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TRANSFORMAÇÃO DIGITAL E EDUCAÇÃO HÍBRIDA NA AMÉRICA LATINA: UM OLHAR SOBRE DESAFIOS E ESTRATÉGIAS1 1 Artigo publicado com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq/Brasil para os serviços de edição, diagramação e conversão de XML. 2 2 Editora-Chefe participante do processo de avaliação por pares aberta: Suzana dos Santos Gomes.

DIGITAL TRANSFORMATION AND HYBRID EDUCATION IN LATIN AMERICA: A LOOK AT CHALLENGES AND STRATEGIES

TRANSFORMACIÓN DIGITAL Y EDUCACIÓN HÍBRIDA EN AMÉRICA LATINA: UNA MIRADA A LOS DESAFÍOS Y ESTRATEGIAS

1. INTRODUÇÃO

Analisar o estudo “A transformação digital na educação híbrida: o que estamos fazendo na América Latina?” fomentou reflexões a respeito de dois aspectos essenciais da área de estudos: a) sobre a importância da temática explorada no artigo e b) sobre a metodologia adotada na investigação. O artigo apresenta uma contribuição valiosa para o campo da educação digital, destacando a urgência de abordar a transformação digital na América Latina. Esta região, marcada por disparidades sociais e limitações infraestruturais, enfrenta desafios significativos na implementação da educação híbrida e na adaptação à transformação digital. Este cenário foi intensificado pela pandemia de COVID-19, que além de acelerar a necessidade de integrar tecnologias digitais no ensino-aprendizagem, também evidenciou as profundas desigualdades no acesso à educação.

Nesta resenha, daremos atenção aos dois aspectos observados na avaliação do artigo em pauta: a relevância da transformação digital como um campo de estudo crucial para o avanço educacional e a metodologia empregada na pesquisa. O artigo contribui significativamente para o entendimento de como a América Latina está explorando este cenário em transformação, embora destaque a urgência de abordar os desafios que persistem. Estes desafios incluem não apenas a implementação técnica da educação híbrida, mas também a necessidade de uma adaptação cultural mais ampla que envolve alunos, educadores e a sociedade em geral.

No que tange à metodologia, o artigo utiliza uma revisão sistemática de literatura (RSL), uma abordagem que permite uma análise bibliométrica detalhada do tema. Esta escolha metodológica é essencial para entender a base e a extensão da pesquisa atual sobre transformação digital na educação. Contudo, é imperativo reconhecer que o resultado de tal revisão depende fortemente do rigor e das decisões metodológicas prévias, como a seleção de bases de dados, descritores de busca e critérios de inclusão, que influenciam diretamente quais textos são analisados (Mill, 2023MILL, D. Revisão sistemática de literatura como estratégia de pesquisa: apontamento se roteiro para sua elaboração. In: MILL, D. et al. (orgs.). Diálogos sobre a Educação a Distância, Presencial e Híbrida: reflexões, estratégias e proposições. São Paulo-SP: Artesanato Educacional, 2023, p.223-240.). Este processo destaca a importância de uma abordagem crítica e meticulosa na concepção de estudos bibliométricos, especialmente quando abordam temas complexos como a transformação digital na educação no contexto latino-americano.

Por fim, o artigo analisado explora como os avanços tecnológicos, catalisados pela crise sanitária global, estão sendo adotados. Também dá atenção aos desafios que emergem nesse processo. Ao detalhar estas questões, procuramos estabelecer um diálogo construtivo sobre as práticas atuais e fomentar a discussão sobre caminhos proativos para uma educação mais inclusiva e acessível, capaz de transcender as fronteiras do convencional e abraçar as possibilidades que a era digital oferece.

2. AVANÇOS E DESAFIOS DA TRANSFORMAÇÃO DIGITAL

Há tempos, temos acompanhado as reflexões de autores como Castells (1996CASTELLS, M. A Era da Informação: economia, sociedade e cultura. São Paulo: Paz e Terra, 1996. (A Sociedade em Rede, v. 1)., 2003CASTELLS, M. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.), Lévy (1999LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: 34, 1999.), Kenski (2018KENSKI, V. Cultura Digital. In: MILL, D. (org.). Dicionário Crítico de Educação e Tecnologias e de Educação a Distância. Campinas: Papirus, 2018. p. 139-144.), Sorj (2018SORJ, B. Democracia e sociedade da informação. In: MILL, D. (org.). Dicionário Crítico de Educação e Tecnologias e de Educação a Distância. Campinas: Papirus, 2018. p. 149-151.), Silveira (2019SILVEIRA, S. A. Democracia e os códigos invisíveis: como os algoritmos estão modulando comportamentos e escolhas políticas. São Paulo: Edições Sesc, 2019. (Coleção Democracia Digital).), Gomes (2021GOMES, G. F. Competências da Cidadania Digital: especificação e avaliação de uma proposta de experiência de ensino-aprendizagem. Gestão.org, v. 19 n. 2, jul/dez, 2021.), entre outros, para compreender a cultura digital e suas influências sobre a sociedade em geral e a educação, em particular. A transformação digital na educação representa uma revolução na maneira como o conhecimento é transmitido e acessado, particularmente evidente na América Latina, uma região que enfrenta tanto oportunidades únicas quanto desafios significativos. Este cenário complexo foi ainda mais acentuado pela pandemia de COVID-19, que funcionou como um catalisador para mudanças rápidas e inovações necessárias nos sistemas educacionais. A Educação Híbrida ganha novo impulso e novos contornos nesse cenário.

A resposta à crise sanitária acelerou a adoção de tecnologias educacionais, com muitas instituições implementando rapidamente soluções digitais para continuar o ensino e a aprendizagem em ambientes virtuais. Plataformas de aprendizado online, ferramentas digitais e métodos de ensino que combinam interações presenciais e online foram adotados rapidamente. Estas tecnologias não só possibilitaram a continuidade educacional durante o isolamento social como também introduziram novas formas de pedagogia, que poderiam (ao menos esperávamos) persistir e evoluir no pós-pandemia. Governos e instituições educacionais ampliaram seus investimentos em infraestrutura digital, desenvolvendo políticas que apoiam a educação híbrida e garantindo que os avanços tecnológicos sejam sustentáveis e inclusivos.

No entanto, a transição para a educação digital não é isenta de desafios. A principal questão que se destaca na América Latina é a desigualdade no acesso à tecnologia. Apesar dos avanços, muitas áreas ainda sofrem com infraestrutura tecnológica inadequada, particularmente em comunidades rurais ou economicamente desfavorecidas (praticamente, nem chega a ser palpável tratar de auxílios adequado e atenção a pessoas de grupos mais vulneráveis, como pessoas com deficiência, idosos e outros). A inconsistência na conectividade à internet e a falta de dispositivos adequados são barreiras significativas que impedem muitos estudantes de acessar plenamente os recursos educacionais digitais.

Nesse cenário, questões culturais, de continuidade da aprendizagem e de formação de professores e de estudantes também se tornaram latentes e evidentes. Na América Latina existe um descompasso entre a rápida implementação de tecnologias e a capacitação de docentes para utilizá-las eficazmente. A formação de professores para integrar tecnologias digitais em suas práticas pedagógicas é crucial, mas muitas vezes é um aspecto negligenciado nas estratégias de digitalização. Sem o devido treinamento e suporte, o potencial das tecnologias educacionais pode não ser totalmente realizado, resultando em uma implementação ineficaz e em experiências de aprendizagem menos interessantes para os estudantes. O potencial da Educação Híbrida não é totalmente explorado.

Outro desafio identificado é a carência de pesquisas específicas para a região. Enquanto a transformação digital é um tema global, as particularidades da América Latina - como suas diversidades culturais, econômicas e sociais - exigem estudos mais aprofundados que considerem esses contextos específicos. Pesquisas regionais podem fornecer contribuições mais precisas sobre como adaptar as estratégias de educação digital para atender às necessidades locais, garantindo que a transformação digital seja inclusiva e eficaz. Aqui reside uma das lacunas denunciada pelo texto, mas um panorama turvo em decorrência das limitações da metodologia adotada.

Em resumo, enquanto a América Latina avança na jornada da transformação digital educacional, é essencial que esses avanços sejam acompanhados por esforços contínuos para superar desafios estruturais e operacionais. Investimentos contínuos em infraestrutura tecnológica, políticas públicas robustas para educação digital, formação contínua de educadores e pesquisas adaptadas ao contexto local são imperativos para garantir que a transformação digital na educação atenda a todos os estudantes, independentemente de sua localização ou condição socioeconômica. Nesta seção, buscamos não apenas destacar os avanços e desafios, mas também incitar uma reflexão sobre as medidas necessárias para uma integração eficaz da tecnologia na educação em toda a região.

3. EDUCAÇÃO HÍBRIDA: IMPLEMENTAÇÃO E IMPACTO

Autores como Christensen, Horn e Staker (2013CHRISTENSEN, C. M.; HORN, M. B.; STAKER, H. Ensino híbrido: uma inovação disruptiva? Uma introdução à teoria dos híbridos. Boston: Clayton Christensen Institute, 2013. Disponível em: <Disponível em: htttp://www.christenseninstitute.org/publications/ensino-hibrido >. Acesso em: 25 abr. 2024.
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), Vaughan, Cleveland-Innes e Garrison (2013VAUGHAN, N.; CLEVELAND-INNES, M.; GARRISON, R. Teaching in blended learning environments. Edmonton: AU Press, 2013.), Matheos (2014MATHEOS, K. Educação híbrida: a chave da inovação nas universidades canadenses. In: REALI, A. M.; MILL, D. (Orgs.). Educação a Distância e Tecnologias Digitais: reflexões sobre sujeitos, saberes, contextos e processos. São Carlos: EdUFSCar, 2014.), Moran (2015MORAN, J. Educação híbrida: um conceito-chave para a educação, hoje. In: BACICH, L.; TANZI NETO, A.; TREVISANI, F. M. Ensino híbrido: personalização e tecnologia na educação. Porto Alegre: Penso, 2015. p. 27-45.; 2017MORAN, J. Metodologias ativas e modelos híbridos na educação. In: YAEGASHI, S. et al. Novas Tecnologias Digitais: Reflexões sobre mediação, aprendizagem e desenvolvimento. Curitiba: CRV, 2017. p. 23-35.), Bacich, Tanzi Neto e Trevisani (2015BACICH, L.; TANZI NETO, A.; TREVISANI, F. M. Ensino híbrido: personalização e tecnologia na educação. Porto Alegre: Penso, 2015.), Veloso, Mill e Moreira (2023VELOSO, B. G.; MILL, D.; MOREIRA, J A. Educação híbrida como tendência histórica: análise das realidades Brasileira e Portuguesa. Dialogia, n. 44, e23864, 2023.), entre outros, têm explorado a Educação Híbrida como foco de suas reflexões. A educação híbrida, combinando estratégias da educação presencial e da Educação a Distância (EaD), emergiu como uma solução fundamental para enfrentar os desafios impostos pela pandemia de COVID-19, especialmente na América Latina. Pelo foco do texto original analisado, exploraremos a implementação desta abordagem pedagógica e o papel que ela teve na região, considerando tanto os avanços alcançados quanto os obstáculos que ainda persistem.

Com o fechamento abrupto de escolas e universidades, estratégias de educação híbrida foram adotadas rapidamente como um meio para continuar o processo educacional sem grandes interrupções. Durante a pandemia, a educação híbrida foi denominada de várias formas, como ensino remoto, ensino emergencial, ensino não presencial etc. Todos são tentativas de explorar estratégias de EaD para dar continuidade ao ensino presencial. Esse processo de mudança exigiu uma adaptação radical não apenas na infraestrutura tecnológica das instituições e na sua logística organizacional, mas também nas práticas pedagógicas dos educadores e nas atividades estudantis. A necessidade de integrar plataformas de ensino online e ferramentas digitais no currículo regular tornou-se uma prioridade imediata. A educação híbrida teve papel preponderante na criação de ambientes mais adequados para o novo cenário educacional... mas nem tudo são flores.

Instituições que já possuíam uma infraestrutura digital estabelecida conseguiram transitar mais suavemente para este novo modelo. No entanto, muitas enfrentaram desafios significativos, principalmente aquelas que dependiam exclusivamente de métodos de ensino tradicionais.

Nas escolas públicas, frequentemente marcadas por condições bastante precárias em toda a América Latina, a transição para a educação híbrida representou um conjunto significativo de desafios e dilemas. A transição para a educação híbrida não foi apenas uma alteração de ferramentas, mas uma transformação cultural. Esse processo exigiu uma reavaliação fundamental da forma como educadores e alunos compreendem e se engajam no processo educativo.

Assim, no bojo das transformações digitais, a implementação da educação híbrida representou uma mudança cultural profunda no cenário educacional. Educadores tiveram que desenvolver novas habilidades pedagógicas (muitas vezes por conta própria), enquanto os alunos precisaram se adaptar a um ambiente de aprendizagem estranho ao habitual, mais autônomo e tecnologicamente integrado. Esta mudança trouxe à tona a necessidade de investimentos contínuos na formação de professores, que devem estar equipados com as ferramentas e, também, com as competências pedagógicas necessárias para aprimorar o uso de tecnologias no ensino-aprendizagem.

Além disso, o desafio de reconfigurar os espaços físicos para atender às necessidades de um modelo híbrido também se mostrou significativo, especialmente durante o período de isolamento social. Mesmo depois da pandemia, a necessidade de espaços que facilitassem tanto o aprendizado presencial quanto o online exigiu um redesenho dos ambientes educacionais, combinando recursos físicos e digitais de maneira coesa.

Embora a educação híbrida tenha potencial de tornar o aprendizado mais acessível e engajado, ela também destacou desigualdades preexistentes. A falta de acesso adequado a dispositivos e conectividade à internet ainda é uma realidade para muitos estudantes, sobretudo em áreas rurais e menos desenvolvidas. Essas desigualdades afetam diretamente a qualidade da educação que os alunos recebem, perpetuando ciclos de desvantagem educacional.

A implementação eficaz da educação híbrida também trouxe à tona a necessidade de políticas públicas robustas que promovam não apenas o acesso equitativo à tecnologia, mas também a qualidade do ensino. Investimentos em infraestrutura de TIC e em programas de formação contínua para educadores são essenciais para assegurar que a educação híbrida possa realmente beneficiar todos os segmentos da população. Notadamente no Brasil, foi esse aspecto o “calcanhar de Aquiles” da educação no período pandêmico, em que as políticas públicas foram ineficientes e o acesso às tecnologias bastante precário (senão inexistente).

Enfim, a educação híbrida na América Latina, fortalecida pelo impulso involuntário da pandemia, passou a ser vista como uma solução temporária durante o período de isolamento social, mas segue sendo um componente essencial para planejar os rumos da educação. Enquanto o impacto inicial foi pela manutenção da continuidade educacional, os efeitos a longo prazo para implementar uma educação híbrida efetiva e de qualidade dependerão da capacidade de superar desafios infraestruturais e de desigualdade. A transformação contínua e a adaptação a este modelo já se mostraram como condição para garantir que a educação híbrida possa oferecer uma experiência de aprendizagem inclusiva, acessível e de alta qualidade, como se propõe.

4. POLÍTICAS PÚBLICAS E ESTRATÉGIAS DE IMPLEMENTAÇÃO

A adoção e o sucesso da educação híbrida na América Latina, que fomentam e se aproveitam das condições decorrentes das transformações digitais, dependem significativamente das políticas públicas e das estratégias implementadas para apoiar essa transição. A pandemia de COVID-19 evidenciou a necessidade urgente de adaptar o setor educacional às demandas digitais, mas também destacou a necessidade de uma abordagem coordenada e estratégica para garantir que a transformação seja inclusiva e eficaz.

Como esperado, as políticas públicas desempenham um papel crucial na modelagem da implementação da educação híbrida, assegurando que as infraestruturas necessárias estejam no devido lugar e que todos os estudantes tenham acesso equitativo às tecnologias educacionais. Portanto, governos devem investir em:

  • Infraestrutura de TDIC (tecnologias digitais de informação e comunicação): Desenvolvimento de uma infraestrutura tecnológica robusta que possa suportar estratégias pedagógicas híbridas, garantindo que escolas em áreas urbanas e rurais tenham acesso igualitário à internet de alta velocidade e aos dispositivos necessários.

  • Formação de professores: Programas contínuos de desenvolvimento profissional que equipem os educadores com as habilidades necessárias para integrar tecnologias digitais eficazmente em suas práticas pedagógicas.

  • Acesso estudantil: Políticas que assegurem que todos os estudantes tenham acesso a dispositivos tecnológicos adequados e conexões de internet para participar de ambientes de aprendizagem híbridos, inclusive preparando-os para o envolvimento nesses novos ambientes.

Além de estabelecer políticas robustas e aproveitar efeitos da transformação digital, é fundamental que estratégias específicas sejam adotadas para enfrentar os desafios inerentes à implementação da educação híbrida, buscando promover a inclusão digital e o acompanhamento do processo. A sustentabilidade da educação híbrida, a longo prazo, depende de políticas e estratégias que abordem as necessidades imediatas, mas também promover inovações contínuas e práticas duráveis. Por exemplo, estimular e apoiar instituições de ensino a desenvolver currículos que sejam flexíveis, adaptáveis e capazes de integrar novas tecnologias e métodos de ensino-aprendizagem conforme eles evoluem (Mill, 2014MILL, Daniel. Flexibilidade Educacional na Cibercultura: analisando espaços, tempos e currículo em produções científicas da área educacional. Ried: Revista Iberoamericana de Educación a Distancia, v. 17, n. 2, p. 97-126, 2014. Disponível em: Disponível em: https://www.redalyc.org/pdf/3314/331431248006.pdf . Acesso em: 8 out. 2023.
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, 2018MILL, D. Flexibilidade pedagógica na cultura digital (verbete). In: MILL, D. Dicionário Crítico de Educação e Tecnologias e de Educação a Distância. Campinas: Papirus, 2018. p. 259-263.).

Para o sucesso da educação híbrida na América Latina, é crucial que políticas públicas e estratégias de implementação sejam bem articuladas e cuidadosamente executadas. Enfrentando desafios com planejamento eficaz e uma execução cuidadosa, os países da região podem aprimorar a educação em tempos de crise e criar uma base mais sólida para o futuro educacional. Isso requer um compromisso contínuo com investimentos em tecnologia, preparação dos educadores e inclusão de todos os estudantes, assegurando o pleno potencial transformador da educação híbrida.

5. BREVE VISÃO PROSPECTIVA E RECOMENDAÇÕES

Como argumentamos, a transição para a educação híbrida e a transformação digital na América Latina não são apenas respostas imediatas a uma crise, mas um investimento estratégico no futuro da educação. Desta forma, é importante apontar uma visão prospectiva para o desenvolvimento contínuo dessa abordagem educacional, recomendando formas de garantir que seus benefícios sejam efetivos e sustentáveis a longo prazo.

Tal garantia envolve várias dimensões: financiamento contínuo, inclusão e acesso universal, além de avaliação e revisão de políticas. Ou seja, é fundamental que governos e instituições garantam financiamento estável e contínuo para a infraestrutura tecnológica e formação de professores, permitindo que a educação híbrida evolua em resposta a mudanças tecnológicas e pedagógicas. As políticas devem também promover a inclusão, garantindo igualdade de acesso à educação híbrida para estudantes de todas as regiões e condições socioeconômicas. Adicionalmente, é crucial implementar avaliações regulares das políticas de educação híbrida para identificar necessidades de melhoria e ajustar estratégias adequadamente.

À guisa de conclusão da reflexão, é essencial reconhecer a importância da pesquisa acadêmica como uma estratégia fundamental para sustentar a relevância da educação híbrida e maximizar as vantagens da transformação digital. Através do rigor científico, a região pode enfrentar os desafios contemporâneos de forma eficaz e preparar os cidadãos para uma participação ativa na sociedade digital. Retomando um argumento anterior, essa preparação do cidadão em cenário de transformação digital pressupõe uma educação que se instala como meio e fim para a cidadania digital.

6. METODOLOGIA DA PESQUISA REVISADA

Antes de arrematar a reflexão, consideramos importante discutir alguns pontos da metodologia utilizada pelas autoras do artigo “A transformação digital na educação híbrida: o que estamos fazendo na América Latina?”. Trata-se de uma metodologia capaz de examinar a evolução e o estado recente da educação híbrida e transformação digital na região, mas alguns detalhes requerem consideração adicional para auxiliar futuros estudos.

A pesquisa adotou uma Revisão Sistemática de Literatura (RSL), uma metodologia amplamente reconhecida por sua capacidade de fornecer uma síntese abrangente e objetiva de literatura existente sobre um tema específico. Essa abordagem permite uma análise detalhada das publicações, ajudando a identificar tendências, lacunas e consensos dentro do campo estudado. A RSL é uma abordagem metodológica interessante e robusta, que explora análises bibliométricas para evidenciar como determinado tema tem sido tratado na literatura da área (Mill, 2023MILL, D. Revisão sistemática de literatura como estratégia de pesquisa: apontamento se roteiro para sua elaboração. In: MILL, D. et al. (orgs.). Diálogos sobre a Educação a Distância, Presencial e Híbrida: reflexões, estratégias e proposições. São Paulo-SP: Artesanato Educacional, 2023, p.223-240.).

Todavia, o resultado da RSL depende intrinsecamente da qualidade do desenho metodológico adotado. Alguns aspectos críticos devem ser considerados no processo:

  • Seleção das bases de dados: A escolha das bases de dados determina a amplitude e a profundidade das literaturas acessadas. Especialmente para temas emergentes, é crucial selecionar bases que abranjam uma gama representativa de publicações internacionais e regionais para capturar a diversidade de pesquisas realizadas na América Latina.

  • Descritores de busca: Os termos de busca devem ser cuidadosamente escolhidos e validados para assegurar que todas as publicações relevantes sejam consideradas. Por exemplo, é preciso cuidado e rigor na composição dos grupos semânticos dos descritores e na tradução precisa dos termos para diferentes idiomas predominantes na região, como espanhol e português, no caso latino-americano.

  • Critérios de inclusão e exclusão: Definir critérios claros e justificáveis para a inclusão e exclusão de estudos é fundamental para manter a objetividade da revisão. Esses critérios devem ser estabelecidos de forma a minimizar vieses e garantir que a análise seja representativa da produção da área.

Algumas recomendações podem ser importantes para futuras pesquisas, no sentido de evitar as limitações e fragilidades apontadas na avaliação do desenho metodológico do referido artigo “A transformação digital na educação híbrida: o que estamos fazendo na América Latina?”. Para desenhar metodologias de pesquisa como Revisão Sistemática de Literatura ou Bibliometria, para estudos regionais, recomenda-se:

  • Expansão das bases de dados: Incluir uma variedade maior de bases de dados científicas, que sejam robustas e reconhecidas, mas que representem a produção da região. Algumas bases são restritas a determinado tipo ou nível de produção, não representando a produção que se deseja analisar e limitando uma visão mais holística da área.

  • Interdisciplinaridade: Considerar a adoção de uma abordagem interdisciplinar nas pesquisas, combinando contribuições de campos diversificados. Por exemplo, a produção sobre transformação digital e educação híbrida na América Latina pode estar distribuída em áreas como educação, ciência da computação, sociologia, economia etc. Ou seja, a busca por texto nessas áreas ajudaria a entender melhor os impactos multifacetados da transformação digital.

  • Estudos longitudinais: O estudo sobre temas relativamente complexos e emergentes, como a educação híbrida e a cultura digital, requerem desenho metodológico longitudinais, para acompanhar as mudanças e tendências ao longo do tempo, proporcionando uma compreensão mais dinâmica da evolução do fenômeno estudado.

Como já afirmamos, a metodologia utilizada na pesquisa original (RSL) é adequada para a análise proposta no estudo. No entanto, aperfeiçoamentos metodológicos são necessários para superar as limitações existentes e enriquecer futuros estudos. Por toda a sua diversidade, especificidade e complexidade, analisar a realidade latino-americana sobre as transformações digitais requer abordagens metodológicas mais inclusivas e detalhadas, capazes de capturar nuances regionais e contribuir mais significativamente para o desenvolvimento de políticas e práticas educacionais na era digital.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A jornada da América Latina em direção à educação híbrida e no cenário de transformação digital, embora acelerada pela pandemia de COVID-19, revelou um cenário de intensos desafios e oportunidades significativas, inclusive após o período de isolamento social. Nesta resenha, buscamos proporcionar uma visão abrangente das dinâmicas atuais e destacamos as variáveis críticas que influenciam a eficácia da implementação dessas mudanças educacionais.

Na análise, sublinhamos a urgência e a complexidade de integrar a educação híbrida e as tecnologias digitais nos sistemas educativos da América Latina. Apesar dos avanços significativos em resposta à emergência sanitária global, persistem desigualdades substanciais no acesso à tecnologia e recursos educacionais. Essas desigualdades ameaçam a universalidade e a eficácia potencial da educação híbrida, especialmente em regiões rurais e menos desenvolvidas.

Apontamos ainda que a transformação digital, enquanto oferece novas possibilidades para a inovação pedagógica e a inclusão, requer uma abordagem cuidadosa e estratégica. A necessidade de políticas robustas, investimento contínuo em infraestrutura de TDIC, formação de professores e uma legislação flexível que acompanhe o ritmo das inovações tecnológicas são fundamentais para o sucesso dessa transição.

Diante dessas denúncias e dos desafios identificados na reflexão, é fundamental que governos, instituições de ensino e a sociedade civil redobrem seus esforços para: i) assegurar a equidade e o acesso à educação híbrida, investindo em infraestrutura de TDIC e subsidiando tecnologia; ii) preparar educadores com habilidades digitais e metodologias adaptativas para liderarem em um cenário educacional digitalizado; iii) desenvolver políticas públicas que atendam às demandas atuais e antecipem futuras necessidades educacionais e tecnológicas; e iv) promover o engajamento ativo de todos os envolvidos para garantir que as soluções educacionais sejam relevantes, culturalmente adaptadas, amplamente aceitas e efetivas no processo de redução das desigualdades, tão latente na América Latina. Todo esse processo tem potencial para superar os obstáculos históricos e emergentes, promovendo um sistema educacional mais resiliente, inclusivo e eficaz.

Finalizamos reforçando três argumentos defendidos nesta breve resenha, que representam perspectivas de análise do tema proposto no artigo: a) é crucial abordar essa transformação tecnológica, especialmente na América Latina, com uma visão crítica, reflexiva e propositiva; b) a educação híbrida emerge como uma abordagem pedagógica que funde as vantagens pedagógicas da educação a distância e presencial e, por isso, tem sido percebida como mais apropriada para tempos de cultura digital; e c) estudos científicos que busquem desvelar essa realidade devem se constituir por abordagens metodológicas coerentes com a complexidade do fenômeno, preferencialmente adotando uma triangulação metodológica. Nesse sentido, a revisão sistemática de literatura tem seu valor ímpar reservado, mas não deixa de ter suas limitações a depender da questão investigativa que os pesquisadores desejam responder.

8. REFERÊNCIAS

  • BACICH, L.; TANZI NETO, A.; TREVISANI, F. M. Ensino híbrido: personalização e tecnologia na educação. Porto Alegre: Penso, 2015.
  • CASTELLS, M. A Era da Informação: economia, sociedade e cultura. São Paulo: Paz e Terra, 1996. (A Sociedade em Rede, v. 1).
  • CASTELLS, M. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.
  • CHRISTENSEN, C. M.; HORN, M. B.; STAKER, H. Ensino híbrido: uma inovação disruptiva? Uma introdução à teoria dos híbridos. Boston: Clayton Christensen Institute, 2013. Disponível em: <Disponível em: htttp://www.christenseninstitute.org/publications/ensino-hibrido >. Acesso em: 25 abr. 2024.
    » htttp://www.christenseninstitute.org/publications/ensino-hibrido
  • GOMES, G. F. Competências da Cidadania Digital: especificação e avaliação de uma proposta de experiência de ensino-aprendizagem. Gestão.org, v. 19 n. 2, jul/dez, 2021.
  • KENSKI, V. Cultura Digital. In: MILL, D. (org.). Dicionário Crítico de Educação e Tecnologias e de Educação a Distância Campinas: Papirus, 2018. p. 139-144.
  • LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: 34, 1999.
  • MATHEOS, K. Educação híbrida: a chave da inovação nas universidades canadenses. In: REALI, A. M.; MILL, D. (Orgs.). Educação a Distância e Tecnologias Digitais: reflexões sobre sujeitos, saberes, contextos e processos. São Carlos: EdUFSCar, 2014.
  • MILL, D. Flexibilidade pedagógica na cultura digital (verbete). In: MILL, D. Dicionário Crítico de Educação e Tecnologias e de Educação a Distância Campinas: Papirus, 2018. p. 259-263.
  • MILL, D. Revisão sistemática de literatura como estratégia de pesquisa: apontamento se roteiro para sua elaboração. In: MILL, D. et al. (orgs.). Diálogos sobre a Educação a Distância, Presencial e Híbrida: reflexões, estratégias e proposições. São Paulo-SP: Artesanato Educacional, 2023, p.223-240.
  • MILL, Daniel. Flexibilidade Educacional na Cibercultura: analisando espaços, tempos e currículo em produções científicas da área educacional. Ried: Revista Iberoamericana de Educación a Distancia, v. 17, n. 2, p. 97-126, 2014. Disponível em: Disponível em: https://www.redalyc.org/pdf/3314/331431248006.pdf Acesso em: 8 out. 2023.
    » https://www.redalyc.org/pdf/3314/331431248006.pdf
  • MORAN, J. Educação híbrida: um conceito-chave para a educação, hoje. In: BACICH, L.; TANZI NETO, A.; TREVISANI, F. M. Ensino híbrido: personalização e tecnologia na educação. Porto Alegre: Penso, 2015. p. 27-45.
  • MORAN, J. Metodologias ativas e modelos híbridos na educação. In: YAEGASHI, S. et al. Novas Tecnologias Digitais: Reflexões sobre mediação, aprendizagem e desenvolvimento. Curitiba: CRV, 2017. p. 23-35.
  • SILVEIRA, S. A. Democracia e os códigos invisíveis: como os algoritmos estão modulando comportamentos e escolhas políticas. São Paulo: Edições Sesc, 2019. (Coleção Democracia Digital).
  • SORJ, B. Democracia e sociedade da informação. In: MILL, D. (org.). Dicionário Crítico de Educação e Tecnologias e de Educação a Distância. Campinas: Papirus, 2018. p. 149-151.
  • SORJ, B.: Analisa a relação entre democracia e sociedade da informação.
  • VAUGHAN, N.; CLEVELAND-INNES, M.; GARRISON, R. Teaching in blended learning environments Edmonton: AU Press, 2013.
  • VELOSO, B. G.; MILL, D.; MOREIRA, J A. Educação híbrida como tendência histórica: análise das realidades Brasileira e Portuguesa. Dialogia, n. 44, e23864, 2023.
  • 1
    Artigo publicado com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq/Brasil para os serviços de edição, diagramação e conversão de XML.

Editado por

2
Editora-Chefe participante do processo de avaliação por pares aberta: Suzana dos Santos Gomes.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    20 Abr 2024
  • Aceito
    26 Abr 2024
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