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O CINEMA BRASILEIRO SOB ATAQUE: PERSEGUIÇÕES A UM FILME HIPPIE DURANTE OS ANOS 1970

BRAZILIAN CINEMA UNDER ATTACK: PERSECUTIONS OF A HIPPIE FILM IN THE 1970S

CINE BRASILEÑO BAJO ATAQUE: PERSECUCIONES DE UNA PELÍCULA HIPPIE EN LOS AÑOS 1970

RESUMO

Entre 1970 e 1973, em parceria com uma comunidade hippie de Nova Friburgo (RJ), foi realizado o filme Geração bendita. Produzido de modo independente, o longa-metragem propunha uma celebração aos valores libertários da vida contracultural. Devido ao seu conteúdo, a obra sofreu inúmeras perseguições. O aparato autoritário da ditadura brasileira, impregnado pelo anticomunismo, interditou totalmente a exibição pública do filme. Por meio de pesquisas documentais, este artigo recupera a trajetória de uma obra que permaneceu por décadas marginalizada historicamente. O estudo desse caso, levando-se em conta dimensões estruturais do regime ditatorial, possibilita conhecer características do sistema repressivo existente no Brasil dos anos 1970.

PALAVRAS-CHAVE:
Ditadura brasileira (1964-1985); Cinema brasileiro; Cinema e contracultura hippie; Sistema repressivo; Censura no regime autoritário; Geração bendita

ABSTRACT

From 1970 to 1973, the movie Geração bendita was made in partnership with a hippie community in Nova Friburgo (Rio de Janeiro). Produced independently, the feature film celebrated the libertarian values of countercultural life. Due to its content, the movie suffered numerous persecutions. The authoritarian apparatus of the Brazilian dictatorship (based on anti-communism) banned the film from public exhibition. By researching historical documents, this study retrieves the trajectory of an artistic work that remained marginalized for decades. This study, considering the structural dimensions of the dictatorial regime, provides insight into the characteristics of the repressive system in Brazil during the 1970s.

KEYWORDS:
Brazilian dictatorship (1964-85); Brazilian cinema; Cinema and hippie counterculture; Repressive system; Censorship under the authoritarian regime; Geração bendita

RESUMEN

Entre 1970 y 1973, en colaboración con una comunidad hippie de Nova Friburgo (Rio de Janeiro, Brasil) se produjo la película Geração bendita. De producción independiente, el largometraje era una celebración de los valores libertarios de la vida contracultural. Debido a su contenido, la obra artística sofrió numerosas persecuciones. El aparato autoritario de la dictadura brasileña, impregnado de anticomunismo, prohibió la exhibición pública de la película. A partir de la investigación documental, este artículo recupera la trayectoria de una obra que permaneció históricamente marginada durante años. Teniendo en cuenta las dimensiones estructurales del régimen dictatorial, el estudio de este caso permite conocer las características del sistema represivo que existía en Brasil durante la década de 1970.

PALABRAS CLAVE:
Dictadura brasileña (1964-1985); Cine brasileño; Cine hippie y contracultura; Sistema represivo; La censura bajo el régimen autoritario; Geração bendita

Por décadas, o filme Geração bendita foi relegado ao esquecimento. Produzido entre 1970 e 1973, em parceria com hippies de Nova Friburgo, Rio de Janeiro, o longa-metragem seria marginalizado historicamente devido às perseguições sofridas durante a ditadura brasileira (1964-85). O temor associado à contracultura, receio de que seus valores promovessem desagregações morais e políticas, levaria o regime autoritário a oprimir uma película cinematográfica em celebração à vida comunitária alternativa. A partir de pesquisas documentais, o texto a seguir investiga o filme Geração bendita, destacando sobretudo as violências que enfrentou no decorrer de sua trajetória. Retirar a obra das sombras permite analisar aspectos e práticas do sistema repressivo existente no Brasil dos anos 1970.1 1 Este estudo foi financiado pela Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), Processo SEI 260003/000707/2023.

“SE NÃO HOUVER UMA DEFESA DA DIGNIDADE, VEREMOS ESSES RAPAZES USANDO BRINCOS E OUTROS ARTIFÍCIOS QUE DESFIGURAM A IMAGEM DE MASCULINIDADE”

Proveniente de uma família rica de Nova Friburgo, Carl Kohler tinha cerca de 27 anos quando decidiu experimentar uma vida fora dos padrões convencionais da sociedade. Por volta de 1968, após regressar de uma viagem pela Europa e pelos Estados Unidos, Kohler resolveu morar em um sítio pertencente aos seus pais, onde se dedicaria ao plantio de rosas e produtos alimentícios. Aos poucos, nos meses que se seguiram à sua decisão, outros jovens também optariam por residir no mesmo espaço. As duas “casas de roça” existentes no sítio, “feitas de pau e pique e telha, sem forro”, passaram a ser ocupadas por conhecidos de Kohler dispostos a romper com regras e instituições sociais consideradas castradoras, hierárquicas e coercitivas (Viany, 1973VIANY, Alex. As aventuras de um filme “hippie”. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 5 jun. 1973.). Optando por exilar-se do universo urbano, pela vida em um local que sequer tinha instalação elétrica, o grupo buscava a possibilidade de uma existência alternativa em integração orgânica com a natureza. Tal evasão do mundo, drop out coletivo ocorrido em Nova Friburgo, resultaria no surgimento de uma das primeiras comunidades hippies formadas no Brasil. A partir da venda de artesanatos e de produtos cultivados na terra, os integrantes do sítio Quiabo’s garantiam uma subsistência destituída das obsessões próprias ao consumismo (Uma comunidade..., 1970UMA COMUNIDADE hippie poderá tornar-se muito breve empresa cinematográfica. Revista Manchete, Rio de Janeiro, n. 962, 26 set. 1970, p. 40-42.).

Provavelmente em 1969, a comunidade hippie de Quiabo’s foi procurada por um jovem cineasta disposto a registrar o seu cotidiano. Estudante universitário de Direito e integrante de uma companhia amadora de teatro (Filme..., 1968FILME de Carlos Bini mostra o misticismo. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 16 out. 1968.), Carlos Roberto Bini era uma figura conhecida nas rodas culturais de Nova Friburgo. Em 1968, a partir de um esquema artesanal de produção, Bini havia dirigido um curta-metragem experimental intitulado Cristo afogado. Em convergência com a temática de Os incompreendidos (1959), de François Truffaut, a sua obra de estreia promovia um elogio à desobediência civil, narrando a história de um adolescente que confronta o poder das autoridades em meio a seus desejos por uma vida mais livre. Repleto de precariedades técnicas, Cristo afogado propunha insurgências contra as instituições educacionais, jurídicas e católicas, assim como ironias às manifestações políticas de esquerda, desdenhadas no filme por sua incapacidade de responder às novas demandas comportamentais da juventude. Exibido em novembro de 1968 no IV Festival de Cinema Amador JB-Mesbla, o curta-metragem de Bini materializava-se como celebração dos potenciais libertários existentes na vida contracultural. Diante da ausência de dados biográficos mais precisos sobre o cineasta, a narrativa presente em Cristo afogado ajuda a compreender melhor o seu interesse pelo grupo hippie de Nova Friburgo. Ele, que desejava largar tudo para também morar no sítio Quiabo’s, lá esteve em 1969, com uma câmera 16mm, filmando aspectos da vida alternativa em comunidade. Como resultado dessa experiência, aparentemente bem-recebida por todos os envolvidos, nasceria o projeto de realizar um longa-metragem em parceria direta com os hippies da Quiabo’s (Uma comunidade..., 1970UMA COMUNIDADE hippie poderá tornar-se muito breve empresa cinematográfica. Revista Manchete, Rio de Janeiro, n. 962, 26 set. 1970, p. 40-42.). Atribuída a Carl Kohler, a proposta interessaria muito a Bini, que, após dirigir o seu segundo curta-metragem amador, Erotismo (1969), encontrava-se disposto a trabalhar em um filme com produção de natureza mais profissional (Filme..., 1969: 10).

Com o intuito de efetivar o projeto, que desde o início recebeu o título de Geração bendita, Kohler e Bini sentiriam a necessidade de procurar alguém que tivesse maior conhecimento sobre as práticas de produção cinematográfica. Em Nova Friburgo, a despeito dos curtas dirigidos por Bini, quase todos eram inexperientes em relação ao fazer audiovisual. Diante do desejo de que Geração bendita fosse um filme bem-feito, capaz de circular nas salas comerciais de cinema, fazia sentido encontrar um parceiro de criação cujo profissionalismo garantisse qualidade técnica à empreitada artística. Por ter trabalhado anteriormente com Bini, em um documentário que dirigiu sobre o carnaval de Nova Friburgo, Fritz Meldy Lucien Mellinger seria convidado a integrar a equipe disposta a realizar um filme em torno da comunidade hippie de Quiabo’s (Viany, 1973VIANY, Alex. As aventuras de um filme “hippie”. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 5 jun. 1973.). De origem francesa, atuante no setor cinematográfico desde 1932, Mellinger parecia reunir os quesitos essenciais para assegurar a concretização de Geração bendita. Dono de uma produtora carioca fundada em 1945, a Meldy Filmes, ele tinha não apenas uma ampla experiência como diretor de fotografia e montador de cinejornais, mas também o conhecimento advindo dos trabalhos em longa-metragem dos quais participou ativamente da realização. Versátil, responsável pela sonorização de E o circo chegou (1941), de Luiz de Barros, e pela edição de Uma aventura aos 40 (1946), de Silveira Sampaio, Mellinger poderia agregar uma expertise plural aos jovens determinados de Nova Friburgo.2 2 As informações sobre a trajetória de Mellinger foram encontradas em um documento localizado na Cinemateca do Museu de Arte Moderna, Rio de Janeiro, pasta MELLINGER, F. M. L., número 5831. Com cerca de 55 anos, ele aceitou o convite feito por Kohler e Bini, um convite a partir do qual acabaria atuando como produtor, fotógrafo, montador e finalizador do filme Geração bendita.

Uma vez reunidos os principais articuladores do projeto, além de formada a equipe como um todo, a realização efetiva do longa-metragem estava apta a começar. Sem escapar das precariedades próprias a uma produção de baixo orçamento, os integrantes de Geração bendita viram-se diante de complicados desafios desde o início dos trabalhos. Se havia o desejo de superar o amadorismo, algo que resultou na aproximação com Mellinger e na decisão de fazer o filme com película colorida, ao mesmo tempo tal anseio esbarrava nas condições materiais concretas, cujas limitações impediam a contratação de atores profissionais ou a aquisição de materiais de filmagem em quantidade suficiente. Em uma face da moeda, Geração bendita nascia como uma coprodução em parceria com a Meldy Filmes, empresa atuante há décadas. Na outra face, em uma cidade interiorana destituída de tradição cinematográfica, o projeto só pôde ser concretizado graças ao dinheiro arrecadado pela mãe de Carl Kohler, que vendeu três casas e dois terrenos para que o filho pudesse alcançar a sua aspiração de produzir um filme (Viany, 1973VIANY, Alex. As aventuras de um filme “hippie”. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 5 jun. 1973.). Nesse meio termo entre o amadorismo e a profissionalização, as filmagens de Geração bendita, ao que tudo indica, iniciaram-se em agosto de 1970 (Filme..., 1973FILME mostra a vida de “hippies” em Friburgo. O Globo, Rio de Janeiro, 8 mar. 1973.). A partir de registros documentais e performáticos feitos em parceria com os integrantes do sítio Quiabo’s, além das gravações de uma narrativa na qual um advogado insatisfeito transforma-se em hippie liberto, o projeto cinematográfico dirigido por Bini ia, aos poucos, tomando forma. Na medida do possível, as coisas avançavam. Em Nova Friburgo, aparentemente poucos demonstravam incômodo com os jovens travestidos em cores berrantes que volta e meia performatizavam diante das câmeras (Artistas..., 1970ARTISTAS presos e cabeças raspadas. O Dia, Rio de Janeiro, 27 nov. 1970.). Esse suposto clima de tranquilidade, no entanto, não demoraria a desmoronar. Nesse exato momento, o Brasil vivia o auge repressivo de uma ditadura política. A intolerância das autoridades contra os hippies, uma das tantas faces sombrias do regime autoritário, não permitiria que a equipe de Geração bendita ficasse incólume à violência.

Conforme evidencia o historiador Leon Kaminski (2016KAMINSKI, Leon. O movimento hippie nasceu em Moscou: imaginário anticomunista, contracultura e repressão no Brasil dos anos 1970. Antíteses, Londrina, v. 9, n. 18, p. 467-493, 2016.; 2023KAMINSKI, Leon. A revolução das mochilas: contracultura e viagens no Brasil ditatorial. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2023.), no decorrer da ditadura, sobretudo na primeira metade dos anos 1970, os hippies enfrentaram duras perseguições provenientes de setores civis e militares da sociedade brasileira. Por suas atitudes marginais e antissistêmicas, em refutação às acomodações sociais e negociações políticas, os hippies acabariam adquirindo uma imagem de vilania no pensamento conservador, difundido durante o regime autoritário. Para muitos que naquele momento detinham poder a exemplo de generais, políticos e lideranças religiosas, a juventude contracultural emergia como uma espécie de nova faceta do comunismo internacional na tentativa de destruir os valores pertencentes ao Ocidente cristão (Kaminski, 2023KAMINSKI, Leon. A revolução das mochilas: contracultura e viagens no Brasil ditatorial. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2023.: 21). A partir da “grande recusa” à sociedade instituída, por meio de uma automarginalização social perpassada pela liberdade sexual, pelo exílio na natureza ou pelo uso de substâncias alteradoras da consciência, o movimento hippie era acusado de desestabilizar instituições nucleares como a família tradicional e a igreja, corrompendo os bons caminhos destinados à juventude brasileira. Tal deturpação, acreditava-se, fazia parte do “perigo vermelho”: as práticas rebeldes da contracultura, ao enfraquecerem os valores morais e hierárquicos que supostamente davam sustentação ao país, abriam as portas para a influência perversa dos comunistas e, consequentemente, para uma possível tomada de poder pelos “inimigos” da nação (Kaminski, 2016KAMINSKI, Leon. O movimento hippie nasceu em Moscou: imaginário anticomunista, contracultura e repressão no Brasil dos anos 1970. Antíteses, Londrina, v. 9, n. 18, p. 467-493, 2016.). Em um período no qual o regime autoritário gozava de significativo consentimento social (Cordeiro, 2015CORDEIRO, Janaína Martins. Ditadura em tempos de milagre: comemorações, orgulho e consentimento. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2015.), ápice das propagandas governamentais otimistas em torno do “milagre econômico” e da “salvação da pátria” pela ditadura (Fico, 1997FICO, Carlos. Reinventando o otimismo: ditadura, propaganda e imaginário social no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1997.), o imaginário anticomunista atualizava-se para incluir os hippies como parte substancial das ameaças existentes. Para salvar os jovens da danação, mantê-los dentro da ordem e do respeito às autoridades, era preciso criminalizar aqueles que subvertiam os costumes e comportamentos.

No intuito de agir contra o perigo hippie, as forças a serviço da ditadura mobilizariam inúmeros aparatos policiais ao redor do país. Legitimadas pelo pensamento conservador e anticomunista, as perseguições à vida contracultural espalharam-se nacionalmente a partir de 1970, atingindo inclusive pequenas cidades onde os delegados locais tornavam-se responsáveis pelas práticas abusivas de repressão (Kaminski, 2016KAMINSKI, Leon. O movimento hippie nasceu em Moscou: imaginário anticomunista, contracultura e repressão no Brasil dos anos 1970. Antíteses, Londrina, v. 9, n. 18, p. 467-493, 2016.: 478). Em se tratando de Nova Friburgo, no momento em que ocorriam as filmagens de Geração bendita, tal atribuição encontrava-se nas mãos do delegado Amil Nei Reichard. No dia 26 de novembro de 1970, em um episódio marcado pela violência, doze integrantes da equipe de Geração bendita foram enquadrados por policiais enquanto realizavam gravações na praça principal de Nova Friburgo. Além de apreenderem o jipe utilizado no filme, todo pintado com símbolos e dizeres contraculturais, os policiais responsáveis pela ação também receberiam a ordem de punir disciplinarmente os jovens hippies. Em nome da moral e dos bons costumes, fazia-se necessário transformá-los em exemplo para toda a cidade. Levados ao Salão Sayonara, nove integrantes masculinos da equipe, incluindo Bini e Kohler, tiveram seus cabelos raspados e suas barbas escanhoadas. Momentos depois, ainda não satisfeito, Reichard resolveu deslocá-los à delegacia, onde obrigou-os a jogar no lixo suas vestes, além de impor-lhes um banho com escovação à água e sabão. Após 24 horas presos, sob ameaças de outras represálias, os hippies foram ordenados a abandonar Nova Friburgo em no máximo cinco dias (Artistas..., 1970ARTISTAS presos e cabeças raspadas. O Dia, Rio de Janeiro, 27 nov. 1970.; Delegado..., 1970DELEGADO declarou guerra aos cabeludos de Friburgo. O Dia, Rio de Janeiro, 28 nov. 1970.). Apesar de ter sido ator no filme Assalto ao trem pagador (1962), o delegado Reichard não teve qualquer empatia com a equipe de Geração bendita (Filme..., 1970). A ela, aplicou punições físicas e simbólicas, destituindo-a da identidade contracultural característica do movimento hippie. A rebeldia dos cabelos longos, das barbas por fazer e das vestes exóticas, vista como perigo comunista de degradação moral, foi violentamente reprimida pelo poder das tesouras e do asseio com água e sabão. Para o delegado, o corpo tinha a obrigação de se ajustar às convenções sociais.

Nos dias seguintes ao episódio, Reichard seria procurado por jornalistas dispostos a noticiar o acontecimento. Entre 27 e 30 de novembro, diversas notas publicadas pela imprensa reproduziriam opiniões do delegado sobre as perseguições aos hippies. A partir dessas notícias, torna-se possível conhecer os pretextos que levaram Reichard a agir com truculência contra a equipe responsável por Geração bendita. Curiosamente, as justificativas apresentadas por ele se aproximavam, em boa medida, de alguns pilares do imaginário anticomunista que anos antes oferecera sustentação ideológica ao Golpe Civil-Militar de 1964 (Motta, 2020MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o perigo vermelho: o anticomunismo no Brasil (1917-1964). Niterói: Eduff, 2020.). Como no passado recente, a legitimação da violência tinha como base a difusão do medo e do pânico social.

Para defender seus atos, Reichard apresentou aos jornalistas uma série de justificativas. De acordo com o delegado, os hippies do sítio Quiabo’s, contando com integrantes estrangeiros, vinham há semanas desestabilizando a vida pacata de Nova Friburgo (Artistas..., 1970ARTISTAS presos e cabeças raspadas. O Dia, Rio de Janeiro, 27 nov. 1970.). A “suíça brasileira” - alcunha aristocrática pela qual é conhecida a cidade, dotando-a de um ilusório sentido de perfeição social (Araújo, 2018ARAÚJO, João Raimundo de. Nova Friburgo: a construção do mito da “suíça brasileira” (1910-1960). Rio de Janeiro: Revan, 2018.) - encontrava-se sob risco de deterioração com o auxílio de figuras estranhas advindas de outros países. Não bastasse tal ameaça, simbolizada sobretudo pelos soviéticos comunistas, outro fator inquietava o delegado e exigia uma urgente intervenção policial. Segundo supostas informações, os moradores do sítio Quiabo’s vinham corrompendo moralmente garotas menores de idade vindas da cidade do Rio de Janeiro (Guerra..., 1970GUERRA em Friburgo: polícia x hippies. O Fluminense, Niterói, 27 nov. 1970.). Sem apresentar fontes para as suas acusações, Reichard lançava mão de outro artifício emocional típico das campanhas anticomunistas existentes durante a ditadura: tratava-se de salvar os ingênuos, principalmente as garotas “frágeis”, dos perigos de depravação propiciados pela vilania. Por fim, mas não menos importante, o delegado posicionava-se como defensor máximo da moralidade. Ao acusar os hippies de traficar entorpecentes e de impor padrões de vida incompatíveis com as tradições familiares e cristãs, ele alertava para os riscos de um futuro tenebroso: “Se não houver [...] uma defesa enérgica da dignidade humana, veremos esses rapazes de lábios e faces pintadas usando brincos e outros artifícios que desfiguram a imagem de masculinidade que todos deveriam ter” (Delegado..., 1970DELEGADO declarou guerra aos cabeludos de Friburgo. O Dia, Rio de Janeiro, 28 nov. 1970.). Em nome dos valores tradicionais e da “segurança nacional”, colocando os hippies na condição de novos agentes do comunismo, Reichard reproduzia os elementos estruturais da repressão ditatorial à contracultura.

Abalada com a violência, mas disposta a dar continuidade aos trabalhos, a equipe de Geração bendita decidiu se afastar de Nova Friburgo para realizar as próximas diárias de filmagem. A saída da cidade, entretanto, não garantiria a tranquilidade necessária. Nos municípios fronteiriços de Santo Antônio de Pádua e Itaocara, na região norte do estado do Rio de Janeiro, a equipe sofreria novas perseguições, dessa vez sob comando do delegado Moacir Bellot. Entre os dias 1 e 3 de dezembro de 1970, impedidos pela polícia de deixar os limites de uma fazenda, os integrantes do filme seriam hostilizados pela população local, que maldosamente apelidaria a obra em produção de “Geração maldita” (Erotismo..., 1970EROTISMO irritou famílias. Correio da manhã, Rio de Janeiro, 2 dez. 1970.; Gravação..., 1970GRAVAÇÃO de 12 guitarras à noite motivou a expulsão dos “hippies” de N. Friburgo. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 3 dez. 1970.).

As semanas posteriores aos episódios de violência, sobre as quais não foram localizadas informações, permanecem um grande mistério na trajetória do longa-metragem hippie. Uma notícia publicada meses depois no Jornal do Brasil, em 4 de março de 1971, sugere que o término das filmagens teria ocorrido às escondidas para evitar novos conflitos com as autoridades policiais. Aparentemente, nesse momento já existia um corte final de Geração bendita. Mais críveis, porém, são dois documentos encontrados dentro do processo de censura do longa-metragem.3 3 Para evitar o uso excessivo de remissões bibliográficas no corpo do texto, informo ao leitor que todos os documentos e citações referentes ao processo censório de Geração bendita, sejam entre aspas ou indiretas, foram extraídas de Arquivo Nacional/DF, Fundo DCDP, Seção Censura Prévia, Série Cinema, Subsérie Filmes, caixa 480. A partir de recibos emitidos pela Líder Cine Laboratórios S/A, à época uma das maiores empresas de revelação de películas cinematográficas no Brasil, torna-se possível localizar a data precisa na qual foram produzidos os materiais fílmicos destinados à avaliação de Geração bendita pelos censores à serviço do regime autoritário. Em 31 de agosto de 1971 estava pronta na Líder uma cópia colorida e completa do filme, em bitola 35mm. Dias depois, em 3 de setembro, saía dos laboratórios o trailer destinado a circular nas salas comerciais de cinema. A despeito de tudo, a obra passava a existir. E os incômodos que ela provocaria, diga-se de passagem, estavam longe de terminar.

“NO MOMENTO EM QUE NÃO SE MEDEM ESFORÇOS PARA MELHORAR AS CONDIÇÕES DO PAÍS, APROVAR-SE UM FILME COMO ESTE SERIA IR CONTRA OS NOSSOS IDEAIS”

Durante o regime autoritário, com variações de poder e intensidade, perduraram práticas de censura contra o campo cultural brasileiro. Sob o resguardo de leis restritivas à livre produção e circulação de obras artísticas, o que conferia uma aparência de legalidade aos abusos do Estado, arbitrariedades foram cometidas no sentido de restringir criações culturais antagônicas às dimensões morais e políticas defendidas pela ditadura (Kushnir, 2004KUSHNIR, Beatriz. Cães de guarda: jornalistas e censores, do AI-5 à Constituição. São Paulo: Boitempo, 2015.). Com o pretexto de proteger o que o receituário conservador definia como “família padrão”, organizada em torno do matrimônio, da religiosidade cristã e de valores típicos da moralidade burguesa (Cardenuto, 2021CARDENUTO, Reinaldo. Os homens que eu tive (1973), de Tereza Trautman: questionamento moral e censura ao cinema durante o regime militar brasileiro. In: FICO, Carlos; GARCIA, Miliandre (org.). Censura no Brasil Republicano: governo, teatro e cinema. v. 1. Salvador: Sagga, 2021. p. 149-177.), a censura agia metodicamente para tolher formas de expressão que lhe parecessem desviantes e perigosas. Para os responsáveis pela ação repressiva, entre eles os técnicos que escreviam pareceres analisando os materiais artísticos, tratava-se de proibir possíveis perturbações à ordem social instituída. Conforme evidencia Coriolano de Loyola Cabral Fagundes, censor que em 1975 publicou um livro sobre seu ofício, era abrangente a lista em torno do que poderia ser coibido pelo governo ditatorial. Pelas leis em vigor, reforçadas pelos subterrâneos do poder, as proibições e os cortes poderiam ser impostos a obras que criticassem o regime autoritário, difundissem ideários de esquerda, atacassem de algum modo o pudor e os bons costumes, ou valorizassem comportamentos alternativos ao ideal conservador de família. Essas e outras orientações, pouco transparentes para os agentes do meio cultural, davam subsídio ao funcionamento da censura.

Tratando-se especificamente do campo cinematográfico, em que se situa Geração bendita, a análise realizada pela censura, à caça de eventuais proibições, iniciava-se apenas quando um filme já se encontrava totalmente finalizado. Ao contrário das regras vigentes para as práticas teatrais, em que os censores avaliavam os textos das peças para determinar restrições à futura encenação nos palcos, no caso do setor fílmico, o julgamento dava-se somente quando as obras encontravam-se prontas, na iminência de sua circulação pública. Se nisso havia algo aparentemente “bom”, o fato de as equipes de cinema não serem incomodadas pela censura durante a feitura de um trabalho, também havia algo de muito perverso: a possibilidade de um filme ser inteiramente vetado após todos seus custos técnicos e orçamentários de produção. Como parte das lógicas permeadas pelo abuso político, uma obra cinematográfica somente poderia ser difundida em festivais ou entrar comercialmente em cartaz caso recebesse certificados obrigatórios de exibição emitidos pelo Estado. Se não atendesse às eventuais modificações exigidas pelos censores, ou fosse simplesmente interditada em sua totalidade, o destino da película tendia a ser a marginalização histórica, mercadológica e social.

Sob o peso de um dos principais paradigmas repressivos da ditadura, a questão do desvio moral como grande perigo político, filmes que tematizavam projetos alternativos de existência encontravam menores possibilidades de negociação com a censura (Cardenuto, 2021CARDENUTO, Reinaldo. Os homens que eu tive (1973), de Tereza Trautman: questionamento moral e censura ao cinema durante o regime militar brasileiro. In: FICO, Carlos; GARCIA, Miliandre (org.). Censura no Brasil Republicano: governo, teatro e cinema. v. 1. Salvador: Sagga, 2021. p. 149-177.). Vidas contraculturais, sexualidades diversas da heteronormatividade monogâmica, comportamentos desviantes ou o consumo de drogas ilícitas, tópicos vistos como fatores de risco para a “segurança nacional” (Silva, 1974SILVA, A. C. Pacheco e. Hippies, drogas, sexo, poluição. São Paulo: Martins, 1974.), enfrentavam diversas dificuldades de liberação e circulação quando pensados dentro de um viés artístico provocativo. Provavelmente a equipe de Geração bendita não tinha clareza do problema, mas o ponto é que a ideologia em defesa da família padrão, que conferia apoio institucional e social às repressões policiais contra os hippies, era também aquela que definia muitas das atitudes tomadas pelos técnicos responsáveis pela censura. Na extensa rede que interligava as esferas de repressão, rede fluida marcada por acordos e conflitos de poder, uns detinham as tesouras físicas, literais, enquanto outros usavam tesouras simbólicas, responsáveis por perseguições ao campo cultural. Consequentemente, a situação nada tinha de favorável para a equipe de Geração bendita. Às voltas com as pressões advindas do imaginário anticomunista, obrigados a lidar com censores aparelhados para perseguir obras contraculturais, os responsáveis pelo filme corriam o risco de viver uma completa interdição de seu trabalho artístico.

Desde a sua primeira versão, finalizada em 1971 e infelizmente desaparecida, Geração bendita era um projeto em franca celebração aos valores anti-hegemônicos hippies. Como evidenciam os vestígios históricos remanescentes, sobretudo documentos da censura e informações publicadas em jornais, a montagem inicial do longa-metragem já continha os principais traços criativos que o tornariam singular enquanto obra cinematográfica. Em boa medida, Geração bendita é um filme ficcional no qual acompanhamos a ruptura de um advogado em relação às pressões e aos valores da vida burguesa. Alter ego do cineasta Carlos Bini, o protagonista da trama é um homem abatido, cercado por problemas, que decide “cair fora” do sistema para viver de modo alternativo ao lado dos hippies integrantes do sítio Quiabo’s. Como uma espécie de pedagogia libertária, de redenção a partir da “grande recusa”, a narrativa do filme enaltece a existência contracultural como um caminho possível para o encontro da felicidade.

Em complemento a essa exaltação presente no enredo ficcional, buscando evidenciar a concretude da vida alternativa, Geração bendita materializa em seu tecido fílmico uma série de registros documentais em torno da comunidade hippie de Nova Friburgo. Abertas à performance coletiva dos corpos, impregnadas de “realidade palpável”, tais sequências manifestam em sons e imagens a essência de um viver fora dos padrões convencionais de sociedade. Acompanhadas pelo rock psicodélico da banda Spectrum, eventualmente atravessadas por danças, cânticos e rituais, elas ilustram dimensões ontológicas da filosofia hippie: o amor livre, a relação orgânica com a natureza, a ruptura com o consumismo, a ampliação dos sentidos por meio das drogas, a coletivização do trabalho etc. (Napolitano, 2023NAPOLITANO, Marcos. Juventude e contracultura. São Paulo: Contexto, 2023.). Somados à narrativa ficcional, são momentos que conferem à Geração bendita um lugar único na produção cinematográfica brasileira dos anos 1970, independentemente de suas muitas precariedades técnicas. De fato, no contexto histórico mais repressivo do regime autoritário, o filme propunha um evidente elogio à existência contracultural. Para os censores à serviço da ditadura, um enaltecimento difícil de aceitar.

No dia 17 de novembro de 1971, por solicitação do produtor Fritz Mellinger, teve início o processo de censura referente à primeira versão de Geração bendita. Cerca de uma semana depois, em 23 de novembro, o primeiro parecer de análise do filme seria emitido pela censora Myrtes Nabuco de Oliveira Pontes. Totalmente avessa ao longa-metragem, denunciando-o por conter “aspectos negativos e deprimentes, como cenas de nudismo coletivo [...] [e] achincalhe à religião”, Pontes votaria pela completa interdição da película. Em sua opinião, tratava-se de impedir a circulação de um “filme pernicioso à juventude facilmente sugestionável por inovações de ideias e costumes”. No dia seguinte, em parecer de 24 de novembro, Hellé Prudente Carvalhêdo acompanharia o voto de sua colega. Também considerando Geração bendita um “fator de indução negativa no comportamento dos jovens”, ela se posicionaria contra o que considerava uma obra de negação às “normas da moral e dos costumes”.

Dias depois, em 30 de novembro, três novos pareceres seriam emitidos. Como os anteriores, todos sugeriam a interdição completa de Geração bendita. Econômico em suas palavras, Carlos Alberto Braz de Souza criticaria o filme por contrariar o “princípio de união da família, [apresentando] [...] um grupo de desajustados [que] tenta constituir comunidades regidas por leis próprias”. A criminalização dos valores hippies, enxergando neles um desvio moral que leva ao risco político, apareceria como ponto central no parecer emitido por Heloisa M. D. d’Oliveira. Um ano após o triunfo brasileiro na Copa do Mundo de Futebol e meses antes do Sesquicentenário da Independência, momento histórico de grande comoção nacionalista (Cordeiro, 2015CORDEIRO, Janaína Martins. Ditadura em tempos de milagre: comemorações, orgulho e consentimento. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2015.), d’Oliveira impregnaria o seu parecer com um rompante patriótico em defesa da nação. De acordo com suas palavras, “no momento em que não se medem esforços para melhorar as condições do país, aprovar-se um filme como este seria ir contra os nossos ideais. [A obra é] um depoimento de desânimo e de falta de cooperação a um esforço comum”. Finalmente, a última avaliação seria realizada por Manoel Felipe de Souza Leão Neto. Com críticas à qualidade artística de Geração bendita, Leão Neto escreveria o parecer mais aguerrido contra os valores defendidos pela comunidade hippie. Após considerar a vida contracultural como a “busca de um ideal desconhecido”, “quando os jovens abandonam os lares e a sociedade tradicional [...] [e perambulam] sujos, famintos [e] sem recursos”, o técnico da censura concluiria seu texto com um desagravo cívico ao longa-metragem de Bini. Fazendo parte das engrenagens de repressão, ele afirmaria: “o governo da República não aceita exteriorizações que estimulem a licenciosidade, insinuem o amor livre e tentem destruir os valores morais da sociedade”.

Ainda que Geração bendita não propusesse um ataque ao regime autoritário, e nem contivesse uma experiência criativa de agressão à sensibilidade dos espectadores, o fato é que sua recepção por parte da censura foi terrivelmente ruim. Por exibir o cotidiano de uma comunidade hippie, celebrando seus ideais com cenas de banho nu coletivo ou uso de entorpecentes, o filme encontraria uma barreira intransponível em 1971. Não havia sexo explícito ou sequências violentas, a ingenuidade romântica atravessava as representações da vida contracultural, mas, mesmo assim, parecia improvável garantir a livre circulação pública de uma obra como Geração bendita. Tal fosso, obviamente, não era exclusivo à película de Bini. Filmes como Os homens que eu tive (1973), de Tereza Trautman, A noite do desejo (1973), de Fauzi Mansur, ou Amante muito louca (1973), de Denoy de Oliveira, todos contendo sexualidades desviantes em relação à família tradicional, enfrentariam graves intervenções e interdições durante suas passagens pela censura (Cardenuto, 2021CARDENUTO, Reinaldo. Os homens que eu tive (1973), de Tereza Trautman: questionamento moral e censura ao cinema durante o regime militar brasileiro. In: FICO, Carlos; GARCIA, Miliandre (org.). Censura no Brasil Republicano: governo, teatro e cinema. v. 1. Salvador: Sagga, 2021. p. 149-177.).

No caso específico de Geração bendita, porém, há um agravante a ser considerado. No decorrer dos anos 1970, com variações ainda não esclarecidas, a Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP), órgão responsável pelos processos censórios, vivia em seu cotidiano uma série de pressões advindas da sociedade civil e de outras esferas governamentais.4 4 Sobre esta questão, recomendo um texto de Carlos Fico (2021) que analisa as cartas enviadas pela sociedade civil à DCDP, em boa medida correspondências que pressionavam a censura para que agisse com maior rigor. Uma dessas pressões, por exemplo, referia-se aos cuidados que a DCDP deveria ter em relação aos destinos do campo cinematográfico. Tendo em vista que o regime ditatorial fazia altas apostas na industrialização do cinema brasileiro, principalmente a partir das políticas culturais da Embrafilme (Amancio, 2011AMANCIO, Tunico. Artes e manhas da Embrafilme. Rio de Janeiro: Eduff, 2011.), fazia-se necessário evitar que o próprio governo, por meio da censura, agisse de modo a interditar excessivamente a circulação de filmes nacionais. No esquema autoritário do assopra e morde, com um órgão público financiando a produção e outro proibindo a exibição, impunha-se encontrar alguma forma possível de equilíbrio. Apesar das pretensas imoralidades, os filmes precisavam entrar em cartaz nas salas de cinema. Sua comercialização era essencial não apenas para manter aquecido o mercado cinematográfico doméstico, mas também para garantir avanços no projeto industrial estimulado pela ditadura.

Em certa medida, essa situação explica o fato de que as interdições completas às películas não eram a ação mais recorrente da censura. Ao invés de impedir totalmente a circulação pública das obras, não lhes concedendo um certificado de exibição, a DCDP concentrava esforços na imposição de cortes ou alterações que permitissem liberar os filmes para comercialização. Essas pressões que incidiam sobre a censura, a exigir-lhe razoabilidade, tendiam a crescer quando o processo censório se referia a longas-metragens com maior capital político e econômico. Uma obra coproduzida pela Embrafilme, de certo modo com o selo oficial do Estado, tinha maiores chances de negociação e condescendência por parte da DCDP. Uma tendência parecida ocorria, arrisco dizer, quando se tratava de películas oriundas de produtoras significativas para o mercado. Em relação a empresas pequenas, que pouco contavam com poder político e econômico, as pressões em nome da razoabilidade acabavam diminuindo consideravelmente. Geração bendita, portanto, encontrava-se numa grande encruzilhada. Não bastasse a perseguição à temática hippie, questão vista pela censura quase como um tabu, o filme dirigido por Bini havia sido realizado dentro de um esquema radicalmente independente, sem contar com apoio estatal ou com uma empresa cinematográfica de peso. Entre o amadorismo e o profissionalismo, sem escapar às precariedades, a equipe de Geração bendita dificilmente conseguiria exercer pressões sobre a censura ditatorial.

O fato de Geração bendita ser uma produção independente, aliás, talvez ajude a compreender os próximos acontecimentos que envolveram a sua história. No dia 20 de janeiro de 1972, em concordância com os pareceres emitidos pelos técnicos da censura, Rogério Nunes, chefe do SCDP/DCDP,5 5 Em 1972, no Distrito Federal, o setor governamental intitulado Serviço de Censura de Diversões Públicas passou a se chamar Divisão de Censura de Diversões Públicas. Essa mudança, que em parte relaciona-se à centralização de procedimentos em Brasília, ocorreu justamente durante o processo censório de Geração bendita. No corpo do texto, tendo em vista a nomenclatura final do setor, utilizo sempre DCDP. oficializaria a interdição total do longa-metragem produzido em Nova Friburgo. A partir de uma portaria assinada por ele naquela data, o filme dirigido por Bini passava a ser uma obra proibida de circular em qualquer parte do amplo território nacional. Diante dessa drástica imposição da censura, Geração bendita corria um sério risco de anulação histórica. Do ponto de vista de seus realizadores, fazia-se urgente algum esforço no sentido de reverter a situação.

Para tentar a liberação de uma obra proibida, objetivo nada fácil de conseguir, os responsáveis por Geração bendita contavam, em 1972, com duas possibilidades de ação. Por um lado, a partir de uma prática oficializada por lei, mas tratada arbitrariamente pela ordem pública, os produtores de uma obra cinematográfica tinham o direito de acionar recursos processuais para solicitar reavaliações das sentenças determinadas pela censura. Por meio de pedidos de revisão que podiam ser encaminhados consecutivamente a três órgãos governamentais - a própria DCDP, o Departamento de Polícia Federal (DPF) e o Ministério da Justiça -, os responsáveis pela realização de um filme apelavam às instâncias de poder na tentativa de reverter as interdições e mudanças impostas aos seus trabalhos artísticos (Fagundes, 1975FAGUNDES, Coriolano de Loyola Cabral. Censura & liberdade de expressão. São Paulo: Edital, 1975.: 241-245).6 6 Ao utilizar a palavra “consecutivamente” no corpo do texto, refiro-me ao fato de que as solicitações de recurso tinham que seguir um caminho hierárquico dentro do governo. Se um filme fosse interditado pela DCDP, seu produtor podia apelar à direção do DPF. Caso seguisse proibido, o próximo apelo seria ao Ministro da Justiça. Particularmente em casos que envolviam filmes distribuídos e coproduzidos pela Embrafilme, os apelos por vezes vinham acompanhados de pressões políticas que exigiam aberturas da DCDP no sentido de diminuir as exigências de corte ou liberar obras consideradas proibidas.

Por outro lado, para além do que foi aqui descrito, havia mais um caminho que os realizadores de Geração bendita poderiam utilizar com o objetivo de reverter o embargo à sua obra. Ao contrário dos recursos de apelação, que materializavam desagravos às determinações da censura, outra alternativa para o meio cinematográfico passava pela aceitação resignada das sentenças que impediam a circulação de seus filmes. Como é possível observar nos processos censórios de Quando as mulheres paqueram (1971), Divórcio à brasileira (1973) e Geração em fuga (1973), tratava-se de uma opção dolorosa, de renúncia à liberdade criativa e com custos adicionais de orçamento, mas que tendia a surtir efeito a curto prazo.7 7 Os processos censórios de Quando as mulheres paqueram, Divórcio à brasileira e Geração em fuga encontram-se, respectivamente, em Arquivo Nacional/DF, Fundo DCDP, seção Censura Prévia, série Cinema, subsérie Filmes, caixas 582, 326 e 292. No caso de Quando as mulheres paqueram, o processo deve ser pesquisado a partir do título Assim... nem a cama aguenta, nome original da película. Diante de obras interditadas, em vez de optar pelo confronto dos apelos jurídicos, diversos produtores e cineastas preferiram realizar modificações em seus filmes originais, com o objetivo de vê-los aprovados pela DCDP. Pela necessidade de comercializar um trabalho artístico, muitos tomariam a dura decisão de colocar em prática o exercício da autocensura. Havia dúvidas, obviamente, em relação a quais alterações deveriam ser feitas. Quando um longa-metragem era totalmente proibido de circular, caso de Geração bendita, dificilmente os técnicos da DCDP emitiam uma lista de mudanças e/ou cortes necessários para a futura liberação da obra. Embora não se deva esquecer que vários produtores conversavam com censores para receber “sugestões” do que alterar em seus filmes, há de se levar em consideração que inúmeras incertezas rondavam as tentativas de alcançar um resultado que permitisse a aprovação da película por parte da DCDP. Nos processos censórios da primeira metade dos anos 1970, são raros os registros documentais em torno desses diálogos que resultavam em negociações face a face.

Entre as duas possibilidades de reação às decisões da Censura, dentro dos marcos institucionais vigentes na DCDP, os responsáveis pela realização de Geração bendita optariam por tentar o segundo caminho. Talvez pelas limitações de capital político e econômico, os produtores do longa-metragem acabariam não utilizando os recursos de apelação aos quais tinham direito. Sem contar com uma indicação oficial das mudanças a serem feitas no filme para liberar a sua circulação, parte da equipe de Geração bendita reuniu-se novamente com o intuito de encontrar soluções para a situação. De fevereiro a outubro de 1972, por meio de inúmeras refilmagens e remontagens, o filme sofreria mudanças na tentativa de amenizar o seu conteúdo contracultural. Infelizmente, apesar dos esforços de pesquisa, raras informações existem sobre esse período da trajetória de Geração bendita. De acordo com as poucas fontes encontradas, tudo leva a supor que Carlos Bini, diretor do longa-metragem, não teve um papel central no desenvolvimento da segunda versão de sua obra. Envolvido àquela altura com a realização de Guru das sete cidades (1972), um ambicioso projeto cinematográfico produzido no Piauí, ele não aparece nos documentos históricos como protagonista das alterações efetivadas em Geração bendita. Em matéria publicada por Alex Viany no Jornal do Brasil, em 5 de junho de 1973, as mudanças são creditadas aos produtores da película, Carl Kohler e Meldy Mellinger, que durante os trabalhos de recriação teriam contato com a parceria do assistente de produção do filme, Carlos Doady. A informação torna-se ainda mais imprecisa se levarmos em conta um breve currículo de Mellinger depositado nos arquivos da Cinemateca do Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio de Janeiro, no qual ele credita a si próprio a conclusão da direção do longa-metragem.

Nas referências bibliográficas consultadas para esta pesquisa, entre as quais os textos escritos por Felipe Augusto de Moraes (2012MORAES, Felipe Augusto de. O único filme hippie brasileiro. Contemporâneos, São Paulo, n. 10, p. 1-19, 2012.) e Igor Fernandes Pinheiro (2015PINHEIRO, Igor Fernandes. Não fale com paredes: contracultura e psicodelia no Brasil. 2015. Dissertação (Mestrado em História) - Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2015.), é possível encontrar outro dado histórico acerca dos acontecimentos que envolveram o filme no ano de 1972. Provavelmente reproduzindo um conteúdo que consta na contracapa do DVD de Geração bendita, cujo lançamento ocorreu em 2007, tais autores apresentam a informação de que a DCDP teria imposto 40 minutos de cortes ao longa-metragem dirigido por Bini. Embora o dado seja factível com base na situação autoritária vivida naquele momento, nos registros documentais em torno do filme inexistem quaisquer informações sobre eventuais supressões exigidas pelos censores em 1972. No processo censório de Geração bendita, conforme apontei anteriormente, a interdição sumária tornou dispensável o trabalho da DCDP no sentido de formular uma lista oficial com alterações necessárias para a liberação da obra. Tratava-se, àquela altura, de um longa-metragem sem possibilidades de circulação. Talvez os supostos 40 minutos exigidos de corte tenham se originado de conversas realizadas diretamente com os censores. Talvez seja uma falsa informação que, repetida inúmeras vezes, transformou-se em verdade histórica inegável. Apesar dos esforços, não há como comprovar a sua veracidade ou localizar a sua origem, perdida nas tramas esquecidas do passado. Colocando em segundo plano essas suposições sem respostas, ainda que sem esquecer de suas influências sobre a narrativa histórica, creio que seja mais oportuno para a continuidade deste texto desdobrar outro fio referente a Geração bendita, este sim um acontecimento com muitas concretudes documentais. Em novembro de 1972, após as alterações realizadas no longa-metragem, Mellinger enviou uma segunda versão da obra para novas apreciações da censura. Algo, porém, chama a atenção. Modificado, o filme de Nova Friburgo passava agora a se chamar É isso aí, bicho!

“HÁ TANTA COISA EDUCATIVA, CONSTRUTIVA, ETC., VIÁVEL DE SER TRAZIDA PARA OS PROBLEMAS DE INTERAÇÃO SOCIAL, POR QUE DIVULGAR O LADO MAU DA VIDA HUMANA?”

No Brasil do início dos anos 1970, de um viés político e social hegemônico, a questão hippie não se resumia às perseguições contra um modo de vida alternativo e antiburguês. Durante o período mais agressivo do regime autoritário, o aparato de repressão à contracultura, fortalecido pelas circunstâncias históricas, conviveu de perto com os interesses da indústria cultural no sentido de transformar o ideário hippie em produto massivo de consumo. Em pleno “milagre econômico”, em meio à consolidação do projeto ditatorial de modernização conservadora, a rebeldia da juventude atormentava a família tradicional e os poderes instituídos, mas ao mesmo tempo se tornava um inconformismo capaz de ser estrategicamente manipulado com o objetivo de comercializar serviços, mercadorias e bens culturais. Conforme evidencia Orivaldo Leme Biagi (2011BIAGI, Orivaldo Leme. Estudo sobre a contracultura e sua influência na publicidade brasileira (1965-1977). Relatório (Pesquisa de Pós-Doutorado) - Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011.), o meio publicitário brasileiro, sobretudo na década de 1970, utilizou em profusão o imaginário hippie para compor propagandas veiculadas na televisão ou anúncios divulgados em periódicos jornalísticos. Obviamente, ao assimilar valores do inconformismo jovem, dotando-os de potência mercantil, os agentes da indústria cultural não tinham o compromisso de preservar as dimensões contestadoras pertencentes à contracultura. Nas publicidades que continham referências ao universo contracultural, nas quais o comportamento moderno mediava o desejo pela compra de produtos, era perceptível o uso de imagens e iconografias hippies destituídas de contestação e esvaziadas de elementos simbólicos tidos como revolucionários (Biagi, 2011BIAGI, Orivaldo Leme. Estudo sobre a contracultura e sua influência na publicidade brasileira (1965-1977). Relatório (Pesquisa de Pós-Doutorado) - Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011.). No processo de refutação da filosofia existencial alternativa, o que sobrava era uma estética charmosa, composta por cores e formas vibrantes, na qual a beleza do corpo jovem tornava-se produto industrial de consumo. Essa institucionalização sociocultural da rebeldia, ao que parece, não incomodava o aparato repressivo do regime autoritário. O problema residia em outro lugar, naquelas manifestações artísticas e existenciais que insistiam em celebrar comportamentos desviantes e contrapor-se à moralidade dominante da sociedade brasileira.

A meu ver, a dupla condição vivida pelos valores contraculturais durante a ditadura, na oscilação entre a institucionalização e a insubordinação, é um aspecto histórico importante na tentativa de melhor compreender o projeto artístico por trás de Geração bendita. Sem sombra de dúvida, o filme dirigido por Bini propõe uma celebração à filosofia comportamental hippie. Principalmente a partir das sequências performáticas com os integrantes da comunidade Quiabo’s, o longa-metragem materializa-se como um nítido elogio à recusa dos ideários burgueses e capitalistas. Por outro lado, desde o início de sua produção, Geração bendita foi realizado como um longa-metragem que tivesse potencial para ser difundido no circuito comercial de salas de cinema. Ao que tudo indica, entre os principais responsáveis pelo projeto - Bini, Kohler e Mellinger - nunca houve a intenção de elaborar uma obra na qual a dramaturgia e a estética operassem rupturas em relação às experiências hegemônicas do fazer cinematográfico. Nesse sentido, Geração bendita encontrava-se no intervalo entre as duas condições vividas pelo ideário hippie brasileiro no início dos anos 1970. Ainda que não fosse um anúncio publicitário que esvaziasse a contestação juvenil, o filme acabaria encapsulando os valores hippies dentro de uma experiência narrativa e formal em diálogo com marcos comerciais do campo cinematográfico. Em busca de bilheteria, os realizadores do longa-metragem assumiriam conscientemente a contradição.

Querendo preservar o lado contestador dos hippies, mas ao mesmo tempo desejando transformá-lo em mercadoria de entretenimento, os responsáveis por Geração bendita optariam por utilizar no filme uma série de procedimentos cinematográficos conhecidos por seus fortes apelos comerciais. Um claro exemplo disso é a direção de fotografia presente no longa-metragem. Com uma trajetória vinculada ao cinema de propaganda, tendo trabalhado em cinejornais como O esporte em marcha e Brasil cine-repórter, Mellinger criou para Geração bendita uma visualidade próxima aos padrões estéticos encontrados em anúncios que utilizavam imagens hippies. Enquanto as canções originais do filme nasciam diretamente da comunidade Quiabo’s, das experimentações de rock psicodélico praticadas pela banda Spectrum, a direção de fotografia se aproximava de tendências visuais cada vez mais presentes na produção publicitária brasileira.

Essa dupla vida de Geração bendita, algo que paradoxalmente lhe confere singularidade, também é evidente em sua proposta de dramaturgia. Se, por um lado, o filme existe como enaltecimento dos valores hippies, por outro, sua narrativa é atravessada por técnicas e artifícios próprios a um projeto artístico que buscava se consolidar no mercado cinematográfico. Provavelmente em convergência com a pornochanchada, que fazia enorme sucesso de bilheteria, o longa-metragem é recheado de diversas situações de comédia brejeira, além de conter cenas de apelo erótico que se voltam sobretudo para a exibição do corpo feminino. Em Geração bendita, um humor caricatural por vezes povoa as representações hippies, assim como um convite ao voyeurismo percorre as filmagens do corpo seminu da atriz Rita de Cássia. Se a nudez emerge no filme à contrapelo da moral burguesa, principalmente na liberdade presente no banho coletivo dentro do riacho, ao mesmo tempo surge como apelo sexual próprio à indústria de cinema. Tal ambiguidade, intrínseca à natureza de Geração bendita, seria percebida ainda em 1973 por Salvyano Cavalcanti de Paiva. Em texto publicado em 9 de junho desse ano, o crítico do jornal O Globo atacaria com veemência o longa-metragem ao escrever que “a maior discrepância deste produto espúrio de sub-cinema pseudo-contestatório é pretender negar a sociedade de consumo utilizando um dos seus agentes mais legítimos: o filme comercial colorido” (Paiva, 1973PAIVA, Salvyano Cavalcanti de. É isso aí, bicho. O Globo, Rio de Janeiro, 9 jun. 1973.). Recentemente, adotando uma posição parecida, Felipe Augusto de Moraes (2015: 9) observou que “na sua busca insuspeita por uma audiência mais vasta, Geração bendita acabou por compactuar com [as] [...] comédias grosseiras que viriam a transformar o ‘hippie’ num tipo caricato e desmiolado, contribuindo para o decalque como farsa histórica”.

Independentemente das posturas críticas em relação ao filme, cujo mérito é escancarar as contradições, o fato é que o paradoxo inerente à Geração bendita não parece ter causado maiores incômodos aos seus realizadores. Ao fim e ao cabo, era esse o caminho que acabariam trilhando. Como um livre exercício de suposição, talvez seja possível imaginar que eles desejassem desenvolver algo próximo às peças Hair (1967) e Jesus Cristo Superstar (1971), encenadas pela primeira vez no Brasil entre 1969 e 1972, cujas propostas promoviam justamente o encontro da indústria cultural com a filosofia hippie de contestação. Quem sabe estivessem sob o impacto do campo musical brasileiro, no qual faziam sucesso Raul Seixas e os Novos Baianos, efeito das convergências de interesse entre a indústria fonográfica, a cultura juvenil e o consumo de um cancioneiro atravessado pela rebeldia comportamental.8 8 Para esta reflexão, me inspirei no livro Seguindo a canção, de Marcos Napolitano, publicado originalmente em 2001. Mesmo sem saber o que de fato serviu de inspiração para os realizadores de Geração bendita, não me parece improvável que buscassem transitar por esse lugar cultural. Claro que havia distâncias entre intenção e gesto, a exemplo da tentativa de conquistar o mercado a partir de um filme tecnicamente precário, mas isso não invalida o que os movia enquanto desejo artístico. Obviamente, a despeito de quaisquer anseios, nada poderia ser alcançado se não resolvessem o complicado imbróglio envolvendo a censura ditatorial. Em novembro de 1972, uma nova tentativa seria feita com o intuito de superar o impasse.

No dia 22 daquele mês, a versão modificada de Geração bendita encontrava-se na DCDP para mais uma rodada de análise. Renomeado por seus realizadores com o título É isso aí, bicho!, o longa-metragem receberia duas novas avaliações em 24 de novembro. Seguindo o mesmo padrão dos pareceres emitidos onze meses antes, os técnicos da censura proibiram novamente a exibição do filme em todo o território nacional. Escrita em parceria por Marly M. C. de Albuquerque e Carlos Alberto Braz de Souza, a primeira avaliação votaria por interditar a obra em consequência de sua “desmoralização [aos] padrões convencionais de sociedade”. De modo mais contundente, redigido pela dupla Tabajara F. S. Ramos e José do Carmo Andrade, o segundo parecer acusaria o longa-metragem de difundir “o nefando costume” da contracultura comportamental. Por estimular a dissolução moral, a película deveria ser sumariamente rechaçada: se “há tanta coisa educativa, construtiva, etc., viável de ser trazida para os problemas de interação social, por que divulgar o lado mau da vida humana?”. No dia 25 de novembro de 1972, em concordância com os pareceres, o diretor da DCDP, Rogério Nunes, assinaria uma nova portaria proibindo a circulação de É isso aí, bicho!.

Diante de mais uma recusa de liberação, os responsáveis pelo filme decidiriam solicitar à censura uma nova análise da obra. No dia 28 de novembro de 1972, em correspondência encaminhada para a direção da DCDP, a Meldy Filmes procuraria apelar para o bom senso de Nunes no sentido de reconsiderar a interdição de É isso aí, bicho!. Do ponto de vista do produtor do longa-metragem, a película deveria ser lançada no circuito comercial não apenas pela necessidade de recuperar o capital empregado, mas também por ser uma obra destituída de mensagens negativas, cujo intuito era “mostrar uma das transições pela qual está passando a juventude nos tempos atuais”. Disposto a considerar as argumentações enviadas pela Meldy Filmes, até porque sofria pressões para não atravancar o desenvolvimento do cinema brasileiro, em 15 de dezembro Nunes solicitou à sua equipe que programasse uma exibição interna de É isso aí, bicho!. Ele mesmo iria conferir o longa-metragem.

No dia 11 de janeiro de 1973, a sua avaliação seria oficializada em forma de despacho. Dessa vez, contrariando as análises realizadas pelos técnicos da censura, cujos pareceres eram ásperos e contundentes, Nunes tomaria a decisão de liberar a circulação pública do longa-metragem. Após assistir ao filme, de certo modo concordando com a apelação encaminhada por seus produtores, Nunes concluiria tratar-se de uma película em que “não são apresentadas cenas chocantes relacionadas com os problemas de sexo [...] [e] de drogas nocivas”. Em sua opinião, a obra apenas mostrava “a maneira de viver dos ‘hippies’ [...], com seus integrantes cantando em grupo ou vendendo os chamados ‘produtos artesanais’”. Para o diretor da DCDP, caso a Meldy Filmes concordasse com a exclusão de algumas cenas polêmicas, não havia motivos para prosseguir com a interdição de É isso aí, bicho!. Pela primeira vez no processo censório da obra, surgia uma lista de cortes a serem realizados com o objetivo de liberar a exibição do longa-metragem. Além da supressão da sequência na qual ocorre o banho nu coletivo, Nunes solicitava a eliminação de três cenas: a do indivíduo que vende um embrulho para os hippies, “dando a entender tratar-se de substância entorpecente”; aquela em que o personagem Carlos se encontra deitado sobre uma mulher com o busto nu; e, finalmente, uma que “mostra um homem nu sentado em um vaso sanitário”.

À primeira vista, pode soar estranha a discrepância de opinião entre Nunes e os técnicos da censura, mas o fato é que se tratava de algo comum na atividade da DCDP. Na ordem hierárquica do órgão, atuando como seu diretor a partir de 1972 (Kushnir, 2004KUSHNIR, Beatriz. Cães de guarda: jornalistas e censores, do AI-5 à Constituição. São Paulo: Boitempo, 2015.), Nunes tinha o poder de concordar ou discordar de seus técnicos, alterando as sentenças da censura caso julgasse necessário. Para os censores que analisaram É isso aí, bicho!, não havia quaisquer possibilidades de liberar uma obra que continha riscos à família tradicional e ao discurso moralista da ditadura. Entretanto, a despeito do que pensasse sobre o assunto, Nunes foi por outro caminho em relação ao filme de Nova Friburgo. Em seu despacho de 11 de janeiro de 1973, ao lembrar que os hippies já faziam parte do cotidiano brasileiro, vendendo seus produtos em Ipanema, no Rio de Janeiro, e na Praça da República, em São Paulo, o diretor da DCDP parece ter considerado a dimensão mercadológico-institucional que àquela altura atravessava de modo crescente as práticas da contracultura. Aparentemente, a dupla condição dos hippies durante a ditadura, nos trânsitos entre a contestação e o consumo, não deixava de se fazer presente na DCDP.

No dia 12 de janeiro, depois de meses de tensão, os responsáveis por Geração bendita/É isso aí, bicho! finalmente conseguiram um certificado de liberação para o seu filme. Após concordarem com os cortes impostos, eles passavam a ter o direito de circulação pública da obra, cuja exibição só poderia ocorrer para maiores de 18 anos. Apesar das restrições, era uma vitória! Entre 8 e 16 de junho de 1973, duas cópias de É isso aí, bicho! entraram comercialmente em cartaz no Rio de Janeiro. Não era grande coisa, não permitia o retorno total de investimento, mas havia expectativas acerca da circulação do longa-metragem nas salas de cinema de São Paulo. Na medida do possível, avanços ocorriam. Depois de tantos aborrecimentos, os imbróglios pareciam ter chegado ao fim. A sensação de alívio, entretanto, duraria pouco. Os produtores do filme não podiam imaginar - ou podiam? - que tudo viria abaixo a partir de 4 de julho de 1973.

Nessa data, em portaria assinada por Nunes, É isso aí, bicho! seria novamente interditado pela censura. Após seis meses da conquista do certificado de exibição, os produtores da película amargavam um retorno à proibição de sua obra. Sem maiores explicações naquele momento, eles provavelmente tentavam entender o que estava ocorrendo. Afinal, por que o diretor da DCDP, aquele que antes liberou a circulação de É isso aí, bicho!, impunha agora um novo embargo à obra? Para compreender o que levou Nunes a agir desse modo aparentemente inusitado, faz-se necessário um breve recuo no tempo. Como foi exposto anteriormente, após a primeira interdição de seu longa-metragem, em janeiro de 1972, os produtores do filme decidiriam realizar alterações na película com o intuito de aprová-la na DCDP. Ao seguir por esse caminho, nada faziam de extraordinário. A autocensura forçada, embora agressiva, era uma prática solidamente instituída nas negociações entre a censura e os trabalhadores do campo cinematográfico. No entanto, a despeito desses trâmites serem usuais, os responsáveis por Geração bendita/É isso aí, bicho! acabariam cometendo um grande deslize burocrático.

Para a DCDP, não havia problema na alteração dos filmes com o objetivo de liberá-los, nem na modificação de seus títulos originais, desde que qualquer ação nesse sentido fosse devidamente notificada aos técnicos da censura. Informados sobre tais intenções, eles então aguardavam a entrega de uma nova montagem da obra para dar continuidade aos procedimentos de avaliação. Seguindo os protocolos estabelecidos, os pareceres relativos à primeira e à segunda versão de um longa-metragem acumulavam-se em um único processo censório, possibilitando aos examinadores um sistema comparativo de análise. O erro cometido pelos produtores de Geração bendita/É isso aí, bicho! refere-se justamente a esse ponto das negociações. Propositalmente ou não, em 1972 eles deixariam de notificar a censura sobre as alterações realizadas em sua película. Em decorrência disso, a versão do filme intitulada É isso aí, bicho! seria analisada pelos censores como se fosse uma obra inédita, até então desconhecida pela DCDP. Em vez de serem anexados aos trâmites processuais de Geração bendita, dando-lhes a devida continuidade, os pareceres de É isso aí, bicho! foram utilizados para abrir um novíssimo processo de avaliação. De um viés burocrático, é como se as versões da película fossem dois longas-metragens completamente distintos, cada um com seus próprios documentos administrativos. Sem dúvida, era um equívoco que a censura jamais poderia admitir. Se os realizadores do filme cometeram o erro por ingenuidade ou malandragem, pois talvez acreditassem em maiores chances de liberação dissociando É isso aí, bicho! de Geração bendita, é algo difícil de determinar. No fim, seja lá o que os moveu, eles acabariam se dando muito mal. Uma vez descoberto o problema, a DCDP imediatamente anulou, em 4 de julho de 1973, o certificado de exibição antes concedido.

A partir desse momento, a relação entre os produtores e a censura desandou completamente. Do ponto de vista da DCDP, não havia dúvidas de que estavam lidando com uma tentativa de trapaça. Semanas depois, a descoberta de uma propaganda do filme criada em Nova Friburgo ampliaria ainda mais as suspeitas de logro. Sobre os troncos de uma árvore desenhada no papel, representando o símbolo hippie de paz e amor, o anúncio convidava o público para a exibição de uma película com dois nomes: Geração bendita e É isso aí, bicho!. Para a DCDP, em busca de confirmações do estratagema, a propaganda era uma prova da má-fé dos produtores do filme, que estavam utilizando um título proibido pela censura para comercializar aquele que fora temporariamente liberado. De acordo com um ofício confidencial redigido pela Polícia Federal, datado de 28 de setembro de 1973 e inserido no processo censório do filme, Mellinger chegou a ser procurado para falar sobre o caso. Porém, de nada adiantou ele explicar que aquele anúncio não era uma propaganda oficial do longa-metragem, mas sim um folheto independente produzido por um amigo de Carl Kohler. A essa altura, a sua produtora já se encontrava fichada na DCDP.

Cerca de um ano e meio depois, em 23 de abril de 1975, Mellinger tentaria pela última vez a liberação da obra. Em correspondência destinada a Moacyr Coelho, diretor-geral da Polícia Federal, o produtor redigiria um longo apelo solicitando a ajuda das autoridades para solucionar o problema. Requisitado a opinar sobre o novo pedido de reconsideração, pois conhecia em detalhes as ocorrências envolvendo Geração bendita/É isso aí, bicho!, Rogério Nunes encerraria definitivamente o assunto. Em despacho de 19 de maio, suas contrariedades em relação aos responsáveis pelo filme seriam claramente evidenciadas. Após descrever o que considerava um “engenhoso artifício [...] [dos produtores para] burlar a censura [...] [e obter o] certificado liberatório de uma obra cinematográfica já vetada”, uma “tática enganosa” a partir da qual tentaram ludibriar a DCDP, ele reafirmaria sua deliberação de manter interditado o longa-metragem. Sentindo-se tapeado, Nunes não voltaria atrás. Dessa vez, era o fim da linha para o filme de Nova Friburgo.

No dia 2 de outubro de 1978, data da última correspondência escrita por Mellinger, o processo censório de Geração bendita chegaria melancolicamente ao seu término. Não respondida por escrito, a consulta do produtor sobre novidades envolvendo a censura da obra se tornaria o documento derradeiro das relações tumultuadas com a DCDP. Pensada a posteriori, a ausência de uma resposta oficial a Mellinger parece indício da marginalização política e cultural vivida por Geração bendita durante a sua trajetória. Nos anos posteriores aos acontecimentos aqui relatados, o filme permaneceria às sombras da história, tornando-se desconhecido para as novas gerações de espectadores. Sobretudo devido às perseguições e violências que sofreu no decorrer do regime autoritário, o longa-metragem permaneceria por mais de três décadas relegado ao esquecimento. Apenas em 2007, graças aos esforços de Carl Kohler e Carlos Doady, tornou-se possível retirar a obra de seu longo limbo cultural. O lançamento em DVD de uma cópia restaurada da película, sob o título É isso aí, bicho!, encerrava o exílio forçado de Geração bendita. Apesar de todos os pesares, diferentemente de outros tantos filmes que seguem marginalizados, o longa-metragem rompia com a amnésia histórica que paira como um tormento sobre a existência do cinema nacional. Dos idos da década de 1970, os hippies de Nova Friburgo finalmente vieram à luz. E com eles, as contradições de um período no qual o existir encontrava-se contaminado pelos descaminhos da ditadura brasileira.

REFERÊNCIAS

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  • VIANY, Alex. As aventuras de um filme “hippie”. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 5 jun. 1973.
  • 1
    Este estudo foi financiado pela Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), Processo SEI 260003/000707/2023.
  • 2
    As informações sobre a trajetória de Mellinger foram encontradas em um documento localizado na Cinemateca do Museu de Arte Moderna, Rio de Janeiro, pasta MELLINGER, F. M. L., número 5831.
  • 3
    Para evitar o uso excessivo de remissões bibliográficas no corpo do texto, informo ao leitor que todos os documentos e citações referentes ao processo censório de Geração bendita, sejam entre aspas ou indiretas, foram extraídas de Arquivo Nacional/DF, Fundo DCDP, Seção Censura Prévia, Série Cinema, Subsérie Filmes, caixa 480.
  • 4
    Sobre esta questão, recomendo um texto de Carlos Fico (2021FICO, Carlos. “Prezada censura”: cartas ao regime militar. In: FICO, Carlos; GARCIA, Miliandre (org.). Censura no Brasil Republicano: sociedade, música, telenovelas e livros. v. 2. Salvador: Sagga, 2021. p. 21-57.) que analisa as cartas enviadas pela sociedade civil à DCDP, em boa medida correspondências que pressionavam a censura para que agisse com maior rigor.
  • 5
    Em 1972, no Distrito Federal, o setor governamental intitulado Serviço de Censura de Diversões Públicas passou a se chamar Divisão de Censura de Diversões Públicas. Essa mudança, que em parte relaciona-se à centralização de procedimentos em Brasília, ocorreu justamente durante o processo censório de Geração bendita. No corpo do texto, tendo em vista a nomenclatura final do setor, utilizo sempre DCDP.
  • 6
    Ao utilizar a palavra “consecutivamente” no corpo do texto, refiro-me ao fato de que as solicitações de recurso tinham que seguir um caminho hierárquico dentro do governo. Se um filme fosse interditado pela DCDP, seu produtor podia apelar à direção do DPF. Caso seguisse proibido, o próximo apelo seria ao Ministro da Justiça.
  • 7
    Os processos censórios de Quando as mulheres paqueram, Divórcio à brasileira e Geração em fuga encontram-se, respectivamente, em Arquivo Nacional/DF, Fundo DCDP, seção Censura Prévia, série Cinema, subsérie Filmes, caixas 582, 326 e 292. No caso de Quando as mulheres paqueram, o processo deve ser pesquisado a partir do título Assim... nem a cama aguenta, nome original da película.
  • 8
    Para esta reflexão, me inspirei no livro Seguindo a canção, de Marcos Napolitano, publicado originalmente em 2001.
  • Fonte de financiamento:

    Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), Processo SEI 260003/000707/2023.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    29 Dez 2023
  • Aceito
    29 Maio 2024
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