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ROSÁRIOS CONTRA O COMUNISMO: A ATUAÇÃO DE PATRICK PEYTON E A FAMILY ROSARY CRUSADE NO GOLPE MILITAR DE 1964

ROSARIES AGAINST COMMUNISM: THE ROLE OF PATRICK PEYTON AND THE FAMILY ROSARY CRUSADE IN THE 1964 MILITARY COUP IN BRAZIL

ROSARIOS CONTRA EL COMUNISMO: EL PAPEL DE PATRICK PEYTON Y LA FAMILY ROSARY CRUSADE EN EL GOLPE MILITAR DE 1964

RESUMO

O artigo apresenta a atuação do movimento católico Family Rosary Crusade (Cruzada do Rosário em Família) e do padre Patrick Peyton no Brasil a partir de uma perspectiva transnacional, evidenciando como a religião foi utilizada pelos Estados Unidos no combate ao comunismo na América Latina durante a Guerra Fria. Por meio da análise de jornais, documentos internos produzidos pelo governo americano e pela organização religiosa, investigo a atuação da Cruzada no país, quais as alianças estabelecidas com setores da sociedade brasileira e de que forma contribuíram para o Golpe Civil-Militar de 1964.

PALAVRAS-CHAVE:
Ditadura Militar; Catolicismo; Estados Unidos; Guerra Fria

ABSTRACT

This study describes the work of the Catholic movement Family Rosary Crusade and Father Patrick Peyton in Brazil from a transnational perspective, highlighting how the United States used religion to combat communism in Latin America during the Cold War. By analyzing newspapers and the internal documents produced by the American government and the religious organization, this study investigates the Crusade activities in Brazil, what alliances it established with sectors of its society, and how they contributed to the 1964 Civil-Military Coup.

KEYWORDS:
Military Dictatorship; Catholicism; United States; Cold War

RESUMEN

Este artículo presenta la acción del movimiento católico Family Rosary Crusade (Cruzada del Rosario en Familia) y del padre Patrick Peyton en Brasil desde una perspectiva transnacional, destacando cómo Estados Unidos utilizaron la religión para combatir el comunismo en América Latina durante la Guerra Fría. A partir del análisis de periódicos y de documentos internos producidos por el Gobierno estadunidense y por la institución religiosa, se analiza la acción de la Cruzada en el país, específicamente las alianzas establecidas con los sectores de la sociedad brasileña y su influencia en el Golpe Cívico-Militar de 1964.

PALABRAS CLAVE:
Dictadura militar; Catolicismo; Estados Unidos; Guerra Fría

INTRODUÇÃO

As relações políticas entre Brasil e Estados Unidos na década de 1960 demonstram como grupos da sociedade brasileira construíram alianças e conexões transnacionais a partir de uma batalha ideológica, mobilizando atores diversos para além da diplomacia ou atuação de lideranças políticas. O contexto de Guerra Fria foi determinante para o cenário: o embate entre capitalismo e socialismo se tornava uma batalha não apenas política ou econômica, como também cultural, ideológica e espiritual. A historiografia sobre o tema é vasta, abordando em comum a participação dos Estados Unidos nos eventos que levaram ao Golpe Militar que depôs o presidente João Goulart em 1964.

O trabalho pioneiro de Phyllis Parker (1977PARKER, Phyllis R. 1964: o papel dos Estados Unidos no golpe de Estado de 31 de março. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977.) apresenta como se deram as relações políticas entre os dois países de 1961 a 1964, a ação do aparato político, diplomático e militar norte-americano no monitoramento do governo, bem como a formação da articulação golpista contra Goulart. Para além da Casa Branca, Parker destaca o papel desempenhado por figuras importantes na política externa americana, como o embaixador Lincoln Gordon, e a relação de amizade entre o adido militar de defesa Vernon Walters e o general Humberto Castelo Branco. A inovação de sua pesquisa se deve à apresentação e à comprovação da atuação norte-americana contra a ascensão de governos de esquerda na América Latina, fato que vai contra o discurso americano de uma política externa que defende valores democráticos, liberdade política e cooperação internacional, tão quistos à cultura política americana.

Por meio da criação do “plano militar preventivo” denominado Operação Brother Sam, o governo americano traçou como objetivo apoiar taticamente os militares brasileiros contra uma possível resistência armada do governo do Brasil ao movimento golpista em curso. Parker aponta que, embora não existissem documentos que comprovassem o protagonismo dos Estados Unidos na direção ou na participação direta no Golpe de 1964, os conspiradores brasileiros viam o país como aliado, uma vez que “era melhor para o interesse tanto norte-americano, quanto dos generais, que o golpe, se possível, fosse dirigido pelos próprios brasileiros” (Parker, 1977PARKER, Phyllis R. 1964: o papel dos Estados Unidos no golpe de Estado de 31 de março. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977.: 128).

Publicado no Brasil em 1979, a pesquisa de Phyllis Parker é de extrema relevância por ter sido a primeira a comprovar, com base em documentos oficiais do governo norte-americano, como o governo João Goulart (1961-1964) foi monitorado de perto pela Casa Branca, por embaixadas e por órgãos de inteligência, além da montagem da Operação Brother Sam no apoio estratégico aos conspiradores políticos brasileiros. Até então, nenhuma pesquisa havia sido realizada com a documentação oficial do governo norte-americano, fato que despertou o interesse de investigadores brasileiros, como o jornalista Marcos Corrêa Sá (1977CORRÊA, Marcos Sá. 1964 visto e comentado pela Casa Branca. Porto Alegre: L&PM, 1977.).

No contexto repressivo das ditaduras do Cone Sul e do processo de redemocratização do Brasil, o autor do livro 1964 visto e comentado pela Casa Branca percorre documentos da biblioteca presidencial Lyndon Johson, comprovando que o governo norte-americano acompanhou o passo a passo do golpe contra João Goulart, e que, embora o ex-embaixador Lincoln Gordon tenha negado a existência da Operação Brother Sam,1 1 Depoimentos ao Senado americano e em entrevista para a revista Veja. a documentação oficial do governo comprova sua partição na operação (Corrêa, 1977CORRÊA, Marcos Sá. 1964 visto e comentado pela Casa Branca. Porto Alegre: L&PM, 1977.).

Compreender como se desenrolou a participação dos Estados Unidos no Golpe de 1964 não significa imputar protagonismo ao país no movimento, tampouco que as relações políticas entre Estados Unidos e Brasil foram de total harmonia ao longo da ditadura militar (1964-1985). Assim como apresentou o historiador Carlos Fico (2008FICO, Carlos. O grande irmão: da operação Brother Sam aos anos de chumbo. O governo dos Estados Unidos e a ditadura militar brasileira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.: 96), a Operação Brother Sam contou com a ciência e o apoio de conspiradores brasileiros, como Castelo Branco, e ao longo do primeiro governo militar as relações político-econômicas entre os países foi significativa. Entretanto, o aumento da escalada da repressão resultou significativamente no distanciamento dos Estados Unidos. Somado a isso, não se deve perder do horizonte de análise que o interesse do país no Brasil, particularmente nos anos 1960, aumentou devido às consequências da Guerra Fria e à possibilidade da Revolução Cubana (1959) inspirar movimentos de esquerda revolucionários no Brasil.

Conforme demonstrou Marcos Napolitano:

[...] no segundo semestre de 1962, a batalha pelo Brasil em meio à Guerra Fria se acirrou. As esquerdas reafirmaram seu projeto político a partir do tema das reformas, que para alguns era o começo da “Revolução Brasileira”. As direitas, ainda assustadas com o fracasso do golpe contra Jango [em 1961], procuravam novas táticas e novos sócios para sua conspiração (Napolitano, 2014NAPOLITANO, Marcos. 1964: História do Regime Militar Brasileiro. São Paulo: Contexto, 2014.: 37).

Nesse contexto, além do governo norte-americano, diversos empresários tinham interesse no aumento das relações entre os países, “necessário” para frear a recessão econômica e o crescente processo inflacionário, estabilizar a política local, e minar a infiltração comunista na política e na economia. Soma-se à formulação da Operação Brother Sam, a intensificação do financiamento americano através de programas como a Aliança para o Progresso, a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID na sigla internacional) e o Serviço de Informação dos Estados Unidos (USIS, na sigla internacional), tal qual o apoio econômico estratégico a grupos de empresários e políticos reunidos no Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPÊS) e Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad) (Dreifuss, 1981DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do Estado. Ação política, poder e golpe de classe. 2. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1981.).

Cabe ressaltar que a atividade da Aliança para o Progresso durante a administração Kennedy funcionou como um programa destinado a auxiliar financeiramente a América Latina, com o objetivo de combater o subdesenvolvimento da região e frear o avanço comunista. Promovia também a integração cultural com o envio de voluntários norte-americanos para compor os Corpos da Paz, além de ser o canal utilizado para o envio de diversos espiões da Central Intelligence Agency (CIA) para monitorar a situação política do país (Napolitano, 2014NAPOLITANO, Marcos. 1964: História do Regime Militar Brasileiro. São Paulo: Contexto, 2014.: 59). Pesquisas como as de Marcelo Ridenti (2022RIDENTI, Marcelo. O segredo das senhoras americanas intelectuais, internacionalização e financiamento na Guerra Fria cultural. São Paulo: Editora Unesp, 2022.) e Patrick Iber (2012IBER, Patrick. Anti-communist entrepreneurs and the origins of the cultural Cold War in Latin America. In: PIEPER MOONEY, Jadwiga E.; LANZA, Fabio (org.). De-centering Cold War history: local and global change. London: Routledge, 2012.) apresentam outros aspectos da relação entre Estados Unidos e América Latina a partir de uma análise cultural da Guerra Fria, demonstrando como intelectuais, organizações e atores sociais diversos se apropriaram das disputas entre os governos norte-americano e soviético para obterem benefícios materiais e colocarem em ação suas agendas políticas e culturais a nível local.

Organizações e grupos de caráter conservador - ou até mesmo anticomunista - receberam financiamento da CIA e do governo americano para atuar em países latinos como o Brasil, contribuindo, cada um à sua maneira, para fomentar a guerra cultural entre norte-americanos e soviéticos. O Congresso pela Liberdade da Cultura (CLC) e a Associação Universitária Interamericana (AUI) estabeleceram poderosas redes internacionais de difusão, mobilizando recursos e apoios para seu funcionamento, atuando individual e coletivamente com base em ideais e ideologias próprias em dado momento histórico, não devendo ser vistos como “marionetes ou inocentes úteis” da política externa (Ridenti, 2022RIDENTI, Marcelo. O segredo das senhoras americanas intelectuais, internacionalização e financiamento na Guerra Fria cultural. São Paulo: Editora Unesp, 2022.: 4-5).

Nessa perspectiva, para este artigo leva-se em consideração a construção das relações entre Brasil e Estados Unidos para além da política diplomática ou de questões centradas na política doméstica e econômica. Pensar a relação de grupos e organizações brasileiras de caráter conservador e anticomunista com o país da América do Norte pode alargar a compreensão sobre os diferentes aspectos da Guerra Fria. A América Latina foi marcada por diversos conflitos políticos e ideológicos, e, ainda que o período seja frequentemente lembrado pelo embate indireto entre os Estados Unidos e a União Soviética, é possível identificar como muitas vezes a região aparece nesse campo de estudos como simples dano colateral ou mera reprodutora passiva de conflitos do mundo bipolar.

Estudos clássicos sobre a Guerra Fria se preocupavam em identificar quando e como o conflito teve início, elencando culpados, justificando ações políticas e militares sob a ótica de uma história oficial escrita por membros da diplomacia norte-americana e soviética, deixando de lado outros campos teóricos, regiões e atores sociais importantes para uma análise mais ampla. Nesse sentido, a atuação de grupos anticomunistas e conservadores não dever ser compreendida a partir de uma via de mão única, em que atores sociais aparecem como meros receptáculos de ideais e projetos americanos. A religião foi por muito tempo negligenciada pela historiografia da Guerra Fria. Faz-se necessário aprofundar os estudos acerca desse aspecto, analisando o papel transnacional desempenhado pela religião como arma de grupos conservadores durante o período (Cowan, 2021COWAN, Benjamin A. Moral Majorities across the Americas: Brazil, the United States, and the creation of the religious right. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2021.; Gunn, 2008GUNN, T. Jeremy. Spiritual weapons: the Cold War and the forging of an american national religion. New York: Bloomsbury, 2008.; Herzog, 2011HERZOG, Jonathan P. The spiritual-industrial complex: America’s religious battle against communism in the early Cold War. New York: Oxford University Press, 2011.; Inboden, 2008INBODEN, William. Religion and American Foreign Policy, 1945-1960: the soul of containment. New York: Cambridge University Press, 2008.; Kirby, 2003KIRBY, Dianne (ed.). Religion and the Cold War. New York: Palgrave Macmillan, 2003.; Muehlenbeck, 2012MUEHLENBECK, Philip E. (ed.). Religion and the Cold War: a global perspective. Nashville: Vanderbilt University Press, 2012.; Preston, 2012PRESTON, Andrew. Sword of the spirit, shield of faith: religion in American War and diplomacy. New York: Anchor Books, 2012.).

O objetivo deste trabalho é analisar a atuação da Family Rosary Crusade (Cruzada do Rosário em Família) no Brasil, compreendendo de que maneira essa organização religiosa conservadora se relacionou com parte da sociedade brasileira para desestabilizar o governo Jango e observando o catolicismo a partir de uma perspectiva transnacional, utilizado como arma política e religiosa na luta contra o comunismo. A análise da atuação de setores específicos da sociedade civil brasileira durante o período contribui não somente para compreendermos de que forma ocorreu o estreitamento das relações entre esses grupos e os Estados Unidos, mas como o apoio estratégico norte-americano ao Golpe Civil-Militar de 1964 também impactou as relações macropolíticas, beneficiadas pela circulação transnacional de ideias e construção de alianças políticas em uma via de mão dupla, com a união entre atores nacionais e internacionais para consolidar o movimento que culminou no Golpe de 1964.

A CRUZADA DO ROSÁRIO FAMÍLIA E O ANTICOMUNISMO CATÓLICO

A Guerra Fria pode ser considerada não apenas um período de lutas por hegemonia política ou econômica, mas uma das maiores guerras religiosas da contemporaneidade, um conflito de caráter global entre “crentes e ateus”. Assim como Dianne Kirby (2003KIRBY, Dianne (ed.). Religion and the Cold War. New York: Palgrave Macmillan, 2003.: 1) destaca, a importância da ideologia para a análise desse contexto histórico se baseia em crenças religiosas e valores que formaram percepções diversas não apenas sobre a União Soviética e os perigos do comunismo, como também sobre a atuação de grupos e instituições na defesa da moralização política, da unidade familiar e da proteção da Igreja.

A dimensão religiosa apresentava significado particular para os Estados Unidos, nação cujos líderes e sociedade - a despeito da separação constitucional entre Estado e Igreja - expressavam sua religiosidade e consideravam o país uma força moral no mundo (Kirby, 2003KIRBY, Dianne (ed.). Religion and the Cold War. New York: Palgrave Macmillan, 2003.: 1). A política externa norte-americana (em relação à soviética) foi moldada a partir de um discurso que reuniu valores morais, exaltando não somente elementos da cultura política do país, mas a apropriação da religiosidade cristã para justificar a batalha política, ideológica e espiritual da Guerra Fria.

Para Andrew Preston (2012PRESTON, Andrew. Sword of the spirit, shield of faith: religion in American War and diplomacy. New York: Anchor Books, 2012.: 12), um dos fatores que contribuíram para a valorização do discurso religioso no período foram as ameaças e as ansiedades geradas pela crescente corrida nuclear. Pela primeira vez na história, a possibilidade de um conflito armado entre duas superpotências levaria à destruição mútua assegurada. Após a utilização da bomba atômica pelos Estados Unidos nas cidades japonesas Hiroshima e Nagasaki, a crescente corrida pelo desenvolvimento de novas armas nucleares aumentava a apreensão e as dúvidas a respeito da morte e do significado da vida cotidiana sob circunstâncias extremas, além de levantar questões sobre o existencialismo, a desilusão e a fé.

Na concepção da política doméstica americana, o combate ao comunismo não estava restrito à ação de líderes políticos e religiosos, mas da sociedade como um todo, comprometida na defesa de valores morais e cristãos na luta contra as forças que buscavam “destruir o estilo de vida democrático americano”. Para Stephen J. Whitfield (1996WHITFIELD, Stephen J. The Culture of the Cold War. 2. ed. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1996.: 1), a cultura americana do período elaborou uma imagem específica do comunismo: a ideia de uma ameaça aos ideais democráticos, à liberdade individual e à decência cotidiana. Em sua essência, a “maldade comunista” deveria ser combatida antes que se infiltrasse na sociedade. No entanto, a paranoia sobre a existência de uma conspiração comunista guiou não somente a política externa, como também a política doméstica americana.

Ações políticas como as do senador Joseph McCarthy também contribuíram para o avanço do anticomunismo entre parcelas diversas da sociedade. O país foi levado a uma histeria, uma verdadeira “caça às bruxas” iniciada pelo macarthismo: governos estaduais e locais, assim como instituições universitárias, clubes, comunidades artísticas, mídia e movimentos sindicais criaram programas para garantir a lealdade de seus funcionários e membros, além de promover os valores americanos (Purdy, 2011PURDY, Sean. O século americano. In: KARNAL, Leandro; MORAIS, Marcus Vinícius de; FERNANDES, Luiz Estevam; PURDY, Sean. História dos Estados Unidos: das origens ao século XXI. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2011. p. 173-275.: 230).

Segundo Carla Simone Rodeghero (2002RODEGHERO, Carla Simone. Religião e patriotismo: o anticomunismo católico nos Estados Unidos e no Brasil nos anos da Guerra Fria. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 22, n. 44, p. 463-488, 2002.: 472), embora essa histeria tenha ganhado força com o senador, o fenômeno já fazia parte da cultura e da política doméstica norte-americana desde meados de 1910. A força do macarthismo na primeira metade da década de 1950 ganhou força devido ao contexto de Guerra Fria, assim como pela participação social na campanha por meio da auto-organização em grupos locais diversos. “Lobistas patriotas” - como grupos de supremacistas brancos -, organizações empresariais, sindicalistas, católicas e protestantes contribuíram para a eficácia da política anticomunista na vida cotidiana. Dessa forma, a participação da sociedade, para além das políticas estatais, foi crucial para o sucesso da campanha de McCarthy. A batalha contra o comunismo, em adição ao confronto bélico, deveria ser entendida como uma “batalha espiritual” contra o ateísmo.

Políticos conservadores se apropriaram da onda anticomunista e do conservadorismo religioso para fazerem valer suas agendas. A sociedade foi convidada a unir forças contra a infiltração comunista, devendo não apenas estar atenta e vigilante, mas adotar certos comportamentos na vida cotidiana. Somado a isso, o contexto das décadas de 1940 e 1950 era de massificação cultural, transformações sociais e questionamento a valores tradicionais e religiosos, fator que gerava preocupação a grupos conservadores. As mais diversas parcelas da sociedade se auto-organizaram em iniciativas e grupos religiosos e leigos para combater o avanço da modernidade, do ateísmo e da desagregação familiar.

Um dos movimentos católicos mais populares do país foi a Family Rosary Crusade (Cruzada do Rosário em Família), criada pelo padre irlandês Patrick Peyton em 1942, na cidade de Albany, em Nova York. Patrick J. Peyton (1909-1992) foi um famoso pároco que dedicou o sacerdócio em devoção à Virgem Maria e na divulgação da oração do Rosário em família. Membro da Congregação de Santa Cruz (CSC), ficou conhecido mundialmente pelos slogans “um mundo em oração é um mundo em paz” e “família que reza unida, permanece unida”. Diretor e principal organizador da Cruzada, transformou seus comícios religiosos em um grande evento midiático, reunindo milhões de pessoas em países da América Latina, África e Ásia durante a segunda metade do século XX.

Era parte do objetivo das cruzadas “restaurar a paz mundial” por meio da consolidação de valores morais no seio familiar, do combate à delinquência juvenil e à expansão do materialismo, um dos grandes males trazidos pela modernidade. De acordo com Peyton, o contexto de Segunda Guerra Mundial e o avanço da modernização trouxeram grandes malefícios para a sociedade, ameaçando até mesmo a estruturação da família americana. Entre 1948-1980, realizaram-se cruzadas nos Estados Unidos, Canadá e Irlanda, levando o movimento, a partir dos anos 1960, para diversos países da América Latina, África e Ásia. A popularidade da Cruzada do Rosário em Família e de Peyton tornaram a organização leiga em um dos casos mais expressivos de difusão do catolicismo em escala transnacional (Guisolphi, 2013GUISOLPHI, Anderson José. As Cruzadas do Rosário em Família do padre Patrick Peyton e o anticomunismo no Brasil (1962-1964). 2013. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo, 2013.: 822-883).

A devoção do padre à Virgem Maria se justificava pela recuperação - considerada por muitos à época como milagrosa - de uma severa tuberculose que o acometera em 1938, antes de realizar a ordenação. Ao rezar o Rosário durante o período de internação, Peyton prometeu dedicar o sacerdócio levando a figura da Virgem Maria pelo mundo caso alcançasse a cura. Devido ao milagre recebido, o então recém-consagrado padre elegeu como seu “propósito de vida” levar ao mundo não apenas a palavra da Virgem, mas o poder da oração do Rosário (Gribble, 2003GRIBBLE, Richard. Anti-communism, Patrick Peyton, CSC and the C.I.A. Journal of Church and State, Cambridge, v. 45, n. 3, p. 535-558, 2003.: 537).

No entanto, além da questão religiosa, a figura da Virgem Maria se tornou muito popular também em círculos políticos. Conforme Peter J. Margry (2020MARGRY, Peter Jan (ed.). Cold War Mary: ideologies, politics, marian devotional culture. Leuven: Leuven University Press, 2020.: 13-14) apresenta, Maria esteve na linha de frente da Guerra Fria como santa militante, desempenhando papel de intercessora junto a Deus na luta hegemônica contra o comunismo. O rosário também se tornou uma arma adicional importante para rogar ao poder de intercessão de Maria. O autor afirma que

Não foi apenas a Maria “genérica” que desempenhou um papel importante durante a Guerra Fria: na maior parte, foi uma versão muito específica de Maria: Nossa Senhora de Fátima. A remodelação de Nossa Senhora de Fátima, em 1943, [...] constituiu uma intervenção política crucial do Vaticano, que a transformou na Virgem anticomunista por excelência2 2 No original: “It was not just the ‘generic’ Mary who played an important role during the Cold War: for the most part, it was a very specific version of Mary: Our Lady of Fátima. The refashioning of Our Lady of Fátima in 1943 [...] constituted a crucial political intervention by the Vatican, which turned her into the anticommunist Madonna par excellence”. (Margry, 2020MARGRY, Peter Jan (ed.). Cold War Mary: ideologies, politics, marian devotional culture. Leuven: Leuven University Press, 2020.: 13-14).

Nossa Senhora de Fátima e o Rosário se tornaram inspiração para diversas organizações leigas nos Estados Unidos, como a Family Rosary Crusade, The Blue Army of Our Lady of Fatima, Rosary Block, The Knight of Columbus, The Catholic War Veterans of America, entre outros (O’Connor, 2022O’CONNOR, David. “Russia will be converted”: The Blue Army of Our Lady of Fatima in Cold War America. American Catholic Studies, Villanova, v. 133, n. 2, 2022.; Kane, 2005KANE, Paula M. Marian devotion since 1940: continuity or casualty? In: O’TOOLE, James M. (ed.). Habits of devotion: catholic religious practice in Twentieth Century America. New York: Cornell University Press, 2005.; Kselman, 1986KSELMAN, Thomas A.; AVELLA, Steven. Marian piety and the Cold War in the United States. The Catholic Historical Review, Washington, DC, v. 72, n. 3, p. 403-424, 1986.). O culto mariano ganhou ainda mais força a partir de 13 de maio de 1917, em Cova da Iria, região próxima à cidade de Fátima, em Portugal, devido ao alegado aparecimento da Virgem no local. Três crianças teriam recebido a visita de Nossa Senhora naquele dia, que lhes transmitiu uma mensagem específica: era necessário que a Rússia se convertesse ao catolicismo para obter a paz mundial. O marianismo tornava-se importante vetor de mobilização política e ideológica, utilizado por diversos grupos na batalha cultural da Guerra Fria (Crosby, 1978CROSBY, Donald F. God, church, and flag: senator Joseph R. McCarthy and the Catholic Church, 1950-1957. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 1978.; De Santis, 1965DE SANTIS, Vincent P. American Catholics and McCarthyism. The Catholic Historical Review, Washington, DC, v. 51, n. 1, p. 1-30, 1965.; Frank, 1992FRANK, Robert L. Prelude to Cold War: American Catholics and Communism. Journal of Church and State, Cambridge, v. 34, n. 1, p. 39-56, 1992.; Hart, 2020HART, D. G. American catholic: the politics of faith during the Cold War. Ithaca: Cornell University Press, 2020.; Margry, 2020MARGRY, Peter Jan (ed.). Cold War Mary: ideologies, politics, marian devotional culture. Leuven: Leuven University Press, 2020.).

Conforme apresenta Margry (2020MARGRY, Peter Jan (ed.). Cold War Mary: ideologies, politics, marian devotional culture. Leuven: Leuven University Press, 2020.: 19), a Igreja Católica e o catolicismo em geral tiveram protagonismo no campo de batalha ideológico, com seus membros sendo considerados verdadeiros “militantes eclesiásticos”, que tinham não apenas uma agenda ideológica e religiosa universal, mas uma agenda política utilizada para obter apoio de múltiplas nações. Nesse sentido, sua capacidade de atuação transnacional poderia expandir ideias e mobilizar ações na luta contra o comunismo.

Integrada aos valores político-ideológicos e religiosos daquele contexto, o movimento Cruzada do Rosário em Família se popularizou durante as décadas de 1940 e 1950, obtendo papel de destaque para a política externa e econômica norte-americana.3 3 Países da América Latina que receberam Patrick Peyton e a Cruzada do Rosário em Família: Brasil, Venezuela, Colômbia, Panamá, Equador, República Dominicana, El Salvador, Chile, Argentina, México, Peru e Bolívia. Organizações católicas leigas foram importantes atores na batalha cultural e religiosa da Guerra Fria para frear a infiltração comunista não apenas nos Estados Unidos, mas também em regiões estratégicas, revelando o caráter transnacional e religioso do conflito.

O BRASIL ENTRE ARMAS E ROSÁRIOS: O ANTICOMUNISMO TRANSNACIONAL E O GOLPE CIVIL-MILITAR DE 1964

O anticomunismo foi uma eficiente ferramenta na campanha de desestabilização do governo João Goulart. Organizações e grupos diversos utilizaram o temor aos comunistas de diferentes formas, selecionando aspectos do imaginário anticomunista para atingirem seus objetivos. Rodrigo Patto Sá Motta (2002MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o perigo vermelho: o anticomunismo no Brasil (1917-1964). São Paulo: Perspectiva, 2002.: 15) chama atenção para uma importante característica do anticomunismo: “este é, antes que um corpo homogêneo, uma frente reunindo grupos políticos e projetos diversos”. Embora a recusa ao comunismo seja um ponto de união, impera a heterogeneidade e a diferença de ação. O catolicismo, o nacionalismo e o liberalismo são as principais matrizes do anticomunismo, unindo-se em momentos-chave para combater o inimigo em comum (Motta, 2002MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o perigo vermelho: o anticomunismo no Brasil (1917-1964). São Paulo: Perspectiva, 2002.: 15).

De acordo com o autor, a Igreja Católica se constituiu como a instituição mais empenhada no combate aos comunistas no século XX. O comunismo seria um inimigo irreconciliável, tornando-se um desafio à sobrevivência da religião e impondo uma luta contra sua influência no seio da sociedade (Motta, 2002MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o perigo vermelho: o anticomunismo no Brasil (1917-1964). São Paulo: Perspectiva, 2002.: 18). Paulo César Gomes destaca a tentativa da instituição em se adaptar aos obstáculos que o comunismo impunha à religião, tentando se aproximar da classe trabalhadora e de movimentos sociais como medida de contenção. Se desde a encíclica Quod Apostolic Muneris, de 1878, a Igreja manifestava preocupação com a aproximação entre comunismo e trabalhadores, foi com o Concílio Vaticano II (1962-1965) que a instituição colocou a questão da justiça social e direitos humanos em primeiro plano, uma estratégia de renovação da ação social do clero e de disputa com os comunistas pelo intermédio dos problemas sociais (Gomes, 2014GOMES, Paulo César. Os bispos católicos e a ditadura militar brasileira: a visão da espionagem. Rio de Janeiro: Record, 2014. E-book.: 502).

Principalmente durante o contexto de Guerra Fria, as esquerdas representavam uma ameaça ainda maior devido aos acontecimentos da época, como a questão do sucesso da Revolução Cubana e a repressão sofrida pelos clérigos na União Soviética. Nesse sentido, ao lado das Forças Armadas, a Igreja Católica foi uma das instituições que mais se empenhou no combate aos comunistas no Brasil (Gomes, 2014GOMES, Paulo César. Os bispos católicos e a ditadura militar brasileira: a visão da espionagem. Rio de Janeiro: Record, 2014. E-book.). Scott Mainwaring afirma que, por mais que o período de 1955 a 1964 apresentasse o crescimento das forças favoráveis a mudanças dentro da Igreja, isso não significou que a resistência ao progressismo tivesse sido vencida ou calada. Se a Revolução Cubana inspirou, por um lado, mudanças radicais para se alcançar a justiça social, por outro intensificou a necessidade de adotar uma defesa intransigente da ordem vigente e dos valores, promovendo certo reformismo para abortar a possibilidade da revolução no Brasil. O crescimento do Partido Comunista representava um sinal da decadência da cultura católica e valores tradicionais, ressaltando a necessidade da Igreja se fortalecer perante a sociedade (Mainwaring, 2004MAINWARING, Scott. A Igreja Católica e a política no Brasil (1916-1985). São Paulo: Brasiliense, 2004.: 64).

O compromisso católico com a causa anticomunista não se restringiu ao espaço interno das igrejas. Motta (2020MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o perigo vermelho: o anticomunismo no Brasil (1917-1964). 2. ed. Niterói: Eduff, 2020.: 53-54) destaca que, em momentos críticos, os líderes religiosos usaram seu prestígio e força política para atingir a população através de outros meios, ocupando espaços sociais fora da igreja, atuando em pleitos eleitorais ou apoiando candidatos específicos, como no caso da Aliança Eleitoral pela Família, em 1962, ou com a veiculação de discursos a partir de jornais católicos, programas de rádio e televisão. Fica evidente que a propaganda se tornou importante ferramenta de doutrinação. Somada a isso, a criação e o fortalecimento de entidades leigas como os Círculos Operários, as Congregações Marianas e as Filhas de Maria tinham por objetivo auxiliar o trabalho de proselitismo do clero, formar lideranças sociais e aproximar a religião das pessoas. Motta afirma que para avaliar a influência da palavra do clero “havia formas de atingir grupos sociais mais amplos, incluindo não católicos ou não-praticantes. O prestígio social desfrutado pela Igreja, que se traduz em poder, abria-lhe acesso privilegiado aos meios de comunicação de massa, jornais, rádio e televisão” (Motta, 2020MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o perigo vermelho: o anticomunismo no Brasil (1917-1964). 2. ed. Niterói: Eduff, 2020.: 53)

Nesse sentido, o panorama de crescimento do anticomunismo católico em países como os Estados Unidos e o Brasil evidencia uma outra perspectiva analítica sobre a Guerra Fria para além do protagonismo imputado à atuação de Estados, diplomacia e grupos militares: evidencia-se o aspecto cultural do conflito, trazendo a religião para o primeiro plano. A religião passa a ser vista como um ator principal, e sua atuação transnacional se apresenta como a defesa e a organização do catolicismo conservador, evidenciando a agência de grupos leigos e de membros do clero na defesa de valores cristãos, no apoio a governos de extrema-direita e no combate ao comunismo na América Latina.

O caso da Cruzada do Rosário em Família e da trajetória de Patrick Peyton demonstra como grupos políticos e setores diversos da sociedade se apropriaram de valores religiosos e morais em disputa para combater o inimigo comunista e alcançar o sucesso de suas agendas. No entanto, a própria Igreja Católica teve importante papel no sucesso de Peyton. O Vaticano apoiou o trabalho do padre, favorecendo a campanha das cruzadas a partir do deslocamento de clérigos para que participassem delas e as divulgassem em paróquias de diversos países. O apoio do Papa Pio XII evidenciava também a popularidade daquela iniciativa e o interesse da Igreja em conseguir arregimentar cada vez mais fiéis para sua batalha contra “o individualismo e o materialismo”, demonstrando a preocupação da instituição com o contexto de crise do catolicismo na América Latina diante das ameaças político-ideológicas do período (Guisolphi, 2013GUISOLPHI, Anderson José. As Cruzadas do Rosário em Família do padre Patrick Peyton e o anticomunismo no Brasil (1962-1964). 2013. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo, 2013.: 63).

O projeto de expansão da Cruzada do Rosário em Família para a América Latina deve ser entendido dentro desse contexto de crise política, ideológica e espiritual. A aproximação de Peyton com o empresariado foi importante fator, que influenciou o deslocamento das cruzadas para além da América do Norte. De acordo com Richard Gribble (2003GRIBBLE, Richard. Anti-communism, Patrick Peyton, CSC and the C.I.A. Journal of Church and State, Cambridge, v. 45, n. 3, p. 535-558, 2003.) e Anderson Guisolphi (2013GUISOLPHI, Anderson José. As Cruzadas do Rosário em Família do padre Patrick Peyton e o anticomunismo no Brasil (1962-1964). 2013. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo, 2013.), a amizade de Peyton com o empresário Peter J. Grace foi o principal fator para essa mudança, devido à forte influência do empresário no governo norte-americano.

Grace era proprietário da W.R. Grace & Company, multinacional com diversos investimentos na América do Sul, e com significativa participação na política econômica americana da Guerra Fria. Dreifuss (1981DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do Estado. Ação política, poder e golpe de classe. 2. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1981.: 315) e Larissa Rosa Corrêa (2017CORRÊA, Larissa Rosa. Disseram que voltei americanizado: relações sindicais Brasil-Estados Unidos na ditadura militar. São Paulo: Editora Unicamp, 2017.: 68) apontam a relação próxima do empresário com o presidente John Kennedy, sendo nomeado por ele como chefe do Comitê para Desenvolvimento Econômico da “Aliança Para o Progresso”, e um dos idealizadores e fundadores do Instituto para o Desenvolvimento do Sindicalismo Livre no Brasil (Iadesil). O Iadesil reunia interesses da CIA, do Departamento de Estado e de industriais na formação de líderes sindicais anticomunistas e em atividades de impacto da Aliança, contribuindo para a desestabilização de governos de esquerda.

Nos anos 1960, a CIA atuou sistematicamente na campanha de desestabilização de governos de esquerda e no combate à infiltração comunista na América Latina. Devido ao contexto de Revolução Cubana e o deterioramento das relações entre Estados Unidos e Cuba, a América Latina ganhou cada vez mais importância para o governo norte-americano. Nesse sentido, a Cruzada do Rosário em Família se provou valiosa para os interesses do país. A documentação da CIA reúne centenas de informações da contrainteligência americana a respeito da situação política e econômica de países de interesse para a política externa americana. Telegramas trocados com embaixadas e o Departamento de Estado demonstram quais eram as preocupações e intenções do governo na América Latina. O documento JMARC meeting with DDP (FOIA, 1960FOIA. FREEDOM OF INFORMATION ACT ELETRONIC READING ROOM. JMARC meeting with DDP. 03241943. FOIA Collection. 16 nov. 1960, p. 14.) apresenta relatos de uma série de reuniões que contaram com a participação de um “grupo de discussão especial” sobre o melhor plano para a intervenção militar em Cuba, a possibilidade do apoio da Guatemala para o sucesso do plano, e a necessidade de informar o presidente recém-eleito John F. Kennedy sobre as ações já em curso. Na reunião de 23 de novembro de 1960, o diretor da CIA, Allen Dulles, mencionou a “proposta de Peter Grace para encorajar Padre Peyton [descrito como o Billy Graham católico] a desenvolver suas atividades em Cuba” (FOIA, 1960FOIA. FREEDOM OF INFORMATION ACT ELETRONIC READING ROOM. JMARC meeting with DDP. 03241943. FOIA Collection. 16 nov. 1960, p. 14.: 14). Outra evidência que corrobora a relação da organização com o empresário e a Family Rosary Crusade está presente na carta enviada por Dulles a Grace em 29 de julho de 1961, agradecendo pelas informações recebidas sobre instituição, e atestando o repasse delas ao seu pessoal sênior, que, com certeza, as receberia com interesse (FOIA, 1961FOIA. FREEDOM OF INFORMATION ACT ELETRONIC READING ROOM. Letter to Mr. Peter Grace for Allen W. Dulles. General CIA Records. 29 jul. 1961.).

De acordo com Hugh Wilford (2009WILFORD, Hugh. The Mighty Wurlitzer: how the CIA played America. Massachusetts: Harvard University Press, 2009.: 187), a Cruzada do Rosário despertava intensa piedade entre a classe trabalhadora, tornando-se um antídoto efetivo contra a contaminação comunista. Nesse sentido, levar as cruzadas para a América Latina também significava para o padre alcançar uma das maiores dioceses do continente, num contexto de forte ameaça aos valores cristãos com o perigo da infiltração comunista e aumento da organização sindical. A organização teria o objetivo de proteger governos locais contra insurreições, utilizando corporações transnacionais, Igrejas e organizações religiosas. No Brasil, a instituição chegou em 1962, durante o governo do presidente João Goulart. A Aliança para o Progresso, de John Kennedy, colocava a região como área de vital influência para o domínio econômico norte-americano. O empresário propôs a Peyton expandir as cruzadas para a América do Sul, devido ao seu interesse no setor de transportes, açúcar e mineração na região. Grace teria intermediado o financiamento das cruzadas pela CIA por meio do contato com Allen Dulles, diretor da organização (Gribble, 2003GRIBBLE, Richard. Anti-communism, Patrick Peyton, CSC and the C.I.A. Journal of Church and State, Cambridge, v. 45, n. 3, p. 535-558, 2003.: 543).

Conforme apresenta Gribble (2003GRIBBLE, Richard. Anti-communism, Patrick Peyton, CSC and the C.I.A. Journal of Church and State, Cambridge, v. 45, n. 3, p. 535-558, 2003.: 173):

O envolvimento da CIA com grupos religiosos era bastante caro e se manifestava em duas áreas distintas: o uso de missionários como informantes e a ajuda financeira direta aos apostolados missionários, que eram percebidos como ferramentas na luta anticomunista.4 4 No original: “The CIA’s involvement with religious groups was quite expensive and was manifest in two separate areas: the use of missionaries as informants and direct financial aid to missionary apostolates, which were perceived to be tools in the anti-Communist struggle”.

Somado a isso, Wilford (2009WILFORD, Hugh. The Mighty Wurlitzer: how the CIA played America. Massachusetts: Harvard University Press, 2009.: 174) identificou como a organização promovia financiamento a diversas organizações ligadas à Igreja, sociedades católicas como a Blue Army, o Conselho Nacional de Igrejas e o Opus Dei, além de igrejas protestantes. Durante a Guerra Fria, missionários estadunidenses colaboraram com a Central, informando sobre atividades comunistas na América Latina e estabelecendo alianças com grupos anticomunistas locais, membros do clero e empresários (Gribble, 2003GRIBBLE, Richard. Anti-communism, Patrick Peyton, CSC and the C.I.A. Journal of Church and State, Cambridge, v. 45, n. 3, p. 535-558, 2003.: 175).

O Brasil se tornou ponto estratégico para a atuação da Cruzada do Rosário na América Latina. Devido ao contexto de Guerra Fria e à conturbada posse de João Goulart em 1961, uma possível revolução socialista no país - aos moldes de Cuba - representaria grave ameaça aos interesses econômicos dos Estados Unidos na região. Patrick Peyton acreditava que o país passava por uma grave crise: “a atual forma de governo [...] fazendo esforços desesperados para se manter no país contra um regime ditatorial de natureza comunista que está se esforçando para tomar a nação”5 5 No original: “the present form of government [...] making desperate efforts to maintain itself in the country against a dictatorial regime of a Communist nature which is endeavoring to take over the nation”. (Gribble, 2005GRIBBLE, Richard. American Apostle of the Family Rosary: the life of Patrick J. Peyton, CSC. New York: The Crossroad Publishing Company, 2005.: 182). O temor anticomunista teve papel preponderante no processo de arregimentação dos grupos opositores ao governo de João Goulart. A conjuntura de crise política foi marcada pela proliferação de organizações anticomunistas que tiveram ligação com o movimento conservador norte-americano, como a Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP) (Caldeira; Gama, 2019CALDEIRA, Rodrigo Coppe; GAMA, Victor. As relações da TFP com o movimento conservador americano. In: BOHOSLAVSKY, Ernesto; MOTTA, Rodrigo Patto Sá; BOISARD, Stéphane (org.). Pensar as direitas na América Latina. São Paulo: Alameda, 2019. p. 313-328.: 313-328).

O contexto de polarização ideológica e a ameaça de infiltração comunista no país preocupavam o governo americano, que observava o processo político e social brasileiro se intensificar a partir da atuação de grupos como as Ligas Camponesas, o crescimento da atuação de entidades sindicais como o Comando Geral dos Trabalhadores e o Pacto de Unidade e Ação, além da ameaça de vitória de grupos progressistas e de esquerda nas eleições de 1962. Não coincidentemente, esse ano pareceu ser o marco zero das efetivas preocupações norte-americanas com o comunismo no Brasil, resultando na chegada de Patrick Peyton ao país. Para Napolitano (2014NAPOLITANO, Marcos. 1964: História do Regime Militar Brasileiro. São Paulo: Contexto, 2014.: 59), Peyton “veio ensinar como a família brasileira deveria esconjurar o demônio de Moscou apenas com o rosário nas mãos”, sendo bem recebido por autoridades, ganhando facilidade de transporte pelo território e levando a técnica do rosário contra o comunismo a ser incorporada pelas classes médias.

Patrik Peyton media o sucesso da Cruzada a partir do número de participantes em seus eventos. Já os oficiais da inteligência norte-americana buscavam evidências do impacto político da organização a partir da investigação de resultados eleitorais. O objetivo era identificar se candidatos comunistas sofreram dificuldades nas urnas após a chegada da Cruzada na região, comparando o número de participantes do evento com o das reuniões do Partido Comunista (Gribble, 2003GRIBBLE, Richard. Anti-communism, Patrick Peyton, CSC and the C.I.A. Journal of Church and State, Cambridge, v. 45, n. 3, p. 535-558, 2003.: 190). O caso da Região Nordeste foi expressivo nesse aspecto. Em julho de 1962, Peyton esteve em Recife, Pernambuco, para realizar a Cruzada na cidade. Naquele período, ocorria o preparativo para as eleições estaduais, com a candidatura de Miguel Arraes vista com preocupação pelas direitas.

O telegrama secreto enviado pela Embaixada Americana em Recife para o Departamento de Estado Americano apresentava relatório sobre a campanha de João Cleofas, candidato ao governo de Pernambuco com uma plataforma de campanha pela defesa de instituições democráticas e luta contra a penetração comunista. O telegrama informava que o candidato obteve crescimento em áreas do interior de Recife, locais onde a população estaria cada vez mais ciente do perigo comunista, e identificava o candidato Miguel Arraes ao lado dos comunistas. Somado a isso, em conversas com trabalhadores da campanha de Arraes, o grupo confidenciou acreditar que ele não alcançaria 60% dos votos na região, contribuindo assim para o crescimento de Cleofas. Para os integrantes da campanha de Arraes, algumas questões explicavam a queda da popularidade: o sucesso da Cruzada do Rosário em Família, “extremamente eficiente ao eliminar confusão e dissuadir os católicos de votarem em Miguel Arraes, agora mais identificado como comunista”; e a leitura da carta pastoral do arcebispo em todos os púlpitos de Pernambuco sobre “o dever cívico cristão na proteção da família e defesa contra os perigos que a ameaçavam”(JFK Library, 1962JFK LIBRARY. JOHN F. KENNEDY PRESIDENTIAL LIBRARY AND MUSEUM. João Cleofas’s Campaign Platform. Box 13, 08-16-62, NSF, 105, ago. 1962, p. 2.). Além disso, o comício de Arraes teria sido esvaziado devido ao sucesso da exibição dos filmes pela campanha popular da Cruzada, exibidos no mesmo horário e local.

De acordo com Anderson Guisolphi (2013GUISOLPHI, Anderson José. As Cruzadas do Rosário em Família do padre Patrick Peyton e o anticomunismo no Brasil (1962-1964). 2013. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo, 2013.: 67), as cruzadas consistiam em grandes campanhas de missões populares de evangelização, contando com equipes responsáveis pela organização e divulgação local do evento, como missionários e técnicos de projeção, recebendo apoio do clero local e o do Papa. Nesse sentido, a base da sua organização e divulgação estava centrada na ação dos fiéis de cada diocese e paróquia para divulgar a chegada e a obra da Cruzada nas cidades. A preparação para a Cruzada do Rosário se dividia em campanhas que duravam aproximadamente dois meses, iniciadas com o encaminhamento da carta pastoral do arcebispo local. A atuação da arquidiocese era de extrema importância, uma vez que ela deveria eleger um diretor diocesano para auxiliar a Cruzada, além de enviar a carta pastoral que deveria ser lida em todas as paróquias. Cada paróquia deveria escolher um líder para arregimentar fiéis e “sacerdotes mecânicos” que atuariam nas missões populares, contando também com o apoio dos padres na divulgação e arregimentação de fiéis para assistirem as projeções dos filmes da Teatro em Família em praças públicas, hospitais, presídios, escolas e quartéis das Forças Armadas.

Em dezembro de 1962, aproximadamente 1,5 milhão de pessoas participaram das missões populares da Cruzada na cidade do Rio de Janeiro, contando com projeção dos filmes sobre os mistérios do Rosário, além de uma campanha de propaganda maciça: foi colocado um Rosário iluminado de 30 m e uma cruz de 8 m no Cristo Redentor (Gribble, 2003GRIBBLE, Richard. Anti-communism, Patrick Peyton, CSC and the C.I.A. Journal of Church and State, Cambridge, v. 45, n. 3, p. 535-558, 2003.: 191). No ano seguinte, devido às festividades da Imaculada Conceição, Peyton organizou na cidade o programa A Hora da Família, transmitido por rádio e televisão para todos os países da América do Sul e Europa. O Papa Paulo VI gravou uma mensagem especial ao lado do arcebispo do Rio de Janeiro, d. Jaime de Barros Câmara, e o de São Paulo, d. Carlos Carmelo de Vasconcellos (Brasil..., 1963BRASIL recebeu mensagem do papa. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, n. 21.683, ano LXIII, 1º caderno, p. 8, 10 dez. 1963.: 8). Também compareceram os cantores Bing Crosby e Leny Eversong, a atriz espanhola Sarita Montiel, Agostinho dos Santos e o jogador de futebol Pelé. O programa foi aberto pelo presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzili, e sua família. Além disso, famílias das mais diversas camadas sociais participaram da celebração rezando o terço, desde figuras políticas importantes como o presidente João Goulart e sua família, a pessoas comuns como os membros da família do operário João de Sousa Oliveira (Brasil..., 1963BRASIL recebeu mensagem do papa. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, n. 21.683, ano LXIII, 1º caderno, p. 8, 10 dez. 1963.: 8).

As atividades da organização na cidade continuaram ao longo daquele ano. Monsenhor Bessa (Secretário do cardeal do Rio de Janeiro) foi o escolhido para dar continuidade aos trabalhos da Cruzada na região, tornando-se o diretor do “escritório pós-cruzada”. Em agosto de 1963, Peyton se reuniu com Bessa e d. Jaime de Barros Câmara para elucidar quais seriam os próximos passos da organização na cidade. No relatório elaborado pelas missionárias que trabalhavam no escritório, é possível observar que a intenção da organização em permanecer no Rio de Janeiro iria além do desejo de manter os esforços pela oração do Rosário em família (Entrevista..., 1963ENTREVISTA del P. Peytom com el cardeal arzobispo de Rio Dom Jaime de Barros Cámara. Archives Holy Cross Family Ministries. Recife, 1963.).

Durante a reunião, o cardeal do Rio de Janeiro se colocou à disposição da Cruzada, propondo enviar cartas circulares às paróquias explicando sobre “a crise atual do Brasil e o que a Cruzada do Rosário em Família supõem para a solução dessa crise”. Além disso, manifestou desconfiança sobre a conferência de Moscou para o desarmamento nuclear, pois a palavra dos russos não seria confiável. Para Câmara, “o comunismo quer atacar a América do Norte pela América Latina, especialmente pelo Brasil”, sendo necessário pedir por meio de carta circular “uma campanha de oração para evitar o perigo comunista”. Nesse sentido, o plano de permanência da Cruzada do Rosário em Família por mais cinco anos na cidade era fundamental, não apenas para continuar com a instrução religiosa de líderes e suas famílias, mas por ser essa “a única maneira de salvar a América Latina” (Entrevista..., 1963ENTREVISTA del P. Peytom com el cardeal arzobispo de Rio Dom Jaime de Barros Cámara. Archives Holy Cross Family Ministries. Recife, 1963.).

Após o Rio de Janeiro, os esforços da Cruzada se deslocaram para o estado de Minas Gerais. Em Belo Horizonte, o comício de Peyton foi marcado para ocorrer apenas em junho de 1963. No entanto, os preparativos na cidade foram iniciados dois meses antes, com a organização do escritório e arregimentação de missionários locais. Na capital do estado, a Cruzada contou com o apoio e atuação em 95 paróquias para iniciar a Campanha Popular. Os filmes foram exibidos em 17 hospitais, com público de 6451 espectadores, três prisões reunindo 1292 pessoas, 417 exibições em escolas, com público de 170.780 alunos e professores, além de quatro quartéis das Forças Armadas, com público de 5.030 pessoas (Graphic..., 1963GRAPHIC Report on Belo Horizonte. Archives Holy Cross Family Ministries. Belo Horizonte, 1963.).

No total, o escritório contabilizou que 1.940.357 pessoas participaram das Missões Populares ao longo de abril e junho, e 600.00 pessoas participaram do grande comício com Patrick Peyton na Praça Raul Soares (Graphic..., 1963GRAPHIC Report on Belo Horizonte. Archives Holy Cross Family Ministries. Belo Horizonte, 1963.). De acordo com Heloisa Starling (1986STARLING, Heloísa Maria Murgel. Os senhores das Gerais: o novos inconfidentes e o Golpe de 1964. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1986.: 236-238), a passagem de Peyton por Belo Horizonte foi recebida com entusiasmo pela alta hierarquia do clero mineiro, reunindo centenas de pessoas na Praça Raul Soares. A participação popular foi tão expressiva que o arcebispo d. João Rezende Costa declarou que a Cruzada do Rosário deveria ser revivida anualmente na capital mineira, presidida pela imagem de Nossa Senhora de Fátima. Além de Belo Horizonte, no mesmo ano, Peyton também esteve em Salvador, contando com meses de preparação e a participação de aproximadamente 600 mil pessoas (Araújo, 2008ARAÚJO, Célio Roberto de. O voto, o terço e as armas: atuação política da Igreja Católica na Bahia na conjuntura do golpe de 1964. 2008. Dissertação (Mestrado em História Social) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2008.: 66), além de Porto Alegre (Guisolphi, 2013GUISOLPHI, Anderson José. As Cruzadas do Rosário em Família do padre Patrick Peyton e o anticomunismo no Brasil (1962-1964). 2013. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo, 2013.: 96).

No ano seguinte, em fevereiro, a organização contou com um escritório instalado na capital do estado de São Paulo, sob a direção do padre Leonel Corbell da Congregação de Santa Cruz. De acordo com o jornal O Estado de S. Paulo, a Cruzada foi um movimento de profundidade que “atinge o cerne dos males modernos, o qual reside na desagregação da família, na quebra da autoridade paterna e na falta de um verdadeiro espírito comunitário, a partir do lar, que é, primeiramente, uma comunidade de oração” (Cinema..., 1964CINEMA e missões populares na difusão da Cruzada do Rosário. O Estado de S. Paulo, São Paulo, p. 10, 5 jul. 1964.: 10). O escritório de São Paulo era composto por

um grupo de religiosas altamente treinadas e organizadas, as quais não usam os hábitos tradicionais, mas se confundem com as milhares de senhoras e moças que trabalham em escritórios, fazendo funcionar intensamente o núcleo central da Cruzada do Rosário em Família (Cinema..., 1964CINEMA e missões populares na difusão da Cruzada do Rosário. O Estado de S. Paulo, São Paulo, p. 10, 5 jul. 1964.: 10).

O jornal ainda destacou o empenho dos membros da cruzada paulista no sucesso das Missões Populares. A mensagem da Cruzada foi levada ao povo por meio dos chamados “sacerdotes mecânicos”, um grupo de leigos treinados em cursos intensivos e responsáveis pela divulgação, usando uma linguagem direta e inteligível para o público, dos filmes que reeditam, em termos modernos, a pregação do Evangelho. Destacou-se o alcance do movimento na cidade paulista, uma vez que durante seus primeiros meses de funcionamento, conseguiu levar a mensagem de Peyton a mais de 900 mil pessoas na Zona Leste da cidade (Cinema..., 1964CINEMA e missões populares na difusão da Cruzada do Rosário. O Estado de S. Paulo, São Paulo, p. 10, 5 jul. 1964.: 10).

Peyton também participou da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que ocorreu na cidade em 1964. As marchas foram um dos momentos de maior expressão da organização conservadora no país. Surgiram com um apelo às Forças Armadas por uma intervenção salvadora das instituições, ameaçadas pela corrupção, crise econômica, desagregação familiar e pelo comunismo ateu. Posteriormente ao dia 31 de março de 1964, passaram por uma ressignificação do discurso, transformando-se numa demonstração de legitimação do Golpe Civil-Militar (Cordeiro, 2009CORDEIRO, Janaina Martins. Direitas em movimento: a Campanha da Mulher pela Democracia e a ditadura no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009.).

As marchas também foram um “movimento de desagravo ao Rosário” que, de acordo com a Campanha da Mulher pela Democracia (Camde), teria sido “insultado” pelo presidente João Goulart durante o Comício das Reformas de Base na Central do Brasil. O presidente teria dito que “o terço e a macumba (feitiçaria) da Zona Sul não teriam poder sobre ele”. Provavelmente a referência ao terço seria em razão das mulheres mineiras que o utilizaram durante uma manifestação contra Leonel Brizola, ou até mesmo uma referência à Cruzada do Rosário em Família (Cordeiro, 2009CORDEIRO, Janaina Martins. Direitas em movimento: a Campanha da Mulher pela Democracia e a ditadura no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009.: 65).

Janaina Cordeiro (2009CORDEIRO, Janaina Martins. Direitas em movimento: a Campanha da Mulher pela Democracia e a ditadura no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009.: 44) demonstra que diversas organizações femininas, como a Camde, no Rio de Janeiro, a Liga da Mulher Democrata (Limde), em Belo Horizonte, a União Cívica Feminina (UCF), de São Paulo, a Cruzada Democrática Feminina, de Recife, e a Ação Democrática Feminina Gaúcha apoiaram e fizeram parte das marchas. Nesse sentido, conforme apresenta Aline Presot (2004PRESOT, Aline Alves. As Marchas da Família com Deus pela Liberdade e o Golpe de 1964. 2004. Dissertação (Mestrado em História Social) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2004.: 81), a promissora aliança das mulheres com setores conservadores da Igreja Católica foi fundamental para a organização e a propaganda sobre as marchas, assim como ocorreu com a Cruzada do Rosário em Família em 1962, considerada à época como uma espécie de embrião das Marchas da Família com Deus pela Liberdade. A aproximação da Cruzada com alguns cardeais (como o cardeal d. Jaime de Barros Câmara), o apoio recebido das organizações femininas e as denúncias realizadas sobre o “perigo comunista” deixavam clara a aliança construída entre grupos conservadores e a Igreja Católica na luta contra a infiltração comunista no Brasil (Alves, 1979ALVES, Márcio Moreira. A Igreja e a política no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1979.: 111).

Vale ainda destacar que membros da direita católica que participaram da campanha de desestabilização do governo Goulart e apoiaram o Golpe Civil-Militar continuaram atuando em questões político-ideológicas, pressionando a esquerda católica e bispos progressistas, além de terem recebido apoio da ditadura e alcançado papel de destaque na Confederação Nacional dos Bispos Brasileiros (Mainwaring, 2004MAINWARING, Scott. A Igreja Católica e a política no Brasil (1916-1985). São Paulo: Brasiliense, 2004.: 65). A Federação das Filhas de Maria organizou em agosto de 1964 uma homenagem ao cardeal arcebispo do Rio de Janeiro d. Jaime de Barros Câmara, reunindo duas mil e quinhentas filhas de Maria, representando aproximadamente 150 paróquias da cidade do Rio de Janeiro. A organização, representada pela presidente Dulce Magalhães, prestou homenagens ao “Cardeal da Resistência”, “pastor cuja ação quiseram estancar, porque estancava a ousadia dos que queriam conduzir o Brasil às beiras do precipício” (Campanha, 1964CAMPANHA da Mulher pela Democracia. O Globo, Rio de Janeiro, p. 11, 19 ago. 1964.: 11). O cardeal-arcebispo encerrou a cerimônia com um pronunciamento, dizendo estar satisfeito em se reunir com as Filhas de Maria no mesmo instante em que o padre Patrick Peyton encerrava a Cruzada do Rosário em Família na cidade de São Paulo perante centenas de fiéis. D. Jaime ainda destacou a necessidade de a organização manter sua devoção ao Rosário:

Foi o Rosário que deu ao Brasil a vitória da Democracia, pois no mesmo dia em que se realizava a “Marcha do Rosário da Família com Deus” - celebrava-se ao mesmo tempo o esmagamento, naquele mesmo dia, do comunismo ateu que queria dominar o Brasil. Sempre foi o Rosário que salvou o Brasil. Não fosse a oração do Rosário, feita com fé e amor pelas Filhas de Maria, estaria agora o Brasil dominado pelo comunismo ateu, e com ele toda a América do Sul (Campanha..., 1964CAMPANHA da Mulher pela Democracia. O Globo, Rio de Janeiro, p. 11, 19 ago. 1964.: 11).

A mobilização de setores da Igreja Católica e o crescimento de organizações leigas foi expressiva durante contexto do Golpe de 1964. De acordo com Paulo Cesar Gomes (2014GOMES, Paulo César. Os bispos católicos e a ditadura militar brasileira: a visão da espionagem. Rio de Janeiro: Record, 2014. E-book.: 35), parte dos bispos creditavam às reformas do Concílio Vaticano II uma forma de satisfazer as aspirações das massas, evitando assim a propagação do “perigo vermelho”. Parcela do episcopado via nas reformas de base do governo Jango o prenúncio de uma insurreição comunista no país. Nesse sentido, figuras importantes da hierarquia católica integraram diversos movimentos de oposição ao governo, como o caso de d. Jaime de Barros Câmara e d. Geraldo de Proença Sigaud, arcebispo de Diamantina e um dos fundadores da Tradição, Família e Progresso (Gomes, 2014GOMES, Paulo César. Os bispos católicos e a ditadura militar brasileira: a visão da espionagem. Rio de Janeiro: Record, 2014. E-book.: 39).

Os bispos conservadores, em especial Câmara, foram grandes apoiadores da vinda da Cruzada do Rosário em Família ao Brasil. De acordo com Marcio Moreira Alves, no contexto da agitação política das Reformas de Base, a maior parte da hierarquia católica estava convencida da possível infiltração comunista no país. No entanto, os diferentes posicionamentos dentro da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) impediam a instituição de se manifestar abertamente contra o governo. Nesse sentido, o apoio de parte do episcopado brasileiro à chegada de Patrick Peyton ao país seria uma forma de influenciar o resultado da luta política sem comprometer a CNBB. A cruzada, na visão de Marcio Moreira Alves, foi um caso exemplar da ação de um grupo de pressão católica sobre a superestrutura política do Brasil (Alves, 1979ALVES, Márcio Moreira. A Igreja e a política no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1979.: 111-112).

Heloísa Starling (1986STARLING, Heloísa Maria Murgel. Os senhores das Gerais: o novos inconfidentes e o Golpe de 1964. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1986.: 236-238) demonstra que as Cruzadas ajudaram a divulgar no país o Rosário como símbolo e arma política na luta anticomunista, sendo rapidamente apropriado por grupos femininos devido à sua origem divina. A autora ainda afirma que a Cruzada do Rosário em Família consistia em uma mistura de exploração da fé religiosa popular e utilização de técnicas de propaganda, com o objetivo de difundir o apelo anticomunista presente nas mensagens de Nossa Senhora de Fátima. Para a autora, amparado por forte esquema publicitário e tratado “amavelmente” por João Goulart, Peyton conduzia as massas a uma “intoxicação mística”, canalizada para a militância política. Starling descreve o padre como um “excelente manipulador de emoções”, que expunha o apelo anticomunista da Virgem para, em seguida, convocar a população a rezar o terço e afastar do Brasil o perigo comunista, atingindo, assim, um “delírio místico”.

O carisma de Peyton sempre foi colocado em evidência por Richard Gribble (2003GRIBBLE, Richard. Anti-communism, Patrick Peyton, CSC and the C.I.A. Journal of Church and State, Cambridge, v. 45, n. 3, p. 535-558, 2003.), que destaca a personalidade magnetizante do padre como fator determinante para o sucesso das cruzadas e o estabelecimento de aliança com figuras importantes da sociedade como atores de Hollywood, cantores, empresários e membros do governo. No entanto, o carisma pode ser analisado a partir de outra perspectiva, levando em consideração fatores culturais, políticos e psicológicos. Charles Lindholm (2013LINDHOLM, Charles (ed.). The anthropology of religious charisma: ecstasies and institutions. New York: Palgrave Macmillan, 2013.: 3-7) demonstra que o carisma não tem ligação com a posição social, poder ou vantagens, emanando somente do magnetismo pessoal inerente. Um dos maiores impulsionadores de transformações religiosas e uma das mais poderosas relações emocionais, o carisma pode inspirar crentes a renunciarem a família e amigos, além de mobilizar paixões políticas em multidões. Compreender como funciona o carisma religioso e seu aparecimento pode auxiliar na compreensão da utilização de valores religiosos e submissão à liderança carismática na vida política, mobilização de relações sustentadas a partir da troca de benefícios materiais e simbólicos. Lindholm afirma que o líder carismático pode ser visto por seus seguidores como profeta, messias ou divindade encarnada, dotado de um poder irracional que conseguiria atrair emoções diversas.

Nesse sentido, pode-se inferir que o poder carismático de Patrick Peyton atraía multidões devido à mobilização de certas imagens e símbolos como o Rosário e Nossa Senhora, além da evocação da possibilidade de um mal maior, repleto de imagens negativas e até mesmo apocalípticas, como a violência, a miséria, a desagregação familiar, a delinquência juvenil, as guerras e a possibilidade de destruição do mundo pelas bombas atômicas. A única forma de combater o mal iminente que pairava sobre a cristandade e de derrotar os inimigos comunistas infiltrados na sociedade seria a partir de meios simbólicos e místicos.

Jurar obediência e penitência às ordens emanadas por Nossa Senhora em 1917, rezar o Rosário em conjunto e seguir as orientações feitas pelo “padre do Rosário”, que finalizava os rallies com sermões e orações realizadas por milhares de pessoas unidas, evocavam a presença da Virgem e o sentimento de união na batalha contra os inimigos ateus e o anticristo pela Igreja. Fátima e o rosário animaram a fé dos crentes e ocuparam posição de destaque no imaginário anticomunista católico dos anos 1960, tendo na Cruzada de Patrick Peyton o seu maior veiculador (Motta, 2002MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o perigo vermelho: o anticomunismo no Brasil (1917-1964). São Paulo: Perspectiva, 2002.: 247). Se as Cruzadas ganharam destaque nacional no Brasil, isso apenas foi possível devido à mobilização de diferentes grupos sociais aos eventos: arcebispos, padres, fiéis de variadas dioceses, grupos femininos conservadores e empresários.

Além da inauguração de escritórios e da veiculação de campanhas publicitárias, a Cruzada contava com o estabelecimento de redes de apoio com organizações conservadoras, entidades leigas e governantes locais. O “padre do Rosário” mobilizou milhares de pessoas em torno de seu slogan “a família que reza unida, permanece unida”, contribuindo não apenas para a popularização da oração do Rosário, mas também para a mobilização social em defesa da família contra o comunismo. Contou com o apoio de diversas organizações leigas, membros da alta hierarquia da Igreja e setores empresariais na organização de campanhas publicitárias para garantir o sucesso de público.

Para além de uma organização religiosa anticomunista financiada pela CIA, com uma agenda religiosa, mas também política de desestabilização da influência comunista, é necessário reforçar que as cruzadas só tiveram sucesso na desestabilização do governo Goulart devido ao amplo apoio de variados grupos da população, para além dos integrantes da Igreja. A atuação e inserção da Cruzada na sociedade brasileira é um exemplo concreto de como a polarização ideológica da Guerra Fria também se fazia presente no cotidiano dos indivíduos, trazendo à tona a agência de diversos grupos, e não apenas de instituições e Estados, nas disputas políticas e ideológicas do período.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A polarização política da Guerra Fria, marcada pela oposição entre capitalismo e socialismo, fez-se presente nas disputas políticas que culminaram na deposição do presidente João Goulart em 1964. A retórica anticomunista era parte constante da agenda política de diversos setores interessados não apenas na queda de Goulart, mas na conservação de valores morais e cristãos e na renovação da política econômica. No Brasil dos anos 1960, a fé católica foi mobilizada por diferentes grupos contra a ameaça da violação de direitos e de valores, e, até mesmo, em disputas políticas na defesa ou oposição ao governo do então presidente.

A renúncia de Jânio Quadros em 1961 e a tentativa das direitas de impedir a posse de Goulart levaram a instabilidade política crescente desde o suicídio de Getúlio Vargas ao ápice. Por ser tratado como herdeiro direto do getulismo e ter uma grande base de apoio entre grupos trabalhistas, a chegada do então vice-presidente ao poder significou, para segmentos conservadores da sociedade, um passo perigoso em direção ao comunismo. A articulação das direitas para impedir a sua posse, a oposição à campanha da legalidade, bem como a imposição do parlamentarismo como manobra para retirar poderes diretos do presidente não conseguiram enfraquecer as mobilizações sociais por reformas profundas na economia, educação e política.

Os mais diversos segmentos da sociedade civil se organizaram ao longo da década de 1960 em grupos como o Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (IPÊS), Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad) e a Campanha da Mulher pela Democracia (Camde) na oposição ao governo Goulart. Utilizaram um discurso conservador, moralizador e religioso que alertava para os perigos da ameaça comunista que estaria infiltrada no governo e transformaria o país em uma “República Sindicalista”.

A crença na existência de uma conspiração organizada pelo comunismo na América Latina era algo compartilhado por grupos conservadores católicos nos Estados Unidos e no Brasil. A ideia baseava-se na visão de um futuro de caráter apocalíptico: a destruição do mundo, da civilização, dos direitos individuais e da religião. Importante ressaltar que a iminência da destruição mútua assegurada fazia parte da preocupação social, uma vez que o acirramento das disputas entre Estados Unidos e União Soviética não se deu apenas no plano econômico e ideológico, mas também no científico, materializada naquele momento na corrida armamentista nuclear.

A retórica anticomunista cristã se apropriava dos valores caros ao americanismo, como a defesa do American Way of Life e as liberdades individuais, além da defesa de valores morais, como salvar a família e a Igreja da destruição eminente causada pelo avanço comunista. Acompanhada de elementos da doutrina cristã, a ameaça de novas guerras, invasões e bombardeio nuclear compunha um discurso que gerava não apenas comoção, mas também apoio e reconhecimento de diversos setores da população. A iminência da catástrofe (imaginário apocalíptico) era resgatada pelo imaginário político de grupos católicos conservadores, selecionando símbolos específicos como a ideia do complô comunista.

Raoul Girardet (1987GIRARDERT, Raoul. Mitos e mitologias políticas. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.) aponta que o imaginário político é carregado de construções mitológicas que podem ser classificadas tanto a grupos de esquerda como de direita, e os papeis atribuídos a essas construções ao longo do tempo correspondem a um sistema de crenças coerente e completo. Ao retratar a mitologia acerca da Conspiração na França do século XIX, Girardet afirma que a ideia de uma conspiração arquitetada por judeus, maçons e jesuítas tinha em comum a forma como a sua difusão foi realizada ao longo do tempo, utilizando folhetins românticos, por exemplo, além de ideologias correlatas. A ideia da organização seria uma dessas semelhanças, em que os integrantes do grupo acabavam sendo manipulados e perdendo sua individualidade,

[...] ignorantes desses mistérios, versada nos exclusivos princípios da obediência passiva, mantida pelo caráter irremediável dos juramentos pronunciados, a massa dos cúmplices já não aparece senão como um imenso mecanismo, com engrenagens estritamente dispostas, onde a personalidade se dissolve, o indivíduo se perde (Girardet, 1987GIRARDERT, Raoul. Mitos e mitologias políticas. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.: 00).

Seja qual for a natureza e motivação da conspiração, o autor afirma que o objetivo é sempre o mesmo: retomar o poder e a edificação de um grande império, unindo o globo sob uma única e total autoridade.

Assim como apresenta Rodrigo Patto Sá Motta (2020MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o perigo vermelho: o anticomunismo no Brasil (1917-1964). 2. ed. Niterói: Eduff, 2020.: 73-114), o imaginário anticomunista era composto por um conjunto de imagens produzidos acerca de determinados aspectos da vida social, atribuindo qualidades negativas para convencer a sociedade da necessidade de refutar os valores comunistas. Para além da ideia de um complô comunista, podemos perceber que o discurso de membros do clero conservador e de organizações como a Family Rosary Crusade atrelava a identificação do comunismo à imagem do mal, do sofrimento, da miséria e da tortura. Os comunistas eram vistos como demônios, agentes patológicos que desafiavam a moral cristã e representavam uma ameaça, vinda essencialmente do exterior, infiltrando-se na sociedade.

A partir do exposto, percebe-se como a atuação do padre Patrick Peyton e da Cruzada do Rosário em Família estava diretamente ligada aos meios encontrados pela Igreja Católica para combater o “inimigo ateu”, contando com seu apoio e organização para obter engajamento e participação popular. A Cruzada do Rosário em Família visava complementar a missão proselitista da Igreja, convencendo as famílias da importância da oração do rosário diariamente, utilizando discursos e valores políticos e ideológicos do contexto de Guerra Fria para evitar a desagregação familiar e o avanço de teorias materialistas.

O estudo revela como a religião foi mobilizada por atores sociais e organizações diversas como meio para atingir objetivos políticos materiais e simbólicos, demonstrando como a perspectiva transnacional de atuação das Cruzadas evidencia o caráter interamericano da Guerra Fria, com novos atores entrando em cena, construindo alianças, mobilizando discursos e valores religiosos para atingirem um objetivo maior: derrotar o avanço do comunismo. Analisar como a Family Rosary Crusade e Patrick Peyton se beneficiaram de conflitos políticos internacionais e nacionais para reafirmar a força do catolicismo nos mostra um outro lado não apenas da Guerra Fria e de seu caráter religioso, mas do aspecto civil do Golpe Militar de 1964. A partir da construção de uma aliança transnacional, setores diversos da sociedade brasileira apoiaram a vinda da Cruzada do Rosário em Família ao país, mobilizando recursos financeiros, políticos e religiosos para desestabilizar o governo João Goulart, contribuindo para a instauração de uma ditadura que deixou marcas profundas em nossa democracia até os dias atuais.

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  • 1
    Depoimentos ao Senado americano e em entrevista para a revista Veja.
  • 2
    No original: “It was not just the ‘generic’ Mary who played an important role during the Cold War: for the most part, it was a very specific version of Mary: Our Lady of Fátima. The refashioning of Our Lady of Fátima in 1943 [...] constituted a crucial political intervention by the Vatican, which turned her into the anticommunist Madonna par excellence”.
  • 3
    Países da América Latina que receberam Patrick Peyton e a Cruzada do Rosário em Família: Brasil, Venezuela, Colômbia, Panamá, Equador, República Dominicana, El Salvador, Chile, Argentina, México, Peru e Bolívia.
  • 4
    No original: “The CIA’s involvement with religious groups was quite expensive and was manifest in two separate areas: the use of missionaries as informants and direct financial aid to missionary apostolates, which were perceived to be tools in the anti-Communist struggle”.
  • 5
    No original: “the present form of government [...] making desperate efforts to maintain itself in the country against a dictatorial regime of a Communist nature which is endeavoring to take over the nation”.
  • Contribuição dos autores:

    não há contribuição de outros autores.
  • Fonte de financiamento:

    CAPES e Comissão Fulbright Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    30 Dez 2023
  • Aceito
    24 Abr 2024
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