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RACISMO RECREATIVO NOS CORPOS-TERRITÓRIO DE ADOLESCENTES NEGRAS NA ESCOLA1 1 Artigo publicado com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq/Brasil para os serviços de edição, diagramação e conversão de XML.

RECREATIONAL RACISM ON THE BODY-TERRITORY OF BLACK ADOLESCENT GIRLS IN SCHOOL

RACISMO RECREATIVO EN LOS CUERPOS-TERRITORIOS DE ADOLESCENTES NEGRAS EN LA ESCUELA

RESUMO:

O objetivo deste artigo é trazer à visibilidade a utilização do humor como mecanismo do racismo estrutural e as marcas deixadas nos corpos-território de adolescentes negras, estudantes da educação básica de uma escola pública da cidade de Governador Valadares - MG. O estudo apoiou-se em autores que discutem raça e autoras do feminismo negro, operando conceitualmente com racismo recreativo, interseccionalidade e corpo-território. O material empírico foi produzido em oficinas temáticas e as narrativas trazidas pelas 12 estudantes, participantes da pesquisa, foram analisadas por meio da análise episódica. Os episódios narrados denunciam as marcas nos corpos-território dessas adolescentes, assim como a naturalização de opressões de raça e gênero, instrumentalizadas pelo racismo recreativo que comparece no cotidiano escolar. Esse comparecimento cria e reafirma estereótipos sobre a categoria “mulher negra”, provoca desejos de afastamento da escola para não serem alvo de “piadas” e/ou “brincadeiras”, e questionamentos sobre suas próprias humanidades, ao refletirem se suas aparências se assemelham aos animais utilizados para “xingá-las”. As adolescentes denunciam os silenciamentos da escola frente a esse tipo de “humor”, tensionando a sua naturalização e nos provocam, como educadores/as, a nos posicionarmos contra esses silenciamentos que engendram exclusões e a naturalização do racismo, entre outros mecanismos, os disfarçados de humor, mas que precisam ser nomeados como racismo recreativo.

Palavras-chave:
adolescentes negras; educação básica; interseccionalidade; racismo recreativo; corpo-território

ABSTRACT:

This article aims to bring visibility to the use of humor as a mechanism of structural racism and the marks left on the body-territory of black adolescent girls who are students in a public school in the city of Governador Valadares, MG. The study draws on authors who discuss race and black feminist authors, conceptually operating with recreational racism, intersectionality, and body-territory. Empirical material was produced in thematic workshops, and the narratives brought by the 12 students participating in the research were analyzed through episodic analysis. The narrated episodes denounce the marks on the body-territory of these adolescents, as well as the naturalization of race and gender oppression, instrumentalized by recreational racism that appears in daily school life. This presence creates and reaffirms stereotypes about the category "black woman", provokes desires to stay away from school to avoid being the target of "jokes" and/or "pranks", and questioning their own humanity, reflecting if their appearances resemble the animals used to "insult" them. The adolescents denounce the silencing of the school in the face of this type of "humor", putting pressure on its naturalization and challenging us, as educators, to take a stance against these silences that engender exclusions and the naturalization of racism, among other mechanisms, disguised as humor but need to be named as recreational racism.

Keywords:
black adolescent girls; basic education; intersectionality; recreational racismo; body-territory

RESUMEN:

El propósito de este artículo es dar visibilidad al uso del humor como mecanismo del racismo estructural y a las marcas dejadas en los cuerpos-territorios de adolescentes negras, estudiantes de educación básica de una escuela pública de la ciudad de Governador Valadares - MG. El estudio se apoya en autores que discuten raza y autoras del feminismo negro, operando conceptualmente con racismo recreativo, interseccionalidad y cuerpo-territorio. El material empírico fue producido en talleres temáticos y las narrativas traídas por las 12 estudiantes, participantes de la investigación, fueron analizadas a través del análisis episódico. Los episodios narrados denuncian las marcas en los cuerpos-territorio de esas adolescentes, así como la naturalización de la opresión racial y de género, instrumentalizada por el racismo recreativo que aparece en la rutina escolar. Ese comportamiento crea y reafirma estereotipos sobre la categoría “mujer negra”, provoca el deseo de alejarse de la escuela para no ser blanco de “chistes” y/o de “bromas”, y cuestionamientos sobre su propia humanidad, cuando reflexionan sobre si sus apariencias son similares a los animales utilizados para “insultarlas”. Las adolescentes denuncian los silenciamientos de la escuela frente a este tipo de “humor”, tensionando su naturalización y provocándonos, como educadores/as, a posicionarnos frente a esos silenciamientos que engendran exclusiones y la naturalización del racismo, entre otros mecanismos, los disfrazados de humor, pero que precisan ser nombrados como racismo recreativo.

Palabras clave:
adolescentes negras; educación básica; interseccionalidad; racismo recreativo; cuerpo-territorio

INTRODUÇÃO

Ao iniciarmos as discussões neste artigo, cujo propósito é trazer à visibilidade a utilização do humor como um dos mecanismos do racismo estrutural e que marca os corpos-território de adolescentes negras, como explicitaremos neste texto, destacamos a importância da Lei nº 14.532BRASIL. Lei nº 14.532, de 11 de janeiro de 2023. Tipifica como crime de racismo a injúria racial. Brasília, 2023. Disponível em: < Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/l14532.htm >. Acesso em:12/03/2023.
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, de 11 de janeiro de 2023, que altera a Lei 7.716, de 5 de janeiro de 1989 (Lei de crime racial). O artigo 20 da referida lei determina que os crimes previstos terão “as penas aumentadas em 1/3 até a metade quando ocorrerem em contexto, ou com intuito de descontração, diversão ou recreação” (BRASIL, 2023BRASIL. Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010. Estatuto da Igualdade Racial. Brasília, 2010. Disponível em: <Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12288.htm >. Acesso em:12/03/2023.
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).

Com efeito, esse marco legal incorpora o uso do humor hostil como manifestação do crime de racismo, e afirma que o “racismo recreativo”, termo cunhado por Adilson Moreira (2020MOREIRA, Adilson. Racismo Recreativo. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2020.), é incorporado à Lei de Crime Racial. Para o autor, o ódio racial é mobilizado por meio do humor, tendo um caráter estratégico para tornar os ambientes de convívio sociais hostis para pessoas negras. Entre os diversos ambientes, colocamos em discussão a escola. Nilma Lino Gomes (1996GOMES, Nilma L. Educação, raça e gênero: relações imersas na alteridade. Cadernos Pagu, Campinas, n. 6-7, p. 67-82, 1996. Disponível em: <Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view /1862/1983 >. Acesso em:23/03/2023.
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, 2012GOMES, Nilma L. Movimento negro e educação: ressignifcando e politizando da raça. Educação e Sociedade, Campinas, v. 33, n. 120, p. 727-744, jul.-set. 2012. Disponível em: < Disponível em: https://www.scielo.br/j/es/a/wQQ8dbKRR3MNZDJKp5cfZ4M/?format=pdf⟨=pt >.Acesso em:13/03/2023.
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, 2018GOMES, Nilma L. Por uma indignação antirracista e diaspórica: negritude e afrobrasilidade em tempos de incertezas. Revista da Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN), [S. l.], v. 10, n. 26, p. 111-124, out. 2018. Disponível: <http://www.abpnrevista.org.br/revista/index.php/revistaabpn1/article /view/642>. Acesso em30/10/2021.
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, 2021GOMES, Nilma L. O combate ao racismo e a descolonização das práticas educativas e acadêmicas. Revista De Filosofia Aurora, Curitiba, v. 33, n. 59, p. 435-454, mai./ago. 2021. Disponível em: <https://doi.org/10.7213/1980-5934.33.059.DS06>. Acesso em 23/03/2023.
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) denuncia a escola como reprodutora do racismo e aponta um conjunto de marcos legais que visam ao estabelecimento de relações equânimes, no que se refere à raça na escola (BRASIL, 2003BRASIL. Lei Federal Nº 10.639, de 09 de janeiro de 2003. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira". 2003. Disponível em: <Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm >. Acesso em:08/07/2020.
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; BRASIL, 2010BRASIL. Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010. Estatuto da Igualdade Racial. Brasília, 2010. Disponível em: <Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12288.htm >. Acesso em:12/03/2023.
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).

Para sustentação das discussões deste artigo, trouxemos como referências teóricas autoras/es negras/os que discutem sobre racismo, racismo na escola, interseccionalidade e corpo-território, para analisamos episódios de racismo recreativo vivenciados por adolescentes negras, estudantes da educação básica, de uma escola pública de Governador Valadares, Minas Gerais e as marcas deixadas nos corpos- território. Por ser estrutural, esse tipo de racismo se naturaliza como forma de “humor”, legitimando agressões disfarçadas de brincadeiras, piadas e apelidos ditos como jocosos, conforme denunciam as adolescentes participantes deste estudo.

Na epistemologia constituída no feminismo negro, destaca-se a influência mútua entre teorias e vivências cujo foco são as experiências, protagonismos e narrativas de mulheres negras. É importante entendermos que a narrativa se vincula à pessoa que narra, e nesse sentido, o feminismo negro faz uso do conceito de “lugar de fala” (RIBEIRO, 2017RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala?Belo Horizonte: Letramento, 2017.). Para ocupar o lugar de fala neste texto, 12 adolescentes negras, estudantes da educação básica, narram suas vivências de opressões interseccionais de raça e gênero, nas quais se engendram o mecanismo do racismo recreativo.

TRAMAS TEÓRICAS

No exercício de apresentar as tramas teóricas nas quais articulamos raça e gênero na perspectiva interseccional, racismo estrutural e recreativo, e corpos-território, enfatizamos que em um exercício decolonial, opta-se por balizarmos essas tramas nas produções de pessoas negras, em sua maioria mulheres. Essa opção foi feita no reconhecimento da competência e pertinência do conhecimento produzido por pessoas que carregam o marcador social da negritude, e no intuito de trazer visibilidade a vozes historicamente silenciadas. É, também, um contraponto à dita objetividade e neutralidade da produção do conhecimento científico, que marginaliza vozes subalternizadas, especialmente as femininas, sob a alegação do excesso de subjetividade que nelas se impregna (RIBEIRO, 2018RIBEIRO, Djamila. Quem tem medo do feminismo negro?São Paulo: Companhia das Letras, 2018.; CARNEIRO, 2019CARNEIRO, Sueli. Enegrecer o feminismo: a situação da mulher negra na América Latina a partir de uma perspectiva de gênero. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de (Org.). Pensamento feminista: formação e contexto. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2019, p. 313-321. Disponível em: <Disponível em: https://www.mpba.mp.br/sites/default/files/biblioteca/direitos-humanos/direitos-das-mulheres/ob ras_digitalizadas/heloisa-buarque-de-hollanda-pensamento-feminista_-conceitos-fundamentais-bazar-do-tempo-_2019_.pdf >. Acesso em:12/03/2023.
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; KILOMBA, 2019KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Tradução de Jess Oliveira. Rio de Janeiro: Editora Cobogó, 2019.; COLLINS; BILGE, 2021COLLINS, Patricia Hill. BILGE, Sirma Bilge. Intersecccionalidade. São Paulo: Boitempo, 2021.).

Em uma sociedade estruturalmente racista e sexista como a brasileira, os corpos negros, em particular das mulheres negras, transitam sobrecarregados de preconcepções, discriminação e opressões. Lidos socialmente na junção entre raça e gênero, os corpos das adolescentes negras, que ocupam seus lugares de fala neste artigo, carregam as implicações de serem negras e mulheres desde a primeira infância. Recorremos a Gomes (1996GOMES, Nilma L. Educação, raça e gênero: relações imersas na alteridade. Cadernos Pagu, Campinas, n. 6-7, p. 67-82, 1996. Disponível em: <Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view /1862/1983 >. Acesso em:23/03/2023.
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, p. 23) para afirmar que “o primeiro olhar é para os caracteres físicos, para as nuances de gênero e de cor e já vem carregado de valores e preconceitos acumulados historicamente”. É, pois, diante dessa facticidade que se faz tarefa explicitar as tramas teóricas que tecemos neste texto, para refletirmos sobre opressões vividas pelas adolescentes negras, participantes deste estudo.

A primeira trama tecida diz respeito ao termo raça. Gomes (2005GOMES, Nilma L. Alguns termos e conceitos presentes no debate sobre relações raciais no Brasil: uma breve discussão. In: BRASIL. Ministério da Educação. Educação antirracista: caminhos abertos pela Lei Federal n. 10.639/03. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005. p. 39-62. Disponível em: <Disponível em: https://observatoriodeeducacao.institutounibanco.org.br/cedoc/detalhe/alguns-termos-e-conceitos-presentes-no-debate-sobre-relacoes-raciais-no-brasil-uma-breve-discussao,baf17c8d-1b72-46fc-a3b7-fdab0bf2a748 >. Acesso em:13/03/2023.
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) nos convoca a assumir esse termo por abarcar a discriminação que afeta a população negra brasileira, e destaca que o seu uso implica em uma dimensão política e social, pois o racismo em nossa sociedade é orientado pelos aspectos físicos dos indivíduos. A respeito desse uso, em estudo sobre mulheres negras e preterimento afetivo, Ana Cláudia Lemos Pacheco afirma que o uso dos termos cor/raça são categorias que não podem ser descartadas ou substituídas pelo conceito de etnia ou de etnicidade (PACHECO, 2008PACHECO, Ana Cláudia Lemos. “Branca para casar, mulata para f.... e negra para trabalhar”: escolhas afetivas e significados de solidão entre mulheres negras em Salvador, Bahia. 2023. 324f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) Universidade Estadual de Campinas, 2008. Disponível em: <Disponível em: https://doceru.com/doc/x8xx0xc >. Acesso em:13/03/2023.
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).

O uso desse termo é também um posicionamento político. Sílvio Almeida (2020ALMEIDA, Silvio Luiz de. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Ed. Letramento, 2020.) afirma que “raça ainda é um fator político importante, utilizado para naturalizar desigualdades e legitimar a segregação e o genocídio de grupos sociologicamente considerados minoritários” (ALMEIDA, 2020ALMEIDA, Silvio Luiz de. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Ed. Letramento, 2020., p. 31).

Gomes (2012GOMES, Nilma L. Movimento negro e educação: ressignifcando e politizando da raça. Educação e Sociedade, Campinas, v. 33, n. 120, p. 727-744, jul.-set. 2012. Disponível em: < Disponível em: https://www.scielo.br/j/es/a/wQQ8dbKRR3MNZDJKp5cfZ4M/?format=pdf⟨=pt >.Acesso em:13/03/2023.
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) destaca a importância de ressignificação desse termo pelo movimento negro brasileiro2 2 Sobre o movimento negro, a autora esclarece: “Ao falar em Movimento Negro não me refiro a uma entidade específica, mas às ações organizadas empreendidas por mulheres e homens negros na luta contra o racismo e pela afirmação das identidades negras.” (GOMES, 2018, p.115). que:

[...] indaga a própria história do Brasil e da população negra em nosso país, constrói novos enunciados e instrumentos teóricos, ideológicos, políticos e analíticos para explicar como o racismo brasileiro opera não somente na estrutura do Estado, mas também na vida cotidiana das suas próprias vítimas. Além disso, dá outra visibilidade a questão étnico-racial, interpretando-a como trunfo e não como empecilho para a construção de uma sociedade mais democrática, onde todos, reconhecidos na sua diferença, sejam tratados igualmente como sujeitos de direitos (GOMES, 2012GOMES, Nilma L. Movimento negro e educação: ressignifcando e politizando da raça. Educação e Sociedade, Campinas, v. 33, n. 120, p. 727-744, jul.-set. 2012. Disponível em: < Disponível em: https://www.scielo.br/j/es/a/wQQ8dbKRR3MNZDJKp5cfZ4M/?format=pdf⟨=pt >.Acesso em:13/03/2023.
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, p.731).

Com essa primeira trama, utilizamos o termo raça conceitualmente como uma finalidade política e, como trunfo, buscando visibilizar e desnaturalizar práticas racistas no cotidiano.

A segunda trama tecida diz respeito ao termo gênero. Assumimos conceitualmente esse termo na perspectiva trazida por pesquisadoras feministas que o utilizam, reconhecendo a sua constituição engendrada em relações desiguais de poder, em função da performatividade do feminino (social e historicamente oprimido e compreendido enquanto inferior ao masculino). Para essas pesquisadoras, esse conceito engendra desigualdades e dominações que se imbricam a outras, também estruturantes da realidade social, como raça e classe (CRENSHAW, 2002CRENSHAW, Kimberle. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Estudos Feministas, Florianópolis, ano 10, n. 172, p. 171-188, 2002. Disponível em: <Disponível em: https://www.scielo.br/j/ref/a/mbTpP4SFXPnJZ397j8fSBQQ/?format=pdf⟨=pt >. Acesso em:12/03/2023.
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; CARNEIRO, 2019CARNEIRO, Sueli. Enegrecer o feminismo: a situação da mulher negra na América Latina a partir de uma perspectiva de gênero. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de (Org.). Pensamento feminista: formação e contexto. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2019, p. 313-321. Disponível em: <Disponível em: https://www.mpba.mp.br/sites/default/files/biblioteca/direitos-humanos/direitos-das-mulheres/ob ras_digitalizadas/heloisa-buarque-de-hollanda-pensamento-feminista_-conceitos-fundamentais-bazar-do-tempo-_2019_.pdf >. Acesso em:12/03/2023.
https://www.mpba.mp.br/sites/default/fil...
; GOMES, 2019GOMES, Nilma L. A compreensão da tensão regulação/emancipação do corpo e da corporeidade negra na reinvençãoda resistência democrática. PERSEU: História, Memória e Política, [S. l.], v. 1, p. 123-142, 2019. Acesso em:13/03/2023.; RIBEIRO, 2019RIBEIRO, Djamila. Pequeno Manual Antirracista. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras , 2019.; KILOMBA, 2019KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Tradução de Jess Oliveira. Rio de Janeiro: Editora Cobogó, 2019.; COLLINS, BILGE, 2021COLLINS, Patricia Hill. BILGE, Sirma Bilge. Intersecccionalidade. São Paulo: Boitempo, 2021.). Refletindo sobre raça e gênero, Gomes (2019GOMES, Nilma L. A compreensão da tensão regulação/emancipação do corpo e da corporeidade negra na reinvençãoda resistência democrática. PERSEU: História, Memória e Política, [S. l.], v. 1, p. 123-142, 2019. Acesso em:13/03/2023., p. 610) afirma que “nascemos em sociedades com hierarquias de gênero aprendidas social e culturalmente”.

Para Grada Kilomba (2019KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Tradução de Jess Oliveira. Rio de Janeiro: Editora Cobogó, 2019.), não podemos compreender as opressões de raça e de gênero de forma separada, pois tal separação mantém a invisibilidade das mulheres negras nos debates políticos e acadêmicos, em comparação a homens negros e a mulheres brancas. Esse também é o argumento de Djamila Ribeiro (2018RIBEIRO, Djamila. Quem tem medo do feminismo negro?São Paulo: Companhia das Letras, 2018., p.47, aspas do original): “Se a universalização da categoria ‘mulheres’ não for combatida, o feminismo continuará deixando muitas delas de fora e alimentando assim as estruturas de poder”. Essa imbricação de raça e gênero, vivenciada pelas mulheres negras e debatidas pela academia científica, nos conduz ao conceito de interseccionalidade, termo cunhado por Kimberle Crenshaw (2002CRENSHAW, Kimberle. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Estudos Feministas, Florianópolis, ano 10, n. 172, p. 171-188, 2002. Disponível em: <Disponível em: https://www.scielo.br/j/ref/a/mbTpP4SFXPnJZ397j8fSBQQ/?format=pdf⟨=pt >. Acesso em:12/03/2023.
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). Para a autora, interseccionalidade se apresenta como:

[...] uma conceituação do problema que busca capturar as consequências estruturais e dinâmicas da interação entre dois ou mais eixos da subordinação. Ela trata especificamente da forma pela qual o racismo, o patriarcalismo, a opressão de classe e outros sistemas discriminatórios criam desigualdades básicas que estruturam as posições relativas de mulheres, raças, etnias, classes e outras (CRENSHAW, 2002CRENSHAW, Kimberle. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Estudos Feministas, Florianópolis, ano 10, n. 172, p. 171-188, 2002. Disponível em: <Disponível em: https://www.scielo.br/j/ref/a/mbTpP4SFXPnJZ397j8fSBQQ/?format=pdf⟨=pt >. Acesso em:12/03/2023.
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, p. 177).

É importante ressaltar que, antes desse termo ser cunhado pela autora, pesquisadoras negras brasileiras como Sueli Carneiro, Lélia Gonzalez e Beatriz Nascimento já alertavam para a necessidade de se compreender o imbricamento de raça e gênero (AKOTIRENE, 2019AKOTIRENE, Carla. O que é interseccionalidade? São Paulo: Pólem, 2019.; HOLLANDA, 2019HOLLANDA, Heloisa Buarque de(Org.). Pensamento feminista: formação e contexto. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo , 2019.).

A terceira trama diz respeito ao racismo estrutural e ao racismo recreativo. Almeida (2020ALMEIDA, Silvio Luiz de. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Ed. Letramento, 2020.) argumenta que o racismo estrutura a sociedade e regula nossas relações em lógicas pautadas na naturalização:

[...]o racismo é sempre estrutural, ou seja, de que ele é um elemento que integra a organização econômica e política da sociedade. Em suma, o que queremos explicitar é que o racismo é a manifestação normal de uma sociedade, e não um fenômeno patológico ou que expressa algum tipo de anormalidade. O racismo fornece o sentido, a lógica e a tecnologia para a reprodução das formas de desigualdade e violência que moldam a vida social contemporânea (ALMEIDA, 2020ALMEIDA, Silvio Luiz de. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Ed. Letramento, 2020., p. 20-21).

O autor argumenta que o racismo estrutural impregna também as instituições em um racismo institucional, posto “que a imposição de regras e padrões racistas por parte das instituições está vinculada à ordem social que ela visa resguardar” (ALMEIDA, 2020ALMEIDA, Silvio Luiz de. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Ed. Letramento, 2020., p. 47). Esse parâmetro pode ser identificado em instituições, como, por exemplo, a escola, com o ideal de neutralidade que silencia as diferenças, cooperando para a manutenção da discriminação direcionada aos diversos marcadores sociais, reproduzindo o racismo (GOMES, 1996GOMES, Nilma L. Educação, raça e gênero: relações imersas na alteridade. Cadernos Pagu, Campinas, n. 6-7, p. 67-82, 1996. Disponível em: <Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view /1862/1983 >. Acesso em:23/03/2023.
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/in...
, 2002GOMES, Nilma L. Corpo e cabelo como ícones de construção da beleza e da identidade negra nos salões étnicos de Belo Horizonte. 2002. Tese (Doutorado em Educação). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002. Disponível em: <Disponível em: https://repositorio.usp.br/item/001249681 >. Acesso em:13/03/2023.
https://repositorio.usp.br/item/00124968...
, 2012GOMES, Nilma L. Movimento negro e educação: ressignifcando e politizando da raça. Educação e Sociedade, Campinas, v. 33, n. 120, p. 727-744, jul.-set. 2012. Disponível em: < Disponível em: https://www.scielo.br/j/es/a/wQQ8dbKRR3MNZDJKp5cfZ4M/?format=pdf⟨=pt >.Acesso em:13/03/2023.
https://www.scielo.br/j/es/a/wQQ8dbKRR3M...
, 2019GOMES, Nilma L. A compreensão da tensão regulação/emancipação do corpo e da corporeidade negra na reinvençãoda resistência democrática. PERSEU: História, Memória e Política, [S. l.], v. 1, p. 123-142, 2019. Acesso em:13/03/2023.; MISKOLCI, 2010MISKOLCI, Richard(Org.). Marcas da Diferença no Ensino Escolar. São Carlos: EdUFSCar, 2010.) e, interessa-nos, neste estudo, considerar os marcadores de raça e gênero de maneira interseccional.

Entendemos que o racismo estrutural representa um processo histórico que coloca em condições de desvantagens a população negra. Essas condições são reproduzidas nas esferas econômicas, políticas, culturais e até nas relações cotidianas em forma de humor. Desse modo, Moreira (2020MOREIRA, Adilson. Racismo Recreativo. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2020., p. 148) define racismo recreativo como: “[...] um projeto de dominação que procura promover a reprodução de relações assimétricas de poder entre grupos raciais por meio de uma política cultural baseada na utilização do humor como expressão e encobrimento de hostilidade racial”.

O autor afirma de modo recorrente que os estereótipos raciais negativos que compõem o repertório de piadas e brincadeiras ecoam práticas discriminatórias de outros contextos, como perpetuam essas mesmas práticas. Nesse sentido, a propagação de estereótipos “provoca a internalização de percepções negativas que operam na forma de automatismos mentais” (MOREIRA, 2020MOREIRA, Adilson. Racismo Recreativo. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2020., p. 43), fazendo com que os indivíduos criem uma rede de significações geradoras de comportamentos discriminatórios (MOREIRA, 2020MOREIRA, Adilson. Racismo Recreativo. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2020.). Ribeiro (2018RIBEIRO, Djamila. Quem tem medo do feminismo negro?São Paulo: Companhia das Letras, 2018., p. 29) afirma que: “sendo uma sociedade racista o humor será mais um espaço onde esses discursos são reproduzidos. Não há nada neutro - ao contrário, há uma posição ideológica muito evidente de se continuar perpetuando as opressões”.

Para designar o uso do humor como mecanismo de reprodução do racismo, mobilizamos o termo Racismo Recreativo (MOREIRA, 2020MOREIRA, Adilson. Racismo Recreativo. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2020.) como referência a “piadas” e “brincadeiras”, supostamente inofensivas, associadas a características físicas e/ou culturais de pessoas negras como algo inferior ou repulsivo e que, também, se encontra fortemente enraizado na instituição escolar, vitimando crianças, adolescentes e jovens nas escolas brasileiras (quiçá em qualquer escola ocidental), como relatam as narrativas das estudantes negras, participantes deste estudo, e que ocupam seu “lugar de fala” (RIBEIRO, 2017RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala?Belo Horizonte: Letramento, 2017.).

Constata-se a invisibilidade da discriminação interseccional da menina, jovem e da mulher negra; invisibilidade reproduzida, também, pelo meio acadêmico (CARNEIRO, 2019CARNEIRO, Sueli. Enegrecer o feminismo: a situação da mulher negra na América Latina a partir de uma perspectiva de gênero. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de (Org.). Pensamento feminista: formação e contexto. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2019, p. 313-321. Disponível em: <Disponível em: https://www.mpba.mp.br/sites/default/files/biblioteca/direitos-humanos/direitos-das-mulheres/ob ras_digitalizadas/heloisa-buarque-de-hollanda-pensamento-feminista_-conceitos-fundamentais-bazar-do-tempo-_2019_.pdf >. Acesso em:12/03/2023.
https://www.mpba.mp.br/sites/default/fil...
). Assim, tanto para refletirmos sobre o racismo recreativo na escola quanto denunciarmos a discriminação interseccional que permeia o cotidiano escolar, realizamos uma pesquisa com base nas vivências de opressões por parte de adolescentes negras nos anos finais do ensino fundamental, buscando contribuir para desvelar essa invisibilidade. Sueli Carneiro evidencia essa invisibilidade racial nos estudos e ações do movimento de reivindicação de mulheres, assim como a pouca atenção dada à temática de gênero no movimento negro e a mulheres negras que participam desses movimentos sociais e questionam suas práticas excludentes (CARNEIRO, 2019CARNEIRO, Sueli. Enegrecer o feminismo: a situação da mulher negra na América Latina a partir de uma perspectiva de gênero. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de (Org.). Pensamento feminista: formação e contexto. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2019, p. 313-321. Disponível em: <Disponível em: https://www.mpba.mp.br/sites/default/files/biblioteca/direitos-humanos/direitos-das-mulheres/ob ras_digitalizadas/heloisa-buarque-de-hollanda-pensamento-feminista_-conceitos-fundamentais-bazar-do-tempo-_2019_.pdf >. Acesso em:12/03/2023.
https://www.mpba.mp.br/sites/default/fil...
).

Nossas falas como meninas, adolescentes e/ou mulheres negras se pautam em nossos territórios com suas localizações sociais, distinções e enfrentamentos cotidianos, o que nos conduz à última trama teórica: corpo-território. Ocuparmos lugares sociais e refletirmos sobre nossa localização socioespacial é fundamental para assumirmos nossos lugares de fala. Estamos dizendo que essa localização e vivências individuais refletem o lugar social onde nos situamos, daí a importância de se promover a escuta e compreensão das vozes das mulheres negras (RIBEIRO, 2017RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala?Belo Horizonte: Letramento, 2017.; KILOMBA, 2019KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Tradução de Jess Oliveira. Rio de Janeiro: Editora Cobogó, 2019.).

Grada Kilomba (2019KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Tradução de Jess Oliveira. Rio de Janeiro: Editora Cobogó, 2019.) narra em seu livro “Memórias da Plantação: episódios de racismo cotidiano” a prática de amarrar a boca do/a escravizado/a com uma máscara do silenciamento, usada pelos senhores para controlar os corpos escravizados. O corpo da mulher negra era objeto de dominação e apropriação como ama de leite, força de trabalho e como objeto sexual dos senhores. Após as reconfigurações de domínio sobre o corpo da mulher negra, atualmente, nossos corpos materializam dispositivos que funcionam como desaprovação social, criando fronteiras espaciais e simbólicas e perpetrando, assim, seu silenciamento, invisibilização e objetificação (PACHECO, 2008PACHECO, Ana Cláudia Lemos. “Branca para casar, mulata para f.... e negra para trabalhar”: escolhas afetivas e significados de solidão entre mulheres negras em Salvador, Bahia. 2023. 324f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) Universidade Estadual de Campinas, 2008. Disponível em: <Disponível em: https://doceru.com/doc/x8xx0xc >. Acesso em:13/03/2023.
https://doceru.com/doc/x8xx0xc...
; RIBEIRO; 2018RIBEIRO, Djamila. Quem tem medo do feminismo negro?São Paulo: Companhia das Letras, 2018.; MANZI; DOS ANJOS, 2021MANZI, Maya; DOS ANJOS, Maria Edna dos Santos Coroa. O corpo, a casa e a cidade: territorialidades de mulheres negras no Brasil. Rev. Brás. Estud. Urbanos Reg., São Paulo, v. 23, p. 1-29, 2021. Disponível em<Disponível emhttp://old.scielo.br/pdf/rbeur/v23/2317-1529-rbeur-23-e202132.pdf >. Acesso em:04/06/2022.
http://old.scielo.br/pdf/rbeur/v23/2317-...
).

Milton Santos, geógrafo negro, afirma que os corpos negros carregam a marca visível de objetivação que identifica e separa a cidadania do outro. Em nosso país, a cidadania dos negros é, geralmente, estropiada, fundamentada por princípios escravocratas ainda enraizados e que mantêm estereótipos que recaem em todos os aspectos das relações sociais, em uma cidadania cindida (SANTOS, 2000SANTOS, Milton. Ser negro no Brasil hoje: Ética enviesada da sociedade branca desvia enfrentamento do problema negro. Folha de São Paulo, São Paulo, domingo, 07 de maio de 2000. Disponível em:<Disponível em:htt://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs0705200007.htm >. Acesso em:01/08/ 2022.
htt://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs0...
).

Gomes (2002GOMES, Nilma L. Corpo e cabelo como ícones de construção da beleza e da identidade negra nos salões étnicos de Belo Horizonte. 2002. Tese (Doutorado em Educação). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002. Disponível em: <Disponível em: https://repositorio.usp.br/item/001249681 >. Acesso em:13/03/2023.
https://repositorio.usp.br/item/00124968...
, 2019) chama a atenção para o fato de que é na escola que se forjam os tensos processos de construção identitária racial, e provoca a reflexão sobre esse território como lócus importante de experiência do corpo negro e um dos primeiros lugares, portanto, onde uma criança vivencia de forma drástica a experiência de cidadania cindida. Além disso, em nossa sociedade, assim como na escola, nossa comunicação é feita pelo corpo. Um corpo é construído simbolicamente por meio da cultura e na história e essa construção fala sobre nosso estar no mundo, a partir da mediação espaço-temporal.

Eduardo Miranda (2017MIRANDA, Eduardo O. Experiências do corpo-território: possibilidades afrobrasileiras para a Geografia Cultural. Élisée, Rev. Geo. UEG - Porangatu, v.6, n.2, p. 116-128, jul./dez. 2017. Disponível em: <Disponível em: http://www.revista.ueg.br/index.php/elisee/article/view/6621/5096 >. Acesso em05/08/ 2022.
http://www.revista.ueg.br/index.php/elis...
) utiliza a categoria corpo-território nas discussões sobre docência e decolonialidade, a partir de proposições afro-brasileiras. O autor analisa o corpo enquanto território, por meio de contribuições sobre território advindas da Geografia, entendendo que o corpo, assim como o território, evidenciam demarcações, bem como o acúmulo de elementos culturais, e, portanto, reverberam alteridades, identificações, semelhanças ou distinções. Afirmam-se as relações de poder que impõem aos corpos regras e valores, sobretudo no que se relaciona com as hierarquias estabelecidas entre os grupos hegemônicos e os subalternizados (MIRANDA, 2017MIRANDA, Eduardo O. Experiências do corpo-território: possibilidades afrobrasileiras para a Geografia Cultural. Élisée, Rev. Geo. UEG - Porangatu, v.6, n.2, p. 116-128, jul./dez. 2017. Disponível em: <Disponível em: http://www.revista.ueg.br/index.php/elisee/article/view/6621/5096 >. Acesso em05/08/ 2022.
http://www.revista.ueg.br/index.php/elis...
).

Para o autor, ressaltar os atravessamentos das experiências nos corpos é importante para o fortalecimento dos fundamentos de uma educação democrática. O corpo-território deve ser ensinado para que os sujeitos assumam o protagonismo dos seus corpos e aprendam a criticar a objetificação que lhes é imposta (MIRANDA, 2020MIRANDA, Eduardo O. Corpo-território & Educação Decolonial: proposições afrobrasileiras na invenção da docência. Salvador: EDUFBA, 2020.). Manzi e Dos Anjos (2021MANZI, Maya; DOS ANJOS, Maria Edna dos Santos Coroa. O corpo, a casa e a cidade: territorialidades de mulheres negras no Brasil. Rev. Brás. Estud. Urbanos Reg., São Paulo, v. 23, p. 1-29, 2021. Disponível em<Disponível emhttp://old.scielo.br/pdf/rbeur/v23/2317-1529-rbeur-23-e202132.pdf >. Acesso em:04/06/2022.
http://old.scielo.br/pdf/rbeur/v23/2317-...
), em um exercício interseccional entre raça e gênero, apresentam as marcas históricas de opressão sobre os corpos das mulheres negras e assumem as territorialidades desses corpos:

Pensar as lutas das mulheres negras em torno do seu corpo enquanto territorialidade nos permite entender como diversas relações de poder são disputadas nesse espaço mais íntimo da sua existência, pelo fato de sua subalternidade estar diretamente associada à sua corporeidade negra e feminina. Pensar o corpo como território viabiliza considerar a interseccionalidade da raça, do gênero e da classe na sua materialidade corporal, como lócus de opressão, mas também de resistência. Pensar as territorialidades das mulheres negras na escala do corpo significa romper com a dicotomia entre espaço público e privado, reafirmando o poderoso lema feminista: o pessoal é sempre político (MANZI; DOS ANJOS, 2021MANZI, Maya; DOS ANJOS, Maria Edna dos Santos Coroa. O corpo, a casa e a cidade: territorialidades de mulheres negras no Brasil. Rev. Brás. Estud. Urbanos Reg., São Paulo, v. 23, p. 1-29, 2021. Disponível em<Disponível emhttp://old.scielo.br/pdf/rbeur/v23/2317-1529-rbeur-23-e202132.pdf >. Acesso em:04/06/2022.
http://old.scielo.br/pdf/rbeur/v23/2317-...
, p. 13-14).

Diante das argumentações apresentadas acima sobre corpos negros, corpo-território e territorialidades, fundamentadas pelo feminismo negro, entende-se o corpo da mulher negra como um território com dinâmicas de conquista e dominação durante o período escravocrata e que se reconfigura na sociedade brasileira atual. Nesse sentido, os corpos das adolescentes negras são corpos-território cujas territorialidades se forjam em sua materialidade corporal nas opressões interseccionais de raça e gênero. E o que esses corpos-território vivem? Como eles marcam ou são marcados no ambiente escolar? Esses questionamentos balizaram a pesquisa realizada, a qual buscou construir conhecimento a partir das especificidades da vivência daquelas que são invisibilizadas: as adolescentes negras. A seguir, apresentamos as tramas metodológicas para a construção desta pesquisa.

TRAMAS METODOLÓGICAS

O estudo, de base qualitativa, se orientou na produção e análise do material empírico pelo reconhecimento da interseccionalidade que nos convoca à sensibilidade e denúncia das condições estruturais do racismo e do sexismo imbricados, que enredam mulheres negras (AKOTIRENE, 2019AKOTIRENE, Carla. O que é interseccionalidade? São Paulo: Pólem, 2019.).

O campo de pesquisa foi uma escola pública, localizada em Governador Valadares, Minas Gerais, selecionada intencionalmente pelo corpo discente ser composto, em sua maioria, por estudantes negros (pretos e pardos), conforme dados disponibilizados pela secretaria da escola. Para produção do material empírico, foram realizadas seis oficinas temáticas, por uma das pesquisadoras, mulher negra e ativista de um coletivo que tem como objetivo pautar discussões sobre as vivências de mulheres negras, bem como a valorização da cultura afro-brasileira.

A opção pelas oficinas é inspirada em técnicas de entrevistas em grupo que favorecem a interação de participantes de um estudo, a troca de ideias e pontos de vista (FLICK, 2004FLICK, Uwe. Uma introdução à Pesquisa Qualitativa. Trad. Sandra Netz. 2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2004.), com as discussões sendo fomentadas pela pesquisadora. Entende-se que essa escolha propiciou minimizar a influência da pesquisadora e ativista, mas, ao mesmo tempo, a colocou na condição de provocadora dos relatos das adolescentes que ocupam seus “lugares de fala” (RIBEIRO, 2017RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala?Belo Horizonte: Letramento, 2017.).

As participantes da pesquisa que buscávamos eram adolescentes negras dos dois últimos anos do ensino fundamental (8º e 9º ano), que se autodeclaravam, nos documentos da escola, pretas ou pardas. Diante da autodeclaração, foi realizado o convite para participarem de uma oficina para confecção da boneca Abayomi3 3 Conferir: <https://www.geledes.org.br/bonecas-abayomi-simbolo-de-resistencia-tradicao-e-poder-feminino/>. Acesso em: 30 jan. 2023. , explicando tratar-se de uma boneca negra e cuja confecção nos ajudaria a refletir sobre desigualdades raciais e de gênero.

Entre as 16 estudantes que participaram da oficina de boneca Abayomi, 11 delas4 4 Oficinas com duração aproximada de 60 minutos, realizadas em uma sala reservada na escola. Exceto a primeira oficina, as demais foram gravadas com a devida anuência das participantes e seus responsáveis, garantidas as condições de privacidade e sigilo. Pesquisa aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa. CAAE:58225222.6.0000.5157 demostraram interesse em participar das próximas oficinas, aderindo, assim, à pesquisa. Uma estudante do primeiro ano do ensino médio, ao saber sobre a oficina que havia sido realizada, pediu para participar das demais sob o argumento de que poderia contribuir com a pesquisa. Participam, portanto, do estudo 12 adolescentes negras.

A primeira oficina, da Boneca Abayomi, visava mobilizar para participação na pesquisa e nas demais, coordenadas pela 1ª autora deste artigo. Desse modo, foi proposto um tema orientador por meio de texto ou vídeos curtos. Foram propostos temas escolhidos intencionalmente, por sua relação com a interseccionalidade de raça e gênero: 1) trajetória escolar; 2) colorismo; 3) escola e racismo institucional; 4) racismo recreativo 5) padrão de beleza. Importante observar que os temas eram provocadores das discussões e que, ao longo do desenvolvimento dessas oficinas, as temáticas se entrecuzavam e outras questões compareciam, como violência policial, preterimento afetivo, racismo em outros contextos, como lojas, supermercados e redes sociais.

A análise do material empírico oriundo das oficinas foi inspirada no livro já citado de Kilomba (2019KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Tradução de Jess Oliveira. Rio de Janeiro: Editora Cobogó, 2019.). Nele, a autora transcreve as entrevistas que fez e realiza uma análise episódica, a partir da seleção de episódios baseados em tópicos centrais das experiências com o racismo, narradas pelas entrevistadas. A adoção desse modo de análise contribuiu para uma leitura atenta do conjunto do material transcrito, posto que nele se encontram experiências e relatos subjetivos das adolescentes, os quais possibilitam a compreensão das opressões interseccionais de raça e gênero vivenciadas por elas.

Foram feitas diversas leituras desse material pela equipe de pesquisa, visando identificar os episódios nos quais compareciam vivências de opressão dessas adolescentes, e apresenta-se, nessas vivências, a recorrência significativa do racismo recreativo na escola - humor racista composto por “brincadeiras”, “piadas” e/ou “apelidos engraçados” direcionados, principalmente, às características físicas dessas adolescentes. Na análise, procuramos mostrar a utilização do humor como mecanismo do racismo recreativo em funcionamento nas vivências de opressão dessas adolescentes, e as marcas desse mecanismo em seus corpos-território.

A GENTE TENTA NÃO LIGAR, MAS NO FUNDO DÓI MUITO (Bia5 5 Os nomes das participantes da pesquisa são fictícios, escolhidos pelas próprias adolescentes e fazem referência à mãe falecida, irmã, a gostos pessoais e a desenhos animados. )

Tomando como referência as contribuibuições de Ribeiro (2018RIBEIRO, Djamila. Quem tem medo do feminismo negro?São Paulo: Companhia das Letras, 2018.) e Moreira (2020MOREIRA, Adilson. Racismo Recreativo. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2020.), entendemos que o humor não é uma simples reação reflexa, mas um produto do contexto cultural em que vivemos, reproduzindo opressões e manifestando a hostilidade por pessoas consideradas inferiores. Desse modo, o racismo recreativo comparece como um mecanismo que opera nas opressões interseccionais de raça e gênero, propagando imagens depreciativas sobre corpos negros, e neste estudo, sobre corpos de mulheres negras. Esse mecanismo engendra e fortalece sentimentos de superioridade racial que se traduzem no desprezo pela raça negra, com vistas a legitimar hierarquias raciais nos seus atravessamentos dos diversos marcadores sociais (RIBEIRO, 2018RIBEIRO, Djamila. Quem tem medo do feminismo negro?São Paulo: Companhia das Letras, 2018.; MOREIRA, 2020MOREIRA, Adilson. Racismo Recreativo. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2020.).

Esse tipo de racismo produz marcas nos corpos-território, como a frase que intitula essa seção e traz o peso e as consequências das “piadas”, “apelidos” e “brincadeiras” para Bia. Assim como Bia, 10 entre as 12 participantes deste estudo narram episódios nos quais comparecem o humor racista. É importante ressaltar que as duas participantes que não têm relatos de humor racista participaram de apenas duas oficinas por terem se transferido da escola, e como há uma recorrência nas falas das outras adolescentes, somos provocadas a pensar que, possivelmente, haveria algum relato ao se engajarem nas demais oficinas. A seguir, apresentamos excertos discursivos que mostram o comparecimento do racismo recreativo.

Eliane: - Moro com minhas tias e meus irmãos. Meu pai ficou lá para trabalhar e mandar dinheiro pra gente. Desde que cheguei em Governador Valadares eu moro no Santa Helena. Eu não me lembro bem a primeira vez que eu que eu...que teve racismo comigo. Mas já falaram muita coisa... tem meu corpo. Cabelo, cor. Várias coisas. Autoestima a gente não tem muita né!?! (Oficina 1)

Pesquisadora: - E como é que a sua relação com essa escola? Você gosta de estudar aqui? Você não gosta? Você percebe que em alguns momentos as pessoas te tratam de forma diferente?

Eliane: - Olha. No início foi bem difícil. Eu tinha muita dificuldade de me adaptar a escola, tal...nenhuma professora via a minha dificuldade. Então foi bem difícil no início. Eu também já ouvi várias piadinhas de coisas sobre cor, corpo e sobre o cabelo. (Oficina 5).

Paxina: - Eu sou a Paxina, sou adotada pela minha tia, eu moro com a minha tia, porque minha mãe mora em Portugal e não teve condições de me criar, meu pai já morreu, eu tenho 4 irmãs. Duas da parte da minha tia e duas da parte da minha mãe. Da parte da minha mãe eu sou a mais nova, sobre o racismo, todo dia na minha sala é o tempo todo um tipo de brincadeira diferente sobre isso. Onde eu vou tem um olhar torto sobre mim, e é isso. !?! (Oficina 1)).

Pesquisadora: - Bia, quer falar um pouquinho? A mais caladinha até agora.

Bia: - Sou a mais nova de nove irmãos. Sou tia de três sobrinhos. Tenho um irmão [...], outro em Londres. Eu nasci aqui mesmo e sobre o racismo, acontece o tempo todo, ainda mais na minha sala. Cada hora é um apelido diferente !?! (Oficina 3).

Ribeiro (2018RIBEIRO, Djamila. Quem tem medo do feminismo negro?São Paulo: Companhia das Letras, 2018., p. 30) denuncia suas vivências com esse tipo de racismo: “Durante muito tempo, tive receio de passar perto de grupos de adolescentes. Quando criança, fui alvo de piadas e chacotas por ser negra”. O desabafo da autora encontra eco nas vivências das adolescentes. Eliane traz em seu relato os incômodos que as “piadas” e/ou “brincadeiras” causam nela - relacionados à autoestima, às dificuldades de adaptação à escola e à invisibilidade desses incômodos por parte dos professores. Bia refere-se aos apelidos e Paxina narra as “brincadeiras racistas” durante todo o tempo em sala de aula - além dos “olhares tortos” sobre ela, que reconhece como discriminatórios. Em outro episódio, ela relata esse tipo de racismo e estabelece relação entre ele e suas ausências à escola:

Pesquisadora: - Tem algum dia que vocês ficam desanimadas de levantar para virem à escola? Por que? Preguiça não vale. (risos).

Paxina começa a rir e fala: - Na sala um dos meus apelidos é frangão queimado, porque eu sou magra e preta. Sei que é engraçado, mas querendo ou não afeta a autoestima e tem dia que não quero tá aqui para não ser xingada, eu acho engraçado, mas no fundo eu não gosto dessas brincadeiras.

Pesquisadora: - Não é simplesmente uma brincadeira né!?! A gente fica constrangida até de não gostar do que eles chamam de brincadeira.

Paxina: - Sim. É isso. !?! (Oficina 2).

Durante as oficinas, os relatos nos quais comparecem o racismo recreativo são recorrentes, o que demonstra a presença e o peso dessa faceta do racismo nos corpos-território das adolescentes, provocando constrangimentos, distanciamentos em relação à escola, e como são afetadas na autoestima, o que provoca “dores”, como afirma Bia. Jaqueline e Júlia descrevem episódios desse tipo de racismo, incluindo outra colega que não participava da pesquisa e mostrando que o cabelo e o corpo são alvo constante de piadas e brincadeiras:

Pesquisadora: - Gente, cadê aquela menina do nono ano que fez o BC6 6 Big Chop ou Grande Corte traduzido do inglês: “se refere ao corte que elimina de vez as partes com química dos cabelos. As mulheres usam a palavra ‘livre’ para expressar algumas relações que se criam a partir do momento que se decide terminar a transição e se desfazer das pontas dos cabelos que ainda possuem os resquícios da química.” (DE PAULA, 2017, p.8) estava tão empolgada no dia da oficina de boneca.

Jaqueline: - Flávia. Ela quase não está vindo à aula, acho que é por causa do cabelo, depois que ela cortou curtinho os meninos ficam rindo dela, deve estar esperando crescer um pouquinho para voltar na escola. (Oficina 4).

Pesquisadora: -Júlia, me fale um pouquinho desses sentimentos em relação à escola. Quais os sentimentos você tem em relação à escola? Sei que esses sentimentos mudam de acordo com um monte de coisa, mas no geral, como é isso?

Júlia: - Acordar cedo já num é bom, e chega aqui o povo fica fazendo piada da sua cara, ainda a gente fica desanimada de ficar vindo todo dia. (Oficina 1).

Pesquisadora: - Lembra de algum exemplo que possa dar? [sobre piadas]

Júlia: - Não. As coisas que eles falam [das piadas da cor] eu nem ligo mais. Eles ficam falando do meu corpo porque eu sou muito magra. (Oficina 1)

Pesquisadora: - No caso da Júlia, ela é motivo de piada porque é considerada muito magra e no caso da Eliane é motivo de piada porque é considerada muito gorda. É isso?

Eliane: - É isso. [risos].

Júlia: - Sobre a minha pele, se tiver falado, como já falaram mesmo, eu não ligo, eu não importo mais. (Oficina 2).

Pesquisadora: - Fiquei confusa, já falaram? Falam coisas sobre sua cor da sua pele?

Júlia: - Sim, mas eu realmente não me importo. (Oficina 4).

Pesquisadora: - E você Paxina?

Paxina: - Como as meninas já falaram além da preguiça de acordar cedo, e não dar vontade de vir, pois tem piadas sobre a minha cor de pele e o fato de ser magra. Já quis até mudar de escola, mas eu sei que em qualquer escola que eu for vai acontecer a mesma coisa. (Oficina 3).

É possível constatar marcas deixadas nos corpos-território dessas adolescentes, ao vivenciarem opressões interseccionais que impactam suas subjetividades. Para Paxina, pode até “ser engraçado”, mas, no fundo, ela não gosta “dessas brincadeiras”. Destacamos a fala de Bia (título da seção) e colocamos em destaque a explicação que ela faz sobre a colega Flávia e o seu corte de cabelo. É o racismo recreativo que comparece no cotidiano escolar dessas adolescentes negras, criando e reafirmando estereótipos sobre a categoria “mulher negra”, afetando em alguma medida todas as dimensões das suas vidas, fazendo com que elas, em alguns momentos, não tenham vontade de ir à escola para não serem alvo dessas “piadas” e/ ou “brincadeiras”. Podemos destacar a fala da Júlia que “fica desanimada” de ir à escola todos os dias. A Paxina, que não tem vontade de ir à escola, “pois tem piadas sobre a minha cor de pele e o fato de ser magra”, que já quis até mudar de escola, mas “eu sei que em qualquer escola que eu for vai acontecer a mesma coisa”.

Provocando marcas nos corpos-território dessas adolescentes, o racismo recreativo se reafirma como mecanismo de manutenção e propagação da inferiorização de nossos traços negros, criando, assim, estereótipos raciais, revigorando uma suposta inferioridade de pessoas negras e dando sentidos culturais que reforçam privilégios da branquitude, referenciados em um ideal de padrão de beleza, com já denunciam feministas negras (GOMES, 2002GOMES, Nilma L. Corpo e cabelo como ícones de construção da beleza e da identidade negra nos salões étnicos de Belo Horizonte. 2002. Tese (Doutorado em Educação). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002. Disponível em: <Disponível em: https://repositorio.usp.br/item/001249681 >. Acesso em:13/03/2023.
https://repositorio.usp.br/item/00124968...
; PACHECO, 2008PACHECO, Ana Cláudia Lemos. “Branca para casar, mulata para f.... e negra para trabalhar”: escolhas afetivas e significados de solidão entre mulheres negras em Salvador, Bahia. 2023. 324f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) Universidade Estadual de Campinas, 2008. Disponível em: <Disponível em: https://doceru.com/doc/x8xx0xc >. Acesso em:13/03/2023.
https://doceru.com/doc/x8xx0xc...
; RIBEIRO, 2018RIBEIRO, Djamila. Quem tem medo do feminismo negro?São Paulo: Companhia das Letras, 2018.).

Os episódios narrados pelas adolescentes explicitam tramas interseccionais vivenciadas por elas, a partir da relação que estabelecem com o próprio corpo e o cabelo, fazendo com que elas mudem a forma de usar os cabelos, em uma tentativa de não serem alvo de “zoações e/ou brincadeiras” que depreciam seus traços negros.

Pesquisadora: - Meninas, está acabando o recreio e precisamos encerrar. Mas me falem rapidinho o que mais incomoda em relação ao racismo na escola?

Paxina: - Com certeza são nossas características.

Jaqueline: - O cabelo.

Luiza: - Vish. O cabelo, o nariz, a boca.

Paxina: - Esse povo é muito folgado com a gente. Esse jeito folgado de ser.

Jaqueline: - Vai apresentar alguma coisa na frente para você ver. Ficam rindo e zoando com a gente.

Paxina: - Até que meu nariz não é muito grande porque eu fiz cirurgia para tirar uma carne que tinha dentro, e eu acho que fecharam um pouco.

Flávia: - Me chamam de nariz de tomada.

Paxina: - Além da minha cor, eles incomodam mais com minha altura, porque eu sou magra e alta. (Oficina 3).

Luiza: - Eu também não gosto de cabelo cheio, passo sempre muito creme para ele ficar baixo. Igual antes eu vinha para a escola com o cabelo com pouco creme e aí os meninos ficavam me chamando de cabelo de vassoura, eu tinha cortado meu cabelo e ele subia muito. Ficava igual um capacete. (risos). Eu taco muito creme assim e de vez em quando eu vou ao salão para fazer progressiva na raiz para deixar baixo e não tira os cachos das pontas.

Jaqueline: - Eu faço isso também, mas o meu já não tem cachos mais, fica todo liso. Eu gosto do meu grudado na cabeça. (Oficina 5).

Em seu estudo sobre “Corpo e cabelo como ícones de construção da beleza e da identidade negra nos salões étnicos de Belo Horizonte”, a pesquisadora Nilma Lino Gomes afirma que “várias depoentes, ao reportarem-se ao corpo, relembraram momentos significativos da sua história de vida, dando um destaque especial à trajetória escolar” (GOMES, 2002GOMES, Nilma L. Corpo e cabelo como ícones de construção da beleza e da identidade negra nos salões étnicos de Belo Horizonte. 2002. Tese (Doutorado em Educação). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002. Disponível em: <Disponível em: https://repositorio.usp.br/item/001249681 >. Acesso em:13/03/2023.
https://repositorio.usp.br/item/00124968...
, p. 41) e, como relata a autora, essas lembranças eram doloridas. O que acompanhamos nos episódios, nas narrativas das adolescentes, duas décadas depois do estudo citado, é um ecoar das narrativas apresentadas por Gomes, que chama a atenção para os cuidados com a adolescência:

É nesse sentido que o olhar sobre a adolescência dos sujeitos negros se faz importante. A adolescência é um dos momentos fortes na construção da subjetividade negra. Alguns/mas depoentes, ao falarem sobre a sua relação com o cabelo, relembraram as experiências vividas nesse ciclo da vida e falaram de “desencontro”, de mal-estar e de desconforto em relação ao seu tipo físico, seu cabelo, sua pele e sua cor, vivida na adolescência (GOMES, 2002GOMES, Nilma L. Corpo e cabelo como ícones de construção da beleza e da identidade negra nos salões étnicos de Belo Horizonte. 2002. Tese (Doutorado em Educação). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002. Disponível em: <Disponível em: https://repositorio.usp.br/item/001249681 >. Acesso em:13/03/2023.
https://repositorio.usp.br/item/00124968...
, p. 47).

Os episódios narrados mostram a importância de análises interseccionais entre raça e gênero (BAIRROS, 1995BAIRROS, Luiza Helena. Nossos feminismos revisitados. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 3, n. 2, p. 458-463, 1995. Disponível em: <Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4130765/mod_resource/content/1/ Bairros%20%281995%29%20Nossos%20feminismos%20revisitados%40REF.pdf >. Acesso em:12/03/2023.
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.p...
; CRESCHAW, 2002; CARNEIRO, 2003CARNEIRO, Sueli. Enegrecer o feminismo: a situação da mulher negra na América Latina a partir de uma perspectiva de gênero. In: Ashoka Empreendimentos Sociais; Takano Cidadania (Org.). Racismos contemporâneos. Rio de Janeiro: Takano Editora, 2003, p. 2-11. Disponível em: < Disponível em: https://www.patriciamagno.com.br/wp-content/uploads/2021/04/CARNEIRO-2013-Enegrecer-o-feminismo.pdf >. Acesso em:12/03/2023.
https://www.patriciamagno.com.br/wp-cont...
, 2019CARNEIRO, Sueli. Enegrecer o feminismo: a situação da mulher negra na América Latina a partir de uma perspectiva de gênero. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de (Org.). Pensamento feminista: formação e contexto. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2019, p. 313-321. Disponível em: <Disponível em: https://www.mpba.mp.br/sites/default/files/biblioteca/direitos-humanos/direitos-das-mulheres/ob ras_digitalizadas/heloisa-buarque-de-hollanda-pensamento-feminista_-conceitos-fundamentais-bazar-do-tempo-_2019_.pdf >. Acesso em:12/03/2023.
https://www.mpba.mp.br/sites/default/fil...
; AKOTIRENE, 2019AKOTIRENE, Carla. O que é interseccionalidade? São Paulo: Pólem, 2019.; COLLINS, BILGE, 2021COLLINS, Patricia Hill. BILGE, Sirma Bilge. Intersecccionalidade. São Paulo: Boitempo, 2021.), pois as mulheres negras carregam em seus corpos-território a cor de uma pele e traços negros, que se veem confrontados em uma sociedade moldada pelo racismo estrutural pelos corpos de mulheres brancas. O que as adolescentes nos mostram em suas narrativas é o processo de desumanização que impregna seus corpos-território, como no episódio apresentado a seguir:

Pesquisadora: - Os apelidos têm a ver com racismo?

Paxina: - Tem.

Jaqueline: - Alguns têm.

Eliane: - É. A maioria tem sim.

[Risos]

Jaqueline: - Ô fessora, os meus apelidos, a maioria é sobre o meu nome. São carinhosos.

Luiza: - Mas quando te chamam de macaca, gorila, chimpanzé?

[Risos]

Paxina: - Eu já falei, o que o pessoal da minha sala mais me chama de frangão queimado, porque eu sou magra e preta. Eles malham mesmo.

[Risos] (Oficina 5).

Os relatos adolescentes provocam na pesquisadora que conduzia as oficinas, como mulher negra, a dor da discriminação e, como ativista, entende a seriedade do momento. Por isso, coloca em seu diário de campo: “Enquanto as estudantes riem eu permaneço séria olhando para elas”, na tentativa de desmistificar essa forma de humor que ali parecia naturalizada. Na sequência do episódio, as marcas da dor em seus corpos-território começam a se tornar mais explícitas:

Jaqueline: - A gente ri, mas quando chega em casa a gente fica olhando no espelho e perguntando será que eu sou isso mesmo?

Paxina: - A gente ri na hora, mas querendo ou não afeta.

Eliane: - A gente faz piada para esconder nossos sentimentos.

Luiza: - Quando a gente chega em casa e lembra...nossa!

Paxina: - A gente olha no espelho e fica se perguntando. Será que eu pareço uma macaca mesmo véi?

Eliane: - A gente fica se perguntando mesmo. (Oficina 5).

Os apelidos citados pelas adolescentes fazendo referência a animais são uma forma de desumanização da população negra e, em particular, das mulheres negras, marcando seus corpos-território. Nesse sentido, é importante não universalizarmos a categoria mulher para não invisibilizar os corpos-território nos quais se entrecruzam raça e gênero, e para problematizarmos a desumanização dos corpos das adolescentes negras.

Ribeiro (2018RIBEIRO, Djamila. Quem tem medo do feminismo negro?São Paulo: Companhia das Letras, 2018.), Almeida (2020ALMEIDA, Silvio Luiz de. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Ed. Letramento, 2020.) e Moreira (2020MOREIRA, Adilson. Racismo Recreativo. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2020.) denunciam práticas racistas nas quais as referências a animais são utilizadas intencionalmente para demarcar o distanciamento do povo negro da racionalidade humana, reforçando a superioridade da branquitude. “A comparação de negros a animais, fator que referenda a noção de que eles não estão aptos a participar da vida social da mesma forma que pessoas brancas por não serem propriamente seres humanos” (MOREIRA, 2020MOREIRA, Adilson. Racismo Recreativo. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2020., p. 134).

Ao trazermos visibilidade aos episódios de racismo recreativo vividos por elas, denunciamos os efeitos dos processos de desumanização em corpos jovens e suas marcas perversas - a ponto de chegarem em casa e se questionarem se de fato suas aparências se assemelham a de algum dos animais, atribuídas a elas como “brincadeira”.

Ribeiro (2018RIBEIRO, Djamila. Quem tem medo do feminismo negro?São Paulo: Companhia das Letras, 2018.) reafirma a importância de análises que entrecruzam raça e gênero e denuncia esse tipo de humor para adolescentes negras:

Por que se tem compreensão com quem está oprimindo e não com quem está sendo oprimido? A menina negra é que precisa entender que isso é ‘brincadeira’ ou quem faz a ‘brincadeira’ que deve perceber que aquilo é racismo? Até quando utilizarão o humor como desculpa para comentários racistas? Quem olhará pela menina negra que odiará seu cabelo por causa das piadas? (RIBEIRO, 2018RIBEIRO, Djamila. Quem tem medo do feminismo negro?São Paulo: Companhia das Letras, 2018., p. 31).

Feministas negras (CARNEIRO, 2003CARNEIRO, Sueli. Enegrecer o feminismo: a situação da mulher negra na América Latina a partir de uma perspectiva de gênero. In: Ashoka Empreendimentos Sociais; Takano Cidadania (Org.). Racismos contemporâneos. Rio de Janeiro: Takano Editora, 2003, p. 2-11. Disponível em: < Disponível em: https://www.patriciamagno.com.br/wp-content/uploads/2021/04/CARNEIRO-2013-Enegrecer-o-feminismo.pdf >. Acesso em:12/03/2023.
https://www.patriciamagno.com.br/wp-cont...
, 2019CARNEIRO, Sueli. Enegrecer o feminismo: a situação da mulher negra na América Latina a partir de uma perspectiva de gênero. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de (Org.). Pensamento feminista: formação e contexto. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2019, p. 313-321. Disponível em: <Disponível em: https://www.mpba.mp.br/sites/default/files/biblioteca/direitos-humanos/direitos-das-mulheres/ob ras_digitalizadas/heloisa-buarque-de-hollanda-pensamento-feminista_-conceitos-fundamentais-bazar-do-tempo-_2019_.pdf >. Acesso em:12/03/2023.
https://www.mpba.mp.br/sites/default/fil...
; GOMES, 2002GOMES, Nilma L. Corpo e cabelo como ícones de construção da beleza e da identidade negra nos salões étnicos de Belo Horizonte. 2002. Tese (Doutorado em Educação). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002. Disponível em: <Disponível em: https://repositorio.usp.br/item/001249681 >. Acesso em:13/03/2023.
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, 2003GOMES, Nilma L. Educação, identidade negra e formação de professores/as: um olhar sobre o corpo negro e o cabelo crespo. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 29, n.1, p. 167-182, jan./jun. 2003. Disponível em: <Disponível em: https://www.scielo.br/j/ep/a/sGzxY8WTnyQQQbwjG5nSQpK/?format=pdf⟨=pt >. Acesso em:13/03/2023.
https://www.scielo.br/j/ep/a/sGzxY8WTnyQ...
; RIBEIRO, 2018RIBEIRO, Djamila. Quem tem medo do feminismo negro?São Paulo: Companhia das Letras, 2018.; KILOMBA, 2019KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Tradução de Jess Oliveira. Rio de Janeiro: Editora Cobogó, 2019.) afirmam a importância de analisar as opressões de forma interseccional e denunciam que é negada a humanidade das pessoas negras em geral, e às mulheres negras em particular, e alertam sobre o processo conflituoso de construção da identidade negra. Destacamos, também, que o racismo recreativo em funcionamento oprime os corpos-território das adolescentes negras, como prática estratégica que permite a afirmação de uma suposta superioridade racial (MOREIRA, 2020MOREIRA, Adilson. Racismo Recreativo. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2020.), preservando uma imagem social positiva de um grupo social, em detrimento de outro, perpetuando desigualdades raciais como forma de manutenção de privilégios das pessoas brancas.

Moreira (2020MOREIRA, Adilson. Racismo Recreativo. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2020.) argumenta que o racismo recreativo, escondido em uma “categoria de humor”, visa retratar as características físicas e culturais da população negra e tratá-las como sinal de inferioridade moral. Tem como propósito afirmar que pessoas negras são inferiores e devem ocupar um lugar subalterno em nossa sociedade. Piadas e/ou brincadeiras racistas refletem o racismo estrutural, reforçando a ideia de subalternidade da população negra (MOREIRA, 2020MOREIRA, Adilson. Racismo Recreativo. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2020.).

Por isso, afirmamos que o racismo recreativo propaga e mantém o racismo estrutural, tendo em vista que o humor veicula valores socioculturais de uma determinada sociedade (MOREIRA, 2020MOREIRA, Adilson. Racismo Recreativo. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2020.). O autor destaca o uso político desse conceito para denunciar seu engendramento cultural, valendo-se do humor para expressar hostilidade sobre os grupos racializados, funcionando na perpetuação do racismo nas instituições que, por sua vez, continuam estruturando-o em nossa sociedade em efeito cíclico, como mostram os episódios relatados pelas adolescentes.

Para Almeida (2020ALMEIDA, Silvio Luiz de. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Ed. Letramento, 2020.), tanto as atitudes individuais como os processos institucionais, são decorrentes de uma sociedade em que o racismo é naturalizado - portanto, as brincadeiras ecoam como normais, e por isso, não são passíveis de questionamentos, recusas de quem as sofre, punições. Apoiando-nos em Moreira, (2020MOREIRA, Adilson. Racismo Recreativo. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2020.) podemos afirmar que o racismo recreativo é a forma com que pessoas e instituições, incluindo a escola, reproduzem o discurso de inferioridade da população negra.

Piadas que retratam a negritude como um conjunto de características esteticamente desagradáveis e como sinal de inferioridade moral não são os únicos temas do humor brasileiro referente aos negros. Há também aquelas que os retratam como animais ou criminosos. Esses são elementos recorrentes no repertório de humoristas brancos (MOREIRA, 2020MOREIRA, Adilson. Racismo Recreativo. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2020., p. 19).

Entendemos que a educação é, sobretudo, cultural, de modo que a relação ensino/aprendizagem se constrói no campo das representações e com lógicas distintas. Sabemos que negros e brancos são geneticamente iguais, mas a partir das experiências sociais, históricas e culturais, as diferenças foram construídas para hierarquizá-los. Nessas circunstâncias, tais diferenças são transformadas em relações de dominação e poder. É importante identificar, debater e problematizar as desigualdades entre adolescentes negras e brancas dentro da escola como ambiente de reprodução do racismo e sexismo (GOMES, 2005GOMES, Nilma L. Alguns termos e conceitos presentes no debate sobre relações raciais no Brasil: uma breve discussão. In: BRASIL. Ministério da Educação. Educação antirracista: caminhos abertos pela Lei Federal n. 10.639/03. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005. p. 39-62. Disponível em: <Disponível em: https://observatoriodeeducacao.institutounibanco.org.br/cedoc/detalhe/alguns-termos-e-conceitos-presentes-no-debate-sobre-relacoes-raciais-no-brasil-uma-breve-discussao,baf17c8d-1b72-46fc-a3b7-fdab0bf2a748 >. Acesso em:13/03/2023.
https://observatoriodeeducacao.instituto...
).

Gomes (2012GOMES, Nilma L. Movimento negro e educação: ressignifcando e politizando da raça. Educação e Sociedade, Campinas, v. 33, n. 120, p. 727-744, jul.-set. 2012. Disponível em: < Disponível em: https://www.scielo.br/j/es/a/wQQ8dbKRR3MNZDJKp5cfZ4M/?format=pdf⟨=pt >.Acesso em:13/03/2023.
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) apresenta, como uma das respostas às reivindicações do movimento negro, a obrigatoriedade do ensino de História da África e das Culturas Afro-Brasileiras nas escolas de educação básica. Essa obrigatoriedade determina mudanças de práticas e a descolonização dos currículos, demandando questionamentos sobre os lugares de poder e de privilégios enraizados em nossa cultura política e educacional (GOMES, 2012GOMES, Nilma L. Movimento negro e educação: ressignifcando e politizando da raça. Educação e Sociedade, Campinas, v. 33, n. 120, p. 727-744, jul.-set. 2012. Disponível em: < Disponível em: https://www.scielo.br/j/es/a/wQQ8dbKRR3MNZDJKp5cfZ4M/?format=pdf⟨=pt >.Acesso em:13/03/2023.
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).

Como fruto do movimento negro, a Lei 10.639/03 (BRASIL, 2003BRASIL. Lei Federal Nº 10.639, de 09 de janeiro de 2003. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira". 2003. Disponível em: <Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm >. Acesso em:08/07/2020.
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) propõe uma mudança estrutural para a construção de uma educação antirracista, provocando uma ruptura epistemológica, o que torna legítima a discussão sobre as questões raciais dentro do ambiente escolar e considera a existência de um “outro” como sujeito ‘com quem se fala e de quem se fala” (GOMES, 2012GOMES, Nilma L. Movimento negro e educação: ressignifcando e politizando da raça. Educação e Sociedade, Campinas, v. 33, n. 120, p. 727-744, jul.-set. 2012. Disponível em: < Disponível em: https://www.scielo.br/j/es/a/wQQ8dbKRR3MNZDJKp5cfZ4M/?format=pdf⟨=pt >.Acesso em:13/03/2023.
https://www.scielo.br/j/es/a/wQQ8dbKRR3M...
, p. 105). Isso é uma forma de reconhecimento de nossa igualdade como seres humanos e de nossas diferenças de raça, gênero e tantas outras (GOMES, 2012GOMES, Nilma L. Movimento negro e educação: ressignifcando e politizando da raça. Educação e Sociedade, Campinas, v. 33, n. 120, p. 727-744, jul.-set. 2012. Disponível em: < Disponível em: https://www.scielo.br/j/es/a/wQQ8dbKRR3MNZDJKp5cfZ4M/?format=pdf⟨=pt >.Acesso em:13/03/2023.
https://www.scielo.br/j/es/a/wQQ8dbKRR3M...
; KILOMBA, 2019KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Tradução de Jess Oliveira. Rio de Janeiro: Editora Cobogó, 2019.; RIBEIRO, 2019RIBEIRO, Djamila. Pequeno Manual Antirracista. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras , 2019.). As narrativas das adolescentes tornam explícitos os desafios para a escola no combate ao racismo recreativo, que provoca marcas dolorosas nos seus corpos-território e em outros corpos de adolescentes, jovens e mulheres negras (RIBEIRO, 2018RIBEIRO, Djamila. Pequeno Manual Antirracista. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras , 2019.).

Podemos afirmar que, no caso das adolescentes negras, na maioria das vezes, a “zoação” é um dos mecanismos do racismo e sexismo estrutural, naturalizado na escola sob o pretexto de que adolescentes fazem “zoação” entre si. Esse mecanismo gera distorções sobre suas características físicas e seus cabelos ou o não querer ir à escola para não serem motivo de “piadas “e “brincadeiras”.

Ressaltamos que estereótipos possuem uma dimensão política e são meios de legitimação de hierarquias sociais, e o racismo recreativo é utilizado como propagação de estereótipos. Os grupos dominantes reproduzem com a intenção de moldar a percepção da realidade social, a partir da perspectiva que os mantenha em seus status sociais privilegiados (RIBEIRO, 2018RIBEIRO, Djamila. Quem tem medo do feminismo negro?São Paulo: Companhia das Letras, 2018.; MOREIRA, 2020MOREIRA, Adilson. Racismo Recreativo. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2020.).

Para Moreira (2020MOREIRA, Adilson. Racismo Recreativo. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2020.), estereótipos estão vinculados aos estigmas. Por isso, afirmarmos que a população negra sofre desvantagens sistematizadas por ser estigmatizada, pois são os estigmas que constroem identidades sociais culturalmente despreciadas, e as narrativas mostram que a interseccionalidade raça e gênero apresenta disposições negativas naturalizadas e enraizadas em nossa sociedade. Posicionamentos racistas e as dinâmicas produzidas e reproduzidas dos diversos territórios que essas adolescentes negras transitam ecoam e interferem na forma que elas vivenciam o território escolar e lidam com as territorialidades de seus corpos. “O ato de lidar com o nosso corpo-território é fruto da educação empregada nas escolas, nos núcleos familiares, nos espaços de sociabilidades” (MIRANDA, 2017MIRANDA, Eduardo O. Experiências do corpo-território: possibilidades afrobrasileiras para a Geografia Cultural. Élisée, Rev. Geo. UEG - Porangatu, v.6, n.2, p. 116-128, jul./dez. 2017. Disponível em: <Disponível em: http://www.revista.ueg.br/index.php/elisee/article/view/6621/5096 >. Acesso em05/08/ 2022.
http://www.revista.ueg.br/index.php/elis...
, p. 122). Os relatos das adolescentes sobre autoestima, distorções sobre suas características físicas e seus cabelos, o não querer ir à escola para não ser motivo de “piadas” e “brincadeiras”, reafirmam a importância de pautar o racismo recreativo na escola. Essas adolescentes carregam nos corpos-território territorialidades de uma cidadania cindida e provocam o campo da educação a um olhar atento para o racismo institucional:

A defesa do território e a constituição de territorialidades negras implicam a defesa de outros modos de ver, de ser e de se relacionar consigo mesmo (autoaceitação e autoafirmação) e com os “Outros”, humanos e não humanos, desestabilizando as relações dicotômicas e hierárquicas fundantes da colonialidade/modernidade entre branco/negro, homem/mulher, sociedade/natureza, público/privado, entre tantas outras (MANZI; DOS ANJOS, 2021MANZI, Maya; DOS ANJOS, Maria Edna dos Santos Coroa. O corpo, a casa e a cidade: territorialidades de mulheres negras no Brasil. Rev. Brás. Estud. Urbanos Reg., São Paulo, v. 23, p. 1-29, 2021. Disponível em<Disponível emhttp://old.scielo.br/pdf/rbeur/v23/2317-1529-rbeur-23-e202132.pdf >. Acesso em:04/06/2022.
http://old.scielo.br/pdf/rbeur/v23/2317-...
, p. 20).

As marcas nos corpos-território dessas adolescentes denunciam silenciamentos e nos convocam a posicionamentos frente à inferiorização física e moral da população negra, que engendram exclusões e a naturalização do racismo, entre outros mecanismos, os disfarçados de humor, mas que precisam ser nomeados como Moreira o faz: estamos diante de um tipo de racismo - racismo recreativo.

CONCLUSÕES

No material empírico que compõe este artigo, comparecem as deturpações sobre traços negros, reafirmados cotidianamente por “brincadeiras”, “piadas” e/ou apelidos tidos como jocosos, e os tensionamentos causados por essas distorções nas vidas das adolescentes. Elas trazem narrativas de baixa autoestima, sofrimentos, entre outras consequências, das opressões interseccionais operacionalizadas pelo racismo recreativo.

Eu, primeira autora, saliento que os episódios narrados me causam comoção, remetendo ao meu período escolar, assim como na terceira autora; somos mulheres negras cuja escuta atenta desses episódios nos projetam também a nossas vivências escolares. A segunda autora, não negra, também se sente comovida e indignada frente aos episódios narrados.

Entre o período que a primeira e a terceira autora estiveram na educação básica, temos avanços no que diz respeito a marcos legais para promoção da igualdade racial. Destacamos a Lei 10.639/03, que trata sobre a obrigatoriedade da temática de História e Cultura Afro-Brasileira, e a Lei Nº 12.288BRASIL. Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010. Estatuto da Igualdade Racial. Brasília, 2010. Disponível em: <Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12288.htm >. Acesso em:12/03/2023.
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/10, que institui o Estatuto da Igualdade Racial, destinado a garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades.

Embora as leis representem uma nova perspectiva de combate ao racismo, as adolescentes negras participantes da pesquisa no ano de 2022 continuam vivenciando opressões similares às vivenciadas pela primeira e a terceira autora deste artigo, e também vivências por pesquisadoras como Djamila Ribeiro (2018RIBEIRO, Djamila. Quem tem medo do feminismo negro?São Paulo: Companhia das Letras, 2018.) e Grada Kilomba (2019KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Tradução de Jess Oliveira. Rio de Janeiro: Editora Cobogó, 2019.). A persistência temporal desse tipo de racismo é provocadora de indagações que direcionamos à escola para que possamos refletir sobre o que efetivamente mudou nas instituições no combate ao racismo, e por que práticas racistas ainda prevalecem.

As adolescentes denunciam os silenciamentos da escola frente a esse tipo de “humor”, tensionando a sua naturalização e nos provocam, como educadores/a, a nos posicionarmos contra esses silenciamentos. Com efeito, a escola silencia gênero, silencia raça e silencia fortemente raça e gênero, operando na sobreposição de opressões. Para elas, a escola se apresenta como um território hostil e levam desse território para as suas casas, as dores e os questionamentos sobre suas próprias humanidades.

Nos unimos às vozes dessas adolescentes para denunciar esse tipo de racismo, seus enraizamentos políticos e culturais, e que se vale do humor para veicular hostilidade racial e inferiorização física e moral de pessoas negras. As adolescentes negras são confrontadas pela legitimidade dada pelas instituições, nesse caso, a escolar, entendendo o racismo recreativo apenas intenção “brincadeira”, ou seja, um ato cômico e sem hostilidade. Para finalizar, destacamos a resistência de movimentos sociais, de ativistas e/ou de pesquisadores/as negros/as, particularmente de mulheres negras, cujas vozes e esforços denunciam as opressões interseccionais de raça/gênero e o racismo recreativo.

REFERÊNCIAS

  • AKOTIRENE, Carla. O que é interseccionalidade? São Paulo: Pólem, 2019.
  • ALMEIDA, Silvio Luiz de. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Ed. Letramento, 2020.
  • BAIRROS, Luiza Helena. Nossos feminismos revisitados. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 3, n. 2, p. 458-463, 1995. Disponível em: <Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4130765/mod_resource/content/1/ Bairros%20%281995%29%20Nossos%20feminismos%20revisitados%40REF.pdf >. Acesso em:12/03/2023.
    » https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4130765/mod_resource/content/1/ Bairros%20%281995%29%20Nossos%20feminismos%20revisitados%40REF.pdf
  • BRASIL. Lei Federal Nº 10.639, de 09 de janeiro de 2003 Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira". 2003. Disponível em: <Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm >. Acesso em:08/07/2020.
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    » htt://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs0705200007.htm
  • 1
    Artigo publicado com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq/Brasil para os serviços de edição, diagramação e conversão de XML.
  • 2
    Sobre o movimento negro, a autora esclarece: “Ao falar em Movimento Negro não me refiro a uma entidade específica, mas às ações organizadas empreendidas por mulheres e homens negros na luta contra o racismo e pela afirmação das identidades negras.” (GOMES, 2018, p.115).
  • 3
    Conferir: <https://www.geledes.org.br/bonecas-abayomi-simbolo-de-resistencia-tradicao-e-poder-feminino/>. Acesso em: 30 jan. 2023.
  • 4
    Oficinas com duração aproximada de 60 minutos, realizadas em uma sala reservada na escola. Exceto a primeira oficina, as demais foram gravadas com a devida anuência das participantes e seus responsáveis, garantidas as condições de privacidade e sigilo. Pesquisa aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa. CAAE:58225222.6.0000.5157
  • 5
    Os nomes das participantes da pesquisa são fictícios, escolhidos pelas próprias adolescentes e fazem referência à mãe falecida, irmã, a gostos pessoais e a desenhos animados.
  • 6
    Big Chop ou Grande Corte traduzido do inglês: “se refere ao corte que elimina de vez as partes com química dos cabelos. As mulheres usam a palavra ‘livre’ para expressar algumas relações que se criam a partir do momento que se decide terminar a transição e se desfazer das pontas dos cabelos que ainda possuem os resquícios da química.” (DE PAULA, 2017DE PAULA, Bianca Assis Oliveira. Diálogos entre raça, gênero e linguagem: a declaração da negritude de mulheres em grupos online brasileiros sobre transição capilar. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL FAZENDO GÊNERO, 11 & 13TH, 2017 WOMEN’S WORLDS CONGRESS, 2017, Florianópolis, Brasil. Anais Eletrônicos. Florianópolis, Brasil: Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). v. 11, p. 3-9. 2017. Disponível em: <Disponível em: http://www.wwc2017.eventos.dype.com.br/resources/anais/14 99270115_ARQUIVO_TrabalhoCompleto-FazendoGenero2017.pdf >. Acesso em:12/03/2023.
    http://www.wwc2017.eventos.dype.com.br/r...
    , p.8)
  • FINANCIAMENTO - FAPEMIG, CAPES, UNIVALE.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

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