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O Centro de Informações do Exterior e o controle ideológico do cinema durante a Ditadura de 1964

The Foreign Intelligence Center and the ideological control of cinema during the 1964 dictatorship

El Centro de Información Exterior y el control ideológico del cine durante la Dictadura de 1964

Resumo

Este artigo trata do Centro de Informações Exteriores (Ciex, 1966-1985) subordinado ao Ministério das Relações Exteriores durante os anos da Ditadura Militar de 1964, analisando os documentos produzidos por ele como integrante da comunidade de informações no que diz respeito à vigilância ao cinema brasileiro. Tratamos ainda da vigilância ao cineasta Glauber Rocha, como exemplo da produção de dados e do controle ideológico pela comunidade de informações durante seu autoexílio por seis anos pela Europa.

Palavras-chave:
Ditadura Militar de 1964; Cinema brasileiro; Cinema e ditadura; Comunidade de informação; Vigilância ao cinema; Glauber Rocha; Centro de Informações Exteriores

Abstract

This study addresses the Foreign Intelligence Center (Ciex, 1966-1985), subordinate to the Ministry of Foreign Affairs during the 1964 military dictatorship, and analyze the documents it produced as part of the intelligence community to monitor Brazilian cinema. This research also addresses the surveillance of filmmaker Glauber Rocha as an example of data production and ideological control by the intelligence community during his six-year self-exile in Europe.

Keywords:
1964 Military Dictatorship; Brazilian cinema; Cinema and dictatorship; Information community; Surveillance on cinema; Glauber Rocha; Foreign Information Center

Resumen

Este artículo aborda el Centro de Información Exterior (Ciex, 1966-1985), subordinado al Ministerio de Relaciones Exteriores durante la Dictadura militar de 1964, mediante el análisis de los documentos producidos por el organismo como parte de la comunidad de inteligencia en relación con la vigilancia del cine brasileño. También se analiza la vigilancia al cineasta Glauber Rocha como ejemplo de producción de datos y control ideológico por parte de la comunidad de inteligencia durante su autoexilio de seis años en Europa.

Palabras-clave:
Dictadura militar de 1964; Cine brasileño; Cine y dictadura; Comunidad de información; Vigilancia del cine; Glauber Rocha; Centro de Información Exterior

Introdução

O Centro de Informações Exteriores (Ciex) foi criado em 1966 com o objetivo de monitorar, vigiar e controlar o trânsito de brasileiros no exterior, assim como as atividades de contestação e de denúncia. As investigações atingiram pessoas de diversos setores, incluindo o setor do cinema, e contou com o apoio de outros organismos de países aliados para o monitoramento efetivo do que era divulgado sobre a imagem da ditadura brasileira. Contudo, o Ciex foi além. Esteve presente como participante de outras viradas golpistas na América do Sul, cujas consequências foram a inviabilidade da permanência de exilados e a facilitação do controle de toda produção de cinema que circulava externamente.

Usamos como marcos cronológicos de criação e extinção os mesmos que estão na base de dados do Arquivo Nacional, seguindo a legislação. Assim, o Ciex, em 1966, é criado sem decretos (ou até agora não localizados), regulamentos ou regimentos, a partir do recrutamento de diplomatas, colaboradores e de um staff que prestaria suporte e assessoria para cobrir os países que se pretendia abranger. A Comissão Nacional da Verdade (CNV) sugere como pode ter ocorrido seu processo formal de criação:

[…] e em nome da proteção ao sigilo de suas atividades, certas categorias funcionais deveriam ser retiradas do domínio da lei geral, mediante a adoção de estatuto jurídico próprio, não raro impreciso e largamente consuetudinário. Isso explica, em parte, a inexistência de um ato administrativo de criação do Ciex. Na tradição oral do MRE [Ministério das relações Exteriores], fala-se da assinatura de portaria ultrassecreta, jamais publicada ou encontrada, em que teriam sido capituladas as atribuições do Ciex. Existe, ainda, quem admita que possa ter havido, com o mesmo grau de sigilo, uma exposição de motivos ao presidente Castelo Branco, que nela teria aposto sua concordância

(CNV, 2014 CNV. COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE. Relatório. v. 1, Brasília, 2014. Disponível em: https://www.gov.br/memoriasreveladas/pt-br/assuntos/comissoes-da-verdade/volume_1_digital.pdf . Acesso em: 20 de abril de 2022.
https://www.gov.br/memoriasreveladas/pt-...
: 179).

Existiam as Bases do Exterior (BEX), que eram localizadas nas capitais Assunção, Buenos Aires, Berlim, Genebra, Lisboa, Montevidéu, Moscou, Paris, Praga, Santiago do Chile e Varsóvia (Castilho, 2015CASTILHO, Alessandra Beber. Diplomacia e repressão política: a atuação do Centro de Informações do Exterior e da Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores no Chile (1968-1973). 2015. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) – Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.: 55). O Ciex surge de forma secreta, disfarçado de Assessoria de Documentação de Política Exterior (Adoc), e se mantém em funcionamento fisicamente até 1975, no gabinete 410, do 4º andar do Anexo I do Palácio do Itamaraty, quando passa a atuar como Secretaria de Documentação de Política Exterior (Sedoc). “Desaparece” com o fim da ditadura militar em 1985, ou 1988, com a nova Constituição democrática, como argumenta Penna Filho (2008), já que ainda é registrado algum trâmite de documentos do Ciex em 1986. 1 1 Se compararmos a produção de documentos totais (de mais de 8 mil), em 1968 o Ciex emitiu 747, contra 95 em 1986; houve acentuada queda da atuação. Em 1978, um ano antes do retorno dos exilados, também houve um decréscimo relevante de 28 documentos.(Penna Filho, 2008: 90), decréscimo que aponta a anistia e o redirecionamento dos interesses internacionais do governo Geisel para temas diversos, não mais relacionados somente à repressão.

A intenção é tomarmos como base os documentos produzidos em período mais fechado, de 1966 a 1978, 2 2 Documentos que ultrapassam essas datas são citados na medida em que demonstram a insistência da comunidade de informações nas ações de vigilância e controle do cinema. em correspondência ao projeto de pesquisa de doutoramento que desenvolvemos no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC/FGV), no Rio de Janeiro. A análise abarca nomes do cinema nacional, na medida em que são citados pelos informes e relatórios desses órgãos. Também serão mencionados e analisados casos que envolvem a produção e exibição de filmes e a participação do Brasil em festivais para tecer algumas hipóteses a respeito do interesse do governo em se manifestar, sob a forma da vigilância e controle, sobre a produção de imagens e os sujeitos do cinema que transitavam fora do país.

Chama atenção essa prática de vigilância que, ao longo da ditadura, tornava-se cada vez mais abrangente, alcançando toda entrada e saída de brasileiros, não só daqueles já visados (fichados) pela polícia política, mas até de cidadãos acima de qualquer suspeita, bastando ter vínculo a alguma atividade considerada perigosa para a imagem da ditadura ou manter relações sociais ou profissionais com outros que se tornaram opositores do regime. Valia, ainda, a suspeita caso alguém viajasse para países socialistas ou comunistas.

O relatório da Comissão Nacional da Verdade aborda essa questão:

A ditadura não se preocupava apenas com seus opositores no Brasil: o inimigo interno não podia ser descuidado, mesmo quando fora do território nacional. Potencialmente, incluíam-se nessa categoria não só os que foram afastados da política pelo Ato Institucional no 1, de 9 de abril de 1964, ou identificados pelos órgãos da repressão ao longo dos anos seguintes, mas também todos aqueles que deixavam o país por discordarem da ditadura. Suspeitos, precisavam ser vigiados

(CNV, 2014 CNV. COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE. Relatório. v. 1, Brasília, 2014. Disponível em: https://www.gov.br/memoriasreveladas/pt-br/assuntos/comissoes-da-verdade/volume_1_digital.pdf . Acesso em: 20 de abril de 2022.
https://www.gov.br/memoriasreveladas/pt-...
: 177).

A “paranoia” era justificada pelo governo, na medida em que acreditava-se viver uma “guerra psicológica adversa no campo externo”, levada por exilados que se organizavam em torno de movimentos contra a ditadura, a favor da anistia, denunciando as prisões, a violência e os assassinatos pelos aparelhos repressivos do Estado no Brasil. Somava-se a isso o risco de entrada de estrangeiros ligados aos movimentos revolucionários pelas fronteiras e o retorno de exilados após caducar os prazos previstos pelo Ato Institucional nº 5 (AI-5), que suspendia os direitos políticos por dez anos. Como agravante o governo não assumia a culpa pelos atos apontados acima, consequências de uma realidade cruel de opressão às liberdades políticas a partir do Golpe de 1964.

Ao longo de diversos governos da ditadura, houve constantes análises estratégicas das ameaças que pairavam no campo externo e interno, no campo psicossocial, político, entre outros. No discurso da aula inaugural da turma de 1970 da Escola Superior de Guerra (ESG), Médici, por exemplo, demonstrou seu pensamento inflexível ao se referir ao campo psicossocial, um prenúncio à censura e à violência com que o seu governo trataria as expressões artísticas, a imprensa e as universidades:

Abordando os aspectos psicossociais, quero referir-me, finalmente , ao esforço de comunicação do Governo. Desde a primeira hora de minha presença na cena nacional, convoquei a participação de todos. Quero que todos tragam a sua palavra, a sua sugestão, a sua idéia, a sua contribuição construtiva e, por outro lado, que me ouçam nas minhas razões e me compreendam nos meus objetivos. Mas é preciso também dizer bem claro que a intriga e a injúria não contribuem, como não contribui o cantochão do empreguismo, a bajulação, a contestação e o irrealismo ( sic )

(Médici, 1973MÉDICI, Emilio Garrastazu. Nova consciência do Brasil. 2. ed. Brasília: Departamento de Imprensa Nacional, 1973.: 78-79).

No que se refere ao campo militar da segurança interna, na mesma ocasião ele afirmou estar disposto a enfrentar a “escalada solerte da contestação”, “o terrorismo exportado” e se solidarizou com os “agentes injustiçados da segurança deste país” que enfrentavam “com a própria vida”, “no anonimato” e “de peito aberto, a contestação, a violência, a libertação dos instintos, o desrespeito à lei” (Médici, 1973MÉDICI, Emilio Garrastazu. Nova consciência do Brasil. 2. ed. Brasília: Departamento de Imprensa Nacional, 1973.: 80). O comportamento contestatório estava explicitamente colocado como objeto de preocupação. Se o governo militar se esforçava para que tais vozes dissonantes fossem caladas, então era óbvio que toda produção cultural e artística contestatória que ousasse vazar para outros territórios devia ser cerceada. Assim,

As denúncias vindas do exterior, acusando o regime militar de práticas atentatórias aos direitos humanos, geravam grande irritação no meio castrense, seguramente por duas razões: eram verdadeiras e vinham “do estrangeiro”, a supervalorizada instância mítica de comparação dos militares nacionais, que, assim, sentiam-se inferiorizados. Descontavam, então, nos brasileiros exilados ou banidos, acusados de viverem em “exílios dourados”. Quando se anunciava a possível volta de um brasileiro exilado, era grande o alvoroço na comunidade de informações

(Fico, 1997FICO, Carlos. Reinventando o otimismo: ditadura, propaganda e imaginário social no Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 1997.: 167).

A imagem externa do Brasil, cara aos militares, passou a ser considerada a partir, principalmente, de fins dos anos 1960, no contexto de acirramento da repressão, como um caso de segurança nacional., perspectiva que justificava a criação de uma “Política Governamental de Comunicação Social no Campo Externo” (Gomes, 2019GOMES, Paulo César. Liberdade Vigiada: as relações entre a ditadura militar Brasileira e o governo francês: do golpe à Anistia. Rio de Janeiro: Record, 2019.: 92). A “Política” foi fruto de um grupo de trabalho para definir estratégias de difusão de uma boa imagem do Brasil no exterior, envolvendo a Agência Nacional, denominada de Assessoria Especial de Relações Públicas (AERP) até 1975, e simplesmente Assessoria de Relações Públicas após 1976.

No ano de 1967, a Agência Nacional deixou de ser subordinada ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores passando a integrar o Gabinete Civil da Presidência da República. Em 1968, a AN ganhou autonomia financeira e administrativa, mas manteve-se subordinada ao Gabinete Civil. Um ano depois, foi criado um Grupo de Trabalho para estudar a possibilidade de divulgar a imagem do país no exterior, integrado ao Ministério das Relações Exteriores. Em 1969, com a reforma administrativa promovida pelo Estado, a AN sofreu alterações na sua estrutura e passou a estar dividida em cinco setores: Direção-Geral (DG), Divisão de Informações (DI), Divisão de Telecomunicações (DT), Divisão Audiovisual (DAV), Divisão de Administração (DA). A partir de então, será o setor de Divisão do Audiovisual, o responsável pela elaboração dos filmes produzidos pela Agência

(Maia, 2015).

Como exemplo desse trabalho, diversos dossiês reunindo documentos secretos difundidos na comunidade de informações, copiando os documentos que circularam entre o Ministério das Relações Exteriores (MRE), o Ministério da Justiça (MJ), o Gabinete da Presidência da República e a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), 3 3 Nesse ano, o Secretário-Geral do CSN e Ministro do Gabinete Militar era o General de Brigada João Baptista de Figueiredo, o Ministro da Justiça era Alfredo Buzaid e o chefe do SNI o General Carlos Alberto Fontoura. Um triunvirato identificado com o momento de maior radicalismo na repressão. Mário Gibson Barbosa era o Ministro das Relações Exteriores (1969-1974). remetem à Exposição de motivos n o 090/70. 4 4 Com grau de sigilo secreto, datado de 20 de novembro de 1970, o documento traz junto o texto da Política e se repete em diversos dossiês. Ver dossiês que estão disponíveis sob os códigos: br_dfanbsb_2m_0_0_0006_v_04_d0001de0001; br_dfanbsb_n8_0_psn_est_0305_d0001de0001; br_dfanbsb_n8_0_psn_est_0245_d0001de0001; br_rjanrio_tt_0_mcp_pro_0180_d0001de0001; br_rjanrio_tt_0_mcp_pro_0179_d0001de0001. Da qual julga-se oportuno salientar o sentido, assim como certos aspectos de seu conteúdo doutrinário.

Já nas primeiras linhas da Exposição de Motivos 5 5 Na base de dados SIAN, ver o documento na íntegra no dossiê com o código BR_RJANRIO_TT_0_MCP_PRO_0179_d0001de0001. afirma-se que há uma campanha difamatória contra o Brasil, tema central para deslanchar a necessidade de produzir “contrainformações”, no jargão da espionagem, exatamente por meio de uma “Política de Governo para fazer face à guerra psicológica adversa no campo externo”(MJ, 1971). Ademais, a iniciativa da elaboração do documento tem um sentido propositivo, e não só reativo. Se antes as ações estavam no plano das tentativas de controle do que era produzido em termos de propaganda adversa, impedindo a circulação de filmes em festivais internacionais ou a viagem de produções consideradas de esquerda para o exterior, com a “Política” o governo passaria a agente produtor de imagens e conteúdos audiovisuais para exportação e disseminação internacional.

Essa nova postura mais ativa no campo da produção de imagens pode explicar, de certa forma, a nomeação do embaixador de extrema-direita Meira Penna para a direção da Embrafilme, em 1972, e a propagação orquestrada por ele na imprensa de que produziria documentários enaltecedores da história e da realidade nacionais a serem distribuídos nas embaixadas, o que na verdade não foi realizado, ao menos na sua meteórica gestão.

A Exposição de Motivos (documento que integra e apresenta a “Política”) mostra quais órgãos estariam envolvidos no combate à “sistemática campanha difamatória de distorção da realidade brasileira, vinculada a notícias tendenciosas, deliberadamente forjadas por grupos de asilados brasileiros e elementos da ala progressista da igreja católica com maiores repercussões na Europa Ocidental e Estados Unidos da América( sic )”, e, principalmente, o papel de protagonista do MRE.

Figura 1 -
Aviso nº375/70

Élio Gaspari, no capítulo “O Brasil difamado”, elenca os principais canais de denúncia das torturas, tanto sujeitos quanto entidades criadas especificamente para esse fim: o professor Rafaello della Cava, da Universidade de Columbia, em Nova York, criador do American Committee for Information Brazil; a militância de esquerda em Paris, com a colaboração do ex-governador de Pernambuco Miguel Arraes, e sua irmã, Violeta, perseguido no Brasil e exilado na Argélia, que se articula para criar a Frente Brasileira de Informações, a FBI, em 1969, logo após o assassinato de Marighella; a Frente Brasileña de Informaciones, no Chile, e o Front Brésilien d’Information, em Argel; os Amigos Americanos do Brasil, editores do Brazilian Information Bulletin ; a atuação de diplomatas e funcionários do Itamaraty que vazaram informações de denúncias para o exterior, sendo o caso mais conhecido o do secretário Miguel Darcy de Oliveira e sua esposa, Rosiska, que as recebiam em Londres e Berna e as repassaram para outras organizações de direitos humanos; a insistente e corajosa militância de d. Helder Câmara junto ao Papado (Gaspari, 2002GASPARI, Elio. A ditadura envergonhada: as ilusões armadas. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. ). Todos esses exemplos causaram constrangimentos e respostas negativas do governo, que aumentava o tom da censura, da vigilância, do controle e da repressão, no sentido de proteger e manter em sigilo as ações violentas e criminosas da polícia política patrocinada pelo Estado.

É com esse espírito que deve ser entendida a criação do documento Política Governamental de Comunicação Social no Campo Externo . No que se refere à produção de imagens, ele orienta a produção de documentários em 16 mm, em cores com duração de dez a doze minutos, com dublagem em vários idiomas, a serem distribuídos às emissoras de televisão estrangeiras e de outros dirigidos a públicos específicos, como os de universidades e associações comerciais. A produção audiovisual, no texto da “Política”, está integrada a outros gêneros de comunicação, como programas de rádio, revistas, contratação de agências de notícias para esse fim e “flashes” de dois a três minutos para TV. O item 13 do documento se refere ao estímulo e à organização de “viagens de representantes da cultura brasileira, em todos os campos – científico, itinerário, técnico e artístico”. 6 6 Na base de dados SIAN, ver o documento na íntegra no dossiê com o código br_rjanrio_cnv_0_cve_00092000508201511_v_01_d0001de0001.

Outra questão é que o documento representa o consenso após um curto período de trabalho no qual, além do MRE, estão os entes centrais dos sistemas de segurança e informações, o Sistema Nacional de Informações (SNI) e a CSN. Embora Fico ( 1997FICO, Carlos. Reinventando o otimismo: ditadura, propaganda e imaginário social no Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 1997. ) argumente que a iniciativa foi fracassada, é preciso levar em conta que o processo para alcançar os objetivos são, por vezes, tão ou mais importantes e graves que o sucesso da iniciativa, demonstrando que havia um planejamento, utilizando a própria máquina administrativa para esses fins.

Como apontado anteriormente, o Instituto Nacional do Cinema (INC) e a Embrafilme parecem ter sido usados dentro desse propósito. Possivelmente faltaram competências, ou, como o autor esclarece, “a onda contestatória internacional já superava qualquer outra forma de tentar esconder a realidade brasileira imersa em flagrantes delitos contra os direitos humanos”(Fico, 1997FICO, Carlos. Reinventando o otimismo: ditadura, propaganda e imaginário social no Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 1997. ). A análise desse documento da Política Governamental de Comunicação Social no Campo Externo citado tem o intuito de esclarecer as intenções do governo militar em coibir a divulgação da imagem do Brasil relacionado às torturas e assassinatos, à pobreza da população, às mazelas sociais incontornáveis e à repressão acirrada aos movimentos políticos, sociais e artísticos que, de alguma forma, eram associados à ideia de subversão e oposição ao regime. Se o cinema brasileiro mostrado ou produzido no exterior causava diversos constrangimentos para a ditadura, nada mais lógico para o governo do que criar ou fomentar a produção das imagens que lhe convinha.

É esse sentido de ação e reação que se compreende a atuação de órgãos de segurança e informações, como o Ciex. E, se o banimento de parte da intelectualidade do país não foi suficiente para que as vozes dissonantes se calassem, a contrapartida seria o controle sobre o que era expresso artisticamente no exterior, impedindo sua disseminação para grande parte da sociedade brasileira, tutelada pelos militares.

Ao final abordamos a vigilância empreendida pelo Ciex, já em 1967, em relação ao cinema, em especial ao cineasta Glauber Rocha (1939-1981), durante seu autoexílio na Europa, entre 1969 e 1973, por meio de documentos levantados em pesquisa. O objetivo é compreender a atuação abrangente da comunidade de informações e, dentro dela, o protagonismo do Ciex no controle de brasileiros no exterior, especialmente aqueles ligados à atividade do cinema, como Glauber Rocha, cujo nome apresentava dupla importância naquele momento, atuando como uma lanterna para a sua geração cinemanovista produtora de filmes, cuja relevância para a cinematografia nacional e internacional se mantém até hoje e, ao mesmo tempo, assumindo papel de porta-voz da esquerda intelectual, atingida pela tragédia do Golpe de 1964. Glauber já era extremamente vigiado no Brasil, mas, no período em que esteve no exterior, ele simbolizava para o governo militar um risco maior de disseminação de um cinema divergente, opositor ao regime. E o que ocorreu é que seu “vitalismo” “é atravessado por um profundo sentimento de injustiça e solidão” “numa trajetória de uma instabilidade e nomadismo impressionantes” (Rocha, 1997ROCHA, Glauber; BENTES, Ivana (org.). Cartas ao mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.: 23).

O centro de informações exteriores (Ciex)

Cioso do seu papel na elite burocrática de Estado, o Itamaraty conservou em segredo a existência do Ciex durante trinta anos, depois dos quais foi exposto em “primeira mão” pelo jornalista Claudio Dantas Sequeira, com uma série de artigos intitulada “O pai do serviço secreto do Itamaraty”, no Correio Braziliense , em julho de 2007.

Dessa série de reportagens e da análise dos autores citados, destaca-se o papel que modelos de agências de inteligência e investigação, como o MI6 (Millitary Intelligence, Section 6) britânico e a CIA (Central Intelligence Agency) estadunidense, tiveram na sua conformação inicial e em sua abrangência intercontinental no que diz respeito não só à atuação mais cotidiana de localizar e vigiar subversivos, mas ao envolvimento direto nas viradas autoritárias por meio de golpes políticos, como foram os casos estudados em relação ao Chile (1973-1990), à Argentina (1976-1983), ao Uruguai (1973 a 1985), e ao Paraguai (1954-1989). Sobre este último, certos estudos apontam, justamente, para o apoio do Brasil aos Estados Unidos, concedido à ditadura de Stroessner no combate contra o comunismo. Esses apoios já existiam, mas a partir de 1975 foram fruto de um acordo de cooperação transnacional conhecido como Operação Condor, envolvendo a Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai, com a adesão posterior do Peru e do Equador, para a repressão política contra pessoas e grupos opositores (McSherry, 2005MCSHERRY, J. Patrice. Predatory States: Operation Condor and Covert War in Latin America. Nova York: Rowman & Littlefield Publishers, 2005. ). Documentos sobre a operação foram encontrados em 1992 perto de Assunção, e entre as 593 mil páginas microfilmadas havia um convite ao Paraguai feito pela Dirección de Inteligencia Nacional (DINA), órgão de inteligência do Chile, para a “Primeira Reunião de Trabalho de Inteligência Nacional”, em dezembro de 1975 no país, com o objetivo de promover o “intercâmbio oportuno de informações e experiências, além de certo grau de conhecimento pessoal entre os chefes responsáveis pela segurança” (CNV, 2014 CNV. COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE. Relatório. v. 1, Brasília, 2014. Disponível em: https://www.gov.br/memoriasreveladas/pt-br/assuntos/comissoes-da-verdade/volume_1_digital.pdf . Acesso em: 20 de abril de 2022.
https://www.gov.br/memoriasreveladas/pt-...
: 219).

Utilizamos, para este artigo, os trabalhos de Adrianna Setemy ( 2018SETEMY, Adrianna. Sentinelas da fronteira: a diplomacia brasileira e a conexão repressiva internacional para o combate ao comunismo. Curitiba: Prisma, 2018. ), David do Nascimento Batista ( 2010BATISTA, David do Nascimento. Habitus diplomático: um estudo do Itamaraty em tempos de regime militar (1964-1985). 2010. Dissertação (Doutorado em Sociologia) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2010. ), Penna Filho ( 2009PENNA FILHO, Pio. O Itamaraty nos anos de chumbo: o Centro de Informações do Exterior (Ciex) e a repressão no Cone Sul (1966-1984). Revista Brasileira de Política Internacional, Brasília, DF, v. 52, n. 2, p. 43-62, 2009. ), Roberto Simon ( 2021SIMON, Roberto. O Brasil contra a democracia: a ditadura, o golpe no Chile e a Guerra Fria na América do Sul. São Paulo: Companhia das Letras, 2021. ) e Paulo César Gomes ( 2019GOMES, Paulo César. Liberdade Vigiada: as relações entre a ditadura militar Brasileira e o governo francês: do golpe à Anistia. Rio de Janeiro: Record, 2019. ). Com base nesses estudos, tentamos esboçar um retrato daquilo que foi o Ciex dentro do contexto autoritário da ditadura de 1964. Nos detivemos, igualmente, nas fontes/documentos dos fundos dos órgãos de segurança e informações depositados no Arquivo Nacional, selecionando aqueles que apresentavam indícios da vigilância sobre o cinema, para entender os motivos que implicaram não só no fluxo dos acontecimentos, mas também nas formas de monitoramento utilizadas.

Ao ser idealizado pelo secretário-geral do Itamaraty, Manoel Pio Corrêa (1918-2013), por meio de uma portaria ultrassecreta, tem-se a sensação de que ele foi fruto de uma oportunidade e atuação aparentemente individual de uma personagem com amplos poderes. Aparente, pois alguns estudos aprofundados identificaram uma ligação entre a criação do Ciex e antecedentes importantes, ligação que não diminui, necessariamente, tal protagonismo, mas atribui maior peso às correlações históricas, em que os eventos e interesses em jogo, sob o véu do autoritarismo de Estado no Brasil, traz à cena as duas ditaduras, a varguista e a militar, de 1964. 7 7 Retomando a questão dos antecedentes, é importante frisar, novamente, que os órgãos de informações atuantes na ditadura 1964 não fossem criados por um impulso autoritário particular dos militares golpistas. A partir de meados da década de 1930, há uma linha no tempo que reúne inúmeras tentativas, por vezes infrutíferas, de organizar serviços de informações necessários ao controle pelo Estado de ideias comunistas. Também as motivações flutuam a depender da política interna e de determinados condicionantes externos. Em resumo, a criação do Ciex (e das DSI), está contida dentro de um “processo histórico longo não circunscrito em marcos temporais artificiais ou princípios causais” (Setemy, 2018: 33). De qualquer forma, a atuação do embaixador não foi irrelevante, podendo-se dizer que ele foi o ideólogo do moderno Ciex, colocado pela CIA norte-americana como agente colaborador em Montevidéu (Simon, 2021SIMON, Roberto. O Brasil contra a democracia: a ditadura, o golpe no Chile e a Guerra Fria na América do Sul. São Paulo: Companhia das Letras, 2021.: 134).

A forma escolhida de criação, por um documento ultrassecreto, ligado a uma cúpula ministerial, permitiu que o Centro funcionasse em salas disfarçadas por outras atividades, mantendo um quadro de agentes sob muitas névoas e angariando de forma, muitas vezes clandestina, com a cúpula de países aliados, apoio de forças policiais para repressão de brasileiros no exterior. Tudo isso caracterizaria o Ciex como um dos órgãos mais protegidos pelo sigilo. Tal como os centros de informações militares (Centro de Informações da Marinha [Cisa], Centro de informações do Exército [CIE] e Centro de Informações da Marinha [Cenimar]), que contavam com a colaboração de oficiais de níveis superiores nas aditâncias em diversos países (Gomes, 2019GOMES, Paulo César. Liberdade Vigiada: as relações entre a ditadura militar Brasileira e o governo francês: do golpe à Anistia. Rio de Janeiro: Record, 2019.: 101), o Ciex, que passou a ter ramificações internacionais, tinha diplomatas e altos funcionários aptos a produzir as informações necessárias. O governo brasileiro amparava-se em larga escala sobre o que ocorria no mundo por meio dessa instância, além de já contar com seu corpo diplomático.

O apoio do Brasil ao golpe do Chile é fato conhecido, mas os estudos consultados, como o de Roberto Simon, detalham a maneira como essa relação foi construída e como o Brasil conspirou para apoiar o golpe e manter seu apoio, mesmo após a tomada de poder pelos militares liderados por Pinochet.

Essa intervenção – em outras palavras, o conjunto de ações de Agentes do estado brasileiro com o objetivo de enfraquecer e subverter o poder constituído no Chile – não foi fruto de ações episódios autônomas de alguns setores dentro da ditadura mas uma política de estado, a qual percorre uma cadeia de comando desde a alta burocracia em Brasília até as raízes do sistema. Ocupava tanto gabinete de ministros quanto salas de tortura

(Simon, 2021SIMON, Roberto. O Brasil contra a democracia: a ditadura, o golpe no Chile e a Guerra Fria na América do Sul. São Paulo: Companhia das Letras, 2021.: 16).

Essa associação do Brasil ao golpe do Chile, que pode ser observada nos informes do Ciex, também se fez evidente na rapidez com que o governo militar no Brasil legitimou o governo golpista chileno, e na presença de militares brasileiros nos eventos dramáticos de repressão, no Estádio Nacional do Chile, usado como campo de concentração quando o

Chefe da área externa do Serviço Nacional de Informações (SNI), Coronel Sebastião Ramos de Castro, organizara e comandara a missão que viajou a Santiago no bimotor Avro da Força Aérea Brasileira (FAB), um mês e 3 dias após o golpe

(Simon, 2021SIMON, Roberto. O Brasil contra a democracia: a ditadura, o golpe no Chile e a Guerra Fria na América do Sul. São Paulo: Companhia das Letras, 2021.: 14).

A partir do golpe no Brasil, o Chile foi uma alternativa à vida dos intelectuais, políticos e artistas brasileiros banidos, perseguidos e ameaçados ou que se sentiam sufocados e com o clima repressivo no país. De outubro de 1970, data em que Salvador Allende é empossado, após um processo eleitoral conflituoso, até seu assassinato, em 1973, havia um clima favorável às ideias de esquerda e à presença de exilados políticos. Simon identifica o sinal de alerta no Brasil na virada socialista chilena, apontando para o fato de que no Brasil acreditava-se que, depois de Cuba, o Chile seria um polo de subversão (Simon, 2021SIMON, Roberto. O Brasil contra a democracia: a ditadura, o golpe no Chile e a Guerra Fria na América do Sul. São Paulo: Companhia das Letras, 2021.: 17).

Somada à ameaça que o socialismo no Chile representava na criação de “guerrilhas mil”, havia outra razão para a atuação do Ciex no Chile, razão de ordem doméstica, uma luta contra os inimigos internos fora do domínio nacional.

Para isso seria montada uma impressionante máquina civil-militar de vigilância da diáspora no Chile, na qual os refugiados foram convertidos em informantes e consulados e embaixadas, em bases avançadas da repressão. O esquema envolvia um emaranhado de agências da ditadura: os centros de inteligência das três forças militares, o SNI, as polícias estaduais e Federal e o Itamaraty – sobretudo sua Divisão de Segurança e Informações (DSI) e o Ciex

(Simon, 2021SIMON, Roberto. O Brasil contra a democracia: a ditadura, o golpe no Chile e a Guerra Fria na América do Sul. São Paulo: Companhia das Letras, 2021.: 21).

O livro de Simon, ainda, desconstrói dois mitos. O primeiro refere-se à ideia difundida nas esquerdas de que o governo militar servia diretamente aos mandos e desmandos de Washington, como uma subsidiária do governo norte-americano na guerra contra o comunismo. De acordo com o autor, “à esquerda, assentou-se a ideia de que os ‘gorilas’ do regime militar brasileiro obedeciam às ordens de Washington e, por isso, agiram contra o Chile” (Simon, 2021SIMON, Roberto. O Brasil contra a democracia: a ditadura, o golpe no Chile e a Guerra Fria na América do Sul. São Paulo: Companhia das Letras, 2021.: 22). Apesar da sintonia com a política norte-americana, as motivações “geopolíticas, domésticas, ideológicas e econômicas – para intervir no Chile” eram suficientes para dispensar “as ordens de Washington para fazer” (Simon, 2021SIMON, Roberto. O Brasil contra a democracia: a ditadura, o golpe no Chile e a Guerra Fria na América do Sul. São Paulo: Companhia das Letras, 2021.: 22).

O segundo seria o mito de que os militares cometeram excessos sem que o governo central da ditadura tivesse qualquer relação com os atos cometidos no Chile, fruto de decisão de um grupo associado à linha dura. O autor defende que, na verdade, o regime militar no Brasil criou um sistema de controle e de repressão às vozes dissonantes aos movimentos contestatórios, cujo modelo foi sem dúvida seguido por outras experiências autoritárias no Cone Sul. A Operação Condor, por exemplo, deve muito a esse modelo, embora o governo Geisel tenha rechaçado a participação do Brasil.

A política externa brasileira na guerra contra o comunismo validava restrições econômicas para forçar uma mudança de comportamento, e usou esse mecanismo principalmente no caso do Uruguai, país que dedicava um tratamento considerado permissivo aos exilados brasileiros durante a Ditadura Militar de 1964. Os esforços do Itamaraty, então, serviram para burlar os direitos já alcançados pelos asilados no campo diplomático internacional (Setemy, 2018SETEMY, Adrianna. Sentinelas da fronteira: a diplomacia brasileira e a conexão repressiva internacional para o combate ao comunismo. Curitiba: Prisma, 2018.: 32).

Os estudos sobre o Ciex ganharam relevo a partir de 2007, quando os documentos da Divisão de Segurança e Informações (DSI) do MRE, “revelados” pelo Correio Braziliense , passaram à custódia do Arquivo Nacional e em 2008 tornaram-se tema do artigo de Pio Penna Filho, publicado na revista Acervo . Antes das matérias do Correio Braziliense citadas, a existência do Ciex foi registrada por Ana Lagoa em seu livro SNI: como nasceu, como funciona , em 1983.

O texto inaugural de Penna Filho, publicado na revista Acervo , apresenta a documentação, guardada por anos a sete chaves no Itamaraty. Com base no acervo, com cerca de 8.000 documentos agrupados em 234 dossiês, a pesquisa de Penna Filho qualifica o Ciex pelo volume de informes inicialmente concentrado na vigilância de exilados brasileiros no Uruguai e pela liderança por parte de diplomatas de carreira do MRE, “que atuavam em sintonia com o SNI”, registrando todos os passos dos alvos escolhidos. Essas e algumas outras características tornaram o Ciex diverso dos órgãos de informações dos ministérios civis. Além dele ter sido chefiado por um diplomata, enquanto os demais, por oficiais militares (Simon, 2021SIMON, Roberto. O Brasil contra a democracia: a ditadura, o golpe no Chile e a Guerra Fria na América do Sul. São Paulo: Companhia das Letras, 2021.: 20), ele compôs com a DSI o segundo elemento da comunidade, ambos ligados ao mesmo MRE.

Com dados obtidos de diversas fontes, tais como de pessoas infiltradas nos grupos e movimentos, de agentes em serviço fora do país lotados nas aditâncias, por exemplo, e de materiais diversos coletados ou apreendidos, as informações e dados eram

[…] classificados, encaminhados aos órgãos de repressão interna, cujos principais receptores foram o Serviço Nacional de informações – Agência Central (SNI/AC), Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica – Cisa, Centro de Informações da Marinha – Cenimar, Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores – do Departamento da Polícia Federal, além das Segundas Secretarias dos Estados Maiores das Forças Armadas (EME, Emaer e EMA)

(Batista, 2010BATISTA, David do Nascimento. Habitus diplomático: um estudo do Itamaraty em tempos de regime militar (1964-1985). 2010. Dissertação (Doutorado em Sociologia) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2010.: 200).

Essa lista de órgãos que recebiam as informações do Ciex pode ser ratificada na leitura dos documentos consultados. Com poucas exceções – quando, por exemplo, o documento era enviado exclusivamente para o SNI –, o campo destinado à difusão dos informes listava exatamente esses órgãos, mostrando que mesmo dentro da comunidade de informações havia uma certa hierarquia no tratamento de determinados assuntos. Uma diferença que demarcava o lugar do Ciex como parte integrante do Subsistema de Informações Estratégicas Militares (o Susien), uma “subclasse” do Sistema Nacional de Informações (Sisni).

Então, se o Ciex passou a gerir “um sofisticado aparelho de coletas e distribuição de informações, que eram destinadas em sua quase totalidade para as agências diretamente ligadas à repressão política no Brasil…” (Penna Filho, 2008: 84), podemos afirmar que, de acordo com sua posição na configuração da comunidade, as informações do Ciex eram difundidas dentro desse subsistema, adicionando, mais frequentemente, a DSI/MRE, a Divisão de Inteligência do Departamento da Polícia Federal ou, quando fosse o caso, outro órgão vinculado às ações pretendidas. De acordo com análise realizada por Carlos Fico, o Susiem, era

[…] coordenado pelo ministro-chefe do Estado-Maior das Forças Armadas (EMFA) e integrado pela 2a Seção do EMFA, pela Subchefia de Informações do Estado-Maior da Armada (M-20), pela 2a Seção do Estado-Maior do Exército ( 2a/EME), pela Seção de Informações do Estado-Maior da Aeronáutica (2a-/EMAer) e pelo Centro de Informações do Exterior do Ministério das Relações Exteriores (CIEx/MRE). Movimentações de tropas na Argentina ou problemas relacionados à produção e comércio internacional de armas, por exemplo, seriam matéria do SUSIEM

(Fico, 2001FICO, Carlos. Como eles agiam: os subterrâneos da ditadura militar: espionagem e polícia política. Rio de Janeiro: Record, 2001.: 90).

Penna Filho também reúne dados sobre a difusão de documentos no sistema, podendo ser observada uma acentuada horizontalidade entre os órgãos da elite da comunidade, em que Cisa, Cenimar e CIE, tal como o Ciex, detinham maior autonomia, se comparado aos outros elementos do sistema, como as divisões, assessorias e departamentos de segurança e informações.

O Ciex foi criado com o objetivo de vigiar os inimigos do governo da Ditadura Militar de 1964 por suas ideias e posições políticas, os brasileiros exilados e os estrangeiros que representassem ameaças. As ações monitoradas atingiam repatriados, expulsos e indesejáveis, com passaportes cancelados, extraviados, cassados ou banidos. 8 8 O banimento foi previsto pelo Ato Institucional n° 13 (AI-13), como resposta aos presos libertados em troca do embaixador americano. São diversas tipologias de situações de trânsito internacional que expõem a fragilidade com a qual se defrontavam diversos homens e mulheres.

Tais categorias são encontradas nas listas de nomes compartilhadas na comunidade, uma delas, criada a partir de 1976, é denominada “Listagem Nominal do Controle Consular”. 9 9 Disponível no SIAN sob o código br_dfanbsb_v8_mic_gnc_aaa_78109474_d0001de0001 Até 1976 esse controle era feito por arquivos de fichas individuais, alimentadas pelas diversas circulares que chegavam nas embaixadas e consulados. Elaborada pelo MRE, a “Listagem Nominal do Controle Consular” circulava mensalmente, como forma de minorar as dificuldades das embaixadas brasileiras em manusear inúmeros documentos circulares que chegavam por ocorrências diversas, permitir a destruição de fichários nominais e racionalizar do uso dos escassos recursos humanos.

Esse fato sublinha a forma como a ditadura se empenhava na organização de documentos e dados que alimentavam e retroalimentavam os arquivos dos órgãos da comunidade de informações e, principalmente, explicita o fato de que, se a estrutura ministerial se voltava para esse controle, essa não era uma tarefa exclusiva dos órgãos de segurança e informações. Ou seja, o Ciex não atuava descolado do MRE, como se fosse uma anomalia em tempos difíceis de guerra ideológica; ele angariava todo o apoio ministerial.

Segundo relatório da CNV, a integração das missões diplomáticas e das repartições consulares brasileiras à política repressiva da ditadura foi uma característica da operação desse Ministério, em que

[…] diplomatas e funcionários de outras categorias do Serviço Exterior desempenharam funções de espionagem de brasileiros que se opunham ao regime: restringiram-lhes o exercício de direitos fundamentais, criaram embaraços à sua vida cotidiana nos países em que residiam, impediram seu retorno ao Brasil, mantiveram os órgãos repressivos informados de seus passos e atividades no exterior, e chegaram a interagir com autoridades de outros países para que a repressão brasileira pudesse atuar além-fronteiras. Inegavelmente, o MRE funcionou, naqueles anos, como uma das engrenagens do aparato repressivo da ditadura

(CNV, 2014 CNV. COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE. Relatório. v. 1, Brasília, 2014. Disponível em: https://www.gov.br/memoriasreveladas/pt-br/assuntos/comissoes-da-verdade/volume_1_digital.pdf . Acesso em: 20 de abril de 2022.
https://www.gov.br/memoriasreveladas/pt-...
: 176).

Sempre lembrando que as informações abasteciam a comunidade de informações, permitindo acompanhar o trânsito de pessoas ideologicamente “indesejáveis” ou perigosas, “permitindo aos agentes e torturadores do regime militar extrair das vítimas, submetidas muitas vezes a brutais sessões de interrogatório, informações importantes para os órgãos de segurança e para o próprio Itamaraty” (Batista, 2010BATISTA, David do Nascimento. Habitus diplomático: um estudo do Itamaraty em tempos de regime militar (1964-1985). 2010. Dissertação (Doutorado em Sociologia) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2010.: 193).

Deve-se atentar ao fato de que, mesmo fora do Brasil, elas não se sentiam seguras, pois a máquina de vigilância mantinha o governo atualizado sobre seus paradeiros. Gomes procura as palavras usuais que definem as condições dessas pessoas em trânsito: exílio, asilo, refúgio e banimento, sendo exílio basicamente um termo da literatura e o asilo um termo jurídico. Ele chama atenção sobre o caráter temporário do asilo diplomático. A necessidade de o exilado obter um salvo conduto para sair do seu país e ser aceito por outro, quanto nem todos os países são obrigados a aceitar. Já o refúgio está ligado às perseguições por motivo de raça, religião, nacionalidade ou posição política. Enquanto refugiado político, um brasileiro não poderia participar de atividade políticas. Enquanto o asilo é individual, o refúgio é coletivo, pois abarca situações de comunidades nacionais em crise. O banimento foi previsto pelo Ato Institucional nº 13 (AI-13), de 1969, quando os militares na cúpula do governo tiveram que lidar com a iminente saída do país dos presos políticos trocados pelo embaixador norte-americano Charles Elbrick (Gomes, 2019GOMES, Paulo César. Liberdade Vigiada: as relações entre a ditadura militar Brasileira e o governo francês: do golpe à Anistia. Rio de Janeiro: Record, 2019.: 76).

Acrescentaríamos a essas categorias o autoexílio, uma situação provocada por ameaças em potencial que leva a perceber o território nacional como perigoso ou incapaz de garantir a sobrevivência, quer material, quer espiritual. Por vezes o autoexílio é a única saída para aqueles trabalhadores, políticos, artistas e intelectuais que, fustigados por desencantos e medos, acabam permanecendo no exterior.

O Ciex e o cinema no exterior

Já em 1967, logo no seu início, o Ciex monitorava a localização de brasileiros no exterior e a entrada de estrangeiros no território nacional. Entre os países visados estavam Chile, Argentina, Cuba e principalmente o Uruguai, destino certo dos primeiros exilados a serem vigiados pelo Ciex, como João Goulart, Leonel Brizola, Carlos Marighella, Carlos Lacerda e Fernando Henrique Cardoso.

Quanto ao cinema, alguns exemplos de monitoramento são encontrados no acervo, como o documento n.°542, incluso em dossiê, que remete a um artigo escrito pelo autor brasileiro, Amílcar Sá Peixoto, no suplemento dominical do jornal El Panamá America , de 24 de setembro de 1967, com o título de “Cine Moderno en Brasil”. O documento destaca do artigo de Peixoto a denúncia sobre o êxodo de intelectuais e estudantes para o exterior no pós 64 e sobre o fechamento da Universidade de Brasília (UnB), considerado como expressão do terrorismo cultural levado pelo governo militar e responsável pelo fim do curso de cinema na UNB e, por fim, a crítica elogiosa ao filme O Desafio , de Sarraceni, considerado subversivo. O autor do artigo foi vigiado pelo Ciex, que, por sua vez, pediu a cooperação de outros elos da comunidade por mais informações.

Ainda em 1973, o Ciex espionou o produtor cinematográfico J. C. Harper, em Londres, localizou sua residência, identificou com quem morava, assim com o número de seu telefone. Tudo isso para verificar se o seu apartamento era frequentado por brasileiros. 10 10 Disponível no SIAN sob o código BR_DFANBSB_IE_0_0_0010_d0005de0007. Observamos que a notação do campo referência, 0010/CISA-ESC RDC, do informe em questão o vincula a outros documentos do Centro de Informações da Aeronáutica sobre o reconhecimento de “subversivos”, indício que as buscas a partir das Forças Militares extrapolaram o território nacional.

Um informe de 1974, 11 11 Disponível no SIAN sob o código BR_DFANBSB_IE_0_0_0012_d0005de0007. registra que o Comité de Solidaridad con la Lucha de los Pueblos Latinoamericanos, da Argentina, passou a focalizar os brasileiros vítimas da ditadura e utilizava o slogan “la lucha del pueblo brasileño, al cumplirse diez años de heróica resistência a la dictadura militar, fiel sirviente de los intereses monopolistas norteamericanos”. 12 12 “La lucha del pueblo brasileño, al cumplirse diez años de heróica resistência a la dictadura militar, fiel sirviente de los intereses monopolistas norteamericanos.” A luta do povo brasileiro, após dez anos de heroica resistência à ditadura militar, fiel servidora dos interesses monopolistas norte-americanos. Também registra que o filme Vidas secas foi exibido no auditório Kraft, na Rua Florida, 683, para oitenta pessoas, e que antes da exibição “um jovem de 25 anos pronunciou umas breves palavras com respeito a situação política interna e internacional do Brasil” e que os ingressos cobrados reverteram para um fundo da luta revolucionária brasileira.

Em 1976, o Ciex registrou que, em declarações publicadas pelo matutino lisboeta O Diário , órgão vinculado ao Partido Comunista Português, o diretor português de teatro e cinema Artur Semedo traçou um paralelo entre o cinema português e a situação do cinema brasileiro “no tempo de João Goulart, 13 13 Disponível no SIAN sob o código br_dfanbsb_ie_0_0_0014_d0009de0009. época em que o epigrafado viveu no Brasil”, e elogiou os cineastas Cacá Diegues e Rui Guerra, representantes, segundo o autor do artigo, do cinema revolucionário.

No mesmo ano, o Ciex informou que através do suplemento do jornal Diário de Lisboa , de 23 de julho de 1976, Antônio Skarmeta, escritor chileno asilado na Alemanha, estaria em Portugal para divulgar o filme Reina tranqüilidade no país , do qual foi argumentista e no qual uma imagem negativa do Chile, Brasil e Argentina, no exterior, estariam em evidência. O filme incluiu a participação dos refugiados brasileiros: “Moema Corrêa Santiago, Domingos Fernandes, Nelson Chaves dos Santos, Carlos Figueiredo Sá, Benedita Savi Tomaz, Altair Lucchesi Campos, Vanize Monteiro Campos e outros não identificados”. 14 14 Disponível no SIAN sob o código br_dfanbsb_ie_0_0_0015_d0008de0012.

Da mesma forma, o Ciex registrou que o crítico de cinema Jorge Leitão Ramos, do jornal Diário de Lisboa , publicou dois artigos sobre Glauber Rocha, ambos sobre a sua obra, estendendo o tema do cinema para ditadura brasileira, e destacou o trecho: “O vento abrasadoramente tropical de ‘Deus e o Diabo na Terra do Sol’ (filme) não amainou. Mas, desterrado por força desse Diabo brasileiro que é o governo militar, perdeu raízes” . 15 15 Disponível no SIAN sob o código BR_DFANBSB_IE_0_0_0015_d0012de0012.

Em 1979, o Ciex registrou a participação do filme Leucemia no XXV Festival Internacional de Curtas-metragens de Oberhausen, na Alemanha 16 16 Disponível no SIAN sob o código BR_DFANBSB_IE_0_0_0017_d0004de0011 . Produzido por Noilton Nunes, 17 17 Noilton Nunes (1947), diretor de cinema, dirigiu O Rei da vela , de 1983, e A paz é dourada , de 1989, entre outros. o curta foi rodado no Aeroporto de Sacavém, na cidade de Santarém, em Lisboa, a partir de uma narrativa da irmã do Deputado Márcio Moreira Alves. O filme emocionou o público, com a pungente história de um casal de asilados e impedidos de voltar ao Brasil. A mulher com leucemia terminal se vê obrigada a entregar o filho, ainda bebê, a passageiros de um avião, para ser criado pelos avós. O Ciex comentou que houve a divulgação da proibição do filme no Brasil.

De 1967 até 1979, datas dos artigos citados e disseminados para a comunidade de informações, somados a dezenas de outros da DSI/MRE, 18 18 Observa-se que a vigilância se estende até os limites de 1988, já no contexto da Constituição Cidadã. notamos um esforço contínuo de reunião de informações sobre o cinema brasileiro e as atividades que o cercam, como os festivais internacionais e as semanas do cinema brasileiro no exterior. Dois nomes importantes do cinema se destacam nos informes do Ciex, cercados pelas ações de vigilância, de controle, de censura e de repressão. O primeiro é Glauber Rocha, com notoriedade internacional, alavancou o movimento do Cinema Novo e foi porta-voz de uma geração de cineastas de esquerda. O segundo, Luiz Alberto Barreto Leite Sanz, militante de esquerda perseguido pela ditadura conhecido pelo cinema documentário de denúncia.

Autoexílio vigiado de Glauber Rocha

O movimento do Cinema Novo, vigoroso nos anos 1960, no início da década seguinte estava praticamente restrito a poucos exemplos, ou já não ditava mais, como antes, os cânones inovadores da linguagem cinematográfica. A produção cultural no Brasil pós 1968 não é uma atividade ou alternativa possível, pois os instrumentos de repressão e controle à disposição do governo militar eram usados agressivamente contra as vozes dissonantes, incluindo nessa lista o cinema contra-hegemônico.

O grande articulador do Cinema Novo, Glauber Rocha, escolheu ir para o exterior, iniciando seis anos de autoexílio pela Europa, com viagens ocasionais em países da América do Sul e outros. Aqueles que ousaram ficar no Brasil “tiveram que adaptar-se às limitações impostas pelo poder” (Valentinetti, 2002VALENTINETTI, Claudio M. Glauber, um olhar europeu. São Paulo: Instituto Lina Bo e P. M. Bardi; Rio de Janeiro: Prefeitura do Rio, 2002.: 151).

A saída de Glauber do Brasil não está ligada a qualquer processo que implicasse o seu banimento, mas ao sentimento, compartilhado com muitos outros artistas e intelectuais brasileiros, de ser incapaz de produzir sob constante atritos com a censura às suas obras ao mesmo tempo que era cada vez mais visado pelos órgãos de repressão, já que, efetivamente, posicionava-se contra a ditadura, seja na construção de imagens, seja na suas frequentes aparições na imprensa nacional e internacional emitindo repúdio à repressão.

No caso específico de Glauber, foi decisivo para sua carreira que ele só tenha se afirmado como diretor com Deus o Diabo na Terra do Sol, poucos dias antes do golpe de Estado que implantou a ditadura militar no país por 21 anos. O sonho de que tudo era possível havia terminado nos anos seguintes, os rumos tomados pela economia cinematográfica Nacional levaram ao antagonismo inconciliável entre a proposta de um cinema revolucionário e as condições objetivas de existência do sistema brasileiro na época

(Escorel, 2005ESCOREL, Eduardo. Adivinhadores de Água: pensando no cinema brasileiro. São Paulo: Cosac Naify, 2005.: 60).

Glauber já havia sido preso, em 1965, por ter participado de manifestação no Hotel Glória, na cidade do Rio Janeiro, contra o então presidente Marechal Castelo Branco. Em 1971, ele é objeto de um dossiê 19 19 Disponível no SIAN sob o código br_dfanbsb_vaz_0_0_26701_d0001de0001 de seis páginas da Agência Central do Serviço Nacional de Informações (SNI/AC), distribuído ao Centro de Inteligência do Departamento da Polícia Federal (CI/DPF), CIE, Cenimar, Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Educação e Cultura (DSI/MEC) e Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Justiça (DSI/MJ) pelo CISA e posteriormente ao Emaer e a todos os Comandos de Zonas Aéreas (Comzae), 20 20 A partir de 1986, as Zonas Aéreas foram redenominadas Comandos Aéreos Regionais (COMAR). que tinham sob a sua subordinação os esquadrões de transportes aéreos (Emaer, 2016EMAER. ESTADO-MAIOR DA AERONÁUTICA. Portaria DIRMAB Nº 135/PLPG-1, de 17 de outubro de 2016. Aprova o Relatório do Grupo de Trabalho de Manutenção (GTMAN) para estudar uma estrutura de manutenção e suprimento visando a unificação do 3º ETA com o 4ºETA. Rio de Janeiro, 2016. ). Foi nesse dossiê que a palavra “morto” foi grafada em letra cursiva, sugerindo que a comunidade de informações desejava a eliminação do cineasta. Outro dossiê também produzido pelo Cisa, em 1972, 21 21 Disponível no SIAN sob o código br_dfanbsb_vaz_0_0_21522_d0001de0001. reafirma um perfil que seria, aos poucos, construído sobre Rocha, sempre apontado pelos órgãos de informações como um comunista convicto, à serviço do imperialismo soviético. Esse documento analisa um artigo seu publicado na revista Cine Cubano , editada em Havana, além da acusação de que o cineasta teria recebido “vultosas verbas do INC – Instituto Nacional de Cinema e que foram, sem sombra de dúvida, aplicadas por Glauber Rocha contra os interesses nacionais”. 22 22 Disponível no SIAN sob o código br_dfanbsb_vaz_0_0_21522_d0001de0001.

Para os militares, de fato, ele era o mais perigoso representante do movimento do Cinema Novo, ou cinema de esquerda, com livre circulação pela Europa, famoso por seus filmes contra-hegemônicos e “contumaz” em ser o porta voz da esquerda intelectual contra a ditadura militar. Pela sua grande visibilidade fora do país, o cineasta Glauber Rocha teve seu trânsito internacional vigiado pela comunidade de informações. Entre 1966 e 1981, são encontrados mais de quarenta documentos no fundo Ciex e DSI/MRE. Nem todos os informes, informações ou pedidos de busca são sobre Glauber, mas basta o fato de a comunidade de informações detectar um vínculo de algum suspeito com ele para que tal ligação fosse registrada em ficha e passasse a se constituir em item desabonador. Ou ainda, bastava que a exibição de sua obra fizesse parte da programação de um evento para que este fosse considerado alvo de atenção das autoridades. Em muitos dos dossiês pesquisados, o cineasta é alvo de vigilância registrada em diversos documentos. Não à toa, haja vista que ele figurava tanto como um agente do comunismo, militante, simpatizante, apoiador da esquerda, quanto um cineasta. É flagrante que em determinado momento, no seu autoexílio, o próprio Glauber passou a ter uma ação mais diretamente política, denunciando a situação brasileira em artigos e entrevistas, embora o cinema sempre estivesse no seu horizonte.

Já em 1966, antes da constituição oficial da DSI/MRE, que operava ainda sob o nome de Seção de Segurança Nacional, foram solicitados ao SNI dados sobre cineastas brasileiros, com os quais o MRE necessitava travar contatos de cooperação. Na lista estão os nomes de Anselmo Duarte, Nelson Pereira dos Santos, Paulo César Saraceni, Joaquim Pedro de Andrade, Walter Lima Júnior, Walter Hugo Khouri, Roberto Farias e Glauber Rocha. Revela-se, desde já, o modo de operar do Ministério, buscando evitar contato com cineastas subversivos, já visados pelo Serviço, sem estar calcado em alguma informação prévia. 23 23 Disponível no SIAN sob o código br_dfanbsb_z4_dpn_pes_pfi_0435_d0001de0001.

O Ciex também acompanhou a Semana da América Latina, de 1970, em Fresnes, na França 24 24 Disponível no SIAN sob o código br_dfanbsb_ie_0_0_0005_d0003de0010. . Nesse evento foram exibidos os filmes Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), de Glauber Rocha; Os Fuzis (1964), de Ruy Guerra; Rio Chiquito e Camilo Torres , de Bruno Muel, ambos de 1964; e Cuba si (1961), de Chris Marker.

Monitoraram, igualmente, os passos do uruguaio Walter Achugar, à época representante de uma distribuidora de Montevidéu e o acusaram de monopolizar a distribuição de filmes brasileiros, “notadamente aqueles do chamado ‘cinema nôvo’, cujo conteúdo se preste a interpretações políticas, ideologicamente assimiláveis às doutrinas comunistas ( sic )”. O uruguaio “manteria ligações na Argentina e no Brasil, que lhe garantiriam a preferência na distribuição em detrimento de outros distribuidores uruguaios”. Nesse caso, obviamente a preocupação do Ciex com o mercado de cinema uruguaio era apenas pano de fundo para o foco principal, o acesso aos filmes do Cinema Novo e a sua disseminação fora do Brasil, considerado sinônimo de cinema de esquerda para a direita militar.

Em janeiro de 1971, Glauber se instalou em Nova York. Logo após, em maio, seguiu para o Chile, de onde escreve para o cubano Alfredo Guevara, presidente do Instituto Cubano del Arte y Industria Cinematográficos (Icaic): “Estou doente no quarto 736 do Hotel Carrera-Sheraton, centro do contrabando de dólares e agentes da Cia.” (Rocha, 1997ROCHA, Glauber; BENTES, Ivana (org.). Cartas ao mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.: 400). Ainda, seguindo suas viagens, ele iria a Munique e logo depois faria o trajeto “Roma – Marrocos – Roma”. De novembro de 1971 até dezembro de 1972 ele se estabelece em Cuba. É possível imaginar que durante sua estadia no Chile, ele poderia ter visitado Buenos Aires e Montevidéu e que em sua passagem por Marrocos teria “esticado” até Argel. E entre encontros clandestinos com Jango e Darcy Ribeiro, onde ele recebe “lições de política” (Rocha, 1997ROCHA, Glauber; BENTES, Ivana (org.). Cartas ao mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.: 57).

Fica claro que as informações a respeito de localização e data, apuradas pelo Ciex, têm coerência com os dados biográficos. A viagem de Glauber, por exemplo, em junho de 1971, entre Buenos Aires e Montevidéu, foi monitorada pela comunidade de informações. 25 25 Disponível no SIAN sob o código br_dfanbsb_ie_0_0_0006_d0008de0008. Ele foi ao encontro dos primeiros exilados Neiva Moreira, Paulo Schilling, Leonel Brizola e de “elementos uruguaios, integrantes ou colaboradores do semanário Marcha”. Segundo o Ciex, ele vinha fazendo contato com a esquerda intelectual desde Buenos Aires, levando consigo cartas de exilados e amigos em Argel para outros em Santiago do Chile, já que elas eram muitas das vezes interceptadas e abertas pela comunidade de informações. Uma série de detalhes com nomes e locais são oferecidos.

Em outubro do mesmo ano, o CIE 26 26 O mesmo CIE já havia citado Glauber em outro Informe de fevereiro de 1971, quando levanta dados sobre Claude Antoine, produtor francês dos filmes Dragão da maldade contra o santo guerreiro e O leão de sete cabeças. Nesse documento, Informe 97, foi citado em capítulo anterior pois tem como alvo o INC, que naquele momento recebia uma série de denúncias pela comunidade de informações, contando para isso com a ajuda de informantes plantados/lotados na sua ASI. Disponível no SIAN sob o código br_dfanbsb_z4_dpn_pes_pfi_0505_d0001de0001. (SIAN, 2018k) distribuiu à DSI/MRE um Pedido de Busca sobre Glauber, vindo da Divisão de Informações do Departamento de Ordem Política e Social do Estado da Guanabara (DI/DOPS/GB). 27 27 Lei nº 263, de 24 de dezembro de 1962, criou o Departamento de Ordem política e Social do Estado da Guanabara (DOPS-GB), subordinando-o à Secretaria de Segurança Pública. Esse novo órgão herdou algumas atribuições do antigo Departamento Federal de Segurança Pública (DFESP), ao qual se subordinava a Divisão de Polícia Política e Social (DPS), antecessora do DOPS-GB. Estavam cientes de que ele vinha concedendo entrevistas para a imprensa nacional e internacional e se envolvendo em “campanha de deformação da imagem do Brasil no exterior, aliado a intelectuais comunistas e de esquerda”. 28 28 Disponível no SIAN sob o código br_dfanbsb_z4_dpn_pes_pfi_0498_d0001de0001. O documento solicita confirmação da autoria das entrevistas.

Em 1973 também, o Ciex divulgou ao SNI a localização de Glauber Rocha, que retornava ao Uruguai, sendo entrevistado por José Wainer para o jornal Marcha , publicado em 30 de março. 29 29 Disponível no SIAN sob o código BR_DFANBSB_IE_0_0_0010_d0006de0007. Além desse informe, é possível encontrar matérias sobre ele anexadas em outros dossiês do Ciex. Os nomes de Glauber Rocha e Ruy Guerra como “discípulos de Godard” tornaram-se ícones da subversão no cinema, constando no documento Como eles agem 30 30 O documento foi difundido à DSI/MRE em 1973 e serviu de inspiração ao título do livro de Carlos Fico Como eles agiam . Foi “vazado” e publicado no Estado de S. Paulo em 1974. Esperava-se, com esse manual de identificação do modus operandi das esquerdas, produzir reações na comunidade de informações no sentido de maior vigilância e controle sobre o “Cinema Novo brasileiro”. , elaborado pela DSI/MEC como contribuição para a comunidade de informações, no sentido de instrumentalizar os órgãos sobre as linhas de ação “utilizadas pela subversão no nosso país, particularmente na área da Educação e Cultura”.

Em determinado dossiê da DSI/MRE, 31 31 Disponível pelo SIAN sob o código BR_DFANBSB_Z4_DPN_ENI_0051_d0001de0001. de 1974, o nome de Glauber é citado, reafirmando que a ditadura conhecia e temia suas vinculações com a luta e com os movimentos internacionais pelos direitos humanos, contra as mortes, as prisões e as torturas levadas a cabo pelo governo brasileiro.

Mas o trabalho do Ciex não se resumia a registrar os artigos e as entrevistas de Glauber. Em 1973, a DSI do MEC difunde para o diretor da DSI/MRE que Glauber estaria filmando História do Brasil 32 32 Longa-metragem de 1974, produzido pelo Instituto Cubano de Arte y Industria Cinematográficos e Renzo Rosselini, e dirigido por Glauber e Marcos Medeiros. em Roma, destinado a TV italiana, e que tal filme poderia gerar “repercussão negativa ou tendenciosa”, observando uma preocupação com o fato de o INC não poder controlar a produção de filmes no exterior, ao mesmo tempo a mesma Divisão passou a solicitar dados da trajetória deste filme, ao longo de 1974 33 33 Disponível no SIAN sob o código br_dfanbsb_z4_dpn_eni_0263_d0001de0001. . Em março de 1974, a DSI-MEC encaminhou Pedido de Busca à DSI/MRE para confirmar se Glauber “e outros cineastas teriam produzido, para a RAI (TV Italiana), o filme Tatu Borba ( sic ), filmado inteiramente no Brasil” e se ele estaria em maio “de volta ao Brasil para fazer um filme que não será exibido no Brasil mas somente em outros países latino-americanos”, além disso solicitaram roteiro, ficha técnica do filme, sua linha político-ideológica, nomes dos cineastas que colaboraram com Glauber Rocha na produção, a origem do financiamento e outros dados úteis. O filme, na verdade, tinha o título de Tatu Bola e era dirigido por Glauber, Joel Barcelos e Gianni Barcelloni, mas era Tatu Borba ( sic ) 34 34 Por um erro gráfico ou desconhecimento, os documentos da comunidade de informações o registraram como Tatu Borba ou Tatu Borda . para a comunidade de informações. 35 35 Disponível no SIAN sob o código br_dfanbsb_z4_dpn_eni_0263_d0001de0001. Fica claro o interesse do governo brasileiro em acompanhar de perto o percurso do cineasta mesmo fora do país e que tal monitoramento foi realizado prioritariamente pelo Ciex, com colaboração das divisões do MEC e do MRE.

A vigilância ao cineasta continua em Portugal após a Revolução dos Cravos de 1974, quando Glauber teve uma atuação importante. Passou a ser uma prática contínua os registros e a disseminação pela comunidade do trânsito de Glauber Rocha e suas aparições na mídia. O fato de o cineasta ter concedido entrevista ao canal de televisão português RTP em 5 de maio de 1974, fazendo críticas ao governo brasileiro foi motivo de contrariedade. 36 36 Disponível no SIAN sob o código br_dfanbsb_z4_dpn_pes_pfi_0640_d0001de0001.

Até a sua morte, e mesmo após, Glauber Rocha seria um dos nomes do cinema nacional mais fortemente vigiado e perseguido pelos órgãos de informações, dentro e fora do Brasil, com filmes, viagens e entrevistas rastreados, mesmo em países como Alemanha e Noruega. 37 37 Ver dossiês no SIAN sob o código br_dfanbsb_z4_rex_ibr_0042_d0001de0001, referente à imagem do Brasil na Noruega e em outros países. Cartas eram abertas, endereços eram coletados, amizades e relacionamentos profissionais verificados. Com a continuidade da pesquisa outras questões podem ser levantadas. Mas a intenção do artigo é apontar a forma insistente com que o Ciex acompanhou o trânsito de Glauber, o cinema contra-hegemônico e a disseminação das imagens consideradas subversivas da ordem e dos costumes, que contrariavam a imagem de um Brasil que só existia nos discursos oficiais militares.

Figura 2 -
Entrevista de Glauber Rocha à RTP em 15 de maio de 1974

Referências

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Notas

  • Fonte de financiamento: O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001 “This study was financed in part by the Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Finance Code 001.
  • Contribuição dos autores: Thais Blank: orientadora do projeto de pesquisa, apoiou no planejamento do estudo.
  • 1
    Se compararmos a produção de documentos totais (de mais de 8 mil), em 1968 o Ciex emitiu 747, contra 95 em 1986; houve acentuada queda da atuação. Em 1978, um ano antes do retorno dos exilados, também houve um decréscimo relevante de 28 documentos.(Penna Filho, 2008: 90), decréscimo que aponta a anistia e o redirecionamento dos interesses internacionais do governo Geisel para temas diversos, não mais relacionados somente à repressão.
  • 2
    Documentos que ultrapassam essas datas são citados na medida em que demonstram a insistência da comunidade de informações nas ações de vigilância e controle do cinema.
  • 3
    Nesse ano, o Secretário-Geral do CSN e Ministro do Gabinete Militar era o General de Brigada João Baptista de Figueiredo, o Ministro da Justiça era Alfredo Buzaid e o chefe do SNI o General Carlos Alberto Fontoura. Um triunvirato identificado com o momento de maior radicalismo na repressão. Mário Gibson Barbosa era o Ministro das Relações Exteriores (1969-1974).
  • 4
    Com grau de sigilo secreto, datado de 20 de novembro de 1970, o documento traz junto o texto da Política e se repete em diversos dossiês. Ver dossiês que estão disponíveis sob os códigos: br_dfanbsb_2m_0_0_0006_v_04_d0001de0001; br_dfanbsb_n8_0_psn_est_0305_d0001de0001; br_dfanbsb_n8_0_psn_est_0245_d0001de0001; br_rjanrio_tt_0_mcp_pro_0180_d0001de0001; br_rjanrio_tt_0_mcp_pro_0179_d0001de0001.
  • 5
    Na base de dados SIAN, ver o documento na íntegra no dossiê com o código BR_RJANRIO_TT_0_MCP_PRO_0179_d0001de0001.
  • 6
    Na base de dados SIAN, ver o documento na íntegra no dossiê com o código br_rjanrio_cnv_0_cve_00092000508201511_v_01_d0001de0001.
  • 7
    Retomando a questão dos antecedentes, é importante frisar, novamente, que os órgãos de informações atuantes na ditadura 1964 não fossem criados por um impulso autoritário particular dos militares golpistas. A partir de meados da década de 1930, há uma linha no tempo que reúne inúmeras tentativas, por vezes infrutíferas, de organizar serviços de informações necessários ao controle pelo Estado de ideias comunistas. Também as motivações flutuam a depender da política interna e de determinados condicionantes externos. Em resumo, a criação do Ciex (e das DSI), está contida dentro de um “processo histórico longo não circunscrito em marcos temporais artificiais ou princípios causais” (Setemy, 2018SETEMY, Adrianna. Sentinelas da fronteira: a diplomacia brasileira e a conexão repressiva internacional para o combate ao comunismo. Curitiba: Prisma, 2018.: 33).
  • 8
    O banimento foi previsto pelo Ato Institucional n° 13 (AI-13), como resposta aos presos libertados em troca do embaixador americano.
  • 9
    Disponível no SIAN sob o código br_dfanbsb_v8_mic_gnc_aaa_78109474_d0001de0001
  • 10
    Disponível no SIAN sob o código BR_DFANBSB_IE_0_0_0010_d0005de0007. Observamos que a notação do campo referência, 0010/CISA-ESC RDC, do informe em questão o vincula a outros documentos do Centro de Informações da Aeronáutica sobre o reconhecimento de “subversivos”, indício que as buscas a partir das Forças Militares extrapolaram o território nacional.
  • 11
    Disponível no SIAN sob o código BR_DFANBSB_IE_0_0_0012_d0005de0007.
  • 12
    “La lucha del pueblo brasileño, al cumplirse diez años de heróica resistência a la dictadura militar, fiel sirviente de los intereses monopolistas norteamericanos.” A luta do povo brasileiro, após dez anos de heroica resistência à ditadura militar, fiel servidora dos interesses monopolistas norte-americanos.
  • 13
    Disponível no SIAN sob o código br_dfanbsb_ie_0_0_0014_d0009de0009.
  • 14
    Disponível no SIAN sob o código br_dfanbsb_ie_0_0_0015_d0008de0012.
  • 15
    Disponível no SIAN sob o código BR_DFANBSB_IE_0_0_0015_d0012de0012.
  • 16
    Disponível no SIAN sob o código BR_DFANBSB_IE_0_0_0017_d0004de0011
  • 17
    Noilton Nunes (1947), diretor de cinema, dirigiu O Rei da vela , de 1983, e A paz é dourada , de 1989, entre outros.
  • 18
    Observa-se que a vigilância se estende até os limites de 1988, já no contexto da Constituição Cidadã.
  • 19
    Disponível no SIAN sob o código br_dfanbsb_vaz_0_0_26701_d0001de0001
  • 20
    A partir de 1986, as Zonas Aéreas foram redenominadas Comandos Aéreos Regionais (COMAR).
  • 21
    Disponível no SIAN sob o código br_dfanbsb_vaz_0_0_21522_d0001de0001.
  • 22
    Disponível no SIAN sob o código br_dfanbsb_vaz_0_0_21522_d0001de0001.
  • 23
    Disponível no SIAN sob o código br_dfanbsb_z4_dpn_pes_pfi_0435_d0001de0001.
  • 24
    Disponível no SIAN sob o código br_dfanbsb_ie_0_0_0005_d0003de0010.
  • 25
    Disponível no SIAN sob o código br_dfanbsb_ie_0_0_0006_d0008de0008.
  • 26
    O mesmo CIE já havia citado Glauber em outro Informe de fevereiro de 1971, quando levanta dados sobre Claude Antoine, produtor francês dos filmes Dragão da maldade contra o santo guerreiro e O leão de sete cabeças. Nesse documento, Informe 97, foi citado em capítulo anterior pois tem como alvo o INC, que naquele momento recebia uma série de denúncias pela comunidade de informações, contando para isso com a ajuda de informantes plantados/lotados na sua ASI. Disponível no SIAN sob o código br_dfanbsb_z4_dpn_pes_pfi_0505_d0001de0001.
  • 27
    Lei nº 263, de 24 de dezembro de 1962, criou o Departamento de Ordem política e Social do Estado da Guanabara (DOPS-GB), subordinando-o à Secretaria de Segurança Pública. Esse novo órgão herdou algumas atribuições do antigo Departamento Federal de Segurança Pública (DFESP), ao qual se subordinava a Divisão de Polícia Política e Social (DPS), antecessora do DOPS-GB.
  • 28
    Disponível no SIAN sob o código br_dfanbsb_z4_dpn_pes_pfi_0498_d0001de0001.
  • 29
    Disponível no SIAN sob o código BR_DFANBSB_IE_0_0_0010_d0006de0007.
  • 30
    O documento foi difundido à DSI/MRE em 1973 e serviu de inspiração ao título do livro de Carlos Fico Como eles agiam . Foi “vazado” e publicado no Estado de S. Paulo em 1974. Esperava-se, com esse manual de identificação do modus operandi das esquerdas, produzir reações na comunidade de informações no sentido de maior vigilância e controle sobre o “Cinema Novo brasileiro”.
  • 31
    Disponível pelo SIAN sob o código BR_DFANBSB_Z4_DPN_ENI_0051_d0001de0001.
  • 32
    Longa-metragem de 1974, produzido pelo Instituto Cubano de Arte y Industria Cinematográficos e Renzo Rosselini, e dirigido por Glauber e Marcos Medeiros.
  • 33
    Disponível no SIAN sob o código br_dfanbsb_z4_dpn_eni_0263_d0001de0001.
  • 34
    Por um erro gráfico ou desconhecimento, os documentos da comunidade de informações o registraram como Tatu Borba ou Tatu Borda .
  • 35
    Disponível no SIAN sob o código br_dfanbsb_z4_dpn_eni_0263_d0001de0001.
  • 36
    Disponível no SIAN sob o código br_dfanbsb_z4_dpn_pes_pfi_0640_d0001de0001.
  • 37
    Ver dossiês no SIAN sob o código br_dfanbsb_z4_rex_ibr_0042_d0001de0001, referente à imagem do Brasil na Noruega e em outros países.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    29 Dez 2023
  • Aceito
    29 Abr 2024
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