possibilidade de infligir sofrimentos parciais e temporários. A pobreza dos incapazes, a angústia dos imprudentes, a nudez dos preguiçosos, o esmagamento dos fracos pelos poderosos que abandona um grande número “nas profundezas e na miséria” são as determinações de uma bondade imensa e previdente.
É preciso destacar que Spencer foi um dos intelectuais mais influentes do século XIX (DUNCAN, 2014). Suas ideias serviram para justificar as desigualdades advindas da Revolução Industrial e da expansão imperialista, fazendo com que o domínio de uma raça, classe ou nação sobre outra fosse visto como algo natural ou como uma melhor capacidade de adaptação. Não é de estranhar que esse evolucionismo tenha inspirado algumas teorias eugenistas (BOLSANELLO, 1996), mas o principal legado de Spencer talvez seja o arcabouço teórico para defender as disparidades econômicas, isentas de intervenção estatal, e a índole competitiva do ser humano numa sociedade de mercado. Para dar apenas um exemplo, eis a opinião de Andrew Carnegie, um dos homens mais ricos e influentes do mundo à sua época, num artigo que ficou conhecido como Gospel of Wealth:
Aceitamos e acolhemos, portanto, como condições às quais devemos nos acomodar, a grande desigualdade social, a concentração dos negócios, na indústria e no comércio, nas mãos de poucos, e a lei da concorrência entre estes, como sendo não apenas benéfica, mas essencial para o futuro progresso da raça. (CARNEGIE, 1889, p. 655, tradução livre).
Essas ideias foram se consolidando, em especial nos Estados Unidos. A figura do self-made man, incarnada dentre outros pelo próprio Carnegie, continua inspirando gerações. Diante desse quadro, era necessária uma nova educação que levasse em conta a ideia de “seleção natural”. Tratava-se da competitividade em busca do progresso ou aquilo que Spencer (1861) definiu como um modelo de ensino útil.
É curioso observar o papel das universidades nesse processo. Howard Zinn (2002), no seu clássico A People's History of the United States, narra a maneira como os robber barons (Rockefeller, Carnegie, J. P. Morgan), após fazer fortuna com a criação de monopólios, controle de preços, conluio com autoridades e repressão de manifestações, viram na cultura da filantropia um caminho não somente para a redenção moral, mas sobretudo para a influência política. De que maneira? Financiando as universidades. Como observou Dorothy Ross, na sua genealogia sobre “as origens das ciências sociais na América”, os mecenas do capitalismo estavam preparados para “neutralizar a história mundial” (ROSS, 1991, p. 23-24).
Para dar apenas um exemplo, Rockefeller doou 41 milhões de dólares, a maior parte para a Universidade de Chicago, com o objetivo de desenvolver a economia neoclássica e o behaviorismo. Ou seja, como observa Ross, temas que deveriam ser objeto de discussões abertas acabaram se transformando em monopólios metodológicos, trazendo consigo um cientificismo, cuja principal base era a abundância financeira (ROSS, 1991, p. 400-403). Muito além disso, como destacou Zinn, os robber barons passaram a criar estabelecimentos acadêmicos que não estimulavam em nada o pensamento crítico:
Eles formavam os servidores típicos do sistema americano - os professores, os médicos, os juristas, os administradores, os engenheiros, os técnicos, os políticos -, todos aqueles que um dia seriam remunerados para velar pela manutenção do sistema, para serem os defensores leais contra qualquer forma de perturbação. (ZINN, 2002, p. 305, tradução livre).
A consolidação desse modelo foi concomitante com a ascensão da meritocracia e o declínio de um projeto educacional cívico de sociedade. Pouco a pouco, a América jacksoniana, que encantou Tocqueville (1997), com seu dinamismo e equilíbrio entre a busca pelo sucesso profissional e a capacidade associativa, foi cedendo passo a uma visão individualista de mundo, sem muitos contrapesos ao estímulo da competição.
O CAMINHO DA MERITOCRACIA
“A sociedade sem classes seria uma em que [... todos] possuíssem e atuassem sob valores plurais. Passaríamos a avaliar pessoas não de acordo com sua inteligência e sua educação, sua ocupação e seu poder, mas de acordo com sua gentileza e sua coragem, sua imaginação e sua sensibilidade, sua simpatia e generosidade, não poderia haver classes. [...] A sociedade sem classes também seria a sociedade tolerante, na qual as diferenças individuais fossem ativamente encorajadas, assim como passivamente toleradas, na qual um significado pleno fosse, enfim, conferido à dignidade humana. Todo ser humano teria então oportunidade igual, não de se erguer no mundo à luz de qualquer medida matemática, mas de desenvolver suas próprias capacidades especiais para levar uma vida plena.” (YOUNG, 1961, p. 169, tradução livre).
No livro distópico e profético de Michael Young (1961), as palavras do Manifesto de Chelsea representam o sonho de se ver livre da “ditadura meritocrática”. Narrada em 2034, a história revela a ascenção de uma sociedade desarmônica e estratificada, na qual as pessoas mais inteligentes encontram uma justificativa não somente para seu sucesso, mas para o desprezo daqueles que não foram capazes de alcançar os mesmos resultados. Young alerta para o papel da educação no fomento desse clima de discórdia entre os “inteligentes” e os “ignorantes”: a meritocracia aparece como a finalidade da ordem social e a única condição para uma vida boa.
É interessante observar a transformação do termo meritocracia desde então. Ao cunhá-lo em 1958, Young deu-lhe um tom pejorativo, alertando-nos para o potencial de segregação e de justificação das diferenças sociais, com base em medições de capacidade estandardizadas. Hoje a meritocracia é vista como uma virtude no seio da sociedade e se encontra presente de forma hegemônica nos planos de educação (VIEIRA et al., 2013; BROWN; TANNOK, 2009) e em diversas correntes ideológicas do espectro político (LITTLER, 2018). Trata-se de defender a ideia de que a valorização da performance individual, baseada no talento, no esforço e na igualdade de oportunidades, independentemente da posição social, é o melhor critério para se atingir uma sociedade justa (LIPSEY, 2014).
Esse paradigma, no entanto, vem sendo criticado. McNamee e Miller, Jr. (2014), por exemplo, analisaram os fatores que condicionam o sucesso na vida das pessoas, comparando variáveis meritocráticas (ser talentoso, ter a atitude certa, trabalhar duro e ter um caráter moral elevado) com variáveis não meritocráticas (papel das heranças, capital sociocultural, sorte, acesso desigual a oportunidades educacionais e formas de discriminação), para revelar o papel predominante das segundas e a necessidade de reformas estruturais na sociedade, denunciando aquilo que eles definiram como o “mito da meritocracia” (MCNAMEE; MILLER JR., 2014).
Michael Sandel corrobora essa denúncia, em especial no que toca a realidade dos Estados Unidos. Ele mostra que, ao serem perguntados sobre quais fatores são “muito importantes para avançar na vida”, 73% dos norte-americanos indicam o trabalho árduo em primeiro lugar, enquanto na Alemanha esse percentual cai para metade das pessoas e, na França, para apenas um quarto. O paradoxo se dá com as pesquisas que mostram que a capacidade de mobilidade econômica nos Estados Unidos é bem menor que em países como Alemanha, Espanha, Japão, Austrália, Suécia, Canadá, Finlândia, China, etc., o que desmistifica a ideia do self made man meritocrático (SANDEL, 2020).
Já Case e Deaton (2020), numa pesquisa reveladora, mostraram as consequências desastrosas dessa sociedade que leva às últimas consequências o papel do sucesso econômico na felicidade das pessoas. Ao procurar entender por que a saúde e a expectativa de vida dos mais velhos estavam melhorando e a dos mais novos piorando, os autores se depararam com dados que indicavam que essa realidade (repleta de suicídios, depressão, alcoolismo, opioides, etc.) se aplicava em especial aos jovens brancos que não entravam no ensino superior. Ou seja, não se tratava de algo ligado à pobreza (eram jovens com acesso a emprego) nem às formas clássicas de preconceito (raça, gênero, religião). Como definiram os autores, aquela era a realidade dos excluídos da meritocracia ou dos que não conseguiram ter mais sucesso na vida. Aquelas eram “mortes por desespero”.2 (CASE; DEATON, 2020).
Esse cenário descrito por Case e Deaton reflete muito bem a profecia de Michael Young. Afinal, na distopia de Young, o advento da meritocracia representou uma conquista. Livres da sociedade estamental, os indivíduos puderam voltar as esperanças para sua capacidade de produção e de desenvolvimento intelectual, de modo a subir na vida. O acesso igualitário às escolas e os testes de QI, que eram auferidos a todo momento, garantiam o sucesso dos melhores cidadãos, nas mais diversas atividades. Mas o advento dessa plena meritocracia não tardou a gerar efeitos perversos: convencidos da sua superioridade, os indivíduos bem-sucedidos encontraram uma justificativa moral para desprezar os fracassados; chegou-se ao ponto de casamentos serem arranjados entre pessoas inteligentes para perpetuar as famílias na classe privilegiada. Assim, a distância entre ricos e pobres foi se tornando cada vez maior, gerando uma sociedade tensa e estratificada, cuja consequência não poderia ser outra que a revolta dos ignorados (YOUNG, 1961).
É preciso levar a sério esse alerta de Michael Young e pensar o papel do ensino superior para previni-lo. As universidades, como constatou Bledstein (1976), foram o locus privilegiado para a constituição dessa “fé social no mérito”, que acabou se alastrando para a sociedade como um todo. Não se trata de negar as conquistas desse valor, como alertam Case e Deaton (2020), mas de mostrar o seu lado escuro, na busca por alternativas. Seria o “Modo 2” essa opção? Fica claro que o “economically-oriented paradigm” de Gibbons é muito mais condizente com a exponenciação desse processo do que com a mitigação de algumas de suas consequências desastrosas. Dessa forma, é preciso pensar alternativas, em especial no ensino superior, capazes de ser um contraponto à cultura individualista e competitiva. A legitimidade dessa proposta passa pela valorização de uma nova antropologia.
A ANTROPOLOGIA SOLIDÁRIA
“Se é verdade que alimentar um estranho acontece em toda a Natureza a ponto de ter o caráter de uma lei geral, muitos enigmas estão explicados.” (Goethe, 1848, apudKROPOTKIN, 2009, p. 13).
No seu célebre Ajuda mútua, Kropotkin (2009) faz referência à correspondência entre o zoólogo Eckermann e Goethe, revelando a surpresa deste ao ficar sabendo que filhotes de cambaxirra, fugidos de sua casa, foram encontrados no ninho de tordos-do-papo-roxo, que os alimentavam junto com os próprios filhotes. Entusiasmado, Goethe propôs-lhe que fizessem um estudo aprofundado sobre o tema, certo de que chegariam a “tesouros de valor incalculável em termos de resultados” (KROPOTKIN, 2009, p. 13-14).
Apesar de o estudo nunca ter sido feito, Kropotkin seguiu nessa mesma trilha. Reunindo um vasto material, em especial de biólogos russos, seu objetivo foi mostrar que, “além da Lei da Competição Mutua, existe na Natureza a Lei da Ajuda Mútua, que é muito mais importante do que a primeira para o sucesso da luta pela vida e principalmente para a evolução progressiva da espécie” (KROPOTKIN, 2009, p. 13, grifos do original).
Esse ponto de vista era compartilhado pelo próprio Darwin, cuja obra vinha sendo deturbada, tanto no campo das ciências naturais como sociais.3 Kropotkin narra o episódio em que, logo após a publicação do livro-manifesto de Huxley, Struggle for Existence and its Bearing upon Man, ele procurou o editor W. Bates, propondo-lhe uma leitura crítica da obra, sendo que a resposta foi direto ao ponto: “Sim, é horrível o que ‘eles’ fizeram com Darwin” (KROPOTKIN, 2009, p. 15).
Mas o principal alvo da crítica era Spencer. Conforme vimos, ele foi o grande responsável por associar a “luta pela vida”, descrita por Darwin, a uma antropologia individualista, capaz de justificar as desigualdades numa sociedade competitiva. Kropotkin buscava mostrar diversos exemplos de ajuda mútua, no intuito de combinar esse fator biológico do reino animal com a sociabilidade humana. A grande tese do livro é que as hostilidades presentes no processo de evolução das espécies são consequências ligadas mais ao ambiente ou ao local do que à natureza dos animais. Ou seja, num meio harmônico, há uma tendência de solidariedade entre as espécies, algo condizente com aquilo que Darwin (1981) havia descrito como “instinto social”4.
Nos últimos anos, Frans de Waal tem sido um dos grandes defensores dessa ideia. Seus estudos, em especial com primatas, revelam não somente um espirito de cooperação, mas também um senso moral ou um sentimento de justiça presente nos animais (WAAL, 2010). Waal também ficou famoso pelos seus diálogos com o biólogo evolutivo Richard Dawkins. Na célebre tese de Dawkins, a evolução biológica se deu através de uma perspectiva genética, com a seleção natural daquelas moléculas mais adaptadas ao meio. Essa luta pela sobrevivência num ambiente molecular criou um “gene egoísta” que foi sendo transmitido de geração para geração. Isso não significa que os genes possuem vontades próprias ou valores morais, eles apenas revelam um comportamento que seria visto como egoísta pelos seres humanos (DAWKINS, 2007).
Essa tese é criticada por Waal em pelo menos dois aspectos. Em primeiro lugar, ele defende uma abordagem psicológica, denominada de autonomia motivacional, que explica comportamentos solidários em diferentes espécies, como o cachorro que protege uma criança de uma cobra, os golfinhos que circulam uma pessoa nadando em águas repletas de tubarões ou mesmo um ser humano que arrisca sua vida para salvar um desconhecido. Esses comportamentos revelam uma natureza altruística que a tese do “gene egoísta” tem dificuldades de explicar (WAAL, 2010, p. 61-71).
Fora isso, Waal critica o uso de uma terminologia que tinha “tudo para ser mal compreendida” (WAAL, 2010, p. 63). Ele cita o exemplo do ex-CEO da Enron, Jeff Skilling, responsável por uma das maiores fraudes coorporativas nos Estados Unidos. Inspirado pelo livro de Dawkins, o executivo implementou na empresa um sistema de avaliação em que os funcionários pontuavam uns aos outros, de modo que ao final do ano ao menos 15% deles precisavam ser demitidos. Visto como um visionário da gestão, Skilling buscava fomentar a ganância e o medo, sentimentos inerentes ao egoísmo humano e que segundo ele eram essenciais para que os funcionários obtivessem sucesso numa economia de mercado. O documentário ENRON: the smartest guy in the room (2005) mostra as consequências desastrosas dessa metodologia e o caminho que levou Jeff Skilling à prisão.
Para Waal, não se trata de negar a violência e a concorrência presente nos seres humanos, mas de afirmar que “os laços sociais limitam a competição entre nós [... ou seja] não somos obrigatoriamente agressivos. É tudo uma questão de equilíbrio.” (WAAL, 2010, p. 71). Um dos principais fatores que pode influenciar esse contrapeso é a educação. O próprio Dawkins (2007) afirma ser possível superar o “gene egoísta”, transmitindo valores como o altruísmo. Mas o argumento se torna muito mais forte se partirmos da premissa de que o sentimento de solidariedade - a partir da “empatia”, como sugere o título do livro de Waal (2010)5 -, é inerente aos seres humanos, e que a cultura e a educação vêm desequilibrando-o em favor de uma antropologia individual. De que maneira então o ensino superior pode ter um papel preponderante na busca dessa estabilização?
O PAPEL DO ENSINO SUPERIOR
“Uma democracia é mais do que uma forma de governo; é, primacialmente, uma forma de vida associada, de experiência conjunta e mutuamente comunicada.” (DEWEY, 1959, p. 93).
O principal objetivo da obra de Dewey (1959) era substituir a “educação tradicional” (receptiva, submissa e obediente) por uma “educação progressiva” (feita com base nas relações interativas dos indivíduos na sociedade). Não se tratava de abandonar o conteúdo teórico (“tradicional”), mas de reconstruí-lo (de forma “progressiva”), a partir das experiências e dos desafios que os seres humanos enfrentam para viver de forma conjunta. É nesse sentido que há uma convergência entre democracia e educação.
Esse propósito não era novo. Como mostra Jean Vial (1995), ele pode ser encontrado na Paideia grega (em oposição ao ensino totalitário), na defesa que Montaigne fez de uma formação ligada à arte de viver e ao desenvolvimento do caráter (para equilibrar a instrução científica) ou na proposta de educação social presente em Rousseau (contra os excessos do racionalismo). Dewey seria então um dos principais herdeiros dessa tradição no século XX, influenciando a base curricular de diversas instituições ao redor do mundo (LATASHA, 2020), sobretudo no Brasil, tendo em vista seu legado na obra de Paulo Freire (MURARO, 2013).
Mas o ponto central desse plano pedagógico - em contato com o outro, reflexivo, na busca pela transformação da realidade social (DEWEY, 1959) - sempre foi o ensino básico, ou seja, com foco na formação das crianças e dos adolescentes. Isso não significa que Dewey tenha negligenciado o ensino superior, mas este aparece de forma mais discreta, como a última etapa na formação dos seres humanos. Trata-se então de um projeto cronológico, que vai da base até o alto, e cujo principal objetivo é preparar os jovens para viver em coletividade.
Mas e se pensarmos no caminho contrário? Conforme vimos, Bledstein defendeu a tese de que a “fé social no mérito” consolidou-se na universidade norte-americana. Foi a partir dessa instituição que houve uma influência em toda a sociedade, inclusive nas diversas etapas do ensino básico. Era necessário se preparar ao longo dos anos, com o objetivo de obter as melhores notas e conseguir uma vaga nas escolas mais prestigiosas. Nos Estados Unidos, essa dinâmica passa pelo SAT (Scholastic Aptitude Test), um teste de aptidão escolar padronizado, feito por todos os estudantes interessados em ingressar no ensino superior. Trata-se de algo similar ao Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), cujo objetivo é avaliar a capacidade cognitiva e o conhecimento geral em diversas disciplinas. O foco da educação passa a ser a preparação dos alunos e a lógica meritocrática em torno desses testes. É dessa maneira que o ensino superior influencia a base educacional. Torna-se difícil instituir um projeto pedagógico, tal como foi concebido por Dewey, se as universidades de excelência buscam competências distintas. Como sugere Christian Laval (2003), essa dinâmica acaba instaurando um éthos de competitividade e de preparação para o sucesso profissional dos alunos, fazendo das escolas um alter ego das empresas.
O ensino superior poderia reverter essa tendência. O modelo norte-americano, pelo menos em tese, dispõe de mecanismos para isso. O SAT não é o único meio de acesso dos alunos ao ensino superior. O currículo ao longo da trajetória escolar, a prática desportiva, a participação em atividades extraclasse, a diversidade sociocultural - todos esses fatores podem contar para que os discentes consigam uma vaga nas instituições mais prestigiosas. Mas o que deveria ser a regra, para se efetivar uma mudança estrutural, apresenta-se muito mais como uma exceção. De um lado, o número de vagas destinas ao recrutamento amplo é limitado. Para dar apenas um exemplo, em Harvard quase 50% das admissões são destinadas a filhos de pais doadores, pessoas de interesse do reitor, filhos de funcionários, etc. (BERO, 2021). Já no tocante ao recrutamento amplo, não somente há uma sobrevalorização do SAT, em detrimento das outras atividades curriculares, como a dinâmica em torno desse teste envolve, conforme vimos acima, uma estratificação econômica, colocando em uma escala superior aqueles que têm condições de pagar por instrutores ou cursos preparatórios. Como observa Sandel (2020, p. 616-617):
Quanto mais alta for a renda de sua família, mais alta será sua pontuação no SAT. A cada degrau de sucesso na escada da renda, a média da pontuação no SAT aumenta. No caso de notas que posicionam os estudantes na disputa para as mais seletivas faculdades, a lacuna é especialmente robusta. Se você vem de uma família abastada (com renda anual superior a US$ 200 mil), sua chance de pontuar acima de 1.400 (em um total de 1.600) é um em cinco. Se você vem de uma família pobre, com renda anual menor do que US$ 20 mil), sua chance é um em cinquenta. As pessoas na categoria dos que alcançam notas altas também são, em grande maioria, filhos e filhas de pai e mãe com diploma universitário.
É preciso colocar em xeque também a capacidade prognosticadora de outros testes, como Quociente de Inteligência, Capacidade Mental Geral, Teste de Reflexo Cognitivo, dentre outros. A psicologia comportamental vem nos fornecendo dados que relativizam a associação entre sucesso profissional e o êxito nesses exames. Numa pesquisa esclarecedora, Haran, Ritov e Mellers (2013) mostram que não há uma confiabilidade entre a capacidade cognitiva, medida por esses tipos de testes, e um desempenho mais elevado ao longo das carreiras. De forma surpreendente, os autores chegaram a uma outra conclusão, sintetizada da seguinte forma por Kahneman, Sibony e Sunstein (2021, p. 227):
A única medida de estilo cognitivo ou personalidade que segundo eles prognosticava o desempenho em previsões era outra escala, desenvolvida pelo professor de psicologia Jonathan Baron para medir a “mentalidade ativamente receptiva” - ou seja, ter mente aberta para buscar de forma deliberada informações que contradigam suas hipóteses preexistentes. Essas informações incluem as opiniões divergentes dos outros e a ponderação cuidadosa da nova evidência em relação às antigas crenças. Pessoas de mentalidade ativamente receptiva concordam com declarações como esta: “Deixar-se convencer por um argumento contrário é sinal de bom caráter”. E discordam de afirmações como “mudar de ideia é sinal de fraqueza” ou “a intuição é o melhor guia para tomar decisões”.
Se levarmos em conta o quadro analítico desenvolvido ao longo deste artigo, é possível afirmar que essas características, ligadas à “mentalidade ativamente receptiva”, inserem-se numa perspectiva antropológica-educacional mais solidária do que individual. Afinal, ao contrário de uma subjetividade solipsista, de uma busca pelo mérito próprio, de uma valorização da concorrência, entram em cena formas de diálogo, buscas por cooperação, mecanismos de alteridade - ou uma “abertura ao outro”, para usar a fórmula de Lévinas (1980).
O ensino superior poderia sobrevalorizar essas características para o acesso dos alunos, dando autonomia para as instituições promoverem seus processos seletivos. Estes poderiam levar mais em conta créditos no ensino básico ou práticas fora das escolas ligadas à construção de cidadania, projetos coletivos, diálogos com a sociedade, busca por soluções de conflitos, participação em associações, grupos de pesquisa, etc. Não se trata de abandonar o mérito das notas nos exames individuais, mas de equilibrar a valorização de competências distintas, além de instituir um projeto educacional mais condizente com a necessidade de viver em coletividade, tal como preconizado por Dewey (1963).
Nesse sentido, a oferta cada vez ampla de disciplinas ou créditos extensionistas no ensino superior seria algo natural, dando continuidade a um projeto iniciado na base. As novas diretrizes do PNE, ao prever que 10% da grade curricular sejam destinadas a essas atividades, são um primeiro passo nessa direção.6 Esses créditos podem envolver projetos de responsabilidade social, troca de saberes com as comunidades, clínicas de prestação de serviços, oficinas de inovação fora das universidades, práticas de inserção dos alunos na realidade social, etc., em diálogo com a vasta experiência extencionista no Brasil (FÓRUM DE PRÓ-REITORES DAS INSTIUIÇÕES PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRAS, 2012).
A implementação e a consolidação dessa grade curricular7 permitiriam então ampliar o alcance do “papel pedagógico da extensão universitária” (COELHO, 2014), em especial no que toca a formação de uma “cultura da solidariedade”. Nesse sentido, há diversos estudos, com alunos que participaram de projetos de extensão, que indicam ganho de confiança na capacidade de contribuir para a comunidade e valorização de ações de valor cívico (SEIDER; GILLMOR; RABINOWICZ, 2012; WEILER et al., 2013); aumento de habilidades em trabalhos sociais (OSBORNE; HAMMERICH; HENSLEY, 1998); aquisição de consciência política (SIMONS; CLEARY, 2006); valorização do papel de responsabilidade social da universidade e ganho na troca de saberes com a comunidade, etc.8 (SANTOS et al., 2013). Além disso, o aumento na escala desses projetos, que passariam a incluir todos os alunos e não somente aqueles interessados nessas atividades, pode abrir um novo campo para pesquisas que busquem avaliar o potencial transformador da extensão.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
“A reforma […] foi tudo o que pôde ser. Não pôde ser mais do que foi, em drama e atores. Deu de si tudo! Deu de forma rápida com seus limites infranqueáveis. E realizou um magnífico descobrimento. Somente isso a salvaria: ao descobrir a raiz de sua vacuidade e da sua infecundidade notória, deparou-se com este achado: reforma universitária é o mesmo que reforma social.” (ROCA, 1978, p. 430-431, tradução livre).
A reflexão de Roca, muitos anos depois do Grito de Córdoba, indica a relevância do ensino superior. Ela vai ao encontro do constato de Bledstein, no sentido da capacidade de transformação social a partir das universidades. Partimos dessa hipótese, para defender a tese de que as instituições de ensino superior podem ser ponto nevrálgico para instituir uma cultura solidária, com o objetivo de equilibrar o excesso da cultura individual na sociedade contemporânea. Afinal, da perda de capital social (PUTNAM, 2000), passando pelas “mortes por desespero” (CASE; DEATON, 2020) até a “tirania do mérito (SANDEL, 2020), o diagnóstico desse solipsismo existencial é recorrente, exigindo das instituições sociais medidas que possam mitigar seus efeitos perversos.
No caminho contrário, vimos que a proposta institucional hegemônica para o ensino superior - o “Modo 2”, de Gibbons -, não leva em consideração essa dimensão crítica, priorizando a racionalidade do homo economicus. Desta forma, a universidade é vista como uma intuição capaz de formar a mão de obra necessária e contribuir com suas pesquisas para o “economically-oriented paradigm”. Não por acaso Gibbons defende uma redução do investimento público no ensino superior, acreditando que o dinamismo do mercado é mais eficiente para produzir outputs econômicos.
Este artigo defendeu a tese contrária, no sentido de que o excesso de racionalidade econômica e de “cultura do profissionalismo” vem gerando efeitos perversos no conjunto da sociedade (WALBURG, 2014; VIAPIANA; GOMES; ALBUQUERQUE, 2018) e de que o ensino superior, em especial por meio de uma transformação de suas formas de acesso e de uma valorização das atividades de extensão, pode ser o locus privilegiado para a transformação dessa realidade.
Ao contrário do que propõe Gibbons, essa compreensão do papel institucional do ensino superior justificaria seu investimento público, uma vez que traria diversas externalidades, ligadas à responsabilidade social da universidade (DA CUNHA RIBEIRO; MAGALHÃES, 2014), em especial ao aproximar os alunos de uma cultura solidária, ou seja, de práticas cooperativas, de uma relação com o outro, de intersubjetividades, de respeito às diferenças - muito daquilo que Naomar de Almeida Filho reivindicou, no seu projeto de Universidade Nova, com a noção habermasiana de “comunidades ideais de diálogo” (SANTOS; ALMEIDA FILHO, 2009, p. 174).
Porque se não, como disse o prêmio Nobel de Economia James Tobin (1999, p. 50), referindo-se à racionalidade privada no ensino superior - e de certa forma sintetizando o que foi desenvolvido ao longo deste trabalho -, “é o egoísmo a curto prazo”.
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1
Artigo publicado com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq/Brasil para os serviços de edição, diagramação e conversão de XML.
-
2
Nesse mesmo sentido, Viapiana, Gomes e Albuquerque (2018) trazem uma reflexão sobre o “adoecimento psíquico na sociedade contemporânea”, com base na “determinação social do processo saúde-doença”, revelando o papel catalisador que competitividade da economia capitalista teve nessa dinâmica, em especial a partir da segunda metade do século XX. No que toca especificamente o ambiente acadêmico, Walburg (2014) traz uma revisão da literatura envolvendo diversos países, mostrando o aumento da síndrome de Burnout nos alunos, fenômeno antes ligado ao universo profissional.
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3
Exemplo disso pode ser visto num editorial publicado no Times logo após a eclosão da Primeira Guerra Mundial. Falando sobre o absurdo de reivindicar a luta pela vida, para justificar os horrores dos campos de batalha, o texto chamava a atenção para a obra de Kropotkin, que interpretava “o progresso biológico e social em termos não do exercício da força bruta e da astúcia, mas de cooperação”. (KROPOTKIN, 2009, p. 8).
-
4
“Qualquer animal, dotado com instintos sociais bem marcados [...] inevitavelmente adquiriria um senso ou consciência moral assim que seus poderes intelectuais tivessem se tornado bem desenvolvidos ou quase tão bem desenvolvidos como no homem.” (DARWIN, 1981, p. 72, tradução livre).
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5
Ou da “compaixão racional”, como sugere o psicólogo Paul Bloom (2016), criticando o termo “empatia”. O foco das pesquisas de Bloom (2014) é o comportamento das crianças. Ele defende a tese de que elas, desde os primeiros meses de vida, são capazes de fazer julgamentos morais e de terem sentimentos de justiça, o que vai ao encontro de uma antropologia solidária.
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6
Nesse sentido, seria importante uma mudança nos critérios de avaliação e de fomento do ensino superior (por parte do MEC, CAPES, agências de rankings, etc.), valorizando mais a extensão.
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7
Em virtude da pandemia de COVID-19, a implementação dessa grade curricular extensionista ainda está sendo efetivada na maior parte das universidades. Para um mapeamento de algumas iniciativas, cf. o portal da Rede Nacional de Extensão, disponível em: https://www.ufmg.br/proex/renex/.
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8
Para uma descrição mais detalhada, cf. Coelho (2014).
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
09 Set 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
-
Recebido
07 Abr 2022 -
Preprint postado em
04 Jan 2022
10.1590/SciELOPreprints.3729 -
Aceito
03 Fev 2023