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Accountability e liderança na corporação moderna

EDITORIAL

Accountability e liderança na corporação moderna

Miguel Cendoroglo Neto; Reynaldo André Brandt

Hospital Israelita Albert Einstein - HIAE, São Paulo (SP), Brazil

Nas últimas três décadas, o crescimento dos hospitais, em tamanho e complexidade, levou a uma tendência de profissionalização de sua gestão, com adoção de práticas e sistemas de outras áreas e indústrias. Essa convergência trouxe novos desafios, na medida em que hospitais se tornaram empresas e corporações.

Os escândalos corporativos dos anos 1990, como o da Enron Corporation, e 2000, como, por exemplo, Fannie Mae e Freddie Mac, forçaram a sociedade a rever o escopo da responsabilidade, ou melhor, do accountability das lideranças na empresas. Na empresa moderna, espera-se que a liderança e todos os outros constituintes se preocupem não apenas com o resultado financeiro imediato, mas, principalmente, com a agregação de valor para todos os stakeholders. Entende-se por stakeholder não apenas o acionista (shareholder), mas também os clientes e consumidores dos produtos e serviços da empresa, seus funcionários, seus fornecedores e parceiros, e o restante da sociedade. Isso explica toda a preocupação atual das empresas com a sustentabilidade da sociedade e do meio ambiente.

Esse aumento do escopo da responsabilidade das empresas na sociedade atual obriga a reflexões sobre o papel, a atitude e a consciência das lideranças das empresas. Uma revisão contínua sobre ética é necessária, principalmente considerando-se que regras de conduta e códigos de ética locais, apesar de indispensáveis, não são suficientes para garantir as melhores decisões. Na medida em que os trabalhadores passam de tecnólogos para trabalhadores do conhecimento, dependemos cada vez mais de suas decisões, o que torna a cultura organizacional um tema central. Agora, não é apenas a liderança gerencial das organizações que serve de barreira aos erros e eventos adversos, mas, principalmente, o trabalhador, o que o torna corresponsável pelos resultados. A liderança, por sua vez, deve se ocupar em entender, promover e reforçar os valores e aspectos positivos da cultura organizacional.

Dos hospitais, como parte do conjunto de empresas que participam do tecido social, espera-se mais do que a geração de produtos e serviços. A sociedade espera não só o valor agregado pela procura da cura, mas o cuidado ao doente, com compaixão e promoção da saúde da comunidade. Embora entenda-se que há limites no custeio da saúde, espera-se uma atitude de acolhimento e de humanização, sempre. Nesse contexto, de um mundo mais complexo e de uma expectativa extra em relação aos hospitais e serviços de saúde, é que temos que direcionar nossa instituição. Em outras palavras, espera-se que, em nossa instituição, tenhamos mais do que os mesmos níveis de controles e compliance de grandes empresas mundiais.

Neste número da einstein, o artigo de Santos et al.(1), "Compliance e liderança: a suscetibilidade dos líderes ao risco de corrupção nas organizações", embora não aborde especificamente o accountability da governança em hospitais e serviços de saúde, traz informações importantes sobre o assunto nas corporações atuais, discutindo os desafios em um novo contexto. Os dados foram cedidos pela ICTS Global, empresa internacional especializada na redução de riscos ao patrimônio, reputação, informações e vida, incluindo a prevenção de fraudes e perdas. A pesquisa demonstra que os líderes das empresas incluídas na pesquisa são mais dispostos a quebrar as regras de compliance do que os liderados. De outro lado, os líderes demonstram maior lealdade às suas organizações. Uma interpretação possível seria a de que os líderes, motivados pela lealdade às suas empresas, estariam mais predispostos a romper com seus próprios princípios.

Voltando ao contexto dos hospitais nesse novo mundo corporativo, devemos considerar primeiramente que uma possível forma de ruptura com os princípios poderia ocorrer na busca de resultados de curto prazo, notadamente quanto aos resultados financeiros. Entretanto, na discussão do accountability corporativo, cada vez mais se enfatiza a importância dos objetivos de longo prazo, tendo como centro as dimensões dos clientes, dos funcionários e da imagem perante a sociedade. Em segundo lugar, no que diz respeito aos hospitais e serviços de saúde, a discussão do accountability e da ética é ainda mais abrangente e profunda, estando o valor da saúde acima de outras questões, mesmo quando se discute no plano do indivíduo. O que é ético fazer com o paciente tem prioridade na discussão, ficando as outras questões num plano secundário.

Entretanto, fica claro, no artigo de Santos et al.(1), que a propensão de dirigentes ferirem seus princípios pessoais para se adaptarem às exigências da empresa, particularmente em relação aos resultados financeiros e, portanto manterem-se fiéis às diretrizes empresariais, cria um paradoxo e uma tensão emocional para esses dirigentes. Deixariam de existir se os princípios pessoais e os das organizações fossem os mesmos, sendo portanto sinceros e transparentes. É o caso de alguns princípios adotados no Hospital Israelita Albert Einstein, tal qual os do Institute of Medicine em geral e o princípio básico que reza estarem as necessidades dos pacientes em primeiro lugar.

A discussão de Santos et al.(1) nos incita a aprofundar esse debate nos hospitais, contextualizando as expectativas de nossa sociedade quanto às lideranças das grandes organizações da sociedade moderna e também no que diz respeito ao papel dos hospitais e serviços de saúde nessa sociedade e ao accountability de seus líderes. Seu destaque na einstein é um convite à nossa reflexão e a outras pesquisas e publicações como forma de expressão do accountability da nossa instituição no cenário atual do país.

REFERÊNCIA

  • 1. Santos RA, Guevara AJ, Amorim MC, Ferraz-Neto BH. Compliance and leadership: the susceptibility of leaders to the risk of corruption in organizations. einstein. 2012;10(1):1-10.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Set 2012
  • Data do Fascículo
    Mar 2012
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