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A partilha do sensível em contextos de exclusão: reflexões sobre a escrita afrofeminina na contemporaneidade

The distribution of the sensible in contexts of exclusion: reflections on Afro-feminine writing in contemporary times

El reparto de lo sensible en contextos de exclusión: reflexiones sobre la escritura afrofemenina en la contemporaneidad

Resumo

O artigo propõe-se a refletir sobre a escrita afrofeminina com base na noção de partilha do sensível (Rancière, 1995RANCIÈRE, Jacques (1995). Políticas da escrita. Tradução de Raquel Ramalhete. Rio de Janeiro: 34.; 2005RANCIÈRE, Jacques (2005). A partilha do sensível: estética e política. Tradução de Mônica Costa Netto. São Paulo: 34.) e avaliar seu papel como arte simbólica de resistência em contextos marcados pela colonialidade (Quijano, 2005QUIJANO, Aníbal (2005). Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo (org.). A colonialidade do saber, eurocentrismo e ciências sociais. Buenos Aires: Clacso. p. 107-130.; Lugones, 2008LUGONES, María (2008). Colonialidad y género. Tabula Rasa, Bogotá, n. 9, p. 73-101.; Mignolo, 2017MIGNOLO, Walter (2017). Colonialidade, o lado mais escuro da modernidade. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 32, n. 94, e329402. https://doi.org/10.17666/329402/2017
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) e suas teias de hierarquias e exclusões (Grosfoguel, 2009GROSFOGUEL, Ramón (2009). Para descolonizar os estudos de economia política e os estudos pós-coloniais: transmodernidade, pensamento de fronteira e colonialidade global. In: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula (org.). Epistemologias do Sul. Coimbra: Almedina. p. 115-147.). Lançamos mão do diálogo com autoras como Lélia Gonzalez (1982)GONZALEZ, Lélia (1982). A mulher negra na sociedade brasileira. In: MADEL, L. (org.). O lugar da mulher: estudos sobre a condição feminina na sociedade atual. Rio de Janeiro: Edições Graal. p. 1-14., Glória Anzaldúa (2000)ANZALDÚA, Glória (2000). Falando em línguas: uma carta para as mulheres escritoras do terceiro mundo. Florianópolis: Estudos Feministas., Vera Soares (2000)SOARES, Vera (2000). O verso e reverso da construção da cidadania feminina, branca e negra no Brasil. In: GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo; HUNTLEY, Lynn (org.). Tirando a máscara: ensaios sobre o racismo no Brasil. São Paulo: Paz e Terra. p. 257-282., Conceição Evaristo (2005)EVARISTO, Conceição (2005). Gênero e etnia: uma escre(vivência) de dupla face. In: MOREIRA, Nadilza Martins de Barros; SCHNEIDER, Liane (org.). Mulheres no mundo: Etnia, marginalidade e diáspora. João Pessoa: Ed. Universitária; Ideia. p. 201-212., Angela Davis (2016)DAVIS, Angela (2016). Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo., Patricia Hill Collins (2016)COLLINS, Patricia Hill (2016). Aprendendo com a outsider within: a significação sociológica do pensamento feminista negro. Tradução de Juliana de Castro Galvão. Sociedade e Estado, v. 31, n. 1, p. 99-127. https://doi.org/10.1590/S0102-69922016000100006
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, Grada Kilomba (2019)KILOMBA, Grada (2019). Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro: Cobogó. e Sueli Carneiro (2019)CARNEIRO, Sueli (2019). Escritos de uma vida. São Paulo: Jandaíra., a fim de responder a seguinte questão: de que forma a escrita afrofeminina incide sobre a partilha do sensível e qual o potencial insurgente dessa incisão? Para isso, após uma introdução sobre a relações entre escrita e política propostas no conceito de partilha do sensível, organizamos a discussão em torno de cinco temas: 1. Colonialidade, hétero-hierarquia e interseccionalidade; 2. Sonhar a diferença; 3. Escrita e insurgência; 4. Incisões na partilha; e 5. Habitar as ausências. Ao final das reflexões desenvolvidas, consideramos que tal potencial descanse sobre o caráter imperativo e definitivo de reconfiguração que a escrita afrofeminina provoca na dimensão sensível da comunidade.

Palavras-chave:
partilha do sensível; políticas da escrita; literatura afrofeminina; interseccionalidade

Abstract

The article aims to reflect on Afro-feminine writing based on the notion of the distribution of the sensible (Rancière, 1995RANCIÈRE, Jacques (1995). Políticas da escrita. Tradução de Raquel Ramalhete. Rio de Janeiro: 34.; 2005RANCIÈRE, Jacques (2005). A partilha do sensível: estética e política. Tradução de Mônica Costa Netto. São Paulo: 34.) and to evaluate its role as a symbolic art of resistance in contexts marked by coloniality (Quijano, 2005QUIJANO, Aníbal (2005). Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo (org.). A colonialidade do saber, eurocentrismo e ciências sociais. Buenos Aires: Clacso. p. 107-130.; Lugones, 2008LUGONES, María (2008). Colonialidad y género. Tabula Rasa, Bogotá, n. 9, p. 73-101.; Mignolo, 2017MIGNOLO, Walter (2017). Colonialidade, o lado mais escuro da modernidade. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 32, n. 94, e329402. https://doi.org/10.17666/329402/2017
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) and their interlacement of hierarchies and exclusions (Grosfoguel, 2009GROSFOGUEL, Ramón (2009). Para descolonizar os estudos de economia política e os estudos pós-coloniais: transmodernidade, pensamento de fronteira e colonialidade global. In: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula (org.). Epistemologias do Sul. Coimbra: Almedina. p. 115-147.). We engage in dialogue with authors such as Lélia Gonzalez (1982)GONZALEZ, Lélia (1982). A mulher negra na sociedade brasileira. In: MADEL, L. (org.). O lugar da mulher: estudos sobre a condição feminina na sociedade atual. Rio de Janeiro: Edições Graal. p. 1-14., Glória Anzaldúa (2000)ANZALDÚA, Glória (2000). Falando em línguas: uma carta para as mulheres escritoras do terceiro mundo. Florianópolis: Estudos Feministas., Vera Soares (2000)SOARES, Vera (2000). O verso e reverso da construção da cidadania feminina, branca e negra no Brasil. In: GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo; HUNTLEY, Lynn (org.). Tirando a máscara: ensaios sobre o racismo no Brasil. São Paulo: Paz e Terra. p. 257-282., Conceição Evaristo (2005)EVARISTO, Conceição (2005). Gênero e etnia: uma escre(vivência) de dupla face. In: MOREIRA, Nadilza Martins de Barros; SCHNEIDER, Liane (org.). Mulheres no mundo: Etnia, marginalidade e diáspora. João Pessoa: Ed. Universitária; Ideia. p. 201-212., Angela Davis (2016)DAVIS, Angela (2016). Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo., Patricia Hill Collins (2016)COLLINS, Patricia Hill (2016). Aprendendo com a outsider within: a significação sociológica do pensamento feminista negro. Tradução de Juliana de Castro Galvão. Sociedade e Estado, v. 31, n. 1, p. 99-127. https://doi.org/10.1590/S0102-69922016000100006
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, Grada Kilomba (2019)KILOMBA, Grada (2019). Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro: Cobogó. and Sueli Carneiro (2019)CARNEIRO, Sueli (2019). Escritos de uma vida. São Paulo: Jandaíra. to answer the following question: how does Afro-feminine writing affect the distribution of the sensible, and what is the insurgent potential of this incision? For this, after an introduction on the relationship between writing and politics proposed in the concept of distribution of the sensible, we organize the discussion around five themes: 1. Coloniality, hetero-hierarchy and intersectionality; 2. Dreaming about the difference; 3. Writing and insurgency; 4. Incisions in sharing; and 5. Inhabiting absences. At the end of the developed reflections, we consider that this potential rests on the imperative and definitive character of reconfiguration that Afro-feminine writing provokes in the sensitive dimension of the community.

Keywords:
distribution of the sensible; politics of writing; afro-feminine literature; intersectionality

Resumen

Este artículo se propone reflexionar sobre la escritura afrofemenina a partir de la noción de reparto de lo sensible (Rancière, 1995RANCIÈRE, Jacques (1995). Políticas da escrita. Tradução de Raquel Ramalhete. Rio de Janeiro: 34.; 2005RANCIÈRE, Jacques (2005). A partilha do sensível: estética e política. Tradução de Mônica Costa Netto. São Paulo: 34.) y evaluar su papel como arte simbólica de resistencia en contextos marcados por la colonialidad (Quijano, 2005QUIJANO, Aníbal (2005). Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo (org.). A colonialidade do saber, eurocentrismo e ciências sociais. Buenos Aires: Clacso. p. 107-130.; Lugones, 2008LUGONES, María (2008). Colonialidad y género. Tabula Rasa, Bogotá, n. 9, p. 73-101.; Mignolo, 2017MIGNOLO, Walter (2017). Colonialidade, o lado mais escuro da modernidade. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 32, n. 94, e329402. https://doi.org/10.17666/329402/2017
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) y sus redes de jerarquías y exclusiones (Grosfoguel, 2009GROSFOGUEL, Ramón (2009). Para descolonizar os estudos de economia política e os estudos pós-coloniais: transmodernidade, pensamento de fronteira e colonialidade global. In: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula (org.). Epistemologias do Sul. Coimbra: Almedina. p. 115-147.). Trabamos el diálogo con autoras como Lélia Gonzalez (1982)GONZALEZ, Lélia (1982). A mulher negra na sociedade brasileira. In: MADEL, L. (org.). O lugar da mulher: estudos sobre a condição feminina na sociedade atual. Rio de Janeiro: Edições Graal. p. 1-14., Glória Anzaldúa (2000)ANZALDÚA, Glória (2000). Falando em línguas: uma carta para as mulheres escritoras do terceiro mundo. Florianópolis: Estudos Feministas., Vera Soares (2000)SOARES, Vera (2000). O verso e reverso da construção da cidadania feminina, branca e negra no Brasil. In: GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo; HUNTLEY, Lynn (org.). Tirando a máscara: ensaios sobre o racismo no Brasil. São Paulo: Paz e Terra. p. 257-282., Conceição Evaristo (2005)EVARISTO, Conceição (2005). Gênero e etnia: uma escre(vivência) de dupla face. In: MOREIRA, Nadilza Martins de Barros; SCHNEIDER, Liane (org.). Mulheres no mundo: Etnia, marginalidade e diáspora. João Pessoa: Ed. Universitária; Ideia. p. 201-212., Angela Davis (2016)DAVIS, Angela (2016). Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo., Patricia Hill Collins (2016)COLLINS, Patricia Hill (2016). Aprendendo com a outsider within: a significação sociológica do pensamento feminista negro. Tradução de Juliana de Castro Galvão. Sociedade e Estado, v. 31, n. 1, p. 99-127. https://doi.org/10.1590/S0102-69922016000100006
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, Grada Kilomba (2019)KILOMBA, Grada (2019). Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro: Cobogó. y Sueli Carneiro (2019)CARNEIRO, Sueli (2019). Escritos de uma vida. São Paulo: Jandaíra., con el objetivo de contestar la siguiente pregunta: ¿de qué manera la escritura afrofemenina incide en el reparto de lo sensible y cuál es el potencial insurgente de esa incisión? Para eso, luego de una introducción sobre las relaciones entre escritura y política propuestas en el concepto de reparto de lo sensible, organizamos la discusión en torno a cinco temas: 1. Colonialidad, hetero-jerarquía e interseccionalidad; 2. Soñar la diferencia; 3. Escritura e insurgencia; 4. Incisiones en el reparto de lo sensible; y 5. Habitar las ausencias. Al final de las reflexiones desarrolladas, consideramos que dicho potencial reside en el carácter imperativo y definitivo de reconfiguración que la escritura afrofemenina provoca en la dimensión sensible de la comunidad.

Palabras-clave:
reparto de lo sensible; políticas de la escritura; literatura afrofemenina; interseccionalidad

ESCRITA E POLÍTICA

Ao refletir sobre as conexões estreitas e incontornáveis entre escrita e política, o filósofo argelino Jacques Rancière (1995)RANCIÈRE, Jacques (1995). Políticas da escrita. Tradução de Raquel Ramalhete. Rio de Janeiro: 34. afirma que a escrita é um componente indissociável do universo político na medida em que opera no regime de sensibilidade: “seu gesto se presta à constituição estética da comunidade” (Rancière, 1995RANCIÈRE, Jacques (1995). Políticas da escrita. Tradução de Raquel Ramalhete. Rio de Janeiro: 34., p. 7). Propõe, então, a noção de partilha do sensível como expressão que contempla as dinâmicas de tal constituição estética, cujas configurações definem a distribuição de corpos e papéis, bem como o que é visível ou dizível para a comunidade. Nesse regime estético, a escrita e, em especial, a literatura cumprem papel fundamental. Esta, de maneira particular, por sua perturbação teórica, distingue-se das belas letras em uma “revolução silenciosa” que suspende os princípios estruturantes da mimese clássica, lançando-a no regime estético orientado por um sistema de possibilidades. A literatura mobiliza, assim, não apenas a superfície do sensível — aquilo que pode ser visto e ouvido — mas também as dimensões do possível — daquilo que pode ser imaginado, sonhado e sentido. Sua soberania estética não diz respeito especificamente à criação de um mundo ficcional, mas sim, a “um regime de indistinção tendencial entre a razão das ordenações descritivas e narrativas da ficção e as ordenações da descrição e interpretação dos fenômenos do mundo histórico e social” (Rancière, 2005RANCIÈRE, Jacques (2005). A partilha do sensível: estética e política. Tradução de Mônica Costa Netto. São Paulo: 34., p. 55).

A escrita é política, de maneira geral, pela perturbação teórica decorrente de sua característica de ser “falante demais”, por possibilitar que a letra errante, desacompanhada da voz de seu enunciador, circule por qualquer parte e chegue a leitores imprevistos. Alguns destes apropriam-se da escrita e, como atesta a história de operários e favelados, entre outros personagens sociais que assumem papel de autores inusuais, subvertem a repartição prevista dos ofícios e das vozes. Essa perturbação teórica da escrita denomina-se, pois, democracia (Rancière, 1995RANCIÈRE, Jacques (1995). Políticas da escrita. Tradução de Raquel Ramalhete. Rio de Janeiro: 34., p. 9). A soberania da escrita nas chamadas sociedades modernas ocidentais, somada à errância da letra desacompanhada, acaba tornando a própria escrita campo de apropriações, disputas e dissidências. Ao mesmo tempo em que consiste em um dos componentes de legitimação do saber hegemônico — conferindo forma de expressão ao saber autorizado — a escrita torna-se lugar e meio de insurreição e resistência à lógica colonial desse saber, historicamente excludente, hierárquico e discriminatório. E é esse lugar que é disputado e tensionado quando grupos preteridos pela hierarquização da colonialidade assumem a posição de autoria e revolvem a partilha do sensível. Tal ato provoca a reconfiguração do que é comum, “a participação em um conjunto”, e do que é partilhado, “a separação, a distribuição em quinhões entre as partes” (Rancière, 1995RANCIÈRE, Jacques (1995). Políticas da escrita. Tradução de Raquel Ramalhete. Rio de Janeiro: 34., p. 7).

Dito isso, o objetivo deste artigo é refletir sobre a escrita afrofeminina baseada na noção de partilha do sensível (Rancière, 1995RANCIÈRE, Jacques (1995). Políticas da escrita. Tradução de Raquel Ramalhete. Rio de Janeiro: 34.; 2005RANCIÈRE, Jacques (2005). A partilha do sensível: estética e política. Tradução de Mônica Costa Netto. São Paulo: 34.) e avaliar seu papel como arte simbólica de resistência em contextos marcados pela colonialidade (Quijano, 2005QUIJANO, Aníbal (2005). Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo (org.). A colonialidade do saber, eurocentrismo e ciências sociais. Buenos Aires: Clacso. p. 107-130.; Lugones, 2008LUGONES, María (2008). Colonialidad y género. Tabula Rasa, Bogotá, n. 9, p. 73-101.; Mignolo, 2017MIGNOLO, Walter (2017). Colonialidade, o lado mais escuro da modernidade. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 32, n. 94, e329402. https://doi.org/10.17666/329402/2017
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) e suas teias de hierarquias (Grosfoguel, 2009GROSFOGUEL, Ramón (2009). Para descolonizar os estudos de economia política e os estudos pós-coloniais: transmodernidade, pensamento de fronteira e colonialidade global. In: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula (org.). Epistemologias do Sul. Coimbra: Almedina. p. 115-147.). Recorremos ao diálogo com autoras como Lélia Gonzalez (1982)GONZALEZ, Lélia (1982). A mulher negra na sociedade brasileira. In: MADEL, L. (org.). O lugar da mulher: estudos sobre a condição feminina na sociedade atual. Rio de Janeiro: Edições Graal. p. 1-14., Glória Anzaldúa (2000)ANZALDÚA, Glória (2000). Falando em línguas: uma carta para as mulheres escritoras do terceiro mundo. Florianópolis: Estudos Feministas., Vera Soares (2000)SOARES, Vera (2000). O verso e reverso da construção da cidadania feminina, branca e negra no Brasil. In: GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo; HUNTLEY, Lynn (org.). Tirando a máscara: ensaios sobre o racismo no Brasil. São Paulo: Paz e Terra. p. 257-282., Conceição Evaristo (2005)EVARISTO, Conceição (2005). Gênero e etnia: uma escre(vivência) de dupla face. In: MOREIRA, Nadilza Martins de Barros; SCHNEIDER, Liane (org.). Mulheres no mundo: Etnia, marginalidade e diáspora. João Pessoa: Ed. Universitária; Ideia. p. 201-212., Angela Davis (2016)DAVIS, Angela (2016). Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo., Patricia Hill Collins (2016)COLLINS, Patricia Hill (2016). Aprendendo com a outsider within: a significação sociológica do pensamento feminista negro. Tradução de Juliana de Castro Galvão. Sociedade e Estado, v. 31, n. 1, p. 99-127. https://doi.org/10.1590/S0102-69922016000100006
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, Grada Kilomba (2019)KILOMBA, Grada (2019). Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro: Cobogó. e Sueli Carneiro (2019)CARNEIRO, Sueli (2019). Escritos de uma vida. São Paulo: Jandaíra., a fim de responder as seguintes questões: de que forma a escrita afrofeminina incide sobre a partilha do sensível e qual o potencial insurgente dessa incisão? Para isso, após uma introdução sobre as relações entre escrita e política propostas no conceito de partilha do sensível, apontamos reflexões acerca da literatura de autoria feminina afro-brasileira e organizamos a discussão em torno de cinco temas que apresentamos a seguir, quais sejam: 1. Colonialidade, hétero-hierarquia e interseccionalidade; 2. Sonhar a diferença; 3. Escrita e insurgência; 4. Incisões na partilha e; 5. Habitar as ausências.

LITERATURA DE AUTORIA FEMININA AFRO-BRASILEIRA: DAS EVIDÊNCIAS INTERSECCIONAIS ÀS INSURGÊNCIAS

Na atualidade, é possível dizer que a maior parte da Literatura Afro-Brasileira — quando comparada à notoriedade da produção de autores brancos — ainda está posicionada em um lugar de silêncio tanto no cenário nacional quanto no global. Sistematicamente, esse silenciamento é causado pelos marcadores da diferença (como por exemplo: raça/etnia, local, gênero, sexualidade) que, na colonialidade, repercutem na exclusão, essencialmente, de escritoras afrodescendentes. Ou seja, os textos são julgados em virtude das propriedades e identidades apresentadas que realçam as vivências de um sujeito feminino negro em um país latino-americano. Portanto, concordamos que “[n]a perspectiva da colonialidade, as macronarrativas são precisamente os lugares nos quais ‘um outro pensamento’ poderia ser implementado, não para dizer a verdade em oposição às mentiras, mas para pensar de outra maneira, caminhar para ‘outra lógica’” (Mignolo, 2008MIGNOLO, Walter (2008). Histórias locais/projetos globais: colonialidade, saberes subalternos e pensamento liminar. Belo Horizonte: Editora UFMG., p. 106).

De modo geral, Duarte (2008DUARTE, Eduardo de Assis (2008). Literatura afro-brasileira: um conceito em construção. Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, Brasília, n. 31, p. 11-23., p. 12) destaca a importância destas cinco características da Literatura Afro-Brasileira: a temática, pois “o negro é o tema principal da literatura negra”; a autoria, porque se trata de uma escrita proveniente de autor afro-brasileiro; o ponto de vista, ou seja, é indispensável a aceitação de uma visão de mundo identificada com a história, a cultura e os problemas inerentes à vida dos integrantes da comunidade negra; a linguagem, constituída com base em uma discursividade específica que seja marcada pela expressão de ritmos e significados novos ou de um vocabulário pertencente às práticas linguísticas oriundas de África e, transculturalmente, inseridas no Brasil; e o público leitor afrodescendente, por ser um fator de intencionalidade próprio a essa literatura e, por conseguinte, ausente no projeto geral do cânone literário.

À vista dessas particularidades, podemos compreender a Literatura Afro-Brasileira como um instrumento cultural imprescindível para a desconstrução de discursos e práticas sociais hegemônicas. É, portanto, com base nela que, em determinadas circunstâncias ressignificadas, a margem deixa de ser periferia e se torna um entrelugar. Assim sendo, trata-se de uma arte de resistência com potencialidades para causar transformações por referenciar as identidades, as histórias e as culturas — marginalizadas e/ou estigmatizadas pelas evidências da colonialidade.

Considerando o privilégio de uma história única (fundado pelo domínio eurocêntrico e pelas violências epistêmicas), reforçamos a ideia de que “a literatura afro-brasileira precisa ser afirmada, porque, na literatura brasileira, as personagens negras e os temas apresentados raramente revelam a subjetividade, a complexidade, os conflitos além dos estereótipos do escravismo” (Frederico; Mollo; Dutra, 2017FREDERICO, Graziele; MOLLO, Lúcia Tormin; DUTRA, Paula Queiroz (2017). “Quem não se afirma não existe”: entrevista com Cristiane Sobral. Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, n. 51, p. 254-258. https://doi.org/10.1590/2316-40185114
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, p. 254). Nessa perspectiva, Ginzburg (2012)GINZBURG, Jaime (2012). O narrador na literatura brasileira contemporânea. Tintas. Quaderni di letterature iberiche e iberoamericane, v. 2, p. 199-221. Tradução. Disponível em: http://riviste.unimi.it/index.php/tintas/article/view/2790/2999. Acesso em: 26 nov. 2022.
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evidencia que as narrativas brasileiras contemporâneas representam um desafio para a historiografia e a crítica literária que lidam exclusivamente com valores canônicos e periodização. Na visão deste, escritores de obras cujas abordagens temáticas são socialmente complexas

se afastam de uma tradição brasileira, no interior da qual é necessária uma presença (como personagem ou narrador) que corresponde, no todo ou em parte, aos valores da cultura patriarcal. Esse modelo prioriza homens brancos, de classe média ou alta, adeptos de uma religião legitimada socialmente, heterossexuais, adultos e aptos a dar ordens e sustentar regras
(Ginzburg, 2012GINZBURG, Jaime (2012). O narrador na literatura brasileira contemporânea. Tintas. Quaderni di letterature iberiche e iberoamericane, v. 2, p. 199-221. Tradução. Disponível em: http://riviste.unimi.it/index.php/tintas/article/view/2790/2999. Acesso em: 26 nov. 2022.
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, p. 200).

Com relação a essas diegeses provocativas, é válido destacar que, dentre as exemplificações, Ginzburg (2012)GINZBURG, Jaime (2012). O narrador na literatura brasileira contemporânea. Tintas. Quaderni di letterature iberiche e iberoamericane, v. 2, p. 199-221. Tradução. Disponível em: http://riviste.unimi.it/index.php/tintas/article/view/2790/2999. Acesso em: 26 nov. 2022.
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menciona a obra Um defeito de cor, de Ana Maria Gonçalves (2009)GONÇALVES, Ana Maria (2009). Um defeito de cor. Rio de Janeiro: Record.. Ressaltamos que o nome do romance citado — narrado em primeira pessoa por uma mulher preta no período escravocrata brasileiro — alude a um decreto existente na época colonial. Segundo este documento, pessoas negras deveriam solicitar a dispensa do defeito de cor quando desejassem ingressar no clero ou no serviço militar. Nesse livro, produz-se um “relato longo cujo ponto de vista emerge de uma africana nascida em 1810. É confrontada a escravidão, sem que a perspectiva seja eurocêntrica” (Ginzburg, 2012GINZBURG, Jaime (2012). O narrador na literatura brasileira contemporânea. Tintas. Quaderni di letterature iberiche e iberoamericane, v. 2, p. 199-221. Tradução. Disponível em: http://riviste.unimi.it/index.php/tintas/article/view/2790/2999. Acesso em: 26 nov. 2022.
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, p. 199). Por isso, Evaristo (2009EVARISTO, Conceição (2009). Literatura negra: uma poética de nossa afro-brasilidade. Revista Literatura Scripta, Belo Horizonte, v. 13, n. 25, p. 17-31., p. 27) destaca que

[a]firmando um contra-discurso [sic] à literatura produzida pela cultura hegemônica, os textos afro-brasileiros surgem pautados pela vivência de sujeitos negros/as na sociedade brasileira e trazendo experiências diversificadas, desde o conteúdo até os modos de utilização da língua.

Ao tratarmos das marcas da colonialidade com foco nas mulheres negras, frisamos as vivências interseccionais, isto é, as experiências referentes a conflitos geracionais envolvendo categorias (como o gênero, a classe, a raça e a sexualidade) — responsáveis por engendrar diferenciações e desigualdades históricas entre os grupos. Deste modo, compreendemos que a interseccionalidade é um instrumento teórico-metodológico utilizado com a finalidade de “pensar a inseparabilidade estrutural do racismo, capitalismo e cis-heteropatriarcado, e as articulações decorrentes daí, que imbricadas repetidas vezes colocam as mulheres negras mais expostas e vulneráveis aos trânsitos destas estruturas” (Batista, 2018BATISTA, Carla (2018). O que é Interseccionalidade? Portal Geledés. Disponível em: https://www.geledes.org.br/o-que-e-interseccionalidade. Acesso em: 20 out. 2022.
https://www.geledes.org.br/o-que-e-inter...
).

Nesse contexto, nacionalmente, as produções literárias de autoria feminina negra possibilitam sonhar com a diferença. Bosi (2002BOSI, Alfredo (2002). Literatura e resistência. São Paulo: Companhia das Letras., p. 261), por exemplo, nota a relevância de um livro no qual a escritora — mulher negra e apenas alfabetizada — “registrou o seu cotidiano em um diário pungente, publicado em 1960 com o título de Quarto de despejo. Falo de Carolina de Jesus, cuja obra foi traduzida para as principais línguas cultas do mundo, reproduziu-se amplamente e atingiu um milhão de exemplares”. Sob esta ótica onírica e que urge por inclusão, Conceição Evaristo (2011)EVARISTO, Conceição (2011). Depoimento. In: DUARTE, Eduardo de Assis; FONSECA, Maria Nazareth Soares (org.). Literatura e afrodescendência no Brasil: antologia crítica. Belo Horizonte: Editora UFMG. v. 4. p. 103-116. destaca o fato de ela não ser somente uma escritora brasileira, como pode ser observado no excerto abaixo:

A minha condição de brasileira agrega outras identidades que me diferenciam: a da mulher, a de negra, a de oriunda de classes populares e outras ainda, condições que marcam, que orientam a minha escrita, consciente e inconscientemente. Nesse sentido, não tenho receio algum em não só afirmar a existência de uma literatura afro-brasileira, como ainda me encaixar no grupo de autoras/es que criam um texto afro-brasileiro. E ainda asseguro a existência de um texto feminino negro, ou afro-brasileiro, como queiram. O meu texto se apresenta sob a perspectiva, sob o ponto de vista de uma mulher negra inserida na sociedade brasileira
(Evaristo, 2011EVARISTO, Conceição (2011). Depoimento. In: DUARTE, Eduardo de Assis; FONSECA, Maria Nazareth Soares (org.). Literatura e afrodescendência no Brasil: antologia crítica. Belo Horizonte: Editora UFMG. v. 4. p. 103-116., p. 114).

Dessarte, a literatura evaristiana pode ser cada vez mais reconhecida como recurso poético e/ou narrativo para (re)invenções de memórias acerca das identidades e dos feminismos negros. Exemplificativamente, em Becos da Memória, nota-se uma narradora que proporciona a ruptura da supremacia branca e colonial (enredada nas obras clássicas brasileiras) e, precipuamente, preconiza uma releitura — desprovida de tendências ou percepções eurocêntricas — para a história do Brasil. Portanto, nas tessituras poéticas e narrativas afrofemininas, as autoras “reescrevem e ficcionalizam mundos, dramas, sonhos, experiências pessoais e socioculturais que lembram as memórias literárias de suas antepassadas e recriam novas palavras e escritas femininas negras” (Santiago, 2012SANTIAGO, Ana Rita (2012). Vozes literárias de escritoras negras. Cruz das Almas: UFRB., p. 163).

COLONIALIDADE, HÉTERO-HIERARQUIA E INTERSECCIONALIDADE

Considerando o histórico e sistemático silenciamento das mulheres pretas como sujeitos políticos, abordar a escrita afrofeminina requer lançar luz sobre as colonialidades — do poder, do saber e do ser — que promovem sua obliteração e subalternização no sistema-mundo moderno colonial. Inaugurado pelo sociólogo peruano Aníbal Quijano (2005)QUIJANO, Aníbal (2005). Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo (org.). A colonialidade do saber, eurocentrismo e ciências sociais. Buenos Aires: Clacso. p. 107-130., o termo colonialidade refere-se às linhas de força e ordenação das sociedades ocidentais modernas que reverberam os preceitos forjados nos processos de conquista e colonização. Se o colonialismo, enquanto sistema específico de gestão econômica e administrativa das colônias pelas metrópoles, encerra-se com as independências, as estruturas hierárquicas deste permanecem imbricadas ao tecido social nas dimensões materiais e abstratas, objetivas e subjetivas. Um exemplo de tais estruturas é o escalonamento dos valores das vidas articulado à lógica de distribuição do poder pelo globo e à valoração de certos sistemas linguísticos e epistemológicos em detrimento de múltiplos outros. Colonialidade é, por conseguinte, o que designa essa permanência. Em outras palavras: a colonialidade nomeia as marcas econômicas, políticas, sociais, subjetivas e epistemológicas da colonização, aquilo que ressoa, nas sociedades contemporâneas, os alicerces da colonização.

Logo, a noção de colonialidade se firma na superfície do presente, contrariando a ideia de que a modernidade corresponderia a um estágio posterior de desenvolvimento das sociedades em relação à colonização. Efetivamente, a ideia de modernidade foi veiculada como uma espécie de telos histórico, cujas características serviriam de medida para escalonar as diversas comunidades humanas em estágios mais ou menos avançados de desenvolvimento (Dussel, 1994DUSSEL, Enrique (1994). 1492 – El Encubrimiento del Otro: Hacia el Origen del “Mito de la Modernidad”. La Paz: Plural.; Quijano, 2005QUIJANO, Aníbal (2005). Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo (org.). A colonialidade do saber, eurocentrismo e ciências sociais. Buenos Aires: Clacso. p. 107-130.). Essa lógica justificou a prerrogativa da exploração de certas comunidades por outras e pavimentou o solo para a disposição global do poder. As consequências geopolíticas dessa lógica de distribuição conformam as colonialidades do poder e do saber. Essa última, diz respeito à irmandade entre as línguas imperiais, seu repertório epistemológico, e os mecanismos de colonização e distribuição global do poder: é legitimado apenas o saber produzido nos moldes epistemológicos e linguísticos dos centros hegemônicos.

O fundamento desse sistema-mundo, possibilitado pela formação das primeiras identidades modernas — América e Europa —, descansa sobre a classificação racial das sociedades humanas. Essa classificação racial conferiu aos traços fenotípicos uma série de atributos mobilizados para justificar a dominação, a escravização e o extermínio físico e cultural de determinados povos. Ao mesmo tempo, imputou um sentido “natural” à superioridade — civilizatória, linguística, espiritual e cultural – de outras populações. A racialização e o racismo foram, como mostrou Quijano (2005)QUIJANO, Aníbal (2005). Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo (org.). A colonialidade do saber, eurocentrismo e ciências sociais. Buenos Aires: Clacso. p. 107-130., a base da formação do mercado global na medida em que funcionaram como argumento para a distribuição mundial do trabalho: a quais raças caberia a escravidão, a servidão ou o trabalho livre. As consequências dessa fundação são sofridas no presente e, as feridas que delas derivam são visíveis na partilha da comunidade: a quem cabe cada posição no tecido social, qual a função e a legitimidade de cada um nesse corpo coletivo, a quem cabe o que pode ser dito, o que é ouvido, o que pode ser desejado.

O modelo interpretativo da realidade, forjado conforme a perspectiva de uma região do planeta, foi difundido e estabelecido concomitantemente à instituição dos grandes impérios modernos. O alcance impressionante desse modelo é atestado pelo poder de sua subjetivação, isto é, pelo fato de que as pessoas e comunidades tenham visto a si mesmas através dessas lentes interpretativas etnocêntricas, cujos referentes emergem alhures. Isso designa a colonialidade do ser.

A modernidade constituiu-se, portanto, como processo indissociável da colonialidade, não como o fim ontológico de um processo progressivo civilizatório ou de evolução, mas tendo a colonialidade como sua “cara oculta”, como outra face da mesma moeda (Mignolo, 2017MIGNOLO, Walter (2017). Colonialidade, o lado mais escuro da modernidade. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 32, n. 94, e329402. https://doi.org/10.17666/329402/2017
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). Foi o estabelecimento e difusão de diferentes hierarquias raciais, de gênero, sexuais, espirituais, linguísticas, entre outras, que, articuladas entre si, teceram a condição de emergência do sistema-mundo moderno ocidental. Essas múltiplas hierarquias, que Ramón Grosfoguel (2009)GROSFOGUEL, Ramón (2009). Para descolonizar os estudos de economia política e os estudos pós-coloniais: transmodernidade, pensamento de fronteira e colonialidade global. In: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula (org.). Epistemologias do Sul. Coimbra: Almedina. p. 115-147. denominou hétero-hierarquia, entrecruzam-se nos diferentes níveis em uma dinâmica que permanece, tanto latente quanto manifesta, nas sociedades contemporâneas. Nesse núcleo de hierarquias heterogêneas, as dimensões da colonialidade dão o tom conforme a escala de valores: branco-não branco; homem-mulher; religião-crença; saber-folclore.

Nesta perspectiva, Maria Lugones (2008)LUGONES, María (2008). Colonialidad y género. Tabula Rasa, Bogotá, n. 9, p. 73-101. destaca outro aspecto da colonialidade que não fora notado e desenvolvido na teorização deste conceito por Quijano (2005)QUIJANO, Aníbal (2005). Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo (org.). A colonialidade do saber, eurocentrismo e ciências sociais. Buenos Aires: Clacso. p. 107-130., que diz respeito à colonialidade de gênero. Apesar deste último chamar a atenção para o lugar inferiorizado das mulheres em relação aos homens, e das mulheres negras em relação às mulheres brancas, para aquela, a reflexão não está completa. Lugones (2008)LUGONES, María (2008). Colonialidad y género. Tabula Rasa, Bogotá, n. 9, p. 73-101. considera que a teoria de Quijano (2005)QUIJANO, Aníbal (2005). Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo (org.). A colonialidade do saber, eurocentrismo e ciências sociais. Buenos Aires: Clacso. p. 107-130. não contempla a dimensão colonial que habita o próprio conceito de gênero, por um lado, como chama atenção Oyéronké Oyewùmí (2017)OYEWÙMÍ, Oyéronké (2017). La invención de las mujeres: una perspectiva africana sobre los discursos occidentales de género. Bogotá: En la Frontera. e, por outro, a potência das interseccionalidades entre as hétero-hierarquias e suas implicações para a formação das sociedades contemporâneas.

A interseção entre raça, classe, gênero e sexualidade, conforme aponta Lugones (2008)LUGONES, María (2008). Colonialidad y género. Tabula Rasa, Bogotá, n. 9, p. 73-101., provocou a exclusão, tanto teórica quanto prática, de grupos de mulheres do palco das próprias lutas feministas. “Enquanto discurso de exclusão”, afirma Lélia Gonzalez (1982GONZALEZ, Lélia (1982). A mulher negra na sociedade brasileira. In: MADEL, L. (org.). O lugar da mulher: estudos sobre a condição feminina na sociedade atual. Rio de Janeiro: Edições Graal. p. 1-14., p. 94), o racismo “tem sido perpetuado e reinterpretado de acordo com os interesses dos que dele se beneficiam”. Articulado a outros eixos das hétero-hierarquias, o racismo relega a comunidade feminina negra à deslegitimação em uma tripla dimensão: racial, de gênero e de classe. Assim sendo, ao lançar luz sobre a questão da interseccionalidade, o Feminismo Negro contribuiu para que mulheres afrodescendentes pudessem ter a oportunidade de partilhar suas sensibilidades, experiências, obstáculos e conquistas através de expressividades artísticas e literárias — tanto com textos poéticos quanto prosaicos. Essa vertente do Movimento Feminista é realçada a partir das décadas 1970 e 1980, nas quais, por meio da intelectualidade, feministas negras sinalizaram as dificuldades enfrentadas por heranças eurocêntricas (a exemplo do racismo e do sexismo) ao buscarem visibilidade. De acordo com Vera Soares (2000SOARES, Vera (2000). O verso e reverso da construção da cidadania feminina, branca e negra no Brasil. In: GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo; HUNTLEY, Lynn (org.). Tirando a máscara: ensaios sobre o racismo no Brasil. São Paulo: Paz e Terra. p. 257-282., p. 260), elas conquistaram espaço em virtude da busca por “um reconhecimento público como grupo definido pela diferença de gênero e de raça [...]. O feminismo branco, no seu início, não viu as mulheres negras, referenciado que esteve ao feminismo europeu”.

SONHAR A DIFERENÇA

Sob um olhar político-social, Sueli Carneiro (2019CARNEIRO, Sueli (2019). Escritos de uma vida. São Paulo: Jandaíra., p. 57) relata que “a distância entre homens e mulheres negras expressa o resultado do machismo e do sexismo presentes nos mecanismos de seleção social”. Em outras palavras, histórica e tradicionalmente, as mulheres pretas sofreram/sofrem opressões devidas a aspectos relacionados ao gênero e à raça baseadas em estereótipos que as rebaixam socialmente. Por essa razão, a filósofa, escritora e ativista antirracismo anuncia uma luta utópica:

A utopia que perseguimos hoje consiste em buscar um atalho entre uma negritude redutora da dimensão humana e a universalidade ocidental hegemônica que anula a diversidade. Ser negro, sem ser somente negro, ser mulher sem ser somente mulher, ser mulher negra sem ser somente mulher negra. Realizar a igualdade de direitos e tornar-se um ser humano pleno e prenhe de possibilidades e oportunidades para além da condição de raça e gênero é o sentido final dessa luta
(Carneiro, 2019CARNEIRO, Sueli (2019). Escritos de uma vida. São Paulo: Jandaíra., p. 184).

Anunciada como um sonho conjunto, a utopia perseguida por parte da comunidade provoca a incisão na partilha do sensível na medida em que lança luz sobre o que estava obliterado e interroga sobre os limites do possível. Nos termos de uma pedagogia do sonho, o anseio coletivo, ao ser expresso, inquire sobre os limites do imaginário na relação do presente com as sementes de futuro que este abriga. Convida, desta forma, ao gesto de descolonizar o imaginário para sonhar e caminhar em direção a um porvir de menos iniquidade e que, não obstante, abrigue as diferenças em suas mais variadas formas. Considerando essa luta utópica e o fato de a política — em uma apreciação filosófica — determinar as formas de subjetivação e participação social, vê-se a necessidade de um compartilhamento de ideias e narrativas que explicitem a voz e os direitos da negritude, ou seja, a possibilidade de distribuições sensíveis para a comunidade negra ser ouvida ou vista.

Seguindo esse viés, para Rancière (1995RANCIÈRE, Jacques (1995). Políticas da escrita. Tradução de Raquel Ramalhete. Rio de Janeiro: 34., p. 7), a partilha do sensível denota “o modo como se determina no sensível a relação entre um conjunto comum partilhado e a divisão de partes exclusivas”. Ele se refere àquilo que é inteligível pelos sentidos, isto é, à maneira pela qual os indivíduos podem (com)partilhar com os outros o que percebem.

Denomino partilha do sensível o sistema de evidências sensíveis que revela, ao mesmo tempo, a existência de um comum e dos recortes que nele definem lugares e partes respectivas. Uma partilha do sensível fixa, portanto, ao mesmo tempo, um comum partilhado e partes exclusivas. Essa repartição das partes e dos lugares se funda numa partilha de espaços, tempos e tipos de atividade que determina propriamente a maneira como um comum se presta à participação e como uns e outros tomam parte nessa partilha
(Rancière, 2005RANCIÈRE, Jacques (2005). A partilha do sensível: estética e política. Tradução de Mônica Costa Netto. São Paulo: 34., p. 15).

Quando se considera a designação acima, surge a seguinte pergunta: de que forma a escrita de mulheres pretas alcança essa partilha? Refletindo sobre a perspectiva literária afrofeminina, é de suma importância ponderar que, segundo Gayatri Spivak (2010SPIVAK, Gayatri C. (2010). Pode o subalterno falar? Belo Horizonte: Editora UFMG., p. 126), dentre alguns indivíduos, a mulher negra é um dos sujeitos que não pode falar por não existir “valor algum atribuído à mulher como um item respeitoso nas listas de prioridade global”. Nessa lógica, Carneiro (2019)CARNEIRO, Sueli (2019). Escritos de uma vida. São Paulo: Jandaíra. destaca a ínfima presença representativa de mulheres negras nas instâncias de poder, o que, por conseguinte, gera dificuldades adicionais quando elas ousam romper portas e adentrar lugares aos quais não foram destinadas:

Além de entender que liberdade e igualdade são valores intrínsecos e inegociáveis para a pessoa humana, descobrimos também que para conquistá-las e mantê-las é preciso muita disposição de luta e uma vigilância permanente para defendê-las, porque liberdade e igualdade são bens que estão sempre sendo colocados em perigo por ideologias autoritárias, fascismos, neofascismos, por diferentes variações do machismo, pelo racismo e as discriminações étnicas e raciais, pelos fundamentalismos religiosos, pelos neoliberalismos, pelas globalizações
(Carneiro, 2019CARNEIRO, Sueli (2019). Escritos de uma vida. São Paulo: Jandaíra., p. 108-109).

De acordo com Carneiro (2019)CARNEIRO, Sueli (2019). Escritos de uma vida. São Paulo: Jandaíra., as mulheres negras são mantidas em uma asfixia social, visto que enfrentam racismo, ceticismo e exclusão. Contudo, essas adversidades podem potencializar a contingência pela busca de condições mínimas para sua participação e representatividade na sociedade. Dessa perspectiva, a luta pela utopia antes mencionada não evoca o sentido de um “não-lugar” que o termo pode carregar. Diferentemente, essa busca inclina-se ao sentido da heterotopia enquanto algo que provoca incômodo, que perturba a ordem estabelecida. Predispõe ao questionamento da conexão óbvia entre as palavras e as coisas e, com isso, abre o espaço do dissenso. Como ensinou Foucault (1999)FOUCAULT, Michel (1999). As palavras e as coisas: uma arqueologia das Ciências Humanas. São Paulo: Martins Fontes., se as utopias consolam, as heterotopias inquietam. Por isso, sonhar a diferença e ocupar espaços de visibilidade é provocar, também, esse incômodo na ordem vigente e, concomitantemente, incitar a escrita de outras narrativas sobre o sensível partilhado.

ESCRITA E INSURGÊNCIA

“A representação não definhou. A mulher como uma intelectual tem uma tarefa circunscrita que ela não deve rejeitar com um floreio”, convoca Spivak (2010SPIVAK, Gayatri C. (2010). Pode o subalterno falar? Belo Horizonte: Editora UFMG., p. 126). Não obstante, tomar o lugar da escrita significa, por vezes, travar uma batalha, tanto externa quanto interna, de insurgência contra a colonialidade do ser, como evidencia Glória Anzaldúa (2000ANZALDÚA, Glória (2000). Falando em línguas: uma carta para as mulheres escritoras do terceiro mundo. Florianópolis: Estudos Feministas., p. 230):

Quem nos deu permissão para praticar o ato de escrever? Por que escrever parece tão artificial para mim? Eu faço qualquer coisa para adiar este ato — esvazio o lixo, atendo o telefone. Uma voz é recorrente em mim: Quem sou eu, uma pobre chicanita do fim do mundo, para pensar que poderia escrever? Como foi que me atrevi a tornar-me escritora enquanto me agachava nas plantações de tomate, curvando-me sob o sol escaldante, entorpecida numa letargia animal pelo calor, mãos inchadas e calejadas, inadequadas para segurar a pena? Como é difícil para nós pensar que podemos escolher tornar-nos escritoras, muito mais sentir e acreditar que podemos! O que temos para contribuir, para dar? Nossas próprias expectativas nos condicionam. Não nos dizem a nossa classe, a nossa cultura e também o homem branco, que escrever não é para mulheres como nós?

Politicamente, os questionamentos supracitados revelam os bloqueios e as incertezas experimentadas por mulheres não-brancas que decidiram escrever, apesar de um sistema opressor que não é favorável a tal ato. No entanto, deduz-se que essas escritoras buscam compartilhar suas vivências e referenciar a ancestralidade por meio de suas produções literárias. Uma arte que desafia os preceitos da colonialidade em prol de mais representatividade e, expressivamente, rejeita as definições negativas que os séculos passados deixaram como herança. Nesse âmbito artístico-cultural, considerando tanto a dimensão estética quanto a possibilidade do exercício das formas de poder, Rancière (1995)RANCIÈRE, Jacques (1995). Políticas da escrita. Tradução de Raquel Ramalhete. Rio de Janeiro: 34. compreende que a política e a arte têm uma origem comum e, se refere à literatura afirmando que ela

não é simplesmente essa zona indeterminada de discurso que estaria alojada nos vazios ou nas margens esquecidas das histórias da poesia e da eloquência. A literatura é uma dramática da escrita, desse trajeto de letra desincorporada que pode tomar qualquer corpo. Ela tem seu lugar nessa disjunção própria ao conceito de escrita que faz com que a própria oposição do logos vivo e da escrita morta só se coloque à custa de instituir o mito de outra escrita, de um escrito mais que escrito
(Rancière, 1995RANCIÈRE, Jacques (1995). Políticas da escrita. Tradução de Raquel Ramalhete. Rio de Janeiro: 34., p. 41).

Observa-se que o ser humano é político, isto é, possui o logos e tem a capacidade de discursar. Uma forma de partilha do sensível é ilustrada pela definição de cidadão que, para Aristóteles, é aquele que toma parte no fato de governar e ser governado (Rancière, 2005RANCIÈRE, Jacques (2005). A partilha do sensível: estética e política. Tradução de Mônica Costa Netto. São Paulo: 34.). No entanto, outra partilha é feita anteriormente e estabelece quem são os que tomam parte. Desse modo, Aristóteles define o “animal falante” como um “animal político”, contudo, o escravo, ainda que compreenda a linguagem, não a “possui”, ou seja, não compartilha o lugar exclusivo da fala política e, portanto, está excluído (Rancière, 2005RANCIÈRE, Jacques (2005). A partilha do sensível: estética e política. Tradução de Mônica Costa Netto. São Paulo: 34., p. 15-16). A lógica de exclusão que silenciou os escravos da Antiguidade foi ressignificada e aprofundada pela escravidão moderna, que, marcada pela tecnologia do racismo com todo o seu aparato hierarquizante, estendeu esse silenciamento aos seres, para além de sua condição histórica de escravizados. Essa é uma das facetas mais contundentes da escravidão moderna: ela deixa de ser designada pela condição circunstancial do escravizado – de vencidos de guerra, por exemplo — e passa a ser determinada por uma condição atribuída aos próprios sujeitos — racializados, inferiorizados e valorados a partir da colonialidade do ser. As consequências históricas disso são o racismo em suas mais variadas formas.

Fundamentada nessa perspectiva de partilha do sensível, a política é pensada em seu vínculo com a estética e com a literatura: no estabelecimento do regime daquilo que é comum e do que é, simultaneamente, exclusivo ou excludente na divisão da sociedade em partes. Nessa condição, a escrita literária oferece e define “modelos de palavra ou de ação”, bem como determina “regimes de intensidade sensível” (Rancière, 2005RANCIÈRE, Jacques (2005). A partilha do sensível: estética e política. Tradução de Mônica Costa Netto. São Paulo: 34., p. 59). Destarte, por seu potencial de insurgente, a escrita de mulheres pretas é capaz de desencadear propostas aliadas a inquirições políticas, em virtude de (re)configurar modos de existência. Uma vez que essa (re)configuração — conscientemente — traz representações subjetivas e sociais, destacando os processos de lutas, denúncias e atitudes em prol de mudanças em um sistema-mundo-moderno-patriarcal-racista, atua, assim, no regime de visibilidade.

Ao tematizar questões culturais e raciais, Anzaldúa (2000ANZALDÚA, Glória (2000). Falando em línguas: uma carta para as mulheres escritoras do terceiro mundo. Florianópolis: Estudos Feministas., p. 232) revela as razões pelas quais escreve:

Porque a escrita me salva da complacência que me amedronta. Porque não tenho escolha. Porque devo manter vivo o espírito de minha revolta e a mim mesma também. Porque o mundo que crio na escrita compensa o que o mundo real não me dá. No escrever coloco ordem no mundo, coloco nele uma alça para poder segurá-lo. Escrevo porque a vida não aplaca meus apetites e minha fome. Escrevo para registrar o que os outros apagam quando falo, para reescrever as histórias mal escritas sobre mim, sobre você. Para me tornar mais íntima comigo mesma e consigo. Para me descobrir, preservar-me, construir-me, alcançar autonomia. Para desfazer os mitos de que sou uma profetisa louca ou uma pobre alma sofredora. Para me convencer de que tenho valor e que o que tenho para dizer não é um monte de merda. Para mostrar que eu posso e que eu escreverei, sem me importar com as advertências contrárias.

Conquanto a escrita de mulheres subalternizadas seja uma tarefa árdua, é necessário compreendê-la como uma ação insurgente e, sobretudo, libertadora. Notoriamente, Anzaldúa (2000)ANZALDÚA, Glória (2000). Falando em línguas: uma carta para as mulheres escritoras do terceiro mundo. Florianópolis: Estudos Feministas. buscava escrever sobre o não dito, sem importar-se com o suspiro das ofensas do censor e da audiência e, mesmo com medo de escrever, escolhia fazê-lo, já que a angústia maior era de não poder escrever. Posto isso, torna-se elementar destacar o surgimento de literatura e crítica contemplantes das narrativas experimentadas por sujeitos representativos para a negritude.

Conceição Evaristo (2005EVARISTO, Conceição (2005). Gênero e etnia: uma escre(vivência) de dupla face. In: MOREIRA, Nadilza Martins de Barros; SCHNEIDER, Liane (org.). Mulheres no mundo: Etnia, marginalidade e diáspora. João Pessoa: Ed. Universitária; Ideia. p. 201-212., p. 54), por exemplo, expressa o seguinte pensamento:

Se há uma literatura que nos inviabiliza ou nos ficciona a partir de estereótipos vários, há um outro discurso literário que pretende rasurar modos consagrados de representação da mulher negra na literatura. Assenhorando-se “da pena”, objeto representativo do poder falocêntrico branco, as escritoras negras buscam inscrever no corpus literário brasileiro imagens de autorrepresentação. Criam, então, uma literatura em que o corpo-mulher negra deixa de ser o corpo do “outro” como objeto a ser descrito, para se impor como sujeito-mulher negra que se descreve, a partir de uma subjetividade própria experimentada como mulher negra na sociedade brasileira. Pode-se dizer que o fazer literário das mulheres negras, para além de um sentido estético, busca semantizar um outro movimento que abriga todas as nossas lutas. Toma-se o lugar da escrita, como direito, assim como se torna o lugar da vida.

Manifestar-se por meio da literatura afrofeminina simboliza, como expresso na citação, o esforço pela afirmação de identidade e de reconhecimento social em combates históricos cujos objetivos eram/são a possibilidade de as vozes “ecoar de tal forma a ultrapassarem as barreiras da exclusão” (Carneiro, 2003CARNEIRO, Sueli (2003). Mulheres em movimento. Estudos Avançados, v. 17, n. 49, p. 117-133., p. 129).

INCISÕES NA PARTILHA

Logo, a significância dessa escrita traz sentido não somente para quem escreve ou para a comunidade que é representada, mas também para aqueles que não se veem nessa representação, mas as veem e, com isso, adivinham-se parte de um tecido comum estendido sobre a exclusão e o silenciamento. Tal escrita traz à superfície do dizível e do visível o que estava silenciado, obliterado. Nesse sentido, Rancière (1995RANCIÈRE, Jacques (1995). Políticas da escrita. Tradução de Raquel Ramalhete. Rio de Janeiro: 34., p. 7) afirma que:

Escrever é o ato que, aparentemente, não pode ser realizado sem significar, ao mesmo tempo, aquilo que realiza: uma relação da mão que traça linhas ou signos com o corpo que ela prolonga; desse corpo com a alma que o anima e com os outros corpos com os quais ela forma uma comunidade; dessa comunidade com a sua própria alma.

Contextualmente, o ser da literatura é aquele que dá vozes próprias aos corpos para colocá-los em seu lugar e em sua função, possibilitando transformações na língua análoga e na democrática dos corpos quando só a contingência igualitária os põe juntos (Rancière, 1995RANCIÈRE, Jacques (1995). Políticas da escrita. Tradução de Raquel Ramalhete. Rio de Janeiro: 34.). De modo consequente, a arte da escrita “existe na relação entre uma posição de enunciação indeterminada e certas fábulas que põem em jogo a natureza do ser falante e a relação da partilha dos discursos com a partilha dos corpos” (Rancière, 1995RANCIÈRE, Jacques (1995). Políticas da escrita. Tradução de Raquel Ramalhete. Rio de Janeiro: 34., p. 45).

Apoiada nessa perspectiva, ao ocupar o espaço da escrita, a literatura afrofeminina irrompe nas dimensões dos discursos e dos corpos, tomando para si a fala e incidindo na configuração da partilha que descansa sobre os alicerces da colonialidade excludente. Assim, salientam a própria narrativa sobre a escrita e a literatura, elucidando sobre o imperativo de dar visibilidade a outras obras de autoria feminina, negra ou afrofeminina, e incidindo, desse modo, na reconfiguração da partilha.

Consoante Rancière (2005RANCIÈRE, Jacques (2005). A partilha do sensível: estética e política. Tradução de Mônica Costa Netto. São Paulo: 34., p. 17),

A questão da ficção é, antes de tudo, uma questão de distribuição dos lugares. Do ponto de vista platônico, a cena do teatro, que é simultaneamente espaço de uma atividade pública e lugar de exibição dos “fantasmas”, embaralha a partilha das identidades, atividades e espaços. O mesmo ocorre com a escrita: circulando por toda parte, sem saber a quem deve ou não falar, a escrita destrói todo fundamento legítimo da circulação da palavra, da relação entre os efeitos da palavra e as posições dos corpos no espaço comum.

Esse “fundamento legítimo” que é “destruído” pela escrita, no caso de nossas comunidades marcadas pela colonização e pela escravidão, é estabelecido nos alicerces estruturantes da colonialidade. A distribuição dos lugares é interrogada e paulatinamente implodida quando emergem narrativas que ficcionalizam corpos e vozes antes invisibilizados. Dessarte, compreende-se o pensamento destacado por Sartre (1993SARTRE, Jean-Paul (1993). O que é literatura? Tradução de Carlos Felipe Moisés. São Paulo: Ática., p. 53), ao enfatizar que “escrever é uma certa maneira de desejar a liberdade”.

Os efeitos do feminismo suscitaram transformações literárias, pois possibilitaram novas leituras e interpretações para a literatura. Segundo Rita Felski (2003FELSKI, Rita (2003). Literature after feminism. Chicago: University of Chicago Press., p. 142), as críticas feministas

acreditam que a dimensão estética inclui tanto os temas quanto as formas, tanto os significados sociais quanto os anseios psíquicos. Elas são céticas em relação à visão de que a experiência estética possa ser completamente desinteressada, despida de qualquer referência ao mundo ou de fortes sensações prazerosas. Podemos apreciar na literatura o que não apreciaríamos na vida; a arte não é um mero espelho ou documento do mundo social.

Se, por um lado, a questão da literatura se relaciona com o sistema de possiblidades, com o regime do imaginável, abrindo derivações na ordem implícita do possível, por outro, esses posicionamentos críticos estão de acordo com o fato de a experiência estética estar conectada com as memórias, os contextos e os significados. Dessa forma, o ser, o estar, os acontecimentos, as escolhas estéticas, e as inclinações são inseparáveis tanto na vida quanto nos interesses enquanto seres sociais. Segundo Rancière (2005RANCIÈRE, Jacques (2005). A partilha do sensível: estética e política. Tradução de Mônica Costa Netto. São Paulo: 34., p. 59), as proposições políticas ou literárias se cumprem no real e “definem modelos de palavra ou de ação, mas também regimes de intensidade sensível. Traçam mapas do visível, trajetórias entre o visível e o dizível, relações entre modos do ser, modos do fazer e modos do dizer”:

Antes de ser um sistema de formas constitucionais ou de relações de poder, uma ordem política é uma certa divisão das ocupações, a qual se inscreve, por sua vez, em uma configuração do sensível: em uma relação entre modos de fazer, os modos de ser e os de dizer; entre distribuição dos corpos de acordo com as atribuições e finalidades e a circulação do sentido; entre a ordem do sentido; entre a ordem do visível e a do dizível
(Rancière, 1995RANCIÈRE, Jacques (1995). Políticas da escrita. Tradução de Raquel Ramalhete. Rio de Janeiro: 34., p. 7-8).

É, portanto, nessa ordem do sentido, do visível e do dizível, que a literatura afrofeminina faz suas incursões, impelindo a reconfiguração definitiva na partilha da comunidade na medida em que se insurge contra os silêncios, as ausências.

HABITAR AS AUSÊNCIAS

A divisão das ocupações é, pois, sacudida quando vozes insistem em romper o silêncio literário, epistemológico e político. Como insistia Foucault (2008)FOUCAULT, Michel (2008). A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária., é preciso atentar para o não dito, investigar os silêncios e as ausências. A deslegitimação das mulheres pretas como sujeitos políticos e sujeitos de fala, consolidada ao longo de cinco séculos de colonialismo e colonialidade, atesta e inflama sua existência nessa grande ausência dos espaços públicos e decisórios, dos postos de comando e do campo literário. Entretanto, como sinalizou Rancière (1995RANCIÈRE, Jacques (1995). Políticas da escrita. Tradução de Raquel Ramalhete. Rio de Janeiro: 34., p. 176) “para poder se calar, é preciso poder falar”. Nesse sentido, Grada Kilomba (2019KILOMBA, Grada (2019). Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro: Cobogó., p. 97-98) lembra:

Mulheres negras têm sido incluídas em diversos discursos que mal interpretam nossa própria realidade: um debate sobre racismo no qual o sujeito é o homem negro; um discurso genderizado no qual o sujeito é a mulher branca; e um discurso de classe no qual “raça” não tem lugar. Nós ocupamos um lugar muito crítico dentro da teoria. [...] Por conta dessa falta ideológica, argumenta Heidi Safia Mirza (Black British Feminism, 1997) as mulheres negras habitam um espaço vazio, um espaço que se sobrepõe às margens da “raça” e do gênero, o chamado “terceiro espaço”. Habitamos uma espécie de vácuo de apagamento e contradição “sustentado pela polarização do mundo em negros de um lado e mulheres de outro” (Mirza, 1997, p. 4). Nós no meio. Este é, de fato, um sério dilema teórico, em que os conceitos de “raça” e gênero se fundem estreitamente em um só. Tais narrativas separadas mantêm a invisibilidade das mulheres negras nos debates acadêmicos e políticos.

Na realidade, a invisibilização e o silenciamento epistemológicos se manifestam e se tornam explícitos na ausência de mulheres negras em diferentes práticas políticas — incluindo a escrita —, ou seja, na sua exclusão enquanto sujeito político por muitos anos. Por esse motivo, é vital que a literatura protagonize personagens femininas negras, realçando as vivências e possibilidades de se explorar os enredamentos, as construções e as considerações sobre a pertinência associativa aos fatos propostos nas “escrevivências”. Para Patricia Hill Collins (2016COLLINS, Patricia Hill (2016). Aprendendo com a outsider within: a significação sociológica do pensamento feminista negro. Tradução de Juliana de Castro Galvão. Sociedade e Estado, v. 31, n. 1, p. 99-127. https://doi.org/10.1590/S0102-69922016000100006
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, p. 105-106),

definir e valorizar a consciência do próprio ponto de vista autodefinido frente a imagens que promovem uma autodefinição sob a forma de “outro” objetificado é uma forma importante de se resistir à desumanização essencial aos sistemas de dominação. O status de ser o “outro” implica ser o outro em relação a algo ou ser diferente da norma pressuposta de comportamento masculino branco. Nesse modelo, homens brancos poderosos definem-se como sujeitos, os verdadeiros atores, e classificam as pessoas de cor e as mulheres em termos de sua posição em relação a esse eixo branco masculino. [...] Uma segunda razão pela qual a autodefinição e a autoavaliação das mulheres negras são significativas diz respeito à sua importância em permitir que mulheres afro-americanas rejeitem opressão psicológica internalizada (Baldwin, 1980). O dano potencial à autoestima de mulheres afro-americanas causado pelo controle internalizado pode ser grande, até para aquelas que estão preparadas. Aguentar os ataques frequentes de imagens controladoras requer uma força interior considerável.

De acordo com as ideias de Collins (2016)COLLINS, Patricia Hill (2016). Aprendendo com a outsider within: a significação sociológica do pensamento feminista negro. Tradução de Juliana de Castro Galvão. Sociedade e Estado, v. 31, n. 1, p. 99-127. https://doi.org/10.1590/S0102-69922016000100006
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, os sistemas de opressão são estruturados e fundamentados sob a ótica de uma concepção ideológica de dominação que se baseia em noções de superioridade e inferioridade. Posto isso, entende-se que esses locais de dominação se tornam, também, espaços propícios à resistência, uma vez que tornar visíveis as vivências de mulheres negras possibilita sua autodefinição e autorreconhecimento com base nas experiências e realidades de vozes que igualmente habitaram e, por vezes, ainda habitam as ausências. Nesse gesto, são instigadas reinterpretações acerca das relações sociais de poder que devem ser contestadas em suas formas de partilha.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como observou Rancière (2005RANCIÈRE, Jacques (2005). A partilha do sensível: estética e política. Tradução de Mônica Costa Netto. São Paulo: 34., p. 26), “as artes nunca emprestam às manobras de dominação ou de emancipação mais do que lhes podem emprestar, ou seja, muito simplesmente o que têm em comum com elas: posições e movimentos dos corpos, funções da palavra”. Alicerçados em contextos históricos de exclusão, é significativo debater sobre a questão da escrita de mulheres pretas em virtude do caráter insurgente desse recurso cultural. E, principalmente, por causa da notoriedade como o sujeito afrodescendente feminino partilha suas sensibilidades, determinando suas realidades e estabelecendo as identidades próprias.

Ademais, vozes que foram silenciadas por muitos anos iniciam a construção de um mundo no qual os corpos-mulheres negros enfrentam os desafios discriminatórios (de gênero, de etnia, de classe) e se erguem para reclamar e conquistar os espaços na literatura, na arte, na sociedade e na política. Apesar de o feminismo negro estar conquistando espaços no decorrer dos anos, as preconcepções ainda subsistem nas teias das hétero-hierarquias que estruturam nossas sociedades. Consequentemente, a autodefinição de mulheres negras, as análises centradas nelas enquanto sujeito social e, sobretudo, a escrita afrofeminina tornam-se fundamentais para as lutas nos contextos de exclusão.

Os pressupostos teóricos de autoria feminina negra integram novas construções por meio de contemplações relativas às dificuldades socioculturais, considerando as condições de subalternidade, como, por exemplo: a procura por liberdade, a confirmação da mulher preta perante os preconceitos variados, a afirmação da ancestralidade, e as conquistas advindas das lutas afrofeministas. Frente à colonialidade do ser e à geopolítica do saber, Glória Anzaldúa (2000)ANZALDÚA, Glória (2000). Falando em línguas: uma carta para as mulheres escritoras do terceiro mundo. Florianópolis: Estudos Feministas. reitera que é preciso priorizar a própria escrita e a escrita de mulheres do Terceiro Mundo.

A reconfiguração da partilha do sensível promovida pela escrita afrofeminina é, por fim, não apenas imperativa como definitiva, pois, uma vez ocupado o espaço do que é visto, a reordenação das ocupações e dos corpos abre lugar para que outras vozes se levantem e se multipliquem e, aquilo que é uma vez conhecido, visto, ouvido, não pode mais ser ignorado. No que concerne especificamente ao âmbito da literatura, se concordamos que cada obra de visibilidade, ao adentrar o sistema literário, provoca a reordenação de todas as demais, trazendo à tona outras linhas de força dentro do próprio campo, percebe-se que a literatura afro-brasileira de maneira geral e a afrofeminina de maneira específica produzem um sismo nos seus interstícios. Esse abalo, para além do presente, tanto exige uma reavaliação do passado, na medida em que explicita as marcas da colonialidade e suas consequências para o mundo literário e extraliterário, quanto provoca a reflexão sobre o futuro, dado que tensiona os limites do sistema de possibilidades e nos convida a imaginar e a construir outra partilha.

  • O manuscrito foi desenvolvido pelos autores em diálogo com a pesquisa de mestrado de Valdício Almeida de Oliveira, sob orientação de Imara Bemfica Mineiro, intitulada Vestígios (de)coloniais em Insubmissas lágrimas de mulheres: manifestações culturais, antirracistas e antissexistas na literatura evaristiana, atualmente já qualificada. Contudo, não consiste em trecho da dissertação, mas em produção paralela elaborada pelos dois autores.

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Editores:

Paulo César Thomaz e Rejane Pivetta

Editores convidados

Ligia Bezerra, Cecília Rodrigues e Cris Lira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    26 Nov 2022
  • Aceito
    14 Abr 2023
Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea, Programa de Pós-Graduação em Literatura da Universidade de Brasília (UnB) Programa de Pós-Graduação em Literatura, Departamento de Teoria Literária e Literaturas, Universidade de Brasília , ICC Sul, Ala B, Sobreloja, sala B1-8, Campus Universitário Darcy Ribeiro , CEP 70910-900 – Brasília/DF – Brasil, Tel.: 55 61 3107-7213 - Brasília - DF - Brazil
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