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O QUE CRIANÇAS E ADOLESCENTES FIZERAM DAQUILO QUE A PANDEMIA FEZ COM ELES E ELAS?1 1 Artigo publicado com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq/Brasil para os serviços de edição, diagramação e conversão de XML.

¿QUÉ HICIERON LOS NIÑOS Y ADOLESCENTES ANTE LO QUE LES HIZO LA PANDEMIA?

RESUMO:

Este artigo, que aborda como crianças e adolescentes viveram a pandemia de covid-19 como experiência geracional, objetiva compreender como agiram diante da reconfiguração da ordem das interações sociais decorrente do isolamento social como medida para conter o avanço da doença, buscando conhecer as interpretações de crianças e adolescentes a partir de suas posições geracionais. As discussões têm como base dados de pesquisas com crianças e adolescentes de 8 a 14 anos, residentes em 33 municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte e em 27 Regiões Administrativas do Distrito Federal. Ambas as pesquisas adotaram perspectiva metodológica mista, com métodos qualitativos e quantitativos, com adoção de questionários, como instrumentos de coleta de dados censitários, ampliados com questões e observações abertas. Como síntese indicam-se as preocupações com a dimensão da solidariedade inter e intrageracional. Observa-se ainda que crianças e adolescentes rompem com dicotomias, especialmente aquelas que separam adultos e crianças e expressam sua crítica ao contexto e às ações políticas e individuais dele decorrentes.

Palavras-chave:
geração; crianças; adolescentes; sociologia da infância; sociologia da juventude

RESUMEN:

Este artículo aborda cómo los niños y adolescentes vivieron la pandemia de la covid-19 como una experiencia generacional. Tiene como objetivo comprender cómo actuaron frente a la reconfiguración del orden de las interacciones sociales resultantes del aislamiento social como medida para contener la progresión de la enfermedad. Se busca conocer las interpretaciones de niños, niñas y adolescentes desde sus posiciones generacionales. Las discusiones se basan en datos de investigación con niños y adolescentes de 8 a 14 años, residentes en 33 municipios de la Región Metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais y en 27 Regiones Administrativas del Distrito Federal, en Brasil. Ambas investigaciones adoptaron una perspectiva metodológica mixta, con métodos cualitativos y cuantitativos, con la adopción de cuestionarios, como instrumentos de recolección de datos censales, ampliados con preguntas abiertas y observaciones. A modo de síntesis, se señalan preocupaciones con la dimensión de la solidaridad inter e intrageneracional. También se observa que los niños y adolescentes rompen con las dicotomías, especialmente aquellas que separan a los adultos y los niños y expresan su crítica al contexto y las acciones políticas e individuales derivadas de él.

Palabras clave:
generación; niños; adolescencentes; sociología de la infancia; sociología de la juventud

ABSTRACT:

This paper discusses how children and adolescents lived the covid-19 pandemic as a generational experience, seeking to understand their interpretations of the social interactions reconfigured by the social distancing measures adopted to combat the disease. Data were obtained from two studies conducted with children and adolescents aged 8 to 14 years, residing in 33 cities from the Metropolitan Region of Belo Horizonte and 27 administrative regions of the Federal District. Both studies adopted a mixed methodology, collecting census data using questionnaires, broadened by open questions. The analysis points to a concern with inter and intragenerational solidarity, and shows that children and adolescents reject dichotomies, especially those that separate adults and children, and express their criticism about the context and the political and individual actions resulting from it.

Keywords:
generation; children; adolescents; sociology of childhood; sociology of youth

INTRODUÇÃO

Este artigo aborda como crianças e adolescentes viveram a pandemia de covid-19 como experiência geracional. Busca-se compreender como agiram diante da reconfiguração da ordem das interações sociais durante o isolamento social como medida para conter o avanço da doença. As discussões têm como base dados de pesquisas com crianças e adolescentes de 8 a 14 anos, de 33 municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) e em 27 das Regiões Administrativas do Distrito Federal (DF), realizadas em 2020.

Buscou-se conhecer, no contexto do isolamento social, as experiências que entrelaçaram, de maneira indelével, o cotidiano de crianças, adolescentes, adultos e idosos que vivenciaram o contexto pandêmico. Em que pesem as formas distintas como foram tratados crianças e adolescentes, ora como propagadores do vírus, ora como vítimas em potencial dos desdobramentos e dos efeitos políticos, sociais e econômicos da pandemia, esses foram pouco ouvidos, em especial no que diz respeito às suas necessidades, às aprendizagens e a novas subjetivações que a pandemia provocou.

Inicialmente, contextualiza-se o período pandêmico, com breve inventário bibliográfico sobre pesquisas com crianças e adolescentes no Brasil e em outros países. Na sequência, aborda-se a infância e a adolescência na perspectiva geracional, em um contexto adultocêntrico. Por fim, para responder à questão proposta neste artigo - o que as crianças e adolescentes fizeram daquilo que a pandemia fez com eles e elas? -, apresentam-se resultados de duas pesquisas realizadas em 2020, a partir dos nexos entre aspectos consonantes no que diz respeito: i- às experiências das crianças e adolescentes no contexto da pandemia de covid-19; ii - aos medos e tristezas; iii- às alegrias; e iv- à dimensão da solidariedade inter e intrageracional. As considerações finais apresentam pistas sobre as interpretações construídas pelas crianças e adolescentes, bem como as posições geracionais advindas do contexto pandêmico.

QUE ALERTA O VÍRUS EMITE?

Em 31 de dezembro de 2019, difundiram-se as primeiras informações sobre casos de pneumonia na cidade de Wuhan, província de Hubei, na República Popular da China. Em seguida, esses casos foram confirmados como um novo tipo de coronavírus, que ainda não havia sido identificado em humanos. Como existem outros tipos de coronavírus, este ficou conhecido como novo coronavírus e recebeu o nome de SARS-CoV-2, que é o responsável por causar a síndrome de covid-19. Diante da expansão geográfica do vírus, que atingiu rapidamente a Europa e os Estados Unidos, a covid-19 foi caracterizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma pandemia em 11 de março de 2020, tornando-se, assim, a primeira pandemia do século XXI. Até fevereiro de 2023, foram mais de 754.018.841 casos confirmados em todo o mundo, com 6.817.478 mortos reportados à Organização Mundial da Saúde (OMS, 2022PAINEL DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE REFERENTE AO CORONAVÍRUS (COVID‐19). https://covid19.who.in 2022.
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). No Brasil, entre fevereiro de 2020, quando tivemos o primeiro caso confirmado, até início de fevereiro de 2023 (época da escrita deste artigo), foram 36.837.943 casos confirmados e, aproximadamente, 697.200 mortos reportados à OMS (WHO Coronavirus [COVID-19)] Dashboard, 2023WHO Coronavirus(COVID-19) Dashboard, 2023.).

O vírus descortinou a triste realidade vivenciada em nível planetário, a acumulação, com precarização do trabalho, o que acarreta uma desigualdade brutal. O relatório da OXFAM de janeiro de 2021 intitulado “O vírus da desigualdade” traz, entre outras informações, o agravamento das desigualdades e da superacumulação de riqueza nas mãos de poucos bilionários, em um contexto de precarização das relações trabalhistas, de enxugamento de investimentos sociais e desmantelamento do Estado. Destaca-se o alerta de Rao e Fischer (2021RAO, Nirmala; FISHER, Philipe. COVID-19 Special Section Editors. The impact of the COVID-19 pandemic on child and adolescent development around the world. Child Dev, v. 82, nº 5, e738-e748, set.¹2021. doi: 10.1111/cdev.13653. PMID: 34569058; PMCID: PMC8652930.
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) sobre a politização da pandemia, com investidas contra a ciência, a saúde pública e a propagação de falsas notícias, que dificultaram o combate à pandemia. O discurso e as atitudes negacionistas prejudicaram a disponibilização de recursos para combater a disseminação do vírus, levando ao descrédito de medidas consideradas eficazes: distanciamento social, imunização em massa, uso de máscaras, higienização das mãos, entre outros, o que acarretou no prolongamento da pandemia, bem como no aumento do número de mortos e de pessoas com efeitos colaterais expressivos.

Em um país como o Brasil, de dimensão continental e enorme desigualdade social, o impacto da pandemia ainda está sendo quantificado e discutido. O direito à educação configura-se como mais uma das vítimas dessa pandemia, já que foi afetado de maneira eloquente. Atendendo às orientações sobre isolamento social advindas das instituições científicas, em 18 de março de 2020, o Conselho Nacional de Educação (CNE) apresentou parecer autorizando a “reorganização do Calendário Escolar e a possibilidade de cômputo de atividades não presenciais para fins de cumprimento da carga horária anual, em razão da Pandemia da COVID-19” (BRASIL, 2020FERNANDES, Maria Lidia Bueno ; DIAZ, Diego Barrios. Aproximações à situação de crianças durante a pandemia de Covid-19 no Distrito Federal brasileiro. Dossiê: Geografias das Infâncias - espacializações da vida de bebês e crianças. Instrumento: Revista de Estudo e Pesquisa em Educação, v. 24, n. 2, p. 560-576, 2022.). O longo período de fechamento das escolas, em especial as públicas, bem como o desamparo de parte significativa da população diante das novas demandas de acompanhamento do ensino de forma remota revelaram um cenário de desorganização do sistema educacional. Alguns estudos já publicados afirmam que países como o Brasil correm o risco de “regredir duas décadas no acesso de meninos e meninas à educação”. Pesquisa do UNICEF, publicada em abril de 2021, apresenta números do efeito da pandemia na educação brasileira. O estudo aponta que cerca de 1,5 milhão de crianças e adolescentes (6 a 17 anos) não frequentaram a escola no ano letivo de 2020 e cerca de 3,7 milhões matriculados não tiveram acesso, ou seja, 5,1 milhões “tiveram o direito à educação negado”.

Pesquisa divulgada anteriormente, em agosto de 2020, pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) e pelo Escritório Regional de Educação para a América Latina e o Caribe (OREALC/UNESCO) alerta sobre a necessidade “de salvaguardar o financiamento como uma prioridade fundamental para proteger os sistemas educativos nacionais da exacerbação das desigualdades no acesso à educação e crises de aprendizagem” (CEPAL-UNESCO, 2020CEPAL-UNESCO. La educación en tiempos de la pandemia de COVID-19. Informe COVID-19. 2020. Disponível em: https://repositorio.cepal.org/bitstream/handle/11362/45904/1/S2000510_es.pdf
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, p. 17, tradução nossa). Esse estudo apontou - poucos meses após o fechamento oficial das escolas - reflexões de especialistas que sinalizavam a possibilidade de ampliação veloz das disparidades sociais.

Em comunicado divulgado no mês de janeiro de 2021, a UNESCO informou que o número de pessoas atingidas pelo fechamento parcial ou total das unidades escolares ultrapassa os 50% da população escolar mundial, o que corresponde a 1,6 bilhão de estudantes em mais de 190 países.

Em que pesem a importância desses estudos e as lacunas de informações respaldadas por pesquisas, em especial as que empregam metodologias longitudinais (Bartholo; Koslinski; Costa; Barcellos, 2020BARTHOLO, Tiago Lisboa; KOSLINSKI, Mariane Campelo; COSTA, Marcio da; BARCELLOS, Thaís Mendonça. O que as crianças sabem ao ingressarem na pré-escola na cidade do Rio de Janeiro?. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, [S.l.], v. 28, n. 107, p. 292-313, apr. 2020. ISSN 1809-4465. Disponível em: <Disponível em: https://revistas.cesgranrio.org.br/index.php/ensaio/article/view/2071 >. Acesso em: 10 aug. 2023. doi:http://dx.doi.org/10.1590/s0104-40362019002702071.
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) de acompanhamento dos processos educacionais, desde os primeiros anos do acesso à educação formal, algo nos parece demandar atenção especial: a necessidade de ampliar investigações que contemplem a escuta de crianças e adolescentes, reconhecendo-os como agentes reflexivos.

À guisa de um inventário bibliográfico, buscou-se acessar trabalhos que ouviram crianças e adolescentes com perspectivas teórico-metodológicas de reconhecimento desses sujeitos como participantes da sociedade, cujas vivências e interpretações são relevantes para a compreensão dos fenômenos sociais. As pesquisas realizadas no contexto do isolamento social discutem os desafios de acesso aos sujeitos por meio de recursos de comunicação a distância, ao mesmo tempo em que analisaram as vivências de crianças e adolescentes com as tecnologias (Alvaro et al., 2021ALVARO, Marcela; FOLINO, Carolina; MASSARANI, Luisa; CHAGAS, Catarina. “A máscara salva”: representações sociais da pandemia de Covid-19 por meio de desenhos de crianças cariocas. Saúde e Sociedade. São Paulo, v. 30, n. 4, p. 1-12, 2021.; Silva et al., 2021SILVA, Isabel Oliveira; LUZ, Iza Rodrigues; CARVALHO, Levindo Diniz . Infância e pandemia na Região Metropolitana de Belo Horizonte: primeiras análises. Belo Horizonte. UFMG/FaE/NEPEI, 2021. Disponível em: https://www.infanciaemtemposdepandemia.com.br/publicacoes/
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; Laguna et al., 2021LAGUNA, Thalyta F. S.; HERMANNS, Tanandra; SILVA, Ana Claudia Pinto; RODRIGUES, Liana Nolibos; ABAID, Josiane Lieberknecht Wathier. Educação remota: desafios de pais ensinantes na pandemia. Rev. Bras. Saúde Matern. Infant., Recife, nº 21 (Supl. 2): S403-S412, mai. 2021.; Lara et al., 2021GUIZZO, Bianca S.; MARCELLO, Fabiana A.; MULLER, Fernanda. A reinvenção do cotidiano em tempos de pandemia. Educação &Pesquisa. São Paulo, v. 46, e238077, 2020. 18p.). Guizzo, Marcello e Müller (2020GUIZZO, Bianca S.; MARCELLO, Fabiana A.; MULLER, Fernanda. A reinvenção do cotidiano em tempos de pandemia. Educação &Pesquisa. São Paulo, v. 46, e238077, 2020. 18p.) focalizaram as relações das crianças e das famílias com as tecnologias, discutindo transformações do cotidiano decorrentes do contexto pandêmico.

As pesquisas problematizam também o impacto das condições impostas às crianças pela pandemia, diante do baixo reconhecimento social de que são um grupo fortemente atingido pela crise sanitária e social. Nessa direção, a preocupação com as condições de desenvolvimento e bem-estar de crianças e adolescentes, focalizando-se seus sentimentos (Alvaro et al., 2021ALVARO, Marcela; FOLINO, Carolina; MASSARANI, Luisa; CHAGAS, Catarina. “A máscara salva”: representações sociais da pandemia de Covid-19 por meio de desenhos de crianças cariocas. Saúde e Sociedade. São Paulo, v. 30, n. 4, p. 1-12, 2021.; Marques et al., 2022MARQUES, Fernanda Pedrosa. Coutinho; TAMIETTI, Jùlia Ribeiro; BIZZOTTO, Luciana Maciel; GOUVÊA, Maria Cristina Soares de. Emoções e sentimentos das crianças em tempos de pandemia. In: SILVA, Isabel de Oliveira e; LUZ, Iza Rodrigues da; CARVALHO, Levindo Diniz; GOUVÊA, Maria Cristina Soares de(org.). Infância e pandemia: escuta de experiência das crianças. Belo Horizonte: INCIPT/Editora UFMG, 2022. p.117-152.), tem sido afirmada por pesquisadores e pesquisadoras, inclusive no que concerne à possível persistência de suas consequências após o isolamento social (Milani et al., 2022MILANI, Suedem Andrade; ROSA, João Vitor Borges Xavier da; ALCÂNTARA JÚNIOR, Ricardo Pereira; SANTOS, Guilherme dos; CARRIL FILHO, Ricardo Dios; CARRARA, Paulo; RÉ, Alessandro Hervaldo Nicolai. Covid-19 and the influence of social restriction on physical activity among children and adolescents. J. Phys. Educ. v. 33, e3348, 2022, 11p.; Rocha, 2021ROCHA, Paulo M. B. A pandemia de Covid-19 e suas possíveis consequências para o desenvolvimento e atraso da linguagem e da fala em crianças: uma questão urgente. Audiol Commun Res, 2021, 26. 2 p.; Matos, 2022MATOS, Mariana G. (org.). Infâncias pandêmicas, escola e saúde mental. Rio de Janeiro: Pirilampo, 2022.).

No México, a pesquisa coordenada pela Organização MELEL XOJOBAL A.C. (2020MELEL XOJOBAL A. C. ¿Cómo viven las niñas, niños y adolescentes de San Cristóbal de Las Casas, Chiapas la pandemia del Coronavirus? San Cristóbal de Las Casas, Chiapas: Melel Xojobal A.C., Desarrollo Educativo Sueniños A.C., Tierra Roja Cuxtitali Centro Comunitario A.C., 2020.) ¿Cómo viven las niñas, niños y adolescentes de San Cristóbal de Las Casas, Chiapas la pandemia del Coronavirus? acessa as expressões das crianças. Destacam-se também os esforços realizados pela Revista Children’s Geography que articulou pesquisadores de diferentes localidades e publicou um número especial sobre a temática: Childhood; COVID-19; inequality; transnational studies; children's geographies (Cortes-Morales, 2021CORTES-MORALES, Susana; HOLT, Luise; ACEVEDO-RINCÓN, Janny; AITKEN, Stuart; LADRU, Danielle Ekman; JOELSSON, Tanja; KRAFTL, Peter; MURRAY, Lesley; TEBET, Gabriela. Children living in pandemic times: a geographical, transnational and situated view. Children's Geographies, v. 1, nº 11, p. 381-391, 2021.), que traz um panorama transnacional sobre a questão, ao mesmo tempo em que faz uma chamada para o desenvolvimento de trabalhos colaborativos entre os pesquisadores do campo dos estudos da infância.

A situação de suspensão de atividades escolares por tempo tão longo perpassa todas as análises sobre a situação de crianças e adolescentes. Trata-se de situação que não possuía precedente que pudesse auxiliar na busca de soluções para a manutenção dos direitos das crianças e dos adolescentes à educação. Além disso, como diferentes organismos dedicados à infância denunciaram, os prejuízos são tão maiores quanto maior o tempo fora da escola, o que pode resultar em evasão escolar, perdas de oportunidades de aprendizagens, além de outros fatores, como insegurança alimentar e hiatos na proteção contra a violência contra crianças e adolescentes.

É a partir desse quadro que se propõe a discussão sobre a potência da voz das crianças e adolescentes nesse contexto, sem que isso signifique romantização ou atribuição de autonomia a esses sujeitos, incompatível com seus processos de desenvolvimento. Trata-se de um grupo geracional cuja dependência dos adultos, especialmente do ponto de vista econômico, legitima socialmente sua subalternidade. Crianças, adolescentes e jovens, ainda que profundamente atingidos pelas mais diversas crises, raramente são ouvidos pelos formuladores de políticas. Espera-se que o avanço das pesquisas com crianças e adolescentes contribua também para a luta política pela participação desses sujeitos na vida social, especialmente nas decisões que lhes dizem respeito.

CRIANÇAS E ADOLESCENTES DIANTE DA RECONFIGURAÇÃO DA ORDEM DAS INTERAÇÕES SOCIAIS

Sem deixar de reconhecer a importância das análises macrossociais que problematizam aspectos políticos e econômicos, entendemos que a reconfiguração da ordem das interações sociais provocada por esse evento é um fenômeno de relevância acadêmica e social. Espera-se elucidar aspectos das experiências da população infantil e adolescente no contexto de isolamento social devido à pandemia. Propõe-se uma abordagem que compreende crianças e adolescentes no contexto relacional com os diferentes grupos etários em cujas experiências sociais a posição geracional tem papel determinante.

Os estudos iniciais sobre gerações partiram de uma visão biologicista das diferenças para, mais tarde, formular-se uma visão histórico-social das dinâmicas geracionais. Enquanto a primeira visão apresentava uma perspectiva quantitativa, preocupada com o tempo de duração de uma geração até a sua sucessão na vida social, na segunda, tanto em uma perspectiva histórico-romântica quanto na abordagem sociológica de Mannheim (1993MANNHEIM, Karl. “El problema de las generaciones” [tradução: Ignacio Sánchez de la Yncera]. Revista Española de Investigaciones Sociológicas(REIS), n. 62, p. 193-242, 1993.), o objeto de análise é a experiência dos grupos geracionais. A ideia de geração passa, portanto, a ser tomada como categoria de compreensão da existência humana, designando os grupos que partilham experiências comuns e vivem sob as mesmas influências históricas (Feixa; Leccardi, 2010FEIXA, Carles; LECCARDI, Carmem. O conceito de geração nas teorias sobre juventude. Revista Sociedade e Estado, v. 25, nº 2, p. 185-204, mai./ago., 2010.). Segundo Weller (2010WELLER, Wivian. A atualidade do conceito de gerações de Karl Mannheim. Revista Sociedade e Estado, - v. 25, nº 2, p. 205-224, mai./ago. 2010.), o conceito de geração vem sendo mobilizado nas análises sociológicas ao lado das categorias classe, gênero, raça e etnia. Weller (2010WELLER, Wivian. A atualidade do conceito de gerações de Karl Mannheim. Revista Sociedade e Estado, - v. 25, nº 2, p. 205-224, mai./ago. 2010.) se refere ao conceito de gerações formulado por Mannheim (1993MANNHEIM, Karl. “El problema de las generaciones” [tradução: Ignacio Sánchez de la Yncera]. Revista Española de Investigaciones Sociológicas(REIS), n. 62, p. 193-242, 1993.), destacando que ele incorpora o conceito qualitativo de tempo de Dilthey (2010DILTHEY, Wilhelm. A construção do mundo histórico nas ciências humanas. 1. ed. São Paulo: Editora Unesp, 2010.), indicando a ideia de geração composta por indivíduos que vivem contemporaneamente, sujeitos às mesmas influências culturais e situações político-sociais.

Embora, desde Durkheim (2007DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 2007.), a sociologia tenha focalizado a infância como geração, por meio da discussão dos processos de transmissão cultural realizados pelos adultos, a infância e as crianças, como objetos “em si mesmos”, só emergem no final de século XX, especialmente a partir da década de 1980 (Prout, 2010PROUT, Alan. Reconsiderando a nova sociologia da infância. Cadernos de Pesquisa, v. 40, n. 141, p.729-750, set./dez. 2010.; Sarmento, 2008SARMENTO, Manuel. Sociologia da infância: correntes e confluências. In: SARMENTO, Manoel; GOUVEA, Maria Cristina(org.) Estudos da infância. Petrópolis: Vozes, 2008. p. 17-39.). Observa-se, a partir desse momento, a construção de um novo paradigma nos estudos sociais sobre as crianças e as infâncias (James; Prout, 1997JAMES, Allison.; PROUT, Alan. Constructing and Reconstructing childhood: contemporary issues in the sociological study of childhood. (Introdução). London and New York: RoutledgeFalmer, 1997.). A literatura que aí emerge confronta os conhecimentos sobre a infância, especialmente de determinadas perspectivas da psicologia do desenvolvimento, desconstruindo a visão etapista e de provisoriedade da vida infantil, segundo a qual a plenitude da vida humana estaria reservada à fase adulta. Reforçam-se o pressuposto da infância como construção social (Heywood, 2004HEYWOOD, Colin. Uma história da infância. Tradução: Roberto Cataldo Costa. Porto Alegre: Artmed, 2004.) e o reconhecimento de que as crianças não são agentes passivos da socialização unidirecional adulto-criança2 2 A socialização é o processo pelo qual os indivíduos aprendem as normas, os valores, os comportamentos e os papéis sociais de uma determinada sociedade ou grupo social. Trata-se de um processo continuado ao longo da vida que envolve a internalização de regras e expectativas sociais através de indivíduos significativos em grupos, família, amigos, instituições educacionais e culturais, além das mídias. Assim, a socialização é um processo contínuo pelo qual os indivíduos aprendem a linguagem, as normas, os papéis sociais e os significados compartilhados em uma sociedade. Por sua vez, a sociabilidade, que se encontra relacionada aos processos de interação social, envolve habilidades de comunicação, colaboração, compartilhamento de experiências e estabelecimento de laços sociais. . Aspecto relevante desse reordenamento se refere à apreensão da criança e da infância não essencializadas, situadas social e historicamente e, portanto, atravessadas pelos demais marcadores sociais, como a classe, o gênero, a raça, o território e os subgrupos etários. Nesse processo que mescla mudanças sociais, especialmente pelo reconhecimento de direitos e virada epistemológica, com reconhecimento das crianças como sujeitos sociais plenos, reafirma-se que não apenas elas e a própria infância são objetos legítimos do pensamento sociológico, como também necessários para o conhecimento das sociedades de forma globalizada (Sarmento, 2005SARMENTO, Manuel. Sociologia da infância: correntes e confluências. In: SARMENTO, Manoel; GOUVEA, Maria Cristina(org.) Estudos da infância. Petrópolis: Vozes, 2008. p. 17-39.).

Nesse movimento, observa-se, nos estudos contemporâneos sobre a infância, a dupla entrada: de um lado, a dimensão estrutural da infância nas sociedades (Qvortrup, 2010) e, de outro, por meio da abordagem interpretativa da ação social das crianças, a identificação e a análise de suas formas próprias de participação na vida social, de modo a provocar efeitos na organização de grupos e instituições em relações intra e intergeracionais.

Seu lugar na estrutura geracional impacta todas as dimensões da vida econômica e social, seja no presente, por meio das transformações e permanências na organização da vida familiar, nas políticas sociais, na formação de um mercado de produtos e consumo voltados para crianças; seja na sua acepção de futuro cidadão responsável pelo equilíbrio do mercado de trabalho, da estrutura da previdência social (Alanen, 2010LANEN, Leena. Teoria do bem-estar da criança. Cadernos de Pesquisa, v. 40, n. 141, p. 751-775, set./dez. 2010.), dentre outros aspectos. Assim, nesse paradigma, a infância se constrói como categoria social necessária à compreensão da vida social e da experiência dos sujeitos mais jovens.

Para os fins da discussão proposta neste artigo, considera-se importante, ainda, problematizar em que consiste o bem-estar das gerações mais jovens, uma vez que a discussão sociológica a esse respeito se fez com base nas necessidades adultas. Ao focalizar o contexto europeu, tendo em vista discutir as contribuições dos estudos sobre a infância para o bem-estar infantil, Lena Alanen (2010LANEN, Leena. Teoria do bem-estar da criança. Cadernos de Pesquisa, v. 40, n. 141, p. 751-775, set./dez. 2010.), problematizando as categorias que as orientam no pensamento sociológico, indica que é necessário que não apenas organismos multilaterais ofereçam subsídios sobre o tema. Observando que, no caso das crianças, a literatura não oferece ferramentas para se pensar o bem-estar, defende que é preciso que estudos sobre o tema se encontrem com os estudos sobre a infância para que a perspectiva da criança e da infância seja reconhecida.

A assunção da infância como categoria geracional no pensamento sociológico se sustenta também no reconhecimento da existência de um grupo socialmente subalterno devido à sua condição etária. É, portanto, na condição relacional com as demais classes de idade que se pode apreender a condição infantil marcada pela dependência econômica por meio da qual a subalternidade é socialmente legitimada (Sarmento, 2008SARMENTO, Manuel. Sociologia da infância: correntes e confluências. In: SARMENTO, Manoel; GOUVEA, Maria Cristina(org.) Estudos da infância. Petrópolis: Vozes, 2008. p. 17-39.). O grupo da infância é atravessado por desigualdades e contradições, seja no plano diacrônico, seja no plano sincrônico (Sarmento, 2008). Essa perspectiva concebe a infância como “uma condição social simultaneamente homogênea, enquanto categoria social, por relações com outras categorias geracionais, e heterogênea, por ser cruzada por outras categorias sociais” (Sarmento, 2008, p. 23), o que requer as dimensões interpretativa e estrutural (Qvortrup, 2010) em sua apreensão.

Dialogando com a teoria ator-rede de Bruno Latour, Prout (2010PROUT, Alan. Reconsiderando a nova sociologia da infância. Cadernos de Pesquisa, v. 40, n. 141, p.729-750, set./dez. 2010.) argumenta que, menos do que buscar descrever como a infância e as crianças podem ser estudadas em larga escala (dimensão estrutural), dever-se-ia buscar compreender como as crianças, nos contextos das relações e da materialidade da vida, constroem situações que atingem larga escala. Assim, estando as crianças em rede com os demais atores e situações, pressupõe-se que tais redes podem acontecer em determinado momento e depois se perder no caminho ou se estabilizar e atingir larga escala. Afirma, então, que o que importa é tentar descobrir “que rede produz uma forma particular de infância ou de criança” (Prout, 2010PROUT, Alan. Reconsiderando a nova sociologia da infância. Cadernos de Pesquisa, v. 40, n. 141, p.729-750, set./dez. 2010., p. 742).

O autor mobiliza a abordagem da relação entre gerações, desenvolvida por Lena Alanen (2010ALANEN, Leena. Generational Order. In: QVORTRUP, Jens.; CORSARO, William. A.; HONIG, Michael-Sebastien. (Eds.). The Palgrave handbook of childhood studies. England: Palgrave Macmillan, 2009. p. 159-175.), para quem a geração pode ser definida como “um sistema de relações no qual se produzem as posições de crianças e adultos” (Prout, 2010PROUT, Alan. Reconsiderando a nova sociologia da infância. Cadernos de Pesquisa, v. 40, n. 141, p.729-750, set./dez. 2010., p. 745). Para ele, essa perspectiva “está preocupada com o “terceiro excluído”, visto que deixa de ver a infância como uma categoria essencializada para vê-la como algo que se produz dentro de um conjunto de relações” (Prout, 2010PROUT, Alan. Reconsiderando a nova sociologia da infância. Cadernos de Pesquisa, v. 40, n. 141, p.729-750, set./dez. 2010., p. 745). No entanto, em sua perspectiva, ainda se trata de uma abordagem que leva à concepção da geração como estrutura fechada, que explicaria os fenômenos, em vez de ser algo que deva ser explicado. Assim, por meio do diálogo com a teoria do ator-rede de Latour, propõe que a geração seja abordada como processo geracional, buscando-se investigar a pluralidade e o alcance dos ordenamentos geracionais.

Nessa perspectiva, crianças e adolescentes devem ser apreendidos considerando-se seu ponto de vista nos processos e relações geracionais, bem como a pluralidade interna à própria infância, função para a qual a ideia de relações entre pares (Corsaro, 2014CORSARO, William. Sociologia da infância. Porto Alegre: Artes Médicas, 2014.) não se mostra suficiente, pois não abrange as diferenças internas: relações institucionais, familiares, de amizade e entre crianças de diferentes idades. Cada um desses aspectos pode e deve ser apreendido considerando-se as diferentes relações, uma vez que compõem um conjunto interrelacionado que as constitui no emaranhado de informações, interações, afetos, vocabulários e performances.

Neste artigo, abordamos as experiências de meninos e meninas entre 8 e 14 anos. Dessa forma, conforme o marco estabelecido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), abrangem-se, também, sujeitos no início da adolescência. A apreensão e a discussão das experiências desses sujeitos se baseiam em uma concepção histórica e social de sua condição geracional, ultrapassando-se a mera categorização dos grupos de idade por meio de critérios biológicos e cronológicos. No campo sociológico, a categoria juventude possui um corpo de estudos estabelecido, no qual a referência à adolescência aparece em menor proporção. No entanto, compreende-se que tanto a discussão sobre infância, que nos marcos da Convenção Internacional dos Direitos da Criança (1989) abrange os sujeitos até os 18 anos, quanto as discussões sobre juventude implicam o grupo social dos adolescentes.

Cumpre destacar que, como as idades não possuem um caráter universal, as noções de infância, juventude e vida adulta são resultantes da história e apresentam variabilidade segundo as formações humanas. Embora seja comum vincular-se à categoria juventude, especialmente nas idades correspondentes à adolescência, as ideias de imaturidade psicológica e irresponsabilidade, advoga-se aqui que o mais adequado seria “compreender a juventude como uma complexidade variável, que se distingue por suas muitas maneiras de existir nos diferentes tempos e espaços sociais” (Carrano, 2000CARRANO, Paulo C. R. Juventudes: as identidades são múltiplas. Movimento: Revista da Faculdade de Educação da UFF. RJ: DP&A Editora, n.1, p. 11-27, mai. 2000., p. 1). Nessa direção, a presença de um intervalo etário que abrange diferentes idades demanda dois movimentos analíticos interligados: nem a infância é apreendida restrita ao caráter de fase de desenvolvimento em direção à plenitude da vida adulta, nem a adolescência se apresenta como uma espécie de transição para a fase subsequente (Carrano, 2000CARRANO, Paulo C. R. Juventudes: as identidades são múltiplas. Movimento: Revista da Faculdade de Educação da UFF. RJ: DP&A Editora, n.1, p. 11-27, mai. 2000.). São sujeitos sociais e históricos que experimentam contemporaneamente situações comuns em um complexo contexto relacional que envolve as interações inter e intra geracionais, bem como com a materialidade da vida, o contexto político, os processos de comunicação, dentre tantos outros aspectos da vida social.

É com essa perspectiva que procuraremos compreender os processos vivenciados por crianças e adolescentes no contexto da crise sanitária e social em virtude da pandemia. Mais especificamente, buscamos responder, por meio de dados de pesquisas que escutaram esses sujeitos, o que crianças e adolescentes fizeram daquilo que a pandemia fez com eles e elas, que interpretações construíram, a partir de suas posições geracionais, e, ao mesmo tempo, como nos permitem compreender o processo geracional como um espaço aberto que comporta diversidade de experiências e sujeitos. Adotando a perspectiva de processo geracional (Prout, 2010PROUT, Alan. Reconsiderando a nova sociologia da infância. Cadernos de Pesquisa, v. 40, n. 141, p.729-750, set./dez. 2010.), discute-se como as posições de crianças e adolescentes se produzem na concretude de um contexto inédito na experiência social das gerações que convivem contemporaneamente, levando-se em consideração a materialidade da vida, os processos de subjetivação e o contexto político.

AS PESQUISAS EM QUESTÃO: TEXTOS E CONTEXTOS

As análises que se seguem são resultado de pesquisas3 3 http://repositoriocovid19.unb.br/repositorio-projetos/geografia-do-confinamento-como-vivem-as-criancas-e-jovens-em-tempos-de-isolamento-e-distanciamento-social-por-ocasiao-da-pandemia-de-covid-19; https://www.infanciaemtemposdepandemia.com.br/publicacoes/. As pesquisas foram aprovadas pelos Comitês de Ética em Pesquisa das universidades em que foram desenvolvidas. realizadas em 2020, no período inicial da pandemia4 4 Agradecemos o apoio da Fundação Universidade de Brasília e da Universidade Federal de Minas Gerais aos projetos relacionados às pesquisas sobre covid-19. . Como anunciado anteriormente, os nexos entre elas permitiram uma análise conjunta dos seus resultados, tendo em vista a convergência teórico-metodológica e de objetivos. Como será discutido a seguir, ambas as pesquisas adotaram perspectiva metodológica mista, com métodos qualitativos e quantitativos. Tal abordagem permite a adoção de instrumentos de coleta de dados censitários que podem ser ampliados com questões e observações abertas, possibilitando análises estatísticas acompanhadas de análises textuais, dentre outras (Creswell, 2010CRESWELL, John. W. W. Projeto de pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e misto. 2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010.).

A situação de emergência que se configurou para a população brasileira a partir de março de 2020 mobilizou esforços para mitigar seus efeitos e para compreender suas consequências sobre os diferentes segmentos da população. Na pesquisa acadêmica, diferentes grupos se mobilizaram para a realização de investigações sobre o fenômeno da pandemia. Tratava-se de construir uma “sociologia da urgência” e uma “sociologia confinada” (Muñoz; Pascual; Crespo, 2020bMARTÍNEZ MUÑOZ, Marta; RODRÍGUEZ PASCUAL, Iván; VELÁSQUEZ CRESPO, Gabriela. Hacia una Sociología de Urgencia: por qué escuchar a las niñas, niños y adolescentes confinados. Documentation Social, 6, 2020b. https://www.documentacionsocial.es/6/ciencia-social/hacia-una-sociologia-de-urgencia-por-que-escuchar-a-las-ninas-ninos-y-adolescentes-confinados.
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), na medida em que pesquisadores e pesquisados se encontravam em isolamento social. Como referido por Muñoz, Pascual e Crespo (2020bMARTÍNEZ MUÑOZ, Marta; RODRÍGUEZ PASCUAL, Iván; VELÁSQUEZ CRESPO, Gabriela. Hacia una Sociología de Urgencia: por qué escuchar a las niñas, niños y adolescentes confinados. Documentation Social, 6, 2020b. https://www.documentacionsocial.es/6/ciencia-social/hacia-una-sociologia-de-urgencia-por-que-escuchar-a-las-ninas-ninos-y-adolescentes-confinados.
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), o contexto exigiu colocar em marcha a imaginação sociológica, como ensinou Wright Mills (1972MILLS, Charles. W. A imaginação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1972.). A pesquisa realizada por esses autores na Espanha5 5 Além dessa pesquisa, outras duas pesquisas foram encontradas no mesmo período: uma, realizada na Escócia: Escócia (link: https://www.surveygizmo.eu/s3/90226515/HowAreYouDoing) e outra que incluiu a realidade brasileira e focalizou as relações familiares durante a pandemia em países europeus e na América Latina (link: https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSc0NNClW_bwO40FK7sS-PbozeluUD6zTMvyVP9j-0Vp_UVwNg/viewform). foi uma das primeiras que escutaram crianças e adolescentes, utilizando-se de recursos de comunicação a distância, com resultados divulgados ainda em 2020. Inspirados por ela e com o propósito de compreender as condições em que crianças e adolescentes viviam o contexto pandêmico na realidade brasileira, desenvolveram-se as pesquisas cujos dados são aqui analisados.

Uma das pesquisas, Infância em tempos de pandemia: experiências de crianças da Grande Belo Horizonte, coordenada por Silva; Luz; Diniz (2020), foi desenvolvida na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH)6 6 Este projeto foi coordenado pelas professoras Isabel de Oliveira e Silva, Iza Rodrigues da Luz e pelo professor Levindo Diniz Carvalho. . O objetivo da pesquisa era compreender, a partir da perspectiva de crianças de 8 a 12 anos, como elas estavam vivenciando a pandemia de covid-19. Dois eixos de análise foram estabelecidos: 1- analisar as rotinas, as relações sociais e as experiências das crianças no contexto da pandemia de covid-19 e 2 - analisar os relatos das crianças com foco nas emoções e sentimentos despertados ao longo da pandemia de covid-19. A pesquisa ouviu 2021 crianças de 8 a 12 anos por meio de formulário com informações gerais sobre a pesquisa composto por questões abertas e fechadas. Diante da impossibilidade de contato presencial com as crianças, o formulário foi disponibilizado on-line, no período de 11 de junho a 15 de julho de 20207 7 De agosto a novembro de 2020, foram entrevistadas 33 crianças dentre as respondentes que se disponibilizaram para essa forma de participação. Neste artigo, trabalhamos apenas com os dados do questionário. , utilizando-se e-mail, aplicativo WhatsApp e página da pesquisa na internet8 8 https://www.infanciaemtemposdepandemia.com.br. Nessa página, além da disponibilização do questionário, foram abertas abas de interação com o público, por meio das quais foram recebidas diferentes produções das crianças que passaram a fazer parte do acervo da pesquisa. . Esse instrumento possuía 21 questões distribuídas em três blocos antecedidos pela apresentação da pesquisa com uma seção dirigida aos responsáveis, com um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), adaptado ao formato on-line. A continuidade do preenchimento era condicionada a essa primeira resposta positiva. Nesse caso, o questionário abria o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE) a ser respondido pela criança. Além disso, havia orientações para que o questionário fosse respondido pela criança, que poderia ou não contar com apoio do responsável, caso desejasse ou fosse necessário.

No 1º bloco havia as questões de caracterização e identificação das crianças; no 2° bloco, abordagem sobre atividades, preocupações e relações familiares das crianças no contexto de pandemia e, no 3° bloco, questões abertas para que as crianças expressassem seus sentimentos e emoções. No final do questionário, solicitava-se que a criança avaliasse o instrumento, seguindo-se uma pergunta sobre sua disponibilidade para uma entrevista. Na última página, havia um agradecimento à criança e aviso da possibilidade de enviar desenhos, áudios ou outros materiais que ela considerasse interessante compartilhar com a equipe.

O caráter de urgência e a inexistência de fontes que permitissem a composição de amostra intencional que pudesse ser acessada por recursos de comunicação a distância fizeram com que se utilizasse a técnica “bola de neve”. A pesquisa contou com a colaboração de secretarias de educação e desenvolvimento social de Belo Horizonte e de 32 municípios da região metropolitana9 9 A Região Metropolitana de Belo Horizonte possui 34 municípios. O município de Itatiaiuçu-MG não retornou nenhum questionário. Assim, a pesquisa abrangeu 33 municípios. , de professores das redes públicas de ensino e de atores de organizações e movimentos sociais que compartilharam o questionário e forneceram informações úteis para o acesso ao maior número de crianças.

A pesquisa obteve retorno de 2300 questionários, tendo sido validadas 2021 respostas. Foram utilizados métodos de análise de conteúdo e métodos estatísticos (Creswell, 2010CRESWELL, John. W. W. Projeto de pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e misto. 2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010.), conforme a natureza das informações. Neste artigo, são analisados dados referentes às interpretações das crianças sobre suas experiências durante o período de isolamento social devido à pandemia de covid-19, priorizando, portanto, as análises de conteúdo.

A outra pesquisa cujos dados compõem o corpus de análise deste artigo é Infância Confinada: como vivem as crianças em tempos de COVID-19 no Distrito Federal?, coordenada por Fernandes10 10 O projeto de pesquisa com informações sobre os participantes está disponível em: https://gpsgrupodepesquisa.wixsite.com/acervo/infanciasconfinadas. (2020FERNANDES, Maria Lidia Bueno. Geografia do Confinamento: como vivem as crianças e jovens em tempos de isolamento e distanciamento social por ocasião da pandemia de COVID-19? COVID-19 - UnB em ação. http://repositoriocovid19.unb.br/repositorio-projetos/geografia-do-confinamento-como-vivem-as-criancas-e-jovens-em-tempos-de-isolamento-e-distanciamento-social-por-ocasiao-da-pandemia-de-covid-19. 2020.
http://repositoriocovid19.unb.br/reposit...
). Trata-se de uma pesquisa também de abordagem mista, com aspectos quantitativos e qualitativos (Creswell, 2010CRESWELL, John. W. W. Projeto de pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e misto. 2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010.).

O questionário possuía 65 itens, dos quais 11 eram abertos, permitindo que os participantes colocassem suas próprias expressões, e 54 itens fechados, para que os participantes assinalassem a melhor opção, conforme a sua percepção. Havia cinco blocos com questões fechadas e um bloco com questões abertas: primeiramente, solicitava-se a concordância da criança e dos responsáveis para a participação na pesquisa, em seguida, uma breve explicação do objetivo do questionário, seguida dos outros blocos de perguntas: 1. caracterização dos participantes; 2. percepção sobre os direitos das crianças e adolescentes; 3. variáveis sociodemográficas e socioeconômicas; 4. impactos da pandemia na área da educação, da saúde, bem como experiências consideradas como violação ou violência; 5. preocupações relacionadas às questões econômicas, familiares; 6. atividades cotidianas realizadas durante o isolamento social; 7. satisfação com as diferentes esferas da vida; 8. questões abertas sobre as emoções, em diálogo com a metodologia SMAT11 11 Metodologia desenvolvida por Martínez Muñoz et al. (2011) que parte do pressuposto de que é imprescindível ouvir crianças e jovens para compreender seus sentimentos, como sonhos, medos, alegrias e tristezas. Aplicada desde 2011 em diagnósticos participativos, foi readequada para aplicação remota no âmbito da pandemia de covid-19. . Por fim, uma pergunta sobre algo que se quisesse dizer de forma espontânea e outra sobre a dificuldade em preencher o questionário. Ao final, um agradecimento às crianças, tendo elas aceitado participar ou não.

O questionário teve como objetivo apreender as questões estruturais, emocionais, relacionais, bem como as expectativas e os desejos das crianças e adolescentes que se dispuseram a participar da pesquisa utilizando, para tanto, questões abertas - sobre sonhos (para desvelar suas projeções para o futuro e seus desejos), medos (temores e inseguranças), alegrias (aspectos da vida que lhes permitem obter forças e tranquilidade) e tristezas (fatos que geram angústia e instabilidade emocional) - bem como as perguntas referentes às variáveis sociodemográficas e de caracterização dos participantes. Parte significativa do questionário indagou os participantes sobre os impactos da pandemia nos diversos âmbitos da vida cotidiana: área da educação, da saúde, questões de violência, negligência, impactos sociais da covid (fome e desemprego) e impactos socioemocionais.

Os participantes foram contactados por formulário on-line, via aplicativo de mensagens WhatsApp com participação voluntária. O formulário segue o modelo desenvolvido por Muñoz; Pascual; Crespo (2020a), originalmente em língua hispânica, traduzido e adaptado para a realidade brasileira e para a língua portuguesa. A amostra inicial constituiu-se de 492 crianças e adolescentes de 10 a 14 anos, com 18 questionários excluídos por não concordarem com o termo de responsabilidade e participação, primeiro item do questionário. A amostra final foi de 474 respondentes válidos.

ENTRELAÇANDO OLHARES E PERSPECTIVAS

O nexo entre as duas pesquisas reside, além da metodologia e do diálogo comum com outras investigações, no objetivo de compreender as experiências e os sentimentos das crianças e adolescentes. Como pesquisas de inspiração, objetivos e metodologia comuns, com similaridades nas questões apresentadas aos pesquisados, seus resultados possuem naturezas não apenas similares, mas, em boa parte dos casos, coincidentes.

Assim, como estratégia metodológica de análise conjunta dos resultados, constituímos um único corpus com os elementos comuns relativos ao objeto deste artigo por meio do trabalho colaborativo entre grupos de pesquisa, ampliando-se a abrangência territorial dos sujeitos participantes.

A seguir, apresenta-se a discussão dos dados selecionados para a resposta à pergunta que nos orienta neste artigo: o que as crianças e adolescentes fizeram daquilo que a pandemia fez com eles e elas?

O que as crianças e adolescentes fizeram daquilo que a pandemia fez com eles e elas?

A frase que abre este tópico, de inspiração sartreana, existencialista, evoca a dimensão da agência na conquista da própria liberdade. Ela inspira a condução deste artigo e está referida à afirmação de Jean Paul Sartre de que o essencial não é aquilo que se fez do homem, mas sim aquilo que ele fez daquilo que fizeram dele. No livro “Saint Genet: Ator e mártir”, Sartre (2002) explora a vida e a obra do escritor francês Jean Genet, que foi criado em lares adotivos e em instituições de correção antes de se tornar um escritor conhecido por suas obras controversas e subversivas. A formulação resume a ideia de que a vida de uma pessoa não é tão somente determinada por sua história ou por fatores externos, mas, sim, pela forma como ela escolhe responder a essas circunstâncias e criar seu próprio significado e propósito na vida.

Sartre (2002SARTRE, Jean Paul. Saint Genet: Ator e mártir. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.) enfatiza a importância do contexto, da liberdade individual e da responsabilidade por nossas escolhas. Essa formulação é geralmente aplicada à vida como um todo, referindo-se à capacidade de um indivíduo de responder e agir com reflexividade, ação e autodeterminação diante das circunstâncias e influências que moldam sua existência ao longo de sua biografia. No entanto, isso não significa que a ideia seja irrelevante ou inválida em um período mais curto. Mesmo durante um curto espaço de tempo, cada pessoa enfrenta decisões, desafios e oportunidades que podem influenciar sua vida e seu senso de identidade. As pesquisas de campo que originaram este artigo encontraram evidências, ainda que no tempo circunscrito da pandemia de covid-19, de que crianças e adolescentes revelaram capacidades de tomar decisões, refletir e agir com autonomia dentro das limitações de seus contextos de vida.

É com isso em mente que trazemos a discussão dos resultados das duas pesquisas considerando suas similaridades que, como exposto, residem nos objetivos das investigações e na metodologia, com pequenas diferenças nas questões dos instrumentos utilizados para a escuta on-line dos pesquisados. Além dessas pequenas diferenças no instrumento, as faixas etárias também apresentaram intervalos distintos, sendo a pesquisa realizada na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) direcionada a crianças de 8 a 12 anos, e a realizada no Distrito Federal (DF), voltada para crianças e adolescentes de 10 a 14 anos. Neste artigo, discutem-se os resultados relativos às questões comuns dos questionários, trazendo alguns aspectos específicos de uma ou outra pesquisa quando se fizer pertinente, o que está explicitado. Sendo assim, focalizam-se os resultados obtidos na escuta de crianças e adolescentes com idades entre 8 e 14 anos. E, no que concerne aos aspectos analisados, são discutidos os seguintes itens, abordados nas duas investigações: experiências de crianças e adolescentes de 8 a 14 anos, residentes na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) e no Distrito Federal (DF); Medos e Tristezas; Alegrias; Solidariedade inter e intrageracional.

Em cada um dos itens, discutem-se conjuntamente os dados referentes aos dois campos de pesquisa - RMBH e DF. O que nos interessa, nos limites deste artigo, é destacar os pontos de vista das crianças e adolescentes conforme os eixos acima indicados, sem a preocupação com frequências e representatividade estatística. Trata-se de um universo extenso de respondentes, sendo um total de 2.513 participantes, com idades entre 8 e 14 anos. A discussão será apresentada indicando-se os pontos de vista consonantes nas duas pesquisas. Como se poderá ver, os resultados não só convergem entre si, como também convergem com resultados de outras pesquisas, o que nos permite fazer algumas inferências sobre um ponto de vista constituído no processo geracional (Prout, 2010PROUT, Alan. Reconsiderando a nova sociologia da infância. Cadernos de Pesquisa, v. 40, n. 141, p.729-750, set./dez. 2010.), ou seja, revelam interpretações e sentimentos forjados em um contexto de relações nos grupos etários e entre diferentes grupos. Considera-se, ainda, que se trata de um processo aberto, apreendido nesta análise como resultado das interações entre as provocações das pesquisas, as interações face a face e virtuais durante o período pesquisado e as histórias desses sujeitos em suas famílias e com seus pares em diferentes contextos, institucionais e não institucionais.

Experiências de crianças e adolescentes de 8 a 14 anos residentes na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) e no Distrito Federal (DF)

As pesquisas foram realizadas no ano de 2020, quando as atividades escolares presenciais se encontravam suspensas. Os resultados revelaram que, de modo geral, as crianças e os adolescentes se ocuparam realizando atividades diversas no contexto de isolamento social.12 12 Na tradução do questionário para a adequação à realidade brasileira, para a pesquisa do DF, manteve-se a palavra confinamento. Santos et al., (2021), contudo, alertam-nos de que se trata de isolamento físico, já que as crianças e adolescentes mantiveram intensa relação social por meio de aplicativos e redes sociais. As crianças e os adolescentes participantes da pesquisa, inspirados no próprio questionário, assumiram a palavra confinamento como sinônimo de isolamento social/físico.

No caso das crianças residentes na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), foi-lhes indagado sobre suas experiências, indicando as seguintes atividades: “jogo no computador, no celular ou tablet, sozinho ou com amigos/as”; “pratico esporte, dança ou faço atividade física”; “leio livros ou revistas que não sejam obrigatórios da escola”; “faço atividades da escola”; “assisto desenhos, filmes ou séries”; “converso com outras crianças pelo zap [WhatsApp] ou pelo computador”; “converso com outros adultos pelo zap [Whatsapp] ou pelo computador”; “ajudo nas tarefas de casa”. As alternativas propostas foram: “nenhum dia”; “poucos dias”; “todos os dias” e “todos os dias várias vezes ao dia” (Pesquisa na RMBH).

As crianças e os adolescentes do Distrito Federal (DF) responderam aos seguintes itens do questionário: “Na última semana, com que frequência você fez as seguintes coisas?”: “Jogar no computador, celular ou videogame?” “Ver televisão?”; “Praticar esporte, dançar ou fazer algum exercício físico em casa?”; “Ler livros por prazer (que não são tarefas da escola)?”; “Fazer tarefas da escola?”; “Fazer atividades que te dão prazer, como pintar, desenhar, tocar um instrumento ou outras que você gosta?”; “Se chatear com alguma criança por ter de disputar para usar o computador, celular ou tablet?”; “Conversar pelo telefone com pessoas que não moram com você?”; “Participar das tarefas domésticas, como lavar louça, varrer e arrumar a casa?”; “Sair para um quintal, varanda ou pátio aberto em que possa ver o céu?”. As alternativas foram: “nada”; “muito pouco”; “quase todos os dias” e “várias vezes ao dia” (Pesquisa no DF), obtendo-se os resultados descritos a seguir.

As crianças e os adolescentes respondentes da RMBH e do DF revelaram que grande parte do tempo foi dedicada a atividades que envolviam aparelhos eletrônicos. Observou-se que 76% das crianças pesquisadas na RMBH responderam que assistiam à TV (desenhos, filmes ou séries) todos os dias e todos os dias e várias vezes e 65,8% das crianças e adolescentes respondentes do DF informaram fazê-lo quase todos os dias e várias vezes por dia. Já os jogos no computador, celular ou tablet apresentaram os seguintes resultados: 62% e 75,5% dos pesquisados na RMBH e no DF, respectivamente, disseram realizar essa atividade todos os dias/quase todos os dias (DF) e todos os dias várias vezes. Destacamos essas frequências que indicam impacto da pandemia no que se refere ao uso de telas e atividades virtuais. Observa-se, ainda, que as atividades escolares também utilizaram suporte virtual e que a maior parte das crianças e dos adolescentes pesquisados nos dois contextos indicou ser esta uma das atividades que realizavam com maior frequência: 69% e 83,3% das crianças participantes da RMBH e do DF, respectivamente, responderam realizá-la todos os dias/quase todos os dias e várias vezes ao dia.

Já no que se refere à realização de atividades físicas, as pesquisas nos dois contextos indagaram com que frequência as crianças e os adolescentes praticavam esporte, dança ou faziam atividade física. Nesse item, observou-se uma diferença relevante entre os participantes da RMBH e os pesquisados no DF: respectivamente, 21% e 43,5% responderam que realizaram atividades físicas todos os dias/quase todos os dias e várias vezes ao dia. Ainda que a pesquisa realizada no DF tenha encontrado um percentual maior do que na RMBH, cumpre observar que, mesmo nesse contexto, mais de 50% dos sujeitos pesquisados declararam não realizar ou realizar muito pouco atividades físicas. Trata-se, portanto, de informação relevante relativa à saúde física e mental cujas repercussões possivelmente se estendem para o período pós-isolamento social (ROCHA, 2021ROCHA, Paulo M. B. A pandemia de Covid-19 e suas possíveis consequências para o desenvolvimento e atraso da linguagem e da fala em crianças: uma questão urgente. Audiol Commun Res, 2021, 26. 2 p.).

Outro dado relevante concerne à realização de leituras não obrigatórias da escola, pergunta para a qual 25,9% entre os participantes do DF responderam que realizavam essa atividade quase todos os dias e várias vezes ao dia e 20,7% das crianças pesquisadas na RMBH responderam afirmativamente a essa questão. Nesse aspecto, quase 80% dos participantes da RMBH revelaram não estar realizando leituras por prazer e 34% dos pesquisados no DF indicaram que não liam por prazer, enquanto 40,5% liam muito pouco e apenas 8% liam todos os dias.

Por um lado, a disponibilidade de aparelhos eletrônicos, especialmente telefone celular com acesso à internet, possibilitou ações e interações no universo virtual, as quais eram fontes de satisfação e aprendizagens. No entanto, mostram a restrição de atividades em espaços amplos, de oportunidades de movimentos e de convivência com outras crianças e adolescentes no espaço público. Esse dado é ainda mais relevante quando se observa que, entre as crianças participantes da RMBH, 42,6% não compartilhavam a casa com outras crianças e 41,2% compartilhavam a casa com apenas mais uma criança.

Entre as crianças e adolescentes do DF, mais da metade (56,3%) dos participantes desfrutaram de locais abertos onde podiam olhar o céu, com 30,4% aproveitando esse momento várias vezes ao dia.

Ainda sobre as atividades realizadas em casa, nos dois contextos, 41% das crianças participantes da RMBH revelaram realizar tarefas domésticas todos os dias, enquanto 40% o faziam em poucos dias. Entre as crianças e adolescentes pesquisados no DF, 53,4% revelaram que esta era uma atividade realizada todos os dias, o que revela que, nos dois contextos, as tarefas domésticas se constituíram em experiência de, aproximadamente, metade das crianças.

Observa-se que as crianças e os adolescentes buscaram construir situações de bem-estar. Entre os pesquisados no DF, mais da metade informaram ter realizado atividades que lhes davam prazer, e apenas 13,3% informaram que não realizaram atividade que lhes rendesse satisfação. Nos dois contextos, os dados revelaram que as crianças e os adolescentes criaram situações para interações de diferentes tipos. Elas mencionaram conversas por telefone (DF), por WhatsApp ou por computador (RMBH), várias vezes ao dia, com pessoas que não moravam com elas.

Às crianças da RMBH foi perguntado também se estabeleciam conversas com adultos em casa e se tinham companhia durante as refeições, o que foi respondido afirmativamente por 90,3% e 80,3%, respectivamente. Trata-se de um dado relevante, já que a presença de adultos, crianças e adolescentes em casa por todo o dia trouxe nova oportunidade de convivência para a maior parte das pessoas que puderam/quiseram cumprir o isolamento social. Com a suspensão das atividades escolares presenciais, ressalta-se a experiência de alteração das relações intra e intergeracionais que atingiu parcela expressiva da população. Destaca-se, no entanto, que, embora revele que a maioria contou com a presença e a interação com adultos, há crianças que não contavam com essa presença para conversar ou compartilhar os momentos de refeição, 9,7% e 19,7%, ou seja, 196 e 398, respectivamente, em um universo de 2021 crianças de 8 a 12 anos. Já no âmbito do DF, perguntados sobre a proximidade com adultos de confiança e sobre o cuidado que eles dispensaram às crianças e aos adolescentes, 39% dos respondentes concordaram totalmente e 39% concordaram, o que indica 78% de respostas de que adultos de confiança atendiam às demandas de cuidado. Ainda nessa dimensão do acolhimento à necessidade de escuta das crianças e adolescentes por parte dos adultos responsáveis, 43% concordaram totalmente com a afirmação de que podiam lhes falar sobre suas inquietações, enquanto 32,1% concordaram. Muitas crianças afirmaram estar satisfeitas com a sua vida em família (acima de 90%) e grande parte das crianças (aproximadamente 80%) estava satisfeita e feliz com suas amizades.

A análise das respostas abertas e também de algumas frequências trazidas nesse tópico indica que, nas experiências cotidianas, as crianças estiveram submetidas a uma ordem geracional (Alanen, 2009ALANEN, Leena. Generational Order. In: QVORTRUP, Jens.; CORSARO, William. A.; HONIG, Michael-Sebastien. (Eds.). The Palgrave handbook of childhood studies. England: Palgrave Macmillan, 2009. p. 159-175.) em que não tiveram escolha: aulas on-line e restrição de convivência com amigos e familiares, decorrentes de decisões políticas e familiares tomadas pelos adultos. Observa-se, entretanto, que as crianças revelaram um processo de ressignificação do ambiente da casa em que as interações com os adultos e com amigos por meio do WhatsApp sustentaram a sociabilidade.

Vale destacar a baixa presença de leituras e de atividades físicas. Esse aspecto, do ponto de vista dos processos geracionais (Prout, 2010PROUT, Alan. Reconsiderando a nova sociologia da infância. Cadernos de Pesquisa, v. 40, n. 141, p.729-750, set./dez. 2010.), revela que nem as famílias, nem as políticas educacionais, culturais e esportivas têm sido capazes de proporcionar o desenvolvimento do gosto e do hábito, bem como as condições materiais para a leitura, para a qual o isolamento social não seria um impeditivo. No caso das atividades físicas, conquanto o isolamento social tenha restringido as possibilidades de frequentar outros espaços, não foram criadas alternativas que suprissem essa necessidade.

Medos e tristezas

Como não poderia deixar de ser, as pesquisas se voltaram também para os possíveis efeitos negativos do contexto de isolamento sobre as crianças e adolescentes com questões sobre medos e tristezas - se os experimentaram e quais eram. Observou-se que, se houve situações que proporcionaram alegrias, as angústias estiveram presentes, com repercussões sobre o bem-estar. E, em muitos casos, não encontraram canais de expressão, o que pode se reverter em sofrimento ainda maior diante das incertezas e transformações nas suas rotinas.

As respostas indicaram a vivência de situações de medos e tristezas, com raras exceções de sujeitos que responderam “não” a essa pergunta. Suas manifestações revelaram conhecimentos e interpretações sobre o que estava ocorrendo. O medo do adoecimento de familiares se destacou, o que se associava à possibilidade de ficarem sozinhas, caso esse familiar fosse o pai ou a mãe: “Sim. Tenho medo de algum familiar meu contrair o vírus”; “Eu fico com medo de morrer” (Pesquisa na RMBH). Também no DF verificou-se a apreensão pela saúde de seus pais, avós e familiares: “o meu medo é minha família morrer”; “o meu medo é pegar covid ou alguém da minha família” (Pesquisa no DF). Na pesquisa coordenada por Muñoz, Pascual e Crespo (2020aMARTÍNEZ MUÑOZ, Marta; RODRÍGUEZ PASCUAL, Iván; VELÁSQUEZ CRESPO, Gabriela. Hacia una Sociología de Urgencia: por qué escuchar a las niñas, niños y adolescentes confinados. Documentation Social, 6, 2020b. https://www.documentacionsocial.es/6/ciencia-social/hacia-una-sociologia-de-urgencia-por-que-escuchar-a-las-ninas-ninos-y-adolescentes-confinados.
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), as palavras mais citadas na categoria medos, foram “família”, “coronavírus” e “morte”, nessa ordem, explicitando que as crianças espanholas também tiveram grande preocupação em perder seus familiares para o coronavírus.

Tanto as crianças da RMBH quanto as crianças e adolescentes do DF, em alguns casos, indicaram genericamente o medo da morte. Demonstraram também que a dimensão coletiva da crise as afetava, mencionando a tristeza por saber que estavam ocorrendo muitas mortes, por meio de frases como estas: “Sim, as mortes, o enlutamento das famílias. A quantidade de pessoas infectadas que vem crescendo”; “Notícias na televisão, quantidade de mortos diários” (Pesquisa na RMBH).

As crianças e os adolescentes passaram a conviver com notícias de aumento do número de contaminados e de mortos. Referenciando-se em Ferigato (2020FERIGATO, Sabrina. Público alvo: técnico, saúde mental e covid-19. Saúde Mental e Covid-19: narrativas de cuidado infanto-juvenil, 2020. Disponível em: https://www.informasus.ufscar.br/saude-mental-e-covid-19-narrativas-do-cuidado-infanto-juvenil/.
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), Marques et al. (2022MARQUES, Fernanda Pedrosa. Coutinho; TAMIETTI, Jùlia Ribeiro; BIZZOTTO, Luciana Maciel; GOUVÊA, Maria Cristina Soares de. Emoções e sentimentos das crianças em tempos de pandemia. In: SILVA, Isabel de Oliveira e; LUZ, Iza Rodrigues da; CARVALHO, Levindo Diniz; GOUVÊA, Maria Cristina Soares de(org.). Infância e pandemia: escuta de experiência das crianças. Belo Horizonte: INCIPT/Editora UFMG, 2022. p.117-152., p. 129) observam o fato de que a morte “investe-se de novos sentidos, não sendo mais apenas uma questão simbólica, associada à compreensão da vida, para tornar-se uma questão real, de ameaça a sua existência e existência alheia”.

Nos dois contextos pesquisados (RMBH e DF), os resultados indicaram o medo de que os pais ficassem desempregados e de que as pessoas não cumprissem as medidas de isolamento, o que se associava ao medo de que a pandemia ‘“não acabasse nunca’ e de ‘nunca mais poder sair de casa”’. A situação de incerteza e de insegurança que a pandemia trouxe foi sentida como uma realidade da qual elas participavam. Situações cotidianas foram alteradas e elas estavam conscientes de que não se poderia vislumbrar com clareza o fim da situação e até onde suas consequências chegariam: “(…) também tenho medo de não conseguir entregar alguma tarefa de escola e ter que repetir de ano”; “Sim (…), que eu fique muito tempo estudando em casa porque para mim é um pouco difícil” (Pesquisa na RMBH). E, ao lado desses elementos, a ausência de contato social apareceu como um dos principais motivos de tristeza nos dois contextos pesquisados.

Entre as crianças e adolescentes pesquisados no DF, muitos relataram que o isolamento gerou um sentimento de “prisão” com reflexos de ansiedade e tédio, percebidos nas falas: “Estar confinado me deixa em uma prisão”. “A pior coisa do confinamento é a ansiedade”. “O que me deixa triste é só o tédio! Estou sem celular e me deixa triste não poder conversar com meus amigos e escutar música” (Pesquisa no DF).

As crianças e os adolescentes retrataram que o fato de estarem sem liberdade de circular em espaços públicos causava tristeza. Importante destacar que os ambientes citados foram os da casa em que residiam, relacionada ao confinamento; a escola, retratada na saudade que sentiam; e o uso de aparelhos tecnológicos para manter laços e encontros sociais de forma virtual.

Suas manifestações se relacionaram a impactos subjetivos, na medida em que foram expressos como tristezas e medos. Observou-se, também, que havia manifestações de um sofrimento agudo, como medo de abandono, de ficar sozinho e até de que o mundo acabasse: “Medo de ficar sozinha, de perder alguém, das pessoas se cansarem de conviver comigo, dos inúmeros pesadelos que eu tenho tido”; “Medo do mundo acabar”, com menção, inclusive, de que poderia ser o fim da humanidade (Pesquisa na RMBH). A partir dessas manifestações, somadas ao fato de que o maior sonho das crianças e adolescentes pesquisados no DF era o fim da pandemia, pode-se afirmar que esse fenômeno teve impactos subjetivos significativos, demandando atenção a aspectos de sofrimento mental.

Na pesquisa do DF, ao se analisarem os resultados referentes às principais tristezas frente ao confinamento, outro destaque foi a palavra “amigo”. De forma similar, em Martínez Muñoz et al. (2020a), “amigos” também foi a palavra de maior ocorrência nas definições de tristezas para as crianças, seguida de “gente” e de “sair”. Ou seja, enquanto a sociabilidade é o principal motivo de alegria, a impossibilidade da sociabilidade torna-se o principal motivo de tristezas.

Alegrias

As alegrias e os sonhos foram problematizados como dimensão fundamental da experiência humana, em um contexto de alteração radical do cotidiano (Guizzo; Marcello; Müller, 2020GUIZZO, Bianca S.; MARCELLO, Fabiana A.; MULLER, Fernanda. A reinvenção do cotidiano em tempos de pandemia. Educação &Pesquisa. São Paulo, v. 46, e238077, 2020. 18p.). A ideia de bem-estar infantil, como apontado anteriormente, conta com poucas referências sendo, em geral, marcada pelas discussões do bem-estar social, nos países europeus (Alanen, 2010ALANEN, Leena. Generational Order. In: QVORTRUP, Jens.; CORSARO, William. A.; HONIG, Michael-Sebastien. (Eds.). The Palgrave handbook of childhood studies. England: Palgrave Macmillan, 2009. p. 159-175.), e nas discussões de enfrentamento da pobreza, no caso brasileiro. Assim, uma concepção de bem-estar referente à população infantil e juvenil, em sua singularidade, está por ser feita. Cumpre, no entanto, jogar luz sobre o que as crianças e os adolescentes fizeram, no contexto de isolamento social, para promover situações para “sentirem-se bem” (Alanen, 2010ALANEN, Leena. Generational Order. In: QVORTRUP, Jens.; CORSARO, William. A.; HONIG, Michael-Sebastien. (Eds.). The Palgrave handbook of childhood studies. England: Palgrave Macmillan, 2009. p. 159-175.). Na pesquisa realizada na RMBH, uma das perguntas abertas foi a seguinte: “Nesta época de pandemia de coronavírus, quais são as coisas que te dão alegria? Que coisas fazem você rir? (você pode colocar mais de uma)”. Com respostas variadas, observou-se o predomínio de alguns temas: brincar obteve 109 respostas exclusivas do tema, mas o termo apareceu em número expressivo de respostas que indicavam outros motivos de alegria, o que faz com que fosse a ação à qual, com maior frequência, as crianças atribuíssem motivo de alegria, o que se pôde verificar por respostas como: “Brincar com meu irmão”; “Brincar com minha família”; “Família, brincar, pensar positivo” (Pesquisa na RMBH). A associação da brincadeira à convivência com a família, tanto indicando esta última como motivo de alegria quanto a menção aos familiares como parceiros de brincadeiras, juntamente com os animais de estimação e os jogos eletrônicos e vídeos, constituíram-se, nas respostas das crianças e dos adolescentes dos dois contextos, como o principal motivo de alegria durante o isolamento social. Destacaram-se, também, as referências específicas à convivência familiar como motivo de alegria.

Figura 1:
Nuvem de palavras - tema: alegrias

Da mesma forma, entre as principais alegrias citadas pelas crianças e adolescentes ouvidos no DF durante o período de isolamento estão jogar; brincar e conversar com os amigos; e ficar com a família. As estratégias para as interações com amigos foram a realização de videoconferências, conversas ao celular com os amigos ou por mensagens de WhatsApp e, ainda, por meio de jogos on-line. A nuvem de palavras destaca as palavras amigo e família. Observa-se que as alegrias destacaram a sociabilidade, seja com amigos mais próximos ou com familiares, e o brincar. Mais uma vez, a família foi uma das menções mais recorrentes nas respostas, evidenciando sua importância, seja como segurança, presença e/ou preocupação.

Também nesse aspecto, observa-se o compartilhamento de sentidos por crianças de diferentes contextos. A pesquisa de Alvaro et al. (2021ALVARO, Marcela; FOLINO, Carolina; MASSARANI, Luisa; CHAGAS, Catarina. “A máscara salva”: representações sociais da pandemia de Covid-19 por meio de desenhos de crianças cariocas. Saúde e Sociedade. São Paulo, v. 30, n. 4, p. 1-12, 2021.) aponta que a proximidade com a família e com bichinhos de estimação possibilitou que o sentimento de felicidade brotasse. Além disso, ao abordar sua rotina, os sujeitos pesquisados destacaram tranquilidade ao comer sem pressa e ter mais tempo para brincar. De maneira similar, a pesquisa realizada na Espanha (Martínez Muñoz et al., 2020a) identificou que a principal razão para a tristeza das crianças foi o afastamento da família ampliada, seguida dos riscos do coronavírus e do afastamento dos amigos. A principal alegria foi a ampliação do tempo com os familiares em casa. A palavra de maior ocorrência para alegrias foi “família”, seguida de “brincar” e “amigos”, evidenciando, também, a importância das relações sociais e da brincadeira nas emoções infantis como experiência compartilhada de crianças e adolescentes de diferentes contextos sociais.

Atenta-se para o fato de que diferentes condições sociais resultaram em diferentes condições de cumprimento do isolamento social. Cortés-Morales et al. (2021) observaram que crianças que ficaram com os pais que estavam trabalhando em casa destacaram a felicidade de estarem mais próximas às suas famílias, ao passo que crianças cujas famílias atuavam em profissões/situações que permaneceram em trabalho presencial revelaram a preocupação com seus entes próximos. Daniel Becker (2022BECKER, Daniel. A infância em crise (Prefácio). In: MATOS, Mariana G. (org.). Infâncias pandêmicas, escola e saúde mental. Rio de Janeiro: Pirilampo, 2022, p. 7-11.), em prefácio à obra “Infâncias pandêmicas, escola e saúde mental” (Matos, 2022MATOS, Mariana G. (org.). Infâncias pandêmicas, escola e saúde mental. Rio de Janeiro: Pirilampo, 2022.), chama a atenção para o fato de que, muito antes da pandemia de covid-19, as crianças já se encontravam sujeitas a inúmeras causas de sofrimento físico e emocional. Destaca a desigualdade social da sociedade brasileira, na qual os direitos das crianças nunca chegaram a ser plenamente assegurados, o que foi agravado pelos retrocessos vividos na política dos últimos anos. Um dos aspectos que ele destaca se refere ao fato de que crianças de todas as classes sociais “têm pouco convívio com os pais (algumas quase institucionalizadas em períodos de 12 horas por dia ou mais), seja porque estes estão submetidos a condições de trabalho desgastantes, horas no transporte e acúmulo de tarefas ou porque preferem se ocupar de outras questões pessoais” (Becker, 2022BECKER, Daniel. A infância em crise (Prefácio). In: MATOS, Mariana G. (org.). Infâncias pandêmicas, escola e saúde mental. Rio de Janeiro: Pirilampo, 2022, p. 7-11., p. 7).

Na sequência, acrescenta que as crianças vivem em cidades violentas e hostis à sua presença e que, por isso, “estão emparedadas em suas casas e exiladas de seu território essencial, a natureza e o ar livre” (Becker, 2022BECKER, Daniel. A infância em crise (Prefácio). In: MATOS, Mariana G. (org.). Infâncias pandêmicas, escola e saúde mental. Rio de Janeiro: Pirilampo, 2022, p. 7-11., p. 7). Esse aspecto tem sido problematizado por estudiosos do campo da infância, especialmente nas discussões sobre infância e cidade (Carvalho; Bizotto, 2022CARVALHO, Levindo Diniz; BIZZOTO, Luciana M. (Org.). A criança e a cidade: participação infantil na construção de políticas públicas. 1. ed. Belo Horizonte: NEPEI/TEAI, v. 1, 2022. 257p.) ou infância e natureza (Tiriba; Vollger; Pereira, 2021TIRIBA, Lea; VOLLGER, Amanda; PEREIRA, Jéssica E. Buscando inspiração entre povos indígenas brasileiros para educar as crianças em conexão com a Terra. Revista Eletrônica do Mestrado em Educação Ambiental, v. 38, p. 98-116, 2021.), com destaque para os efeitos das múltiplas desigualdades que as afetam. A discussão da saúde física e emocional das crianças e adolescentes tornou-se uma preocupação nas análises sobre infância e pandemia (Alvaro et al., 2021ALVARO, Marcela; FOLINO, Carolina; MASSARANI, Luisa; CHAGAS, Catarina. “A máscara salva”: representações sociais da pandemia de Covid-19 por meio de desenhos de crianças cariocas. Saúde e Sociedade. São Paulo, v. 30, n. 4, p. 1-12, 2021.) e as pesquisas que as têm escutado podem cumprir o papel de extrapolação da pandemia, iluminando os processos geracionais (Prout, 2010PROUT, Alan. Reconsiderando a nova sociologia da infância. Cadernos de Pesquisa, v. 40, n. 141, p.729-750, set./dez. 2010.) no contexto das relações sociais (Alanen, 2010ALANEN, Leena. Generational Order. In: QVORTRUP, Jens.; CORSARO, William. A.; HONIG, Michael-Sebastien. (Eds.). The Palgrave handbook of childhood studies. England: Palgrave Macmillan, 2009. p. 159-175.) por meio das quais as crianças e os adolescentes se constituem. Recuperando a pergunta central deste artigo, o que as crianças e os adolescentes fizeram daquilo que a pandemia fez com eles e elas, talvez uma resposta possível seja que eles e elas nos mostraram suas necessidades de estar com a família, de brincar, de estar nos espaços externos a casa, de passear e de convívio social. Essa geração expressa, no contexto de uma pandemia que gerou um estresse tóxico de grande intensidade (Becker, 2022BECKER, Daniel. A infância em crise (Prefácio). In: MATOS, Mariana G. (org.). Infâncias pandêmicas, escola e saúde mental. Rio de Janeiro: Pirilampo, 2022, p. 7-11., p. 8), os equívocos da nossa sociedade muito além da situação de emergência sanitária e social.

Solidariedade inter e intrageracional

As crianças e os adolescentes demonstraram compreender que a emergência sanitária e social configurava um problema coletivo expressando, por exemplo, tristeza com a “ignorância e falta de conscientização das pessoas, [falta do] uso de máscara e isolamento” (Pesquisa na RMBH). Elas estavam atentas ao noticiário ou tinham informações sobre o que era veiculado. As duas pesquisas revelaram que a maioria das crianças e dos adolescentes reconhecia a importância das medidas para conter a propagação da doença, particularmente a suspensão das aulas presenciais.

A exposição às contradições e aos conflitos em torno dos fenômenos sociais e, em específico, à pandemia de covid-19 evidencia que as relações intergeracionais, seja no seu ambiente próximo, seja por meio do que é acessado nas diferentes mídias, são um aspecto relevante das experiências de crianças e adolescentes. Tanto a veiculação de posições negacionistas quanto a defesa das medidas de isolamento para o bem de todos se inserem nesse complexo fluxo de informações e dos afetos mobilizados diante de uma questão inédita e grave para a vida de todos. As pesquisas revelaram que o reconhecimento da gravidade da situação, bem como a adesão às medidas de proteção prevaleceram entre as crianças e adolescentes. E, relativamente a esse reconhecimento, observou-se a presença de uma solidariedade intrageracional, com manifestação de preocupações com outras crianças e, também, intergeracional, especialmente em relação às pessoas idosas. As manifestações de preocupação com os mais velhos se relacionaram prioritariamente aos familiares, tanto com pais e mães quanto com avós.

As consequências sobre os aspectos econômicos da crise também não escaparam à percepção das crianças e dos adolescentes: “Tenho muito medo de faltar alimentos e de alguém da minha família pegar a doença”; “Sim, minha família ficar sem dar o que comer pra nós, pois estão todos desempregados”; “(Triste) as mortes causadas pela covid-19, que quebraram muitas famílias (…)”. “Ficar sem casa porque moramos de aluguel, faltar comida e ficar doente” (Pesquisa na RMBH).

As crianças e os adolescentes participantes da pesquisa realizada no DF apresentaram preocupações variadas em relação à vida financeira de suas famílias durante o isolamento social. Aproximadamente 48% das crianças preocuparam-se com a possibilidade de a família empobrecer, enquanto quase 30% disseram não se preocupar com essa possibilidade. As que declararam já terem sofrido empobrecimento na família corresponderam a 25,4% delas. Já sobre o desemprego, 56% das crianças se preocupavam que alguém da família perdesse o emprego e 20,3% já vivenciavam essa situação. As pesquisas foram realizadas a distância, em um contexto de uma “sociologia da urgência”. Assim, como anunciado anteriormente, não foi possível a definição de amostras intencionais, de modo a estratificar os respondentes por nível socioeconômico. Observa-se, no entanto, que as preocupações acima expressas se vinculam a condições de vida que, possivelmente, no momento da pesquisa, viam-se na iminência de agravamento da precarização ou já apresentavam empobrecimento diante do quadro de crise social.

Observou-se, também, preocupação com as consequências da crise sobre a população mais pobre, evidenciando percepção sobre as desigualdades sociais. Esses depoimentos ilustram essa preocupação: “De como os moradores de ruas vão ficar e se tudo vai voltar ao normal”; “Fico triste em ver as pessoas passando necessidade” (Pesquisa na RMBH). E, ainda, “essa pandemia é como um alívio para algumas pessoas e um estrangulamento para outras, seja pela injustiça, pelos desejos, pelas metas…”. E alguns com um teor político: “que o governo DEVE ajudar os cidadãos ao invés de dizer que é apenas uma ‘gripezinha’”; “precisa de emprego pra todo mundo e precisa de TV e de computador” (Pesquisa no DF).

Os exemplos acima mostram a atenção das crianças e dos adolescentes a consequências da crise que ultrapassam sua realidade imediata. A menção a pessoas e grupos que vivem situações de maior vulnerabilidade indica a presença de referências políticas sobre o contexto pandêmico, o que revela um processo reflexivo construído nas diferentes interações, seja com as mídias, seja com adultos ou outras crianças e adolescentes. Nessa direção, observou-se uma solidariedade não apenas intergeracional, mas marcada pela percepção de desigualdades como fenômeno social e político. Também nesse aspecto, pesquisas em outros contextos coincidem (Muñoz; Pascual; Crespo, 2020aMARTÍNEZ MUÑOZ, Marta; RODRÍGUEZ PASCUAL, Iván; VELÁSQUEZ CRESPO, Gabriela. Infancia Confinada: ¿cómo viven la situación de confinamiento niñas, niños y adolescentes? Madrid: Infancia Confinada y Enclave de Evaluación, 2020a.), indicando que a pandemia e suas consequências constituem uma experiência geracional de contemporaneidade (Feixa; Leccardi, 2010FEIXA, Carles; LECCARDI, Carmem. O conceito de geração nas teorias sobre juventude. Revista Sociedade e Estado, v. 25, nº 2, p. 185-204, mai./ago., 2010.; Weller, 2010), ou seja, geram significados comuns para essa população.

Nesse processo reflexivo, observou-se que a crise, com alteração das relações sociais e experiências cotidianas, proporcionou, (também) para crianças e adolescentes, oportunidade de pensar sobre valores e significados de suas vivências, como nestas frases escritas por uma criança e um adolescente do DF: “Só que eu aprendi a valorizar mais cada detalhe, os abraços agora vão ser mais demorados, as conversas mais longas e os amores mais intensos, e que minha vida não vai mais se basear só em redes sociais”; “Acho que durante essa quarentena eu descobri outras versões de mim além de ter amadurecido muito, foi um momento de reflexão”. Até mesmo a situação de participar da pesquisa parece ter sido vivida como oportunidade de reflexão e, especialmente, de expressão de seus pontos de vista. A adesão à pesquisa, ao lado de manifestações como “ótima pesquisa”, ou mesmo o número expressivo de crianças da RMBH que se disponibilizaram para serem entrevistadas na segunda etapa da pesquisa (740 respondentes) parecem indicar que elas buscam espaços de participação e possuem disposição e conteúdo, construídos nas diferentes relações, para compartilharem com demais atores e instituições.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A construção de um corpus de dados abrangente e qualificado em informações revelou-se significativo recurso de ampliação da compreensão dos pontos de vista de crianças e adolescentes, adensada com o diálogo com pesquisas e reflexões elaboradas no contexto de uma sociologia da urgência. As pesquisas aqui discutidas são amplas e abordam diferentes aspectos. Nos limites deste artigo, procurou-se, por meio da categoria geração, analisar as experiências de crianças e adolescentes. Nesta seção pretende-se não tanto retomar os aspectos factuais relatados ou os sentimentos, mas proceder a uma tentativa de interpretar a experiência do processo geracional na situação de emergência social e suas possíveis derivações para outros contextos.

Reafirma-se aqui que crianças e adolescentes são capazes de agir e de tomar decisões em seu ambiente familiar e social. Nessa perspectiva, o artigo aponta para que escolas, famílias e administradores públicos reconheçam habilidades de crianças e adolescentes como agentes ativos em suas próprias vidas numa atitude ético-política de negação da perspectiva que os enxerga como seres passivos que apenas respondem ao ambiente ao seu redor. Assim, trata-se de reconhecer a capacidade de crianças e adolescentes de fazer escolhas, de tomar decisões e de se envolver em ações que afetam o mundo ao seu redor.

O olhar para a vida social por meio da categoria geração revelou-se útil na medida em que as visões das gerações jovens sobre a crise vivenciada por todos possibilitaram iluminar aspectos das condições gerais de vida e, especialmente, sobre o lugar social de crianças e adolescentes cuja participação efetiva nas decisões que os afetam é ainda muito precária.

Assim, a situação de excepcionalidade permitiu conhecer esse aspecto da vivência das crianças e adolescentes, mas também extrapolá-la. Destacamos, à guisa de conclusão, alguns aspectos relacionados à condição e ao processo geracional que envolvem relações intra e inter grupos etários.

Os sentidos da convivência familiar para as crianças e adolescentes emergiram como elemento relevante que ultrapassa a dimensão da proteção e cuidado stricto sensu. Diante da excepcionalidade do isolamento social, esses sujeitos experienciaram a dimensão lúdica na relação com os adultos, bem como compartilharam obrigações com a manutenção da casa em uma temporalidade alargada. Os sujeitos da pesquisa expressaram sua percepção das condições de vida em uma sociedade que absorve os tempos dos adultos, das crianças e dos adolescentes com atividades de trabalho e escolares, limitando a convivência percebida como significativo fator de bem-estar. A apreensão e o reconhecimento de seus pontos de vista colocam em xeque o modelo de sociedade capitalista, na qual as relações cotidianas de cuidado e de brincadeira são secundarizadas.

As crianças e os adolescentes acompanham a circulação de informações, atentos às diferentes mídias, às interações com os adultos e entre os adultos, sendo expostos aos conflitos e às contradições que os fenômenos sociais contêm. No caso específico da pandemia, sua politização e ideologização, discutidas na introdução deste artigo, não lhes escaparam. Isso revela que as crianças são sujeitos que se interessam pela dimensão política, ao mesmo tempo em que revela a incapacidade de nossa sociedade adultocêntrica incorporar seus pontos de vista para o enriquecimento cultural e para o reconhecimento delas como sujeitos sociais plenos.

As crianças e os adolescentes revelaram que a amizade e o sentido de solidariedade são parte da experiência do tempo na infância e na adolescência, sendo experiências e sentimentos construídos na concretude da vida. As amizades são tecidas no cotidiano que envolve a circulação nos espaços públicos de um modo geral, no qual a rotina escolar é parte fundamental para a sociabilidade e cuja ausência contribuiu para dar visibilidade a seu significado.

O sentido de solidariedade, também identificado em outras pesquisas, possui dimensões interpessoais, mas também coletivas, que se ampliam para a percepção de desigualdades de classe e de poder, na medida em que se mostraram capazes de refletir sobre as consequências diferenciadas conforme a condição social. No que se refere ao poder, a percepção de que ações governamentais podem favorecer ou desfavorecer o bem-estar da população foi evidenciada por meio da crítica sobre como o poder público no Brasil tratou a crise sanitária.

As crianças e os adolescentes demonstraram que as restrições impostas para controle da pandemia os afetaram fortemente, alterando suas rotinas, suas relações sociais e atividades e que o contexto da pandemia provocou mal-estar, nas formas de solidão, ansiedade, tédio, tristeza e medos, incluindo o medo do adoecimento e da morte, própria e de pessoas queridas. Embora situações de emergência ocorram com frequência, a nossa sociedade não está preparada para considerar as necessidades e os pontos de vista de seus diferentes grupos etários.

A pandemia configurou-se como um evento inédito e não delimitado territorialmente. No entanto, também não contamos com saberes e práticas construídos em outras situações emergenciais, como nos casos de rompimentos de barragens de rejeitos de mineração, enchentes, deslizamentos de terra, dentre outros, que igualmente atingem famílias e pessoas de todas as idades. Com isso, queremos dizer que a não consideração dos pontos de vista das crianças e adolescentes na vida social cotidiana, possivelmente, é um dos impeditivos para que a sociedade as considere nas situações de emergência, já que não se constroem canais e formas de comunicação e participação efetivos que possam ser mobilizados em situações emergenciais. Essa observação se aplica tanto aos processos de construção de conhecimentos sociológicos quanto aos processos políticos de participação social nas decisões e ações de amparo, bem-estar social e garantia de direitos.

Levando em conta a posição geracional, observa-se que crianças e adolescentes rompem com dicotomias, especialmente aquelas que separam adultos e crianças e expressam sua crítica ao contexto e às ações políticas e individuais. Ao mesmo tempo, formam-se presenciando diferentes posições dos adultos, por vezes antagônicas, como no caso de negacionistas e de partidários de uma visão científica e institucional no enfrentamento da crise.

Será preciso ainda um conjunto amplo de pesquisas sobre as experiências sociais que se forjaram no contexto da pandemia de covid-19 para maior clareza dos seus efeitos sobre a geração que nasceu ou que viveu parte da primeira infância, da infância e da adolescência marcada pelo medo, insegurança, incertezas e contradições da crise sanitária e social. Mas parece-nos possível afirmar que um evento com tamanha abrangência espacial e temporal e intensidade de experiências individuais e coletivas integra o processo geracional de crianças e adolescentes e, portanto, precisa estar entre as variáveis de compreensão da história desses grupos e da sociedade.

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  • WHO Coronavirus(COVID-19) Dashboard, 2023.
  • 1
    Artigo publicado com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq/Brasil para os serviços de edição, diagramação e conversão de XML.
  • 2
    A socialização é o processo pelo qual os indivíduos aprendem as normas, os valores, os comportamentos e os papéis sociais de uma determinada sociedade ou grupo social. Trata-se de um processo continuado ao longo da vida que envolve a internalização de regras e expectativas sociais através de indivíduos significativos em grupos, família, amigos, instituições educacionais e culturais, além das mídias. Assim, a socialização é um processo contínuo pelo qual os indivíduos aprendem a linguagem, as normas, os papéis sociais e os significados compartilhados em uma sociedade. Por sua vez, a sociabilidade, que se encontra relacionada aos processos de interação social, envolve habilidades de comunicação, colaboração, compartilhamento de experiências e estabelecimento de laços sociais.
  • 3
  • 4
    Agradecemos o apoio da Fundação Universidade de Brasília e da Universidade Federal de Minas Gerais aos projetos relacionados às pesquisas sobre covid-19.
  • 5
    Além dessa pesquisa, outras duas pesquisas foram encontradas no mesmo período: uma, realizada na Escócia: Escócia (link: https://www.surveygizmo.eu/s3/90226515/HowAreYouDoing) e outra que incluiu a realidade brasileira e focalizou as relações familiares durante a pandemia em países europeus e na América Latina (link: https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSc0NNClW_bwO40FK7sS-PbozeluUD6zTMvyVP9j-0Vp_UVwNg/viewform).
  • 6
    Este projeto foi coordenado pelas professoras Isabel de Oliveira e Silva, Iza Rodrigues da Luz e pelo professor Levindo Diniz Carvalho.
  • 7
    De agosto a novembro de 2020, foram entrevistadas 33 crianças dentre as respondentes que se disponibilizaram para essa forma de participação. Neste artigo, trabalhamos apenas com os dados do questionário.
  • 8
    https://www.infanciaemtemposdepandemia.com.br. Nessa página, além da disponibilização do questionário, foram abertas abas de interação com o público, por meio das quais foram recebidas diferentes produções das crianças que passaram a fazer parte do acervo da pesquisa.
  • 9
    A Região Metropolitana de Belo Horizonte possui 34 municípios. O município de Itatiaiuçu-MG não retornou nenhum questionário. Assim, a pesquisa abrangeu 33 municípios.
  • 10
    O projeto de pesquisa com informações sobre os participantes está disponível em: https://gpsgrupodepesquisa.wixsite.com/acervo/infanciasconfinadas.
  • 11
    Metodologia desenvolvida por Martínez Muñoz et al. (2011) que parte do pressuposto de que é imprescindível ouvir crianças e jovens para compreender seus sentimentos, como sonhos, medos, alegrias e tristezas. Aplicada desde 2011 em diagnósticos participativos, foi readequada para aplicação remota no âmbito da pandemia de covid-19.
  • 12
    Na tradução do questionário para a adequação à realidade brasileira, para a pesquisa do DF, manteve-se a palavra confinamento. Santos et al., (2021), contudo, alertam-nos de que se trata de isolamento físico, já que as crianças e adolescentes mantiveram intensa relação social por meio de aplicativos e redes sociais. As crianças e os adolescentes participantes da pesquisa, inspirados no próprio questionário, assumiram a palavra confinamento como sinônimo de isolamento social/físico.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

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