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Avaliação e recondicionamento de pulmões doados para transplante por meio da perfusão pulmonar ex vivo

RESUMO

Objetivo:

Avaliar a exequibilidade e o impacto da perfusão pulmonar ex vivo com solução hiperoncótica (Steen Solution) na taxa de utilização desses órgãos no Brasil.

Métodos:

Neste estudo prospectivo, submetemos cinco pulmões considerados de alto risco para o transplante a 4 horas de perfusão pulmonar ex vivo, com avaliação da capacidade de oxigenação pulmonar. Os pulmões de doadores de alto risco foram definidos por critérios específicos, incluindo infiltrado inflamatório, edema pulmonar e pressão parcial de oxigênio arterial inferior a 300mmHg (fração inspirada de oxigênio de 100%).

Resultados:

Durante a reperfusão, a pressão parcial de oxigênio arterial (fração inspirada de oxigênio de 100%) média dos pulmões não sofreu alteração significativa (p=0,315). Na primeira hora, a pressão parcial de oxigênio arterial média foi de 302,7mmHg (±127,66mmHg); na segunda, 214,2mmHg (±94,12mmHg); na terceira, 214,4mmHg (±99,70mmHg); e na quarta, 217,7mmHg (±73,93mmHg). Os níveis plasmáticos de lactato e glicose se mantiveram estáveis ao longo da perfusão, sem diferença estatística na comparação entre os momentos estudados (p=0,216).

Conclusão:

A perfusão pulmonar ex vivo foi reproduzida em nosso centro e garantiu a preservação de pulmões durante o período de estudo, que foi de 4 horas. A técnica não promoveu melhora suficiente para indicação do órgão para o transplante e, portanto, não impactou na taxa de utilização desses órgãos.

Descritores:
Transplante de pulmão; Preservação de órgãos; Morte encefálica

ABSTRACT

Objective:

To assess the feasibility and impact of ex vivo lung perfusion with hyperoncotic solution (Steen Solution) in the utilization of these organs in Brazil.

Methods:

In this prospective study, we subjected five lungs considered to be high risk for transplantation to 4 hours of ex vivo lung perfusion, with evaluation of oxygenation capacity. High-risk donor lungs were defined by specific criteria, including inflammatory infiltrates, pulmonary edema and partial pressure of arterial oxygen less than 300mmHg (inspired oxygen fraction of 100%).

Results:

During reperfusion, the mean partial pressure of arterial oxygen (inspired oxygen fraction of 100%) of the lungs did not change significantly (p=0.315). In the first hour, the mean partial pressure of arterial oxygen was 302.7mmHg (±127.66mmHg); in the second hour, 214.2mmHg (±94.12mmHg); in the third hour, 214.4mmHg (±99.70mmHg); and in the fourth hour, 217.7mmHg (±73.93mmHg). Plasma levels of lactate and glucose remained stable during perfusion, with no statistical difference between the moments studied (p=0.216).

Conclusion:

Ex vivo lung perfusion was reproduced in our center and ensured the preservation of lungs during the study period, which was 4 hours. The technique did not provide enough improvement for indicating organs for transplantation; therefore, it did not impact on use of these organs.

Keywords:
Lung transplantation; Organ preservation; Brain death

INTRODUÇÃO

Atualmente, o transplante é a principal modalidade terapêutica para pacientes com doenças pulmonares em estágio terminal. Um dos limitantes para a realização de transplante pulmonar é a oferta de órgãos viáveis. Isto porque os pulmões são órgãos extremamente suscetíveis aos efeitos deletérios da morte encefálica e de complicações da internação em unidade de terapia intensiva (UTI) (ventilação mecânica prolongada, pneumonia nosocomial, barotrauma e infusão excessiva de cristaloides), tornando-se inviáveis para a realização do transplante. Atualmente, dados mundiais mostram que apenas 15 a 20% dos pulmões ofertados são utilizados.(11. Christie JD, Edwards LB, Kucheryavaya AY, Benden C, Dipchand AI, Dobbels F, Kirk R, Rahmel AO, Stehlik J, Hertz MI; International Society of Heart and Lung Transplantation. The Registry of the International Society for Heart and Lung Transplantation: 29th adult lung and heart-lung transplant report-2012. J Heart Lung Transplant. 2012;31(10):1073-86.33. Cypel M, Levvey B, Van Raemdonck D, Erasmus M, Dark J, Love R, Mason D, Glanville AR, Chambers D, Edwards LB, Stehlik J, Hertz M, Whitson BA, Yusen RD, Puri V, Hopkins P, Snell G, Keshavjee S; International Society for Heart and Lung Transplantation. International Society for Heart and Lung Transplantation Donation After Circulatory Death Registry Report. J Heart Lung Transplant. 2015;34(10):1278-82.)

Nos últimos anos, uma série de estudos relacionados à perfusão pulmonar ex vivo (PPEV) com solução hiperoncótica (Steen Solution, Xvivo Perfusion, Gotemburgo, Suécia) tem impactado os programas de transplante pulmonar de maneira positiva, com a perspectiva de aumentar o pool de doadores e diminuir a mortalidade de pacientes em lista de espera. A PPEV pode ser utilizada para recondicionar pulmões de alto risco, sendo caracterizada, entre outros critérios, pela presença de edema e relação entre pressão parcial de oxigênio/fração inspirada de oxigênio (PO2/FiO2) 100% <300mmHg.(44. Abdalla LG, Braga KA, Nepomuceno NA, Fernandes LM, Samano MN, Pêgo-Fernandes PM. Ex vivo lung perfusion in Brazil. J Bras Pneumol. 2016; 42(2):95-8.88. Zych B, Popov AF, Stavri G, Bashford A, Bahrami T, Amrani M, et al. Early outcomes of bilateral sequential single lung transplantation after ex-vivo lung evaluation and reconditioning. J Heart Lung Transplant. 2012; 31(3):274-81.) Além disso, por meio desta técnica, é possível avaliar e utilizar pulmões provenientes de doadores pós-parada circulatória.(33. Cypel M, Levvey B, Van Raemdonck D, Erasmus M, Dark J, Love R, Mason D, Glanville AR, Chambers D, Edwards LB, Stehlik J, Hertz M, Whitson BA, Yusen RD, Puri V, Hopkins P, Snell G, Keshavjee S; International Society for Heart and Lung Transplantation. International Society for Heart and Lung Transplantation Donation After Circulatory Death Registry Report. J Heart Lung Transplant. 2015;34(10):1278-82.,99. Cypel M, Yeung JC, Keshavjee S. Novel approaches to expanding the lung donor pool: donation after cardiac death and ex vivo conditioning. Clin Chest Med. 2011;32(2):233-44. Review.1111. Machuca TN, Mercier O, Collaud S, Tikkanen J, Krueger T, Yeung JC, et al. Lung transplantation with donation after circulatory determination of death donors and the impact of ex vivo lung perfusion. Am J Transplant. 2015;15(4):993-1002.) Na PPEV, os pulmões são isolados e submetidos à perfusão com solução hiperoncótica, que atua na redução de edema tecidual e contribui para a depuração de células e mediadores inflamatórios, melhorando as condições gerais do órgão. Estudos recentes mostraram resultados pós-operatórios semelhantes de receptores de pulmões pós-PPEV em comparação com os receptores de pulmões considerados ideais.(66. Cypel M, Yeung JC, Machuca T, Chen M, Singer LG, Yasufuku K, et al. Experience with the first 50 ex vivo lung perfusions in clinical transplantation. J Thorac Cardiovasc Surg. 2012;144(5):1200-6.,1212. Cypel M, Keshavjee S. Extending the donor pool: rehabilitation of poor organs. Thorac Surg Clin. 2015;25(1):27-33. Review.)

A PPEV foi empregada inicialmente na Suécia, utilizando doadores após parada circulatória (DPC), com resultados encorajadores e sobrevivência comparável ao transplante pulmonar convencional.(1313. Steen S, Ingemansson R, Eriksson L, Pierre L, Algotsson L, Wierup P, et al. First human transplantation of a nonacceptable donor lung after reconditioning ex vivo. Ann Thorac Surg. 2007;83(6):2191-4.) Cypel et al.,(1414. Cypel M, Yeung JC, Liu M, Anraku M, Chen F, Karolak W, et al. Normothermic ex vivo lung perfusion in clinical lung transplantation. N Engl J Med. 2011; 364(15):1431-40.) utilizaram esta técnica com modificações para o recondicionamento de pulmões, considerados de alto risco, provenientes de doadores após morte encefálica (DME) e de DPC, mantendo os órgãos estáveis durante a PPEV e com resultados pós-transplante comparáveis aos de transplantes utilizando órgãos doados selecionados a partir dos critérios convencionais. A incidência de disfunção primária do enxerto nesta coorte foi de apenas 15% em comparação com 30% no grupo de transplante pulmonar convencional. A PPEV têm sido implementada na prática clínica por diversos centros transplantadores, principalmente na América do Norte e Europa. Alguns centros aumentaram o número de transplantes em 20 a 40%.(1515. Machuca TN, Cypel M. Ex vivo lung perfusion. J Thorac Dis. 2014;6(8):1054-62.)

No entanto, trata-se de técnica e logística de alta complexidade e que depende da realidade clínica e dos métodos de captação de cada país. Alguns estudos foram publicados, com o objetivo de elucidar as principais etapas e desafios para implementação de programas de PPEV. No Brasil, estudos clínicos e experimentais utilizaram a técnica de PPEV tanto com objetivo de avaliação quanto de recondicionamento pulmonar.(44. Abdalla LG, Braga KA, Nepomuceno NA, Fernandes LM, Samano MN, Pêgo-Fernandes PM. Ex vivo lung perfusion in Brazil. J Bras Pneumol. 2016; 42(2):95-8.,1616. Mariani AW, de Medeiros IL, Pêgo-Fernandes PM, Fernandes FG, Unterpertinger Fdo V, Fernandes LM, et al. Ex vivo experimental model: split lung block technique. J Bras Pneumol. 2011;37(6):791-5.1818. Pêgo-Fernandes PM, Werebe E, Cardoso PF, Pazetti R, de Oliveira KA, Soares PR, et al. Experimental model of isolated lung perfusion in rats: first brazilian experience using the IL-2 isolated perfused rat or guinea pig lung system. Transplant Proc. 2010;42(2):444-7.)

OBJETIVO

Avaliar a exequibilidade da perfusão pulmonar ex vivo em pulmões de alto risco doados para transplante e determinar se a perfusão pulmonar ex vivo em pulmões aumenta a taxa de utilização desses órgãos.

MÉTODOS

Trata-se de estudo transversal, prospectivo, realizado em um único centro após aprovação pelo Conselho Nacional de Saúde – Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Registro CONEP, processo com número aprovação do Conselho de Ética em Pesquisa – CEP, parecer 965.945, CAAE: 41729615.2.0000.0071).

A amostra foi composta por pulmões humanos de doadores com morte encefálica rejeitados para o transplante convencional por apresentarem PaO2/FiO2 <300mmHg, ou pulmões que apresentaram infiltrados na avaliação radiológica.

Os critérios de inclusão utilizados foram: idade <50 anos; tabagismo <20 maços-anos; ausência de trauma torácico; ausência de sinais de aspiração ou pus na broncoscopia; gasometria arterial com PaO2 <300mmHg (FiO2 100% e pressão positiva expiratória final − PEEP 5cmH2O).

Entre janeiro de 2016 e dezembro de 2016, foram realizadas cinco captações para o protocolo de recondicionamento pulmonar. Os pulmões foram captados e perfundidos com solução de preservação pulmonar Perfadex® (Vitrolife, Gotemburgo, Suécia), armazenados em um saco específico a 4°C e encaminhados para o Centro Cirúrgico do Hospital Israelita Albert Einstein na cidade de São Paulo (SP).

A artéria pulmonar e as veias pulmonares foram conectadas a cânulas específicas, e o bloco pulmonar foi alojado em uma câmara de perfusão (Xvivo Perfusion, Gotemburgo, Suécia) (Figura 1).

Figura 1
Pulmão de doador humano acondicionado na câmara ex vivo

O sistema de perfusão consiste em um desoxigenador de membranas, trocador de calor, filtro de leucócitos e bomba centrífuga (Maquet, Toronto, Canadá), como mostrado na figura 2.

Figura 2
Esquema do sistema de perfusão pulmonar ex vivo

Os pulmões são colocados dentro câmara ex vivo. O perfusado deixa os pulmões por meio da canulação do átrio esquerdo e entra no reservatório. Uma bomba centrífuga impulsiona o perfusato para o desoxigenador e trocador de calor, onde é desoxigenado e aquecido à normotermia. O perfusato, então, passa por um filtro de leucócitos, antes de retornar aos pulmões através da canulação feita na artéria pulmonar.

O sistema foi preenchido com 1,5L de solução de perfusão Steen Solution (Vitrolife), adicionada de 500mg de metilprednisolona, 500/500mg de cilastatina sódica + imipenen e heparina (3.000UI). O fluxo estabelecido foi de 40% do débito cardíaco, com ventilação com padrões fisiológicos: volume corrente (VC) de 6mL/kg, frequência respiratória de 7 ciclos/minuto, pressão expiratória final positiva de 5cmH2O e FiO2 de 21%. O aumento de fluxo, o reaquecimento e a ventilação seguiram o protocolo descrito por Cypel et al.(1414. Cypel M, Yeung JC, Liu M, Anraku M, Chen F, Karolak W, et al. Normothermic ex vivo lung perfusion in clinical lung transplantation. N Engl J Med. 2011; 364(15):1431-40.)

O tempo programado de perfusão foi de 4 horas, com avaliação de parâmetros ventilatórios e gasométricos ao final de cada hora. Ao final da terceira hora, a perfusão foi interrompida nos órgãos em que não havia perspectiva de melhora na função pulmonar ou na mecânica ventilatória visando ao transplante do órgão. No momento da avaliação, o ventilador foi ajustado para VC de 10mL/kg de peso, frequência respiratória de 10 ciclos/minuto, pressão expiratória final positiva de 5cmH2O e FiO2 de 100%. Uma amostra do perfusato foi coletada da saída da veia pulmonar e da artéria pulmonar para a realização de gasometria, para obter os valores de pressão parcial de dióxido de carbono (PaCO2), pressão venosa mista de dióxido de carbono, PaO2, pressão venosa mista de oxigênio e níveis de lactato e glicose. Os parâmetros ventilatórios coletados foram pressão de pico, pressão de platô, pressão média de via aérea, complacência estática e VC. Foram monitorados também parâmetros de pressão média de artéria pulmonar e fluxo de perfusão.

Os dados foram apresentados como médias acompanhadas dos respectivos desvios padrão. A distribuição normal e a homogeneidade das variâncias foram avaliadas, respectivamente, com o teste de Shapiro-Wilk e com o teste de Levene. Para comparação das médias, foram utilizadas medidas repetidas de análise de variância (ANOVA) e o teste t de Student pareado. Quando foi necessário realizar comparações múltiplas de médias, foi utilizado o teste de Bonferroni. Foi considerada uma probabilidade de erro do tipo I (α) de 0,05 em todas as análises inferenciais. As análises estatísticas descritivas e inferenciais foram executadas com o software Statistical Package for the Social Sciences(SPSS) para Windows versão 21.

RESULTADOS

Foram incluídos neste estudo cinco blocos pulmonares provenientes de doadores com média de idade de 40 anos, sendo dois homens e três mulheres. Dos cinco pulmões captados, três foram rejeitados para o transplante convencional devido à gasometria arterial insatisfatória (PaO2 inferior a 300mmHg com FiO2 de 100%, e PEEP de 5cmH2O). Dois pulmões, embora com gasometrias satisfatórias, foram rejeitados devido à presença de pneumonia constatada na amostra tecidual em um caso, e infiltrado persistente após PPEV no outro. As principais causas de óbito foram: acidente vascular cerebral hemorrágico (três doadores) e hemorragia subaracnoide (dois doadores). A tabela 1 apresenta os dados demográficos e clínicos dos doadores.

Tabela 1
Características dos doadores selecionados

Durante a reperfusão, a PaO2 arterial (FiO2 100%) média dos pulmões não sofreu alteração significante (p=0,315). Na primeira hora, a PaO2 arterial média foi de 302,7mmHg (±127,66mmHg); na segunda hora, de 214,2mmHg (±94,12mmHg); na terceira hora, de 214,4mmHg (±99,70mmHg); e, na quarta hora, de 217,7mmHg (±73,93mmHg), como observado na figura 3.

Figura 3
Pressão de oxigênio arterial durante a perfusão pulmonar ex vivo

Considerando os dados isolados de cada perfusão, em quatro casos os pulmões evoluíram com a diminuição da PaO2 ao longo do tempo e, em um caso, houve aumento da PaO2 (Tabela 2).

Tabela 2
Evolução isolada da pressão parcial de oxigênio (PaO2) arterial ao longo da perfusão

A capacidade de oxigenação, levando em consideração a PaO2 arterial e PaO2 venosa (ΔPO2), não apresentou diferença estatística entre os tempos estudados (p=0,116). Foi observada média de 196mmHg (±137,31mmHg), 78mmHg (±150,69mmHg), 78,8mmHg (±130,69mmHg) e 217,7mmHg (±97,19mmHg), respectivamente, durante as 4 horas de avaliação.

Os níveis plasmáticos de lactato e glicose se mantiveram estáveis ao longo da perfusão, sem diferença estatística na comparação entre os momentos estudados (p=0,216).

DISCUSSÃO

A utilização da perfusão multiórgãos foi proposta originalmente na década de 1930 por Carrel et al.,(1919. Carrel A, Lindbergh CA. The culture of whole organs. Science. 1935; 81(2112):621-3.) e especificamente para pulmões na década de 1970 por Jirsch et al.(2020. Jirsch DW, Fisk RL, Couves CM. Ex vivo evaluation of stored lungs. Ann Thorac Surg. 1970;10(2):163-8.) Em ambos os casos, o objetivo era de prolongar a preservação do órgão em casos de captação em longas distâncias. No entanto, naquela época, as dificuldades tecnológicas impediam a manutenção da integridade da barreira alvéolo capilar, levando à formação de edema e ao aumento da resistência vascular pulmonar durante o procedimento. Nos últimos anos, na tentativa de avaliar órgãos provenientes de doadores com parada circulatória, Steen et al.,(1313. Steen S, Ingemansson R, Eriksson L, Pierre L, Algotsson L, Wierup P, et al. First human transplantation of a nonacceptable donor lung after reconditioning ex vivo. Ann Thorac Surg. 2007;83(6):2191-4.,2121. Steen S, Liao Q, Wierup PN, Bolys R, Pierre L, Sjöberg T. Transplantation of lungs from non-heart-beating donors after functional assessment ex vivo. Ann Thorac Surg. 2003;76(1):244-52; discussion 252.) desenvolveram solução de perfusão (Steen Solution) visando otimizar a pressão coloidosmótica interna do órgão, além de fornecer os nutriente necessários para a perfusão por longos períodos.

O objetivo da PPEV é propiciar uma plataforma segura para avaliação detalhada de pulmões doados para transplante, mantendo o órgão em condições fisiológicas específicas e para o recondicionamento de órgãos inicialmente considerados inadequados para a realização do transplante. Desta forma, a PPEV pode ser aplicada em dois contextos distintos: para preservar e avaliar órgão de DPC, ou para recondicionar órgãos considerados limítrofes de DME ou de DPC.

No presente estudo, cinco pulmões foram submetidos à PPEV com Steen Solution. Os pulmões foram mantidos em perfusão ex vivo por 4 horas, e o estado fisiológico geral do órgão foi preservado. Apesar dos resultados serem positivos na preservação e avaliação dos órgãos, os pulmões utilizados neste protocolo eram provenientes de DME e considerados de alto risco − e, portanto, necessitavam de melhora funcional e redução de edema.

Os estudos de avaliação e preservação de órgãos, sem necessariamente promover recondicionamento, são especialmente importantes quando são utilizados DPC. Os primeiros protocolos desenvolvidos por Steen et al.,(1313. Steen S, Ingemansson R, Eriksson L, Pierre L, Algotsson L, Wierup P, et al. First human transplantation of a nonacceptable donor lung after reconditioning ex vivo. Ann Thorac Surg. 2007;83(6):2191-4.) avaliaram a função pulmonar de órgãos provenientes de DPC em curtos períodos de perfusão (60 minutos) seguida de transplante. Desde o primeiro transplante com DPC após o emprego da PPEV, em 2007, o número de transplantes com DPC aumentou exponencialmente, e em todos os casos a PPEV é empregada.(33. Cypel M, Levvey B, Van Raemdonck D, Erasmus M, Dark J, Love R, Mason D, Glanville AR, Chambers D, Edwards LB, Stehlik J, Hertz M, Whitson BA, Yusen RD, Puri V, Hopkins P, Snell G, Keshavjee S; International Society for Heart and Lung Transplantation. International Society for Heart and Lung Transplantation Donation After Circulatory Death Registry Report. J Heart Lung Transplant. 2015;34(10):1278-82.,1313. Steen S, Ingemansson R, Eriksson L, Pierre L, Algotsson L, Wierup P, et al. First human transplantation of a nonacceptable donor lung after reconditioning ex vivo. Ann Thorac Surg. 2007;83(6):2191-4.,2222. Foley DP, Fernandez LA, Leverson G, Chin LT, Krieger N, Cooper JT, et al. Donation after cardiac death: the University of Wisconsin experience with liver transplantation. Ann Surg. 2005;242(5):724-31.,2323. Messer SJ, Axell RG, Colah S, White PA, Ryan M, Page AA, et al. Functional assessment and transplantation of the donor heart after circulatory death. J Heart Lung Transplant. 2016;35(12):1443-52.) Os pulmões de DPC, em geral, são mais preservados, devido à ausência dos efeitos deletérios pulmonares da morte encefálica em relação aos pulmões de DME rejeitados para o transplante convencional e eleitos para PPEV. Alguns estudos apontam para resultados positivos no transplante com DPC, mesmo sem o emprego prévio da PPEV.(2424. Algahim MF, Love RB. Donation after circulatory death: the current state and technical approaches to organ procurement. Curr Opin Organ Transplant. 2015;20(2):127-32. Review.)

A utilização da PPEV em protocolos de recondicionamento por período prolongado foi descrita em 2008 por Cypel et al.(2525. Cypel M, Yeung JC, Hirayama S, Rubacha M, Fischer S, Anraku M, et al. Technique for prolonged normothermic ex vivo lung perfusion. J Heart Lung Transplant. 2008;27(12):1319-25.) Nosso protocolo utilizou a PPEV com as modificações na técnica sugeridas pelo grupo de Toronto. Utilizamos uma estratégia de ventilação e perfusão protetora, perfusato acelular (sem adição de concentrado de hemácias) e pressão do átrio esquerdo de 3 a 5mmHg. Tais modificações permitem a perfusão prolongada, definida aqui em 4 horas, necessária para o recondicionamento do órgão. No entanto os órgãos captados tinham grau elevado de comprometimento, em geral em detrimento do prolongado tempo em morte encefálica a que são expostos dentro da dinâmica atual do Sistema Único de Saúde (SUS), onde sabidamente o diagnóstico de morte encefálica é tardio, e a rotina de realização dos exames comprobatórios é lenta.

No Brasil, a técnica foi aplicada clinicamente no Instituto do Coração (Incor), em São Paulo (SP), com resultados semelhantes aos deste estudo.(44. Abdalla LG, Braga KA, Nepomuceno NA, Fernandes LM, Samano MN, Pêgo-Fernandes PM. Ex vivo lung perfusion in Brazil. J Bras Pneumol. 2016; 42(2):95-8.) Os pulmões avaliados permaneceram em condições fisiológicas de preservação; no entanto, o protocolo não foi efetivo para promover a melhora na função pulmonar, inviabilizando o transplante. Os autores atribuem o resultado à utilização de órgãos com lesões e alterações fisiológicas pronunciadas e ao número restrito (n=5) de perfusões realizadas. Tivemos, assim como a equipe do Incor, dificuldades na captação de órgão, pois mesmo utilizando critérios expandidos e mais permissivos para inclusão de doadores no estudo, ainda assim o número de captações foi baixo, em virtude das complicações que os doadores enfrentam no ambiente hospitalar durante períodos prolongados. O número de perfusões que realizamos também foi pequeno e pode se correlacionar aos achados. Levando em conta o prazo de importação e validade dos insumos adquiridos para a PPEV, o tempo que resta para inclusão de pulmões no estudo é pequeno, o que é agravado pela escassez de doadores. Atualmente, a maioria dos grupos que aplicam a técnica clinicamente aumentou o pool de doadores utilizando DPC, o que, no Brasil, ainda é inviável, devido à legislação vigente, que só permite a utilização de DME.

Atualmente, o emprego da PPEV para avaliação e recondicionamento de órgãos está em expansão. Uma série de ensaios clínicos está em andamento na Europa e Estados Unidos.(1212. Cypel M, Keshavjee S. Extending the donor pool: rehabilitation of poor organs. Thorac Surg Clin. 2015;25(1):27-33. Review.) No entanto, a PPEV é efetiva para doadores com lesões menos pronunciadas que aquelas encontradas frequentemente em nossos doadores.

CONCLUSÃO

A perfusão pulmonar ex vivo foi reproduzida em nosso centro e garantiu a preservação de pulmões durante o período de estudo, que foi de 4 horas. No entanto, a técnica não promoveu melhora suficiente para indicação do órgão para o transplante.

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Agradecimentos

A pesquisa foi financiada pelo Ministério da Saúde (Brasil) no Programa PROADI-SUS (Processo/SIPAR Nº 25000.014875/2015-12 vinculado ao Termo de Ajuste Nº 01/2014, publicado no Diário Oficial da União em 29 de maio de 2015).

  • ERRATUM

    No artigo “Avaliação e recondicionamento de pulmões doados para transplante por meio da perfusão pulmonar ex vivo ”, número DOI: 10.31744/einstein_journal/2019AO4288, publicado no periódico einstein (São Paulo). 2019;17(4):eAO4288, os autores informam que a pesquisa foi financiada pelo Ministério da Saúde (Brasil) no Programa PROADI-SUS (Processo/SIPAR Nº 25000.014875/2015-12 vinculado ao Termo de Ajuste Nº 01/2014, publicado no Diário Oficial da União em 29 de maio de 2015). No processo de submissão do artigo para a einstein (São Paulo), a informação sobre o financiamento foi omitida por esquecimento dos autores.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jul 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    06 Out 2017
  • Aceito
    08 Jan 2019
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