Open-access AVANÇOS E DESAFIOS NA IMPLEMENTAÇÃO DA EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA NO BRASIL1

AVANCES Y DESAFÍOS EN LA IMPLEMENTACIÓN DE EDUCACIÓN ANTIRACISTA EN BRASIL

RESUMO:

Considerando o contexto de celebração dos 20 anos da Lei 10.639/2003 e dos 15 anos da Lei 11.645/2008, o presente artigo oferece uma análise sobre os avanços e os desafios que perpassam a implementação da Educação Antirracista no Brasil. Na primeira seção, buscamos posicionar o racismo como um fenômeno complexo, de caráter estrutural e multidimensional, cuja abordagem no contexto escolar exige professoras/es municiadas/os com aportes teóricos e metodológicos específicos e letramento racial. Na segunda seção, examinamos publicações recentes que mapearam as principais dificuldades para a implementação da educação antirracista nas escolas e que sinalizam uma importante lacuna relativa à questão racial no campo da formação docente. Na terceira seção, focalizando a perspectiva de futuras/os professoras/es, analisamos a percepção de estudantes da graduação da Universidade de Brasília acerca da disciplina Educação das Relações Étnico-Raciais como componente curricular na formação inicial de professoras/es. O exame triangulado dessas três dimensões analíticas aponta para uma relação de mútuo reforço entre as lacunas na formação inicial de professoras/es e as dificuldades para o ensino das histórias e culturas africanas, afro-brasileiras e indígenas na educação básica. A ausência e/ou oferta irregular e não obrigatória de componentes curriculares voltados para a capacitação de futuras/os professoras/es aparece como um entrave para abordagens qualificadas sobre a diversidade cultural brasileira, visando à refundação, sob bases antirracistas, de nossas relações étnico-raciais.

Palavras-chave:
relações étnico-raciais; racismo; educação antirracista; formação docente

ABSTRACT:

Considering the context of the 20th anniversary of Act 10.639/2003 and 15th of Act 11.645/2008, the present article analyzes the advances and challenges in the implementation of Anti-racist Education in Brazil. In the first section, we discuss racism as a complex structural and multidimensional phenomenon, whose approach in the educational context requires teachers equipped with specific theoretical and methodological tools, as well as racial literacy. The second section examines recent publications that have mapped the main difficulties in implementing anti-racist education at schools, whilst pointing to an important gap regarding racial issues in teacher education. In the third section, focusing on the perspective of future teachers, we zoom in on the perception of undergraduate students at the University of Brasília regarding the subject ‘Education of ethnoracial Relations’ as a curricular component in basic teacher training. The triangulated examination of these three analytical dimensions points to a mutually reinforcing relationship between shortcomings in basic teacher training and the difficulties in teaching African, Afro-Brazilian and indigenous histories and cultures in elementary education. The absence and/or irregular or non-mandatory provision of curricular components aimed at training future teachers remains an obstacle to implementing anti-racist approaches to Brazilian cultural diversity in the country’s education system.

RESUMEN:

Considerando el contexto de celebración de los 20 años de la Ley 10.639/2003 y los 15 años de la Ley 11.645/2008, este artículo ofrece un análisis de los avances y desafíos que permean la implementación de la Educación Antirracista en Brasil. En el primer apartado, buscamos posicionar el racismo como un fenómeno complejo, de carácter estructural y multidimensional, cuyo abordaje en el contexto escolar requiere docentes dotados de aportes teóricos y metodológicos específicos y de alfabetización racial. En la segunda sección, examinamos publicaciones recientes que mapean las principales dificultades para implementar la educación antirracista en las escuelas y que señalan una brecha importante en materia de cuestiones raciales en el campo de la formación docente. En la tercera sección, centrándonos en la perspectiva de los futuros docentes, analizamos la percepción de los estudiantes de pregrado de la Universidad de Brasilia sobre la asignatura Educación en Relaciones Étnico-Raciales como componente curricular en la formación inicial de docentes. El examen triangulado de estas tres dimensiones analíticas apunta a una relación que se refuerza mutuamente entre las brechas en la formación inicial de los docentes y las dificultades para enseñar historias y culturas africanas, afrobrasileñas e indígenas en la educación básica. La ausencia y/o la provisión irregular y no obligatoria de componentes curriculares destinados a la formación de futuros docentes aparece como un obstáculo para abordajes cualificados de la diversidad cultural brasileña, encaminados a refundar, sobre bases antirracistas, nuestras relaciones étnico-racistas.

Palabras clave:
relaciones étnico-raciales; racismo; educación antirracista; formación docente

INTRODUÇÃO

A Constituição Cidadã de 1988 reconheceu o Brasil como um país pluriétnico e multicultural, e assegurou aos diversos grupos que participaram do processo civilizatório nacional o reconhecimento e a valorização de suas culturas e o direito à diferença. Mas foi somente no início do século XXI, com a promulgação das Leis 10.639, de 9 de janeiro de 2003, 11.645, de 10 de março de 2008, e 12.796, de 4 de abril de 2013, que a consideração da diversidade étnico-racial ganhou status de princípio educativo. Essas leis alteraram a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB - Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996) determinando a obrigatoriedade do ensino das histórias e culturas africanas, afro-brasileiras e indígenas na Educação Básica e a inclusão do referido princípio educativo de consideração da diversidade. Representam, por isso, um marco da luta antirracista na e pela educação.

A aprovação desse arcabouço legal - e de outras conquistas, como as ações afirmativas nas universidades - é fruto das lutas históricas por direitos e expressa uma mudança de percepção da sociedade e do Estado acerca da dimensão racial das desigualdades sociais. Tal mudança passa pelo reconhecimento do caráter pedagógico que os movimentos sociais têm exercido, em especial a partir dos anos 1980, enquanto agentes educadores da sociedade responsáveis por exigir e fomentar um amplo letramento racial e o desenvolvimento de uma consciência coletiva acerca da dimensão estrutural do racismo (Almeida, S., 2018). No bojo da luta por essa tomada de consciência, ainda em processo, deram-se as mobilizações sociais que, nos últimos 20 anos, tornaram possível a construção de dispositivos legais e políticas públicas visando ao enfrentamento direto do racismo e de seus efeitos deletérios na experiência de grupos racializados (Nilma, 2011; 2017; Munduruku, 2012).

Por outro lado, em que pese a importância e os avanços que essas conquistas representam, pesquisas recentes têm demonstrado que a efetivação dos marcos legais nas escolas ainda enfrenta muitas barreiras e desafios. As conquistas formais, as leis, ainda não se traduziram em uma consistente cultura escolar antirracista. Entre as principais dificuldades para isso estão: a baixa adesão das secretarias municipais de educação aos esforços da educação antirracista, o que se observa pela desconsideração dos parâmetros legais nos planos municipais de educação e nos projetos políticos das escolas; a falta de recursos financeiros e didáticos; a ausência de profissionais qualificadas/os designadas/os para a implementação das leis; e a predominância de velhas práticas pedagógicas direcionadas à diversidade cultural, de caráter esporádico, inconsistentes teoricamente, acríticas e restritas a datas comemorativas (Benedito; Carneiro; Portella, 2023).

Neste artigo, abordamos um desses desafios práticos à implementação da educação antirracista: a formação docente. Além de refletir teoricamente sobre a imbricação entre racismo, antirracismo e educação, buscamos contribuir para o trabalho empírico de dimensionar: (1) a importância que tem uma formação docente adequada na efetivação da educação antirracista; e (2) as dificuldades encontradas dentro das instituições superiores de ensino para promover tal formação.

Na primeira seção, analisamos o racismo como um fenômeno estrutural e multidimensional, sinalizando a importância do letramento racial das/os professoras/es e de uma formação (inicial e continuada) que as/os municie teórica e metodologicamente para o enfrentamento do racismo no espaço escolar, bem como para a abordagem qualificada e positiva das referências históricas e culturais africanas, afro-brasileiras e indígenas. Na segunda seção, examinamos publicações recentes que fazem um balanço dos 20 anos da Lei 10.639/2003 e dos 15 anos da Lei 11.645/2008, buscando identificar nelas as barreiras à implementação desse arcabouço legal nas escolas, em particular quanto à formação docente. Na terceira seção, focalizamos o tema da formação docente desde a perspectiva de estudantes da graduação da Universidade de Brasília, destacando suas percepções sobre a disciplina Educação das Relações Étnico-Raciais (ERER) como componente curricular na formação inicial de futuras/os professoras/es.

O RACISMO COMO VIOLÊNCIA FUNDACIONAL, ESTRUTURAL E MULTIDIMENSIONAL: UMA ABORDAGEM DECOLONIAL

A história do racismo no Brasil é a complexa história da colonização, do esbulho, da escravidão e de suas permanências, que tem desumanizado os povos africanos e indígenas, alienando-os de seus territórios, histórias e culturas. Visando aprofundar esse entendimento, sintetizamos amplas discussões científicas que vêm sendo travadas sobre o racismo contemporaneamente. Destacamos a chamada perspectiva decolonial, que aborda o racismo como colonialidade do poder/ser/saber, evidenciando o relevante papel da educação e do conhecimento como instrumentos de reprodução ou de combate ao racismo.

Nosso objetivo nesta seção é, sobretudo, enfatizar a complexidade do fenômeno do racismo e, portanto, destacar a necessidade de uma formação e de um engajamento social consistentes para profissionais encarregadas/os de lidar com relações raciais, racismo e a diversidade cultural nas escolas. Entendemos que, sem um treinamento sociológico e pedagógico a respeito da complexa natureza do racismo, não podemos avançar na consolidação de uma cultura antirracista nas escolas. Ao contrário, corremos o risco de reforçar práticas e representações racistas, pois a consolidação dessa cultura passa por tarefas profissionais complexas e por desafios psicológicos exigentes, tais como: (1) a autocrítica das/os profissionais da educação a partir da tomada de consciência acerca de como o racismo tende a guiar nossas ações sem que sequer nos demos conta disso; (2) o enfrentamento e a discussão de diversas maneiras e instâncias de manifestação do racismo nas escolas e fora delas; (3) o reconhecimento e ensino positivo de culturas, saberes e histórias que o racismo buscou excluir das escolas, do campo do saber e da própria sociedade, como é o caso, no Brasil, do universo histórico e cultural africano, afro-brasileiro e indígena.

A noção de colonialidade formulada por Quijano (2005) corresponde a um dispositivo de poder que emergiu do/no processo da Conquista das Américas e em cuja essência está o racismo. A partir de um imaginário racialista que já existia na Europa medieval e que vai ganhando crescente importância na organização e justificação do domínio prático sobre tais territórios desconhecidos, estabelece-se, no pensamento Ocidental, uma divisão ontológica do mundo entre zonas de maior ou menor humanidade. Essa divisão se aloja na mentalidade dos colonizadores e nos escritos da sua intelectualidade como dado natural, comprovado, a princípio, a partir da teologia, depois a partir da ciência, nos campos da biologia e da antropologia. Nele, a Europa Ocidental, lócus do colonizador, é identificada como centro ou ápice evolutivo da humanidade, enquanto os povos e territórios conquistados são classificados como seres e espaços menos humanos ou, simplesmente, não humanos. No século XIX, o conceito científico de raça emergirá como racionalizador dessa hierarquia, a partir do qual o sujeito colonizador conferirá a si mesmo o direito e dever de classificar os diferentes povos em raças superiores ou inferiores de seres humanos, de estudar suas diferenças e de elaborar as estratégias mais adequadas à sua interação.

O racismo torna-se, desse modo, constitutivo dos fundamentos da filosofia, do direito e dos valores morais e culturais difundidos pelas revoluções burguesas e conquistas coloniais. A filosofia humanista, base do princípio fundamental de igualdade e liberdade do constitucionalismo moderno, nunca se estendeu plenamente para povos não europeus, tampouco foi projetada para isso (Mbembe, 2013; Gilroy, 2001, p. 101-156; Andrade, 2017). Para citar um exemplo especialmente ilustrativo, o ministro e educador francês Jules Ferry, no contexto do loteamento da África e da Ásia pelos impérios coloniais, em 1885, clamava: “é preciso dizer abertamente que as raças superiores têm um direito sobre as raças inferiores”, a Declaração dos Direitos do Homem “não foi escrita para os negros da África equatorial [...]. Eu repito que as raças superiores têm um direito porque há um dever para elas. O dever de civilizar as raças inferiores” (Mbembe, 2013, p. 116).

Essa hierarquia racial fundamentou, juridicamente, o uso (escravidão) e a eliminação (genocídio) de pessoas não brancas durante as empresas coloniais do século XVI ao século XX, assim como a tomada de seus territórios. Desde que não humanos, ou semi-humanos, atrasados, bárbaros, sobre os seres dominados não incidia plenamente os direitos à vida, à liberdade e à propriedade, de modo que quem lhes tirasse a vida, a liberdade ou o território não cometeria crime e não poderia por isso ser punido. Regra legal/teológica que estimulava práticas cotidianas, que, por sua vez, se traduziam nas próprias regras.

Esse modo de interpretar as diferenças entre os povos fundamentou o modelo civilizatório que emergiu da/na conquista em todas as suas dimensões, entre as quais as dimensões epistêmica e psicológica. Ele articula, sob o mesmo sistema “liberal” de organização social e produção de conhecimento, princípios contraditórios como dominação/escravidão/colonização e liberdade/emancipação-humana/igualdade. Pela mesma lógica, o valor da ciência e do conhecimento desenvolvido pela Europa colonizadora convive com - e justifica - o apagamento das histórias, dos conhecimentos, culturas e elaborações mentais de todos aqueles que são identificados como o outro colonial (pretos, indígenas, periféricos). Na mentalidade colonial, projeta-se o eu imperial (os europeus, ocidentais, brancos) como único produtor e detentor de direitos, história, cultura e conhecimento. Raça, portanto, é a noção por meio da qual o colonizador inventou a si mesmo (o homem branco, cristão, cis, heterossexual) como modelo de progresso histórico e normalidade humana, e os africanos e ameríndios, doravante confinados nas categorias homogeneizadoras de índio, negro e mestiço, como povos inferiores (Reis da Silva, 2022).

Entre os séculos XIX e XX, um processo importante da modernidade/colonialidade se consolida: a incorporação do racismo também dentro do ordenamento jurídico e social das unidades nacionais formalmente independentes. O fim da escravidão e os processos de descolonização, em que pese sua importância emancipatória, também são aqueles em que racismo colonial passa a “regular a distribuição da morte [física, cultural e epistêmica] e tornar possíveis as funções assassinas do[s] Estado[s]” dentro de cada nação em particular (Mbembe, 2018, p. 18). Os grupos dominantes das ex-colônias, historicamente vinculados aos interesses econômicos/políticos e à episteme metropolitana, reorganizam, sob o princípio da soberania nacional, velhos aparatos racistas de controle, conhecimento e violência. A gestão da vida e da morte nos impérios coloniais transfigura-se em gestão da “saúde” racial e social no interior das nações, o que se fará por meio de barreiras econômicas, simbólicas e legais e de práticas cotidianas de discriminação, controle e violência - institucionalizadas em escolas, universidades, detenções e outros aparelhos de Estado, e validadas enquanto costume no tecido social.

São instâncias desse processo os linchamentos raciais no sul dos EUA e no Brasil, no início do século XX, além de outras formas seculares de violência com as quais estamos familiarizados no presente: a violência policial contra a população negra, pobre e indígena, a discriminação de práticas culturais e religiosas de matrizes africanas e indígenas, o apagamento dos conhecimentos não ocidentais e o silenciamento da discussão sobre racismo das escolas e universidades (Butler, 2014; Monsma, 2016; D’Ávila, 2003; Quijano, 2005). A recente reação dos conservadores nos Estados Unidos contra o ensino de critical race theory e as iniciativas brasileiras por “escola sem partido” são apenas os exemplos mais grotescos de como a colonialidade - enquanto conjunto estruturado de práticas e representações que asseguram a permanência da violência colonial - e o racismo - enquanto essência da colonialidade - se manifestam no campo da educação e do conhecimento no século XXI.

A colonialidade, portanto, não diz respeito apenas à violência da Conquista, mas corresponde ao padrão de poder global que emergiu deste gesto, que se manteve vigente após o fim do colonialismo e que é operante no mundo contemporâneo (Restrepo; Rojas, 2010). Para a perspectiva decolonial, compreender como essa estrutura de poder de longa duração incide sobre as experiências históricas, subjetivas e epistêmicas dos povos marcados pela ferida colonial é a chave para elucidar o racismo, não só em sua face física/material, mas também em sua face cultural e mental. Isto é, além dos corpos e territórios, o racismo também atinge e molda mentes e imaginários coletivos. A isso se refere Maldonado-Torres ao teorizar sobre a negação ontológica colonial: “Outros não pensam, logo não são. Não pensar se converte em um sinal de não ser na modernidade” (Maldonado-Torres, 2007, p. 145, tradução nossa).

Daí a necessidade, no bojo de uma práxis (pensamento-ação) antirracista, de analisar criticamente a prevalência das referências e elaborações mentais norte-eurocentradas nas sociedades latino-americanas, em particular nas nossas escolas e universidades, e os modos pelos quais essa prevalência opera como fator de exclusão e inferiorização das produções dos povos indígenas, afrocentrados e periféricos. As interpretações acerca da manifestação do racismo na realidade brasileira corroboram a prevalência dessa dupla racialização - não-ser e não-saber - como forma de desumanizar os corpos e esvaziar a agencialidade de pessoas pretas, pardas e indígenas.

Segundo Munanga (2003, p. 8), o racismo se manifesta como uma “crença na existência das raças naturalmente hierarquizadas pela relação intrínseca entre o físico e o moral, o físico e o intelecto, o físico e o cultural”. A associação naturalizada entre traços físicos, disposições morais e capacidades mentais corresponde, com efeito, à manifestação do racismo como ideologia (imaginário) e como fenômeno social.

Insisto sobre o fato de que o racismo nasce quando faz-se intervir caracteres biológicos como justificativa de tal ou tal comportamento. É justamente, o estabelecimento da relação intrínseca entre caracteres biológicos e qualidades morais, psicológicas, intelectuais e culturais que desemboca na hierarquização das chamadas raças em superiores e inferiores (Munanga, 2003, p. 9).

Abdias Nascimento (2016), nos anos 1970, já chamava atenção para o singular cruzamento das dimensões física, cultural e psicológica do racismo brasileiro. Entre nós, o racismo está diluído em toda a estrutura da sociedade, na economia, na política, nos espaços sociais e na cultura. No entanto, ele é negado e mascarado pelos brasileiros e pela história oficial do país. O branco brasileiro é retratado nessa história como amigo bondoso do negro, e a cultura brasileira aparece como fruto de misturas raciais e culturais. Ao mesmo tempo, é um ideal de brancura que informa a representação dessa cultura e dessa história. O branco ocupa nelas o centro, seja como branco “puro”, seja como matriz na qual se acoplam, como contribuições periféricas, as produções e ações de indígenas e africanos. Estes sofrem, assim, um processo de apagamento através da assimilação, aculturação e da miscigenação, processos que Abdias Nascimento entende como parte do “genocídio” negro e indígena no Brasil.

Silvio Almeida (2018) apontou essa particularidade brasileira (que hoje já se vai exportando para os Estados Unidos) ao sintetizar o que se entende no presente como racismo estrutural: o racismo no Brasil está presente na estrutura social, naturalizado e normalizado na sociedade, em seus costumes, sua cultura, na psique de suas/seus habitantes, mas é sistematicamente negado, identificado como uma anomalia, um desvio à regra. A análise histórica de Petrônio Domingues (2005) vai nessa mesma direção.

Campos (2017) destaca três dimensões do racismo, que são geralmente abordadas separadamente por estudos sociológicos: racismo como imaginário/ideologia que postula a inferioridade natural de grupos humanos de origem e características específicas; como prática, um conjunto de atitudes e gestos irrefletidos que reproduzem discriminação racial; como estrutura de poder que intrinsecamente reproduz hierarquias e exclusões na própria dinâmica e no funcionamento das instituições. O autor defende que um exame complexo do fenômeno do racismo exige uma abordagem tridimensional, observando-se como essas dimensões se articulam, se manifestam e se reforçam mutuamente. É justamente esse exame que tem sido feito pela teoria decolonial, pela sociologia e historiografia antirracistas que temos acionado nesta seção.

A compreensão do racismo como fenômeno sociológico que se manifesta de distintas formas, assumindo diferentes dinâmicas, é o que nos permite identificá-lo como prática explícita de discriminação e, ao mesmo tempo, como discriminação de ordem subjetiva, que nega a existência ontológica de determinados sujeitos e/ou, ainda, que naturaliza a segregação e a condenação a situações degradantes de trabalho e de existência (Guimarães, 1999).

Nos estudos em Educação, Sueli Carneiro (2005) também destaca a multidimensionalidade do racismo. Ela nos lembra que o racismo epistêmico e o epistemicídio dizem respeito a dimensões profundas, nem sempre declaradas e perceptíveis, de outremização, de negação absoluta da humanidade e da agencialidade dos povos afro-brasileiros e indígenas. A autora também analisa as formas pelas quais esse racismo é produzido e engendrado por meio da exclusão institucional e pela prevalência da perspectiva eurocêntrica e monocultural de conhecimento que determina quais saberes são válidos e quais sujeitos são considerados seus legítimos produtores:

o epistemicídio é, para além da anulação e desqualificação do conhecimento dos povos subjugados, um processo persistente de produção da indigência cultural: pela negação ao acesso a educação, sobretudo de qualidade; pela produção da inferiorização intelectual; pelos diferentes mecanismos de deslegitimação do negro como portador e produtor de conhecimento e de rebaixamento da capacidade cognitiva pela carência material e/ou pelo comprometimento da auto-estima pelos processos de discriminação correntes no processo educativo. Isto porque não é possível desqualificar as formas de conhecimento dos povos dominados sem desqualificá-los também, individual e coletivamente, como sujeitos cognoscentes. E, ao fazê-lo, destitui-lhe a razão, a condição para alcançar o conhecimento “legítimo” ou legitimado. Por isso o epistemicídio fere de morte a racionalidade do subjugado ou a seqüestra, mutila a capacidade de aprender etc. (Carneiro, 2005, p. 97).

Como a autora demonstra, as escolas e as universidades têm tido um papel preponderante na reprodução da cultura, dos valores e dos conhecimentos europeus, e, ao mesmo tempo, na propagação de uma visão estereotipada e racista das histórias, dos saberes e das referências culturais dos povos africanos, afro-brasileiros e indígenas. A mesma perspectiva que forjou uma história unilinear e universal do progresso humano a partir da Europa segue sendo hegemônica nos espaços oficiais de produção, validação e circulação do conhecimento.

Em outra direção, a vigorosa noção de ecologia decolonial, formulada por Malcom Ferdinand (2022), nos permite observar como o racismo e o racismo epistêmico estão profundamente imbricados com o racismo ambiental, isto é, com a desterritorialização e com a degradação das condições de vida dos povos colonizados:

A escravização de homens e mulheres, a exploração na natureza, a conquista das terras e dos povos autóctones, por um lado, e os desmatamentos, a exploração dos recursos minerais e dos solos, por outro, não foram duas realidades distintas, e sim constituem elementos de um mesmo projeto colonial. A colonização das Américas é apenas o outro nome da imposição de uma maneira singular, violenta e destruidora de habitar a terra (Ferdinand, 2022, p. 56).

Achille Mbembe (2019, p. 3-4) também reconhece “[...] um explícito parentesco entre a escravidão moderna, a predação colonial e as formas contemporâneas de apropriação e extração de recursos”. Desde a experiência dos povos indígenas, quilombolas, afro-indígenas e campesinos tradicionais, a colonialidade do poder assume a forma de neoextrativismos que levam ao extremo a objetificação e a exploração da natureza. Essa lógica engendra conflitos ontológicos, já que as cosmovisões dos povos autóctones e suas ontologias relacionais são dramaticamente opostas ao dualismo ocidental cultura/natureza. Os povos autóctones, ao contrário, reconhecem a natureza como agentes, sujeitos não humanos com os quais coexistem e produzem o mundo (Escobar, 2014; Almeida, M., 2013).

As múltiplas abordagens que passamos em revista nos permitem afirmar, uma vez mais, a complexidade, profundidade e multidimensionalidade do racismo. Fica claro, diante delas, que um projeto de educação antirracista será inefetivo se as/os profissionais envolvidas/os não tiverem uma compreensão suficiente das dinâmicas desse fenômeno, isto é, das formas pelas quais o racismo - na dimensão física, social, psicológica, ideológica, epistêmica, histórica, ambiental - engendra desterritorializações, injustiças ecológicas, desigualdades sociais, extermínios e epistemicídios (Munanga, 2003; Krenak, 1999; Lima; Reis da Silva, 2022).

Ao mesmo tempo, as autoras e os autores às/aos quais recorremos deixam evidente que não haverá combate efetivo do racismo sem educação. Gomes e Munanga, em especial, nos lembram que a educação é caminho fundamental para a desconstrução de mitos e para a transformação social e cultural:

[...] a Educação é capaz de dar tanto aos jovens quanto aos adultos a possibilidade de questionar e de desconstruir os mitos de superioridade e de inferioridade entre grupos humanos que foram socializados [...] a transformação de nossas cabeças de professores é uma tarefa preliminar importantíssima. Essa transformação fará de nós os verdadeiros educadores, capazes de contribuir no processo de construção de individualidades históricas e culturais das populações que formam a matriz plural do povo e da sociedade brasileira (Gomes; Munanga, 2006, p. 13).

Daí porque a formação inicial e continuada das/os professoras/es no tema das relações étnico-raciais é estratégica para a educação antirracista e porque a ausência dessa formação tende a ser um dos maiores desafios a tal projeto educativo. Não por acaso, pesquisas sobre a implementação das Leis 10.639/2003 e 11.645/2008 apontam para a urgência de um letramento racial das/os profissionais da educação, que lhes permita fazer uma leitura crítica da experiência histórica brasileira e lhes ofereça um repertório amplo de recursos didáticos, metodológicos e pedagógicos para lidar com o racismo e abordar positivamente a diversidade étnico-racial e cultural nas escolas. É sobre essas questões que trataremos nas próximas seções.

VINTE ANOS DE EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA NO BRASIL: AVANÇOS E DESAFIOS

As Leis 10.639/2003 e 11.645/2008, que alteraram a LDB - Lei 9.394/1996, demandam medidas administrativas que assegurem o reconhecimento, a valorização e a promoção das contribuições dos povos e nações africanas, afro-brasileiras e indígenas na formação do Brasil. Não obstante, os poucos estudos disponíveis sobre o tema apontam para uma limitada eficácia dessa legislação. A escassez e pouca organização dos dados oficiais acerca de sua implementação constituem um enorme desafio para o próprio mapeamento e a avaliação dos avanços nesse campo, sinal de que há pouca vontade política de fazer cumprir essas leis nos órgãos responsáveis. Diante disso, e considerando o contexto de celebração dos 20 anos da promulgação da Lei 10.639/2003, o Instituto da Mulher Negra (Geledés) e o Instituto Alana realizaram uma pesquisa junto a 1.187 secretarias municipais de educação (cerca de 21% da totalidade dos municípios brasileiros, com representações de todas as regiões do país), com o objetivo de analisar quais mudanças têm sido incorporadas por elas, que são responsáveis pela educação infantil e o ensino fundamental, para o cumprimento dessa legislação (Benedito; Carneiro; Portella, 2023)2.

O estudo indica que sete em cada dez secretarias municipais de educação realizam pouca ou nenhuma ação visando assegurar o ensino das histórias e culturas afro-brasileiras e indígenas. Mais da metade (53%) admite não realizar ações contínuas para a aplicação das leis; 18% admitem não realizar nenhuma ação educativa antirracista; e apenas 29% declaram ações regulares e a adoção de medidas visando à implementação consistente dos dispositivos legais. De acordo com as informações prestadas pelas/os gestoras/es, a pesquisa aponta a predominância de ações esporádicas (quando existem), restritas às datas comemorativas. Ainda segundo as/os gestoras/es, essa superficialidade estaria relacionada à falta de apoio técnico e financeiro dos estados e da união aos municípios.

O estudo revela, assim, que há poucos avanços e um conjunto de fragilidades que conformam um cenário preocupante, de baixa institucionalização das leis nas redes municipais de ensino:

Apenas uma secretaria municipal em cada quatro possui uma área, equipe ou profissionais específicos responsáveis pelo ensino de história e cultura africana e afro-brasileira dentro das Secretarias Municipais de Educação, e somente um em cada cinco municípios possui regulamentação específica sobre o ensino. Outro ponto de atenção é a importância da colaboração entre os entes federados e outras instituições para qualificação dessa política: a maior parte das redes afirma não ter recebido suporte suficiente para implementação da lei, sendo que a ausência de apoio é o principal desafio para a sua implementação, segundo as próprias secretarias participantes. Além do pedido de maior suporte, também há contradições entre municípios do mesmo estado em relação à existência de regulamentação estadual, o que indica pouca clareza sobre o conhecimento da normatização. O cenário de implementação da lei ainda é crítico, revelando baixa institucionalização e alta resistência dos implementadores das políticas públicas, o que nos torna ainda mais vigilantes para a construção de estratégias de advocacy que se apresentem nesse cenário de forma denunciativa e, também, propositiva (Benedito; Carneiro; Portella, 2023, p. 74).

Em tal cenário de desorganização e carências, é compreensível que as atividades para implementação das leis sejam geralmente pontuais, acríticas e meramente “festivas”, ainda que a maioria das redes municipais (57%) declare realizar "ações para apoiar as escolas e que suas unidades de ensino colocam os conteúdos [história e cultura afro-brasileira, africana e indígena] em seus Projetos Políticos Pedagógicos" (Benedito; Carneiro; Portella, 2023, p. 48). Essa contradição indica que a consideração da obrigatoriedade das leis nos planos municipais de educação e nos projetos pedagógicos das escolas, assim como a previsão de formação continuada para as/os docentes e o planejamento de formas de introduzir a temática no currículo e nas práticas escolares, não asseguram a implementação consistente, regular e duradoura da educação antirracista. É preciso haver consciência e vontade política para tanto.

As autoras do estudo concluem que, no plano mais geral, parece haver uma ausência de compreensão de que “a concretização de uma política educacional precisa ir além da construção dos marcos legais” e, correlatamente, de que “as medidas necessárias para essa efetivação precisam ser estimuladas e incorporadas pelas gestões administrativas e pedagógicas das secretarias de educação de forma que se reflitam no ambiente escolar” (Benedito; Carneiro; Portella, 2023, p. 17). Com efeito, o estudo demonstra que, 20 anos após a Lei 10.639/2003 e 15 anos passados desde que promulgada a Lei 11.645/2008, ainda é um desafio construir uma consciência abrangente e aguda sobre o que elas representam e sobre os problemas que elas buscam solucionar. Em outras palavras, ainda é notório o alheamento do poder público em relação à importância de valorizar a diversidade cultural brasileira e combater o racismo em nossa sociedade e na educação escolar, promovendo práticas efetivas e perenes, organicamente incorporadas à cultura escolar, com esse fim.

Outro aspecto que contribui para essa realidade são os silêncios das leis acerca da formação docente. Os textos das Leis 10.639/2003 e 11.645/2008 são omissos em relação a esse tema, e não há um marco legal que estabeleça a Educação das Relações Étnico-Raciais como componente curricular obrigatório nos cursos de licenciatura. É verdade que a Resolução CNE/CP nº 1, de 17 de junho de 2004 (Brasil, 2004), determina que as instituições de ensino superior observem as Diretrizes Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, incluindo em seus currículos conteúdos, disciplinas e atividades aderentes a esses temas na formação de professores. Na prática, entretanto, as universidades não se sentem obrigadas a assegurar esses componentes nos cursos de graduação. Evidência disso é que muitas universidades públicas têm sido instadas a ofertar a disciplina ERER por força de Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) derivados de ações movidas pelo Ministério Público Federal (MPF). Essa mesma lacuna curricular, e pelas mesmas razões, está presente na formação continuada fornecida pelos sistemas municipais e estaduais de educação, pois depende, sobremaneira, da iniciativa de agentes públicos, e, conforme mostrou a pesquisa dos Institutos Geledés e Alana, há pouca consciência a respeito do arcabouço legal e do que é necessário para sua execução.

Um levantamento realizado pelo movimento Todos Pela Educação (Apenas metade, 2023) reforça esse quadro preocupante. O estudo teve como base as respostas de 65.935 diretoras/es escolares, entre os anos de 2011 e 2021, a um questionário aplicado pelo Sistema Nacional de Avaliação Básica (Saeb). Os dados apontam que, em 2021, o total de escolas públicas que desenvolveram projetos de combate ao racismo alcançou o seu menor patamar nos últimos 10 anos: apenas 50,1% das escolas registraram ações antirracistas, o que representa uma queda de 25,5% em relação ao maior patamar de 75,6%, registrado em 2015.

A resistência, apontada nesses levantamentos, à institucionalização do que poderíamos chamar de uma cultura antirracista e multicultural nos sistemas de ensino é sentida por profissionais que buscam fazer valer a lei no cotidiano escolar. É o que demonstra o recente estudo etnográfico realizado em um Centro de Educação Infantil do Distrito Federal. Conforme o estudo, desde 2013, o Centro desenvolve um projeto antirracista que abarca uma série de atividades regulares ao longo do ano, em colaboração com movimentos antirracistas locais. Entre as ações desenvolvidas destacam-se: cursos de formação docente sobre temas relacionados a relações étnico-raciais, racismo e antirracismo; rodas de conversa com intelectuais e lideranças dos movimentos negros e indígenas; programações culturais e eventos com participação da comunidade, visando à valorização das histórias e culturas africanas, afro-brasileira e indígena. Apesar de inovador, consistente e perene, o envolvimento de toda a comunidade escolar nesse projeto ainda é um desafio, já que as ações são bastantes dependentes da militância e do engajamento de um pequeno grupo de professoras3 (Almeida, B., 2023).

Embora o projeto tenha muitos méritos, reconhecidos em premiações nacionais, o estudo aponta a persistência, entre profissionais e estudantes do Centro, de práticas (gestos e palavras) que naturalizam o racismo e reproduzem imaginários negativos estereotipados sobre a população afro-brasileira e indígena. Continuidade compreensível, contudo, pois um esforço de 10 anos não é capaz de transformar radicalmente uma herança de mais de 500 anos, que tem sido difundida e normalizada, incrustada no inconsciente, nas nossas relações e práticas cotidianas, nos mais diversos espaços de socialização, além e aquém dos muros da escola. A cultura antirracista demanda esforço constante.

Bárbara Almeida (2023) também identificou lacunas na formação e no domínio teórico e metodológico de parte do corpo docente do Centro sobre a temática. Isso tem gerado discrepâncias em termos de qualidade e aprofundamento nas ações e abordagens de diferentes professoras em sala de aula, limitando a solidez e coerência do projeto. E parte das professoras simplesmente não demonstram abertura para um compromisso mais efetivo com a educação antirracista. A falta de preparo e domínio do conteúdo, bem como o desconhecimento de recursos didáticos e metodologias adequadas - fragilidades que estão relacionadas à formação acadêmica - certamente contribuem para afastar essas professoras da possibilidade de assumirem esse compromisso. E essa lacuna também reforça preconceitos e inseguranças das profissionais, que se veem constrangidas por não estarem preparadas para abordar certos temas.

Corroborando os levantamentos comentados no início desta seção, a pesquisa de Bárbara Almeida (2023) aponta a formação docente como uma das principais fragilidades e um desafio de primeira ordem, que precisa ser enfrentado se quisermos avançar na consolidação de uma educação antirracista de qualidade. Todas as evidências apontam para este preocupante dado: nossas/os profissionais de educação têm pouca clareza do que é racismo e de como e por que precisamos combatê-lo, desconhecem a cultura e história afro-brasileira, africana e indígena, e não dominam metodologias e recursos para abordá-las com suas/seus alunas/os. E vale relembrar uma vez mais: tal desconhecimento por parte das/os professoras/es tende a reforçar a naturalização de imagens racistas, preconceituosas e estereotipadas no ambiente escolar (Baniwa, 2016; Gomes, 2017; Munduruku, 2012; Oliveira; Candau, 2010).

Como tentamos destacar nesta seção, ainda que tenhamos avanço legal, o combate ao racismo exige um engajamento coletivo, a começar pelo Estado (união, estados e municípios) e suas/seus gestoras/es, na garantia e manutenção de recursos financeiros e didáticos, no fomento de políticas públicas, na oferta de suporte técnico e monitoramento, bem como na formulação e implementação de uma política robusta que assegure letramento racial para professoras/es, em sua formação inicial e continuada. Não é sem razão, portanto, que uma série de estudos têm destacado a necessidade de tornar obrigatória a inclusão de Educação das Relações Étnico-Raciais como componente curricular em todos os cursos de licenciatura (Santos; Pinto; Chirinéa, 2018).

A compreensão dessas responsabilidades também é fundamental para combater um persistente imaginário pedagógico que atribui aos professores e professoras negras/os e indígenas a tarefa de abordar as questões raciais, reproduzindo a nefasta ideia de que o racismo é um problema das pessoas racializadas, e não da sociedade como um todo. Reduzir o racismo e o epistemicídio a um problema que só diz respeito às suas vítimas exime o restante da sociedade e o Estado de suas responsabilidades, tanto na reprodução quanto no combate a essa violência. Diante dessa ideia equivocada, muitas vezes o tema da educação antirracista nas escolas acaba sendo reduzido, como vimos nas pesquisas mencionadas, a um assunto de militância, isto é, a um compromisso que se espera das minorias raciais (Gomes, 2011).

Esse imaginário nos remete ao último ponto que gostaríamos de destacar: em duas décadas de vigência das leis que estabelecem a educação antirracista, é preocupante observar que o racismo no contexto escolar ainda é um tabu, um tema negado e silenciado. A referida pesquisa conduzida pelos Institutos Geledés e Alana também constatou que, nas ações antirracistas desenvolvidas pelas escolas municipais que participaram do estudo, há uma tendência a priorizar temas considerados pacificados ou que não gerem tensões e conflitos:

[...] os temas considerados importantes de serem trabalhados (como conteúdos sobre diversidade, cultura alimentar, vestimentas, entre outros) dizem respeito a discussões relevantes, porém podem ser identificados como mais confortáveis, em detrimento de tópicos como hierarquização de povos e saberes, espaços de poder e tomadas de decisão. Ou seja, ainda se escolhe refletir a educação para relações étnico-raciais sem que se pretenda rever a construção e manutenção de privilégios. Escolhas que podem revelar um arcabouço mais amplo para reflexão acerca da percepção de baixo apoio e engajamento para implementação da lei (Benedito; Carneiro; Portella, 2023, p. 75).

Isso também é observado pela pesquisa de Bárbara Almeida (2023) no Centro de Educação Infantil do Distrito Federal, particularmente no que se refere às religiões de matriz africana e ao racismo religioso. Para a maioria das professoras, esse tema não deve ser trabalhado no projeto antirracista da escola, no entanto, cotidianamente, as crianças são incentivadas a professarem rezas e ritos cristãos, ainda que nem todas sejam católicas ou evangélicas. Segundo a pesquisadora, durante as coordenações pedagógicas, foram observados momentos de muita tensão e diálogos acalorados sobre esse tema. Algumas professoras, em especial as que participam de comunidades de terreiro, reconhecem a importância de combater o racismo religioso e buscam refletir sobre os efeitos de se vivenciar ritos cristãos na escola de forma impositiva. Mas suas narrativas são silenciadas, e as dores das violências perpetradas pelo racismo religioso são normalizadas, tanto pela gestão escolar quanto por parte das professoras, sobretudo as que vêm de denominações evangélicas.

Além dos melindres que perpassam o tratamento de temas considerados sensíveis, as pesquisas evocadas por nós apontam, como já foi dito, que as ações antirracistas ainda se concentram predominantemente em datas comemorativas. Conforme destacam Gomes (2017) e Munduruku (2012), a valorização da diversidade cultural e o respeito à diferença não podem ser episódicos, devem ser aquilo que são na lei, princípios educativos constantes. O uso exclusivo de datas comemorativas para falar dos “outros” marginalizados não só não é suficiente para combater o preconceito como pode reforçar o imaginário de exotismo, folclore ou subcultura que paira sobre eles.

O racismo estrutural no Brasil constitui, como buscamos demonstrar na primeira seção deste artigo, uma violência multifacetada, de longa duração. No Brasil, ele tem como uma de suas principais armas o mito da democracia racial, que sustenta nossa máscara de sociedade pacífica, livre de conflitos raciais. Essa particularidade reforça a importância de nosso arcabouço legal que, se não obriga, propõe a quebra desse silêncio. Mas cremos que ele deva ainda ser ampliado. A promulgação de marcos legais antirracistas, como as já instituídas leis e a almejada obrigatoriedade do ensino de ERER na formação inicial e continuada de profissionais de educação, demarca inflexões históricas de extrema relevância. Com esses gestos, o Estado brasileiro reconhece, perante a sociedade, a persistência do racismo estrutural, assim como estabelece a educação como uma ferramenta estratégica para seu enfrentamento.

No entanto, como vimos, esses avanços enfrentam desafios práticos, institucionais e culturais para sua plena tradução na prática. A sociedade, as/os gestoras/es públicas/os e as/os profissionais de educação devem se conscientizar de seus papéis na efetivação do combate ao racismo e na promoção da diversidade cultural, devem agir em conjunto e elaborar ações perenes e bem fundamentadas. Para tanto, o investimento na formação inicial e continuada das/os profissionais da educação deve ser prioridade, assim como o acompanhamento regular, por agências do Estado, dos sucessos e dificuldades na implementação das Leis 10.639/2003 e 11.645/2008.

A PERSPECTIVA DE FUTURAS/OS PROFESSORAS/ES SOBRE A EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS

Dando continuidade ao debate sobre a formação qualificada de professoras/es como condição para a educação antirracista, nesta seção analisamos as opiniões de estudantes do ensino superior sobre a importância da disciplina de ERER como componente curricular dos cursos de licenciatura. A análise parte de um levantamento realizado entre os anos de 2020 e 2022 junto a 120 estudantes do curso de Pedagogia, majoritariamente mulheres pretas e pardas, que cursaram a disciplina de ERER ministrada por uma das autoras deste artigo na Faculdade de Educação da Universidade de Brasília. Desse universo, 91 estudantes responderam voluntariamente ao formulário de autoavaliação, criado a partir da ferramenta Google Forms, composto por questões de múltiplas escolhas acerca da participação na disciplina e questões discursivas sobre aprendizados gerados e percepções sobre o curso (aspectos negativos e positivos do curso e sugestões para aprimorá-lo). Na presente análise, ativemo-nos a alguns elementos discursivos que tratam dos aprendizados e das percepções sobre o curso. Ressaltamos que o que será apresentado aqui é apenas uma pequena parte dos dados coletados, cuja análise será aprofundada em publicações futuras.

Comecemos apresentando o contexto e as condições em que a disciplina ERER tem sido ofertada na Universidade de Brasília. Desde sua fundação, a UnB persegue o ideário de uma “universidade necessária”: plural, de livre pensamento e circulação de ideias, forjadora de uma ciência verdadeiramente cidadã, inspirada na diversidade cultural dos povos que constituem a nação brasileira, visando à construção de uma sociedade democrática, justa, criativa e igualitária. O protagonismo da UnB no debate nacional sobre desigualdade racial na educação foi fundamental para fomentar uma ampla mobilização de diversos setores da sociedade em torno da construção de ações afirmativas para democratizar o acesso e a permanência de grupos racializados à universidade. Além disso, a UnB foi a primeira instituição federal de ensino superior a adotar cotas sociais e raciais na graduação (e recentemente na pós-graduação) e a implementar vestibular específico para povos indígenas (Bernardino-Costa; Borges, 2021; Carvalho, 2004).

No entanto, esse pioneirismo ainda não alcançou outras dimensões importantes do enfrentamento do racismo e da promoção da igualdade racial. Uma dessas dimensões diz respeito à representatividade da diversidade no quadro docente, o qual, na UnB, assim como na maioria das universidades públicas federais, ainda é predominantemente branco, evidenciando a morosidade da administração pública na implementação da Lei de Cotas nos concursos públicos federais (Coutinho; Arruda, 2022).

No que diz respeito à implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais no ensino superior, o cenário também inspira preocupação. Conforme determina a Resolução CNE/CP nº 1/2004 (Brasil, 2004), as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana devem ser "observadas pelas Instituições de ensino, que atuam nos níveis e modalidades da Educação Brasileira e, em especial, por Instituições que desenvolvem programas de formação inicial e continuada de professores" (art. 1º), cabendo a elas incluir "nos conteúdos de disciplinas e atividades curriculares dos cursos que ministram, a Educação das Relações Étnico-Raciais, bem como o tratamento de questões e temáticas" (art. 1º, § 1º) relacionadas a esse tema.

No curso de Pedagogia, que tem participação importante na formação dos cursos de licenciaturas, não existem professoras/es concursadas/os especificamente para esse componente curricular. Ao longo dos 20 anos de existência da Lei 10.639/2003, o status da disciplina Educação das Relações Étnico-Raciais oscilou entre optativa e optativa de fluxo, tendo sido ministrada, ainda que de forma irregular e com períodos que registraram zero oferta, graças ao engajamento de professoras/es que historicamente atuam nesse campo. Um dado que evidencia essa realidade é a atuação do Ministério Público junto às universidades públicas, fazendo recomendações, inclusive com a assinatura de Termos de Ajustamento de Conduta, para que adotem medidas que assegurem a oferta da disciplina em todos os cursos da graduação4.

Foi essa realidade preocupante que motivou o levantamento aqui analisado. Queríamos entender se e como esses problemas eram percebidos e interpretados pelas/os estudantes; se havia um descompasso entre o modo como a universidade tem tratado a oferta de ERER e as aspirações e preocupações dessas/desses estudantes com seus processos formativos, tendo em vista uma possível futura atuação como professoras/es na educação básica. Isto posto, vamos à análise.

A disciplina de ERER, que constitui a referência deste estudo, buscava oferecer um repertório diversificado de leituras, recursos didáticos, estratégias e linguagens, adotando metodologias colaborativas que estimulassem o diálogo, a troca e o aprendizado mútuo entre as/os estudantes. Esses cuidados também incluíam assegurar a pluralidade e representatividade das vozes, adotando com destaque produções de intelectuais pretas, quilombolas e indígenas, bem como proporcionando espaços de diálogo direto com essas lideranças5. Essa proposta dinâmica, variada, coletiva e dialógica foi destacada como ponto positivo pela maioria das/os alunas/os que foram entrevistadas/os6:

Os debates e leituras, além dos vídeos e podcasts eram de um proveito riquíssimo e de produtividade intelectual e social imensa (estudante 1 do 4º semestre, 2020).

Gostei do suporte material didático não ser somente por meio de textos, acho que tem muito conteúdo legal desenvolvido por meio de podcasts, vídeos, filmes, músicas que também desenvolvem nosso pensamento crítico, assim, gostei de termos além dos textos esses outros modelos. Gostei muito de termos palestrantes convidados, acho que eles agregaram muito (estudante 2 do 4º semestre, 2020).

Considero a proposta da disciplina muito apropriada, a dinâmica de leitura prévia dos textos para debater em sala de aula, as reflexões durante as aulas, convidar especialistas no assunto, recomendar documentários para assistir. Foi uma aula muito rica e que me abriu um campo de conhecimento que não tinha (estudante 3 do 4º semestre, 2020).

Gostei muito da participação dos convidados e do filme “A última Abolição". Eles me permitiram fazer muitas reflexões para além dos textos. (...) Gostei muito dos textos que trazem a perspectiva e a cultura dos povos indígenas, porque por meio deles é que consigo me aproximar do pensamento desses povos. Gostei de compreender melhor sobre as Leis nº 10.639/03 e nº 11.645/08 e entendê-las como um instrumento que possibilita garantir o ensino da cultura afro-brasileira e dos povos indígenas (estudante 1 do 6º semestre, 2021).

Gostei muito de ter convidados ao longo do semestre, o que contribuiu muito para a expansão dos pensamentos e do debate (estudante 1 do 7º semestre, 2021).

Foi incrível a troca de cartas7, foi algo bem interessante, trouxe uma proximidade mesmo estando longe, gostei bastante da proposta. Gostei bastante da disciplina, da organização, de tudo: organização das atividades, recursos utilizados (podcast, troca de cartas, diários), textos e o tema da disciplina que é extremamente necessário (estudante 1 do 3° semestre, 2022).

(...) Amei a troca de cartas, que pudemos debater e trocar experiências com os alunos. Gostei muito da disciplina, da ideia dos podcasts, temos que utilizar a tecnologia a favor da educação. Além disso, as abordagens e os textos escolhidos foram excelentes, em geral foi ótimo (estudante 2 do 3° semestre, 2022).

Além do interesse pela variedade metodológica da disciplina, nota-se, nesses testemunhos, o destaque dado à participação de representantes de grupos subalternizados (especialmente indígenas), como palestrantes ou leituras de referência. Esse destaque é bastante recorrente e aponta para dois fatos. O primeiro, bem conhecido: o contato com essas intelectualidades subalternizadas ainda é raro na formação das/os estudantes, e sua inclusão no curso ainda gera surpresa. O segundo, bastante promissor: existe um significativo interesse das/os estudantes em acolher e contemplar essa diversidade intelectual. Sinais de que as/os alunas/os têm expectativas de justiça epistêmica bem maiores do que aquela efetivamente praticada na universidade como um todo.

Outro elemento em destaque nas respostas citadas é a aprovação da articulação entre teoria e prática nas atividades da disciplina em dois níveis: a tematização da diversidade a partir da incorporação prática da diversidade racial e cultural na escolha das autoras e autores lidos e ouvidos; a aliança entre ler sobre raça e racismo e produzir discurso sobre raça e racismo por meio de discussões, troca de cartas, elaboração de podcasts e outras atividades. De fato, se essa articulação é necessária a quase toda grade curricular de um curso destinado a formar professores/as, ela é ainda mais fundamental quando se trata de um tema tão sensível, mascarado, tratado como tabu, como é o racismo. Só a prática, nesse caso, nos dá a chance de reavaliar nossas representações e nossos gestos raciais naturalizados. Articular teoria e prática assegura, como dão a entender as/os estudantes, que o processo formativo seja, ele mesmo, uma experiência antirracista.

Um efeito positivo da metodologia dialógica e do convite constante à autorreflexão foi a ampliação da consciência individual das/os alunas/os a respeito de como a questão racial marca suas experiências pregressas e marcará suas experiências futuras dentro e fora das escolas. É o que se depreende de respostas como estas:

Tive um excelente aproveitamento da disciplina, de modo que mudei totalmente a minha forma de pensar a educação antirracista em sala de aula (estudante 4 do 4° semestre, 2020).

Foi uma disciplina muito importante pra mim enquanto pessoa preta na sociedade brasileira. Trouxe exemplos e conteúdos que fazem parte do meu dia a dia e debates, visões e propostas que eu nunca havia pensado (estudante 5 do 4° semestre, 2020).

É essencial que o educador tenha em sua formação a educação das relações étnico-raciais, não por questões de gosto ou afinidade, mas pela necessidade da formação da nossa própria identidade, ainda mais porque vamos permear, nas áreas de atuação pedagógica, o desenvolvimento e o ensino aprendizado de inúmeras pessoas. E a conscientização da população é de extrema precisão para a desconstrução de fatos errôneos e preconceituosos da história dos brasileiros. A disciplina alcançou essa conscientização em mim, trazendo a perspectiva da sensibilidade/importância dessa educação, durante o seu processo de apresentação de conceitos, falas, leituras, vídeos e diálogos, foi enriquecedor (estudante 2 do 6° semestre, 2021).

A disciplina de ERER foi muito agregadora na minha formação acadêmica. Os textos disponibilizados foram extremamente ricos, com percepções que eu nunca havia pensado, me tiraram da minha zona de conforto, possibilitando enxergar bem melhor a realidade do nosso país e como isso afeta diretamente a educação (estudante 1 do 5° semestre, 2021).

Passei um ano me planejando para solicitar essa matéria, me recusava a sair da universidade para sala de aula sem me aprofundar nas discussões raciais ao mesmo tempo que não me sentia preparada para fazê-la. (...) tomei a decisão de fazer a disciplina neste semestre e foi a melhor decisão que poderia ter tomado, saio dela com a construção de uma consciência antirracista e espero poder devolvê-la ainda mais ao longo do tempo. Foi transformador! Ter consciência do racismo é um processo de construção, pude iniciar esse caminho com os autores e discussões ao longo do semestre, espero tanto como pessoa quanto como professora, em sala de aula, poder fazer a diferença, mesmo que seja em uma pequena proporção, diante do debate das relações raciais (estudante 1 do 8° semestre, 2022)

Me inscrevi em busca de um pensamento mais crítico e atento com o assunto, pois pra mim é fundamental que todos tenhamos disciplinas como essa, em todos os cursos, e principalmente nós educadores que temos grande influência na vida dos estudantes temos o dever de cooperar para acabar com isso. Eu achei muito bom, porque influenciou muito minha vida acadêmica, me ajudou a ter um olhar diferente durante meu dia a dia e no trabalho em sala de aula (estudante 2 do 8° semestre, 2022).

Esses relatos de “expansão de consciência” são evidências de que o papel da disciplina de ERER não é apenas instrumental - treinar futuras/os profissionais da educação para lidar com certos temas em sala de aula. Seu papel é epistêmico e psicológico no mais profundo sentido dos termos: proporcionar oportunidades para que toda uma dimensão geralmente oculta da vida social venha à tona e possa, assim, ser considerada nas ações e escolhas das/os estudantes em todas as esferas de sua experiência - no exercício da profissão, da cidadania, na construção de suas identidades, sociabilidades e projetos.

Vai ao encontro dessa constatação um outro fato, também presente nas citações acima. Um dos motivos a compor o interesse das/os alunas/os em procurar a disciplina de ERER é a necessidade e busca epistêmica de desvelar a operação do racismo. Isto fica claro na reiteração do caráter “essencial” ou “necessário” da disciplina. Note-se, nesse sentido, que é comum estudantes dizerem que procuram essa disciplina porque já haviam se convencido da importância do tema, não por imposição de suas grades curriculares. Esse interesse parece estar ligado, entre outras coisas, a experiências prévias de racismo ou outras formas de discriminação por parte das estudantes ouvidas pela pesquisa, uma vez que estas eram, em sua grande maioria, mulheres socialmente lidas como pretas ou pardas8.

Bárbara Almeida (2019) constatou que, em 2018, a disciplina ERER não era obrigatória em 64% dos cursos das áreas de ciências humanas e em 100% dos cursos de ciências exatas, saúde e vida. Em 2019, ela passou a ser obrigatória em 50% dos cursos de ciências humanas. Na Pedagogia, contudo, curso que recebe a maior demanda de matrículas para esse componente curricular, ela permanece como disciplina optativa de fluxo9.

Desde 2020, há um esforço para assegurar a oferta de ao menos duas turmas de ERER por semestre. No entanto, essa medida não equaciona o descompasso entre a demanda e a oferta, gerando listas de espera a cada período de matrícula, já que as vagas ofertadas atendem prioritariamente estudantes da Pedagogia. Na prática, a universidade não tem conseguido se adequar ao que determinam as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Embora a UnB tenha reconhecido, em seu Plano de Desenvolvimento Institucional de 2018, a necessidade de avançar no suprimento dessa demanda formativa e cidadã, as ações efetivas ainda deixam a desejar.

Tratando ainda da crescente demanda das/os estudantes pelas temáticas étnico-raciais, é importante observar que esse interesse não nasce apenas de uma observação fria do mundo como “objeto” de conhecimento, mas está profundamente relacionado à experiência real do racismo que atravessa a trajetória de muitas/os estudantes, sobretudo suas experiências escolares. É o que evidenciam os seguintes testemunhos:

Já sofri (racismo) e percebo/ouço muitos casos acontecendo ao meu redor. Eu tive interesse em me engajar na temática étnico racial para fazer das minhas dores uma forma de luta e resistência (estudante 2 do 6° semestre, 2022).

Minhas expectativas em relação à disciplina foram altas pelo motivo de ter vivido situações de racismo. (...) a disciplina me abriu várias possibilidades de pensar o meio e entender a sociedade como uma reprodutora de racismo. Tive espaço para ser ouvida e para ouvir (estudante 7 do 4° semestre, 2022).

Já sofri e já presenciei pessoas próximas serem atacadas (pelo racismo). (...) Desde o primeiro semestre tive interesse na disciplina, uma vez que, a área de pesquisa me chamou muita atenção. Além disso, comecei o meu projeto de TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) voltado para as relações étnicas-sociais, o que aumentou o meu interesse pela disciplina (estudante 2 do 5° semestre, 2022).

Essas passagens corroboram Gomes (2011; 2017) quando afirma que a educação antirracista também deve alcançar a dor do racismo. Isso pressupõe que a instituição educativa e suas/seus agentes, principalmente as/os professoras/es, precisam estar preparadas/os para lidar com a complexidade desse trauma, considerando inclusive os aspectos positivos que envolvem tomar consciência dele e do sofrimento que ele produz. Em outras palavras, como também observa bell hooks (2013) em Ensinando a transgredir, a educação intercultural e antirracista precisa ser um exercício de cura, de autocuidado. Novamente aparece aqui, em destaque, a importância social e psicológica da disciplina de ERER.

Santos (2017) tem alertado para a persistência de uma visão que tenta reduzir as relações étnico-raciais a um tema lateral da formação acadêmica que, quando muito, produz uma dispersão ou inchaço curricular. Nesta seção, ficou evidente que essa preocupação ainda é atual e merece atenção. Essa visão está em claro descompasso com a urgência, igualmente sublinhada por nós, de uma formação profissional para o antirracismo que busque reparar “a inclusão excludente da população negra às instituições educativas”, que é histórica no Brasil (Santos, 2017, p. 11).

Porém, como buscamos destacar, a simples oferta da disciplina Educação para as Relações Étnico-Raciais não é suficiente para formar professoras/es teórica e metodologicamente capacitadas/os para desenvolver processos consistentes de educação antirracista. É preciso que a oferta seja ampla e regular, de modo a alcançar todos os cursos de graduação, em especial as licenciaturas, o que passa por decisões pedagógicas, administrativas e políticas que envolvem torná-la obrigatória nos currículos e prover vaga de concurso público para docentes.

Além disso, os testemunhos das/os estudantes demonstraram que a qualidade da formação é essencial. A disciplina ERER precisa ser organizada e estruturada, no conteúdo e na forma, como exercício antirracista e intercultural, prezando pelo vínculo entre teoria e prática, pelo pluralismo epistêmico na escolha da literatura e de outros materiais curriculares, pelo diálogo franco e horizontal, pelo acolhimento e cura da dor, pela autorreflexão a respeito de nossos comportamentos racistas arraigados, pelos encontros entre saberes de dentro e de fora da academia. Isso aponta, ademais, para uma agenda urgente de pesquisas que possam alcançar as dimensões qualitativas dos cursos/disciplinas em relações étnico-raciais que têm sido ofertadas nas universidades.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo teve por compromisso realizar uma análise dos avanços e dos desafios que perpassam a implementação da Educação Antirracista no Brasil, considerando as Leis 10.639/2003 e 11.645/2008. Para tanto, a análise foi triangulada em três dimensões, que se apresentam sequencialmente da seguinte forma: 1) discussão do racismo como fenômeno de caráter multidimensional, evidenciando que um campo estratégico de combate é a educação, e isso exige o letramento racial de professores numa perspectiva de formação inicial e continuada; 2) mapeamento dos principais desafios para implementação de práticas antirracistas no campo da educação básica e sua interlocução com a formação de docentes; 3) por fim, na última seção, apresentação e análise de narrativas de futuras/os profissionais da educação sobre a disciplina Educação para as Relações Étnico-Raciais, ofertada aos cursos de graduação em licenciatura da Universidade de Brasília.

Ao longo desse percurso, defendemos que, para o enfrentamento do racismo no âmbito da educação, é necessária a consolidação, nas escolas, de uma práxis antirracista, que depende de professoras/es teórica e metodologicamente preparadas/os para reconhecer criticamente as violências e desigualdades raciais, promover o letramento racial e o reconhecimento dos legados culturais e históricos de povos indígenas, africanos e afrodiaspóricos. Buscamos mostrar que a disciplina de Educação para as Relações Étnico-Raciais é espaço estratégico nesse enfrentamento, pois é nela que as/os próprias/os educadoras/es passam por processos de letramentos racial e aprendem, na prática, estratégias para lidar com o racismo.

Destacamos que, apesar da importância das recentes leis que obrigam o ensino de culturas e histórias de povos subalternizados na educação básica, essas conquistas não são suficientes para a instituição de uma prática antirracista. Essa prática depende, além do preparo das/os docentes, do compromisso das esferas administrativas e formativas, como secretarias de educação, universidades e escolas, em observar devidamente essas leis, promovendo cursos regulares de formação, contratando pessoal qualificado e organizando programas de ação perene para a promoção da igualdade racial e justiça epistêmica. Esse comprometimento tem ficado muito aquém do necessário, como apontam os estudos que citamos e analisamos.

Nesse mesmo sentido, as narrativas das/os estudantes da disciplina de ERER apontaram para o reconhecimento, por parte da comunidade discente da UnB, da pertinência da formação antirracista, bem como para a compreensão de que esse processo formativo exige compromisso por parte da universidade. Afinal, ainda que a disciplina da ERER ofereça um aporte teórico e prático intercultural crítico para combate ao racismo, apoiando-se em processos teóricos e metodológicos dinâmicos, variados e coletivos, a disciplina é pouco ofertada, a demanda de estudantes é maior que o quantitativo de vagas. Ou seja, embora existam leis que obrigam o compromisso universitário com este componente curricular, esta pesquisa e outras revelam que existe um descompasso no tratamento do tema das relações étnico-raciais em comparação com áreas de conhecimentos eurocêntricos. A oferta da disciplina ainda depende, em grande medida, das disposições e dos compromissos individuais de professoras/es que já têm uma trajetória de engajamento nas lutas antirracistas.

Além disso, este artigo mostrou que cursos para educação antirracista são importantes também porque dizem respeito à dor efetivamente vivida do racismo, especialmente entre estudantes afro-brasileiros/as. Eles e elas testemunharam sobre suas experiências desafiadoras, por vezes impronunciáveis, e sobre sua tomada de consciência de que se tratava de racismo. Processo que se deu através do diálogo, da acolhida de colegas e docentes e do reconhecimento de que não estão sozinhas/os na experiência do racismo e na luta contra ele. Nossa pesquisa com as/os alunas/os da UnB também revelou uma importante disposição das/os estudantes para ampliar seus conhecimentos e consciência sobre o fenômeno do racismo, das relações étnico-raciais, bem como para dialogar com pensadoras e pensadores de grupos raciais ainda sub-representados na academia. Esse é o maior elemento de esperança no quadro traçado neste artigo: a inclinação das/os estudantes para construção de um campo do saber criticamente intercultural e para uma educação antirracista, mesmo à revelia de certas omissões das instituições universitárias. Cabe a estas, e demais instâncias de formação e administração pública, oferecer as condições para que essa inclinação se reverta em uma cultura educacional antirracista sólida e perene.

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    » http://revistaeixo.ifb.edu.br/index.php/RevistaEixo/article/view/510/273
  • 1
    Artigo publicado com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq/Brasil para os serviços de edição, diagramação e conversão de XML.
  • 2
    Embora o estudo tenha como foco a Lei 10.639/2003, entendemos que seus achados também podem ser aplicados à implementação da Lei 11.645/2008. Além disso, resguardadas as especificidades das histórias e culturas africanas, afro-brasileiras e indígenas, educar para as relações étnico-raciais e para o combate ao racismo pressupõe a consideração, a valorização e a visibilização positiva de toda diversidade étnico-cultural que constitui a sociedade brasileira.
  • 3
    O corpo docente deste Centro de Educação Infantil é 100% composto por professoras. Assim, nas referências que fizermos a este estudo, não aplicaremos a flexão de gênero adotada no artigo.
  • 4
    Até o momento da submissão do presente artigo, a UnB ainda não tinha respondido a uma consulta realizada pelo Portal da Transparência sobre os TACs assinados pela universidade e as medidas tomadas para cumprir os compromissos firmados com o Ministério Público.
  • 5
    O curso tem como ementa os seguintes tópicos: Trajetória histórica da construção do racismo, das manifestações de Etnocentrismo e seus reflexos nas instituições de ensino, nos ambientes educacionais formais e informais. Políticas públicas, e especificamente a legislação, formuladas para promover a igualdade de oportunidades e a justiça social nas relações étnico-raciais através de uma abordagem retrospectiva, histórica, das lutas dos movimentos sociais.
  • 6
    Visando assegurar o anonimato, as/os estudantes serão identificadas/os por números, relacionando-os ao semestre em que se encontravam no momento do levantamento. As consultas de consentimento livre e informado para uso das respostas em relatórios e eventuais publicações foram realizadas oralmente no decurso da disciplina e aplicação dos questionários.
  • 7
    Uma das inovações adotadas na disciplina foi a epistolaridade como ferramenta pedagógica. Por meio da troca de cartas, buscávamos proporcionar às/aos estudantes tanto um espaço de diálogo íntimo sobre suas experiências de racismo quanto reflexões, trocas e aprendizados mútuos sobre os temas debatidos ao longo do curso.
  • 8
    Os dados sobre a autoidentificação dos estudantes não estão completos no material coletado. Essa observação sobre a maioria negra se baseia na observação da professora responsável pela disciplina de ERER.
  • 9
    Esse levantamento foi realizado via sistema eletrônico de matrícula estudantil a partir de termos alusivos às Relações Étnico-Raciais. Constatou-se que, no primeiro semestre de 2019, a UnB contava com 26 disciplinas ativas e disponíveis para matrícula nessa temática. No segundo semestre do mesmo ano, esse quantitativo foi reduzido para 22 disciplinas. O estudo constatou, ainda, que, das 26 disciplinas identificadas em 2019, apenas 13 delas eram obrigatórias (Almeida, B., 2019).

DECLARAÇÃO DE CONFLITO DE INTERESSE

  • DECLARAÇÃO DE CONFLITO DE INTERESSE
    As autoras e o autor declaram que não há conflito de interesse com o presente artigo.

FINANCIAMENTO

  • FINANCIAMENTO
    A pesquisa que fundamentou empiricamente o presente artigo contou com o financiamento da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa (FAPERJ) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Fev 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

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