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O girassol do entardecer: o recordar d’Os alegres peregrinos

The evening sunflower: the remembrance of The merry pilgrims

El girasol al atardecer: recordando Los peregrinos alegres

Resumo

O objetivo do artigo é demonstrar que as narrativas de Os alegres peregrinos: contos rurais passadistas (2022), obra bordada com fios ambivalentes da realidade e da imaginação, compõem uma estrutura orgânica na qual fica subentendida a intenção do erudito narrador de recordar as etapas do seu amadurecimento por meio das vivências das personagens, ao menos até o ponto em que consegue falar por ele mesmo ou mover-se até o seu plano mais íntimo. A imagem poética do pôr do sol, significada por Lévi-Strauss (1996)LÉVI-STRAUSS, Claude (1996). Tristes trópicos. Tradução de Rosa Freire D’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras., na obra Tristes trópicos (1935), é um detalhe paisagístico que ilumina o livro da autora desde a capa, conto a conto, dando sentido à mira do itinerante narrador-girassol, que, assentado em bases contemplativas constituídas dos elementos cósmicos, almeja alcançar o devaneio profundo capaz de fazê-lo autoconhecer-se e sentir-se parte de um todo. Nesse sentido, é significativo que o narrador parta da terceira pessoa para alcançar a primeira.

Palavras-chave:
pôr do sol; recordar; paisagem; narrador

Abstract

This article aimed to demonstrate that The merry pilgrims: old rural tales (2022), is a superb work which, embroidered with ambivalent threads of reality and imagination, implies the intention of the erudite narrator of remembering the steps of his maturation from the characters experiences, at least to the moment that he manages to speak for himself or to move to his most intimate level. The poetic image of the sunset, meant by Lévi-Strauss (1996)LÉVI-STRAUSS, Claude (1996). Tristes trópicos. Tradução de Rosa Freire D’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras. in the book Sad tropics (Tristes Tropiques, 1935), is a landscape detail which brightens Enivalda’s book since its cover, tale by tale, giving meaning to the gaze of the itinerant and sunflower narrator, who, settled on contemplative bases constructed by cosmic elements, seeks to reach a profound reverie capable of leading to self-knowledge and a sense of being part of a whole. In this sense, it is significant that the narrator moves from the third person to the first person.

Keywords:
evening; remembrance; landscape; narrator

Resumen

El objetivo del artículo es demostrar que las narrativas de Los peregrinos alegres: cuentos rurales del pasado (2022), obra bordada con hilos ambivalentes de realidad e imaginación, componen una estructura orgánica en la cual se manifiesta la intención del narrador erudito de recordar las etapas de su maduración a partir de las vivencias de los personajes, al menos hasta el punto de poder hablar por sí mismo o trasladarse a su plano más íntimo. La imagen poética del atardecer, signada por Lévi-Strauss (1996)LÉVI-STRAUSS, Claude (1996). Tristes trópicos. Tradução de Rosa Freire D’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras. en la obra Tristes trópicos (1935), es un detalle paisajístico que ilumina el libro de la autora desde la portada, cuento a cuento, dando sentido al objetivo del itinerante narrador-girasol, que, asentado en bases contemplativas constituidas por elementos cósmicos, pretende alcanzar la ensoñación profunda capaz de hacerlo autoconocerse y sentirse parte de un todo. En este sentido, es significativo que el narrador parta de la tercera persona a la primera.

Palabras-clave:
atardecer; recuerdo; paisaje; narrador

A tessitura das oito histórias-recordações d’Os alegres peregrinos: contos rurais passadistas, enraizadas no cerrado goiano, torrão natal da autora Enivalda Nunes Freitas e Souza1 1 Enivalda escreveu a obra autobiográfica Terra, traçados e livros: nas vozes da memória (2021). , introduz-se pela capa-pintura de um sugestivo pôr do sol. A cor crepuscular impactante que veste o livro, o “alaranjado brilhante”, para usar um verso de Adélia Prado (1995)PRADO, Adélia (1995). Poesia reunida. 4ª ed. São Paulo: Siciliano.2 2 A expressão do poema “Impressionista”, de Adélia Prado (1995, p. 36), faz referência ao crepúsculo do amanhecer. , sugere pintar não só a paisagem-campo, o território de pertencimento, a casa, mas também o ser d’Os alegres peregrinos, que elege o momento do entardecer para recordar o dia e, com isso, suportar e compreender a vida nas suas camadas mais subterrâneas.

Se na parte superior da capa um entardecer aparece em variações de amarelos, na inferior uma lavoura de girassóis de traços imprecisos sugere a personificação das personagens em natureza-gente, flores peregrinas. O gesto natural da flor de girar em torno do sol é substituído, nos contos, pelo gesto das personagens, que seguem o movimento da luz do entardecer em busca de algo. Lembremos que as pinturas de Van Gogh (2011, p. 96)VAN GOGH, Vincent (2011). Abril Coleções. Tradução de Carla Luzzati e Elke Silvério. São Paulo: Abril., “embutidas de luz do sol” ou da “força cromática dos amarelos”, estão a serviço dos valores espirituais”. Fascinado pelos girassóis, o artista holandês sabia que essa flor secularmente era metáfora do “Amor Sagrado”, pois por detrás do seu encanto pelo sol está a alma humana, “naturalmente atraída pela luz divina” (Van Gogh, 2011VAN GOGH, Vincent (2011). Abril Coleções. Tradução de Carla Luzzati e Elke Silvério. São Paulo: Abril., p. 76). Os “reflexos da natureza” e, assim, o sol que “a tudo dá vida” são em sua obra pictórica ideal o que marca fronteira com o real — “agressivo e perturbador” (Van Gogh, 2011VAN GOGH, Vincent (2011). Abril Coleções. Tradução de Carla Luzzati e Elke Silvério. São Paulo: Abril., p. 150)3 3 Os quatro girassóis cortados (1887) e Vaso com quatorze girassóis (1888) são quadros que apresentam, por exemplo, esse efeito simbólico-psicológico de luta entre o que o pintor vê e sente: as flores, naturezas-paradas e preenchidas pelo amarelo “deslumbrante, quente e profundo”, ao mesmo tempo, mostram-se deformadas (murchas e secas) e em dissolução (com “pétalas espinhosas que contorcem como línguas de fogo”) (Van Gogh, 2011, p. 79). .

Em sua obra contemporânea, a autora Enivalda Nunes Freitas e Souza cria, na apresentação e nas histórias que recheiam o livro, a ambivalência dos símbolos. Além da capa-luz, inseriu uma página-noite no verso da página do sumário, destacando no centro dela, a título de epígrafe da obra, o verso “Quem mostra o trilho ao viajor das sombras?”, do poema “Fatalidade”, de Castro Alves. O verso questionador escrito sobre uma folha/tela em preto se atrela à jornada do narrador, que, pelos caminhos labirínticos da alma, enfrentará medos, frustrações e conflitos do passado com a meta de contemplar, em si, a “tela em branco” que se revelará no último conto.

O foco da nossa leitura é acompanhar os passos de crescimento interior do narrador, o girassol do entardecer que, por meio do pôr do sol, revisita o dia e a vida. Nos termos de Lévi-Strauss (1996)LÉVI-STRAUSS, Claude (1996). Tristes trópicos. Tradução de Rosa Freire D’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras., em capítulo d’Os tristes trópicos, escrito durante viagem para o Brasil, em 1935, diferentemente da aurora da manhã, “início do dia”, o entardecer é mais significativo, pois “é a sua repetição” mais acabada. Afinal:

Trata-se de uma representação completa, com um início, um meio e um fim. E esse espetáculo oferece uma espécie de imagem reduzida dos combates, das vitórias e das derrotas que se sucederam durante doze horas de modo palpável, mas também mais lento. [...]

Eis por que os homens prestam mais atenção no sol poente do que no sol nascente; a aurora só lhes fornece uma indicação suplementar às do termômetro, do barômetro e — para os menos civilizados — das fases da lua, do vôo dos pássaros ou das osculações das marés. Ao passo que um pôr-do-sol eleva-os, reúne em misteriosas configurações as peripécias do vento, do frio, do calor ou da chuva nas quais seu ser físico se debateu. Os caprichos da consciência podem ser lidos nessas constelações algodoadas. Quando o céu começa a se iluminar com os clarões do poente (assim como, em certos teatros, são as bruscas iluminações do proscênio, e não as três pancadas tradicionais, que anunciam o início do espetáculo), o camponês suspende a sua caminhada pela trilha, o pescador retém o seu barco e o selvagem pisca o olho, sentado perto de um fogo declinante. [...]

Há duas fases bem distintas do pôr-do-sol. No início, o astro é arquiteto. Só depois (quando os seus raios chegam refletidos e não mais diretos) transforma-se em pintor (Lévi-Strauss, 1996LÉVI-STRAUSS, Claude (1996). Tristes trópicos. Tradução de Rosa Freire D’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras., p. 60-63).

Esse “espetáculo”, ocorrido sob as “formas evanescentes e sempre renovadas” (Lévi-Strauss, 1996LÉVI-STRAUSS, Claude (1996). Tristes trópicos. Tradução de Rosa Freire D’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras., p. 60) do pôr do sol, por ser reiterado em passagens das oito narrativas curtas, produz uma estrutura no livro ligada ao objetivo do narrador ilustrado4 4 O narrador culto preenche as histórias contadas com trechos de vários tipos de texto, de origem popular e erudita: lendas das mitologias universal (greco-latina) e local, trechos da Bíblia, citações de romances do cânone brasileiro (Dom Casmurro, Vidas secas etc.), de poemas, músicas e pintura de quadro emblemático. : autoconhecer-se para, no fim da jornada, reviver um fato “inesquecível”. Na sequência dos primeiros seis contos ambientados no meio rural goiano, por estratégia narrativa o narrador assume o foco em terceira pessoa, seguindo com seu olhar-câmera as famílias-personagens, rememorando nas atitudes delas a sua evolução. Com intervalo de distância cada vez menor em relação a elas, o narrador acompanha-as de perto, por enquanto em viagens-concretas que vão [mais] para fora5 5 Paráfrase da frase “Quando nós viajamos para longe, vamos para fora”, de Jostein Gaarder (1997, p. 112), autor filósofo de Ei, tem alguém aí?. , pelo curso das trilhas do mato, do asfalto que corta o cerrado, do que para viagens percorridas na interioridade.

INÍCIO DO ESPETÁCULO: TERRA

No conto introdutório, “Caminho”, duas irmãs juvenis, incumbidas de levar almoço ao pai, lavrador, percorrem caminhos tortuosos como se fossem provas de enfrentamento do medo — perfazendo a releitura dos passos percorridos por Miguilim, personagem de Guimarães Rosa (2001)ROSA, João Guimarães (2001). Manuelzão e Miguilim (Corpo de baile). Rio de Janeiro: Nova Fronteira. que também cumprindo jornada de aprendizagem realiza, ainda que sozinho, esse costume rural de ir, pelas trilhas do mato, até a “rocinha” levar comida ao pai: “Ia contente, levava um brio, levava destino, [...] tinha de transpassar um pedaço de mato. Ele caminha controlando o medo” (Rosa, 2001ROSA, João Guimarães (2001). Manuelzão e Miguilim (Corpo de baile). Rio de Janeiro: Nova Fronteira., p. 80).

No conto em apreço, o primo designado para acompanhar as duas irmãs “tomou outra direção”, e elas, violando o conselho dos pais, “começaram a entrar no poço” “recluso” (Souza, 2022SOUZA, Enivalda Nunes Freitas e (2022). Os alegres peregrinos: contos rurais passadistas. Uberlândia: Assis., p. 10). Essa imagem, antiga e poderosa, será na discussão símbolo iniciático da viagem interior do narrador, que, nessa primeira fase, se dobra sobre águas turvas, “de massa móvel e intranquila” (Bachelard, 1988BACHELARD, Gaston (1988). A poética dos devaneios. São Paulo: Martins Fontes., p. 169). Sua borda-círculo que, abismal, se abre às profundezas da terra é o poço-Ser do narrador, que por estar ainda encarcerado nas “sombras” só expande medo. Das águas do poço sai o temível Nego D’água, e, perseguidas por esse folclórico moleque de aparência assustadora, as meninas chegam a uma tapera assombrada que fica próxima a uma lendária árvore que esconde espíritos. Ainda, atravessam o trecho-sombra da mata — de “silêncio de noite”, “vozes aterrorizantes”, “ruídos” e “estalar de folhas secas” (Souza, 2022SOUZA, Enivalda Nunes Freitas e (2022). Os alegres peregrinos: contos rurais passadistas. Uberlândia: Assis., p. 13) —, topam com “o pai-do-mato”, materializado na “horrenda criatura” de um homem de “voz estrondosa” e com cabelos que se confundiam com as folhagens, e, por fim, amedrontadas, percorrem o trilheiro labiríntico do milharal.

O ponto de chegada das personagens, a lavoura, é assim retardado, só visto já com o sol a meio caminho. A esperança é motivada na volta para casa, quando, juntas à figura protetora, as irmãs vivenciam retomada vagarosa. A tarde é pesada. Sem indício do encontro do olhar das meninas com o sol se pondo, apenas o pai atende a um pormenor ou contempla isto ou aquilo6 6 Expressões do texto “A filosofia da paisagem”, de Georg Simmel (2009, p. 5). : “Contemplou o gado no pasto e as muitas árvores do campo. Próximo à cerca de arame pôde ver uma serpente verde com a barriga estufada” (Souza, 2022SOUZA, Enivalda Nunes Freitas e (2022). Os alegres peregrinos: contos rurais passadistas. Uberlândia: Assis., p. 15). Ainda a caminho de casa e de mãos dadas com as filhas, o pai recorda os riscos escondidos naquele poço.

No segundo conto, intitulado “Crianças”, o drama da infância, comum no contexto dos anos 70 do século XX brasileiro, é exposto numa relação de conflito entre adultos e crianças. O núcleo dos pais insensíveis (que “não conseguiam perceber a alma das crianças”) e dos avós intolerantes (“selvagens e rígidos”, “almas embrutecidas”) é afastado do núcleo dos filhos e netos: os pais de Quinca e Miguel e os de Lúcia e Estelinha seguiram para uma festa de casamento; o avô “ainda adepto da palmatória” partiu “para longe, confiante em sua missão” de professor; e a avó, “mulher antipática e amarga”, é propositalmente trancada em um quarto pelas crianças, por toda uma tarde.

Sem a intromissão desses ásperos adultos, as crianças, lideradas pelo adolescente Quinca, realizam na casa dos avós e, sobretudo, no quintal da fazenda, uma espécie de revolta, um modo agressivo de externalizar a frustração de não serem compreendidas. Lembremos que a personagem Raquel da obra A bolsa amarela (1976), de Lygia Bojunga (2020)BOJUNGA, Lygia (2020). A bolsa Amarela. Rio de Janeiro: Casa Lygia Bojunga., também criança silenciada em casa, sem direito a ter vontades, reage ao problema de modo diferente: pela via da imaginação. A bolsa-sobra, concreta, doação da tia Brunilda, de cor amarela, de tons oscilantes, solares, do pálido ao vibrante, transforma-se em objeto subjetivo que guarda, entre outras coisas, ímpetos da personagem até serem elaborados sob o sol de uma tarde praiana.

No retorno da fazenda vizinha, Quinca, após insultar a prima e dar pedrada nela, acalma-se. Em seguida ao clímax da narrativa, aparece o entardecer:

Com o sol já baixo, os quatro primos se empoleiraram na cerca do curral para apreciar o gado. Lúcia, um pouco mais embaixo; nos mourões, os mais velhos. Os bezerros, que já deviam estar separados das mães leiteiras há muito, pulavam e corriam muito felizes com a liberdade. [...] Os primos dividiam a pequena manada igualmente, e Quinca era só delicadezas com seus compadres. [...] Todos batiam palma (Souza, 2022SOUZA, Enivalda Nunes Freitas e (2022). Os alegres peregrinos: contos rurais passadistas. Uberlândia: Assis., p. 26, grifo nosso).

No vasto silêncio da fazenda, observam-se graus variáveis de atenção para o entardecer. Do mesmo modo que as galinhas subiram nos galhos mais altos das árvores para o repouso, as crianças “empoleiraram na cerca do curral” para admirar o gado. A rotina rígida do apartar das vacas e bezerros, solicitada pelo avô na saída da sua viagem, dá lugar à interação pausada e alegre entre as crianças e os animais. Atentemo-nos para o fato de que o olhar inquieto dessas personagens não é o do girassol inerte e completamente voltado para o sol, como o do “camponês [que] suspende a sua caminhada pela trilha” para contemplar “os clarões do poente” (Lévi-Strauss, 1996LÉVI-STRAUSS, Claude (1996). Tristes trópicos. Tradução de Rosa Freire D’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras., p. 61). A avó, trancada no quarto, sente as cintilações do entardecer, tendo a alma transportada para um estado particular: contém o choro e a cólera ao “pensar nos tempos de criança [em que] via nitidamente o rosto do pai segurando-a no cavalo numa tarde tranquila e distante” (Souza, 2022SOUZA, Enivalda Nunes Freitas e (2022). Os alegres peregrinos: contos rurais passadistas. Uberlândia: Assis., p. 27, grifo nosso). Logo, fica para o leitor imaginar a alegre cena dos netos e da avó (libertada pela amiga) caminhando rumo à fazenda vizinha para o jantar, ainda sob o crepúsculo do dia.

Em “Viajores”, o terceiro conto, a família rural realiza pela primeira vez uma viagem sobre o asfalto — da cidadezinha próxima de onde mora à cidade maior. O passeio sobre o objeto cultural, o asfalto, no olhar-travessia dos pais e das suas três crianças, representa um “grande acontecimento”, até antecedido por preparações, como a do banho das crianças com a mãe, grávida, no poço qualificado de “calabouço”. A imagem enquanto símbolo iniciático da jornada interior do narrador reaparece e demonstra ligeira abertura, pois, na superfície desse lugar túnel rodeado de pedras, uma bica jorrava sobre os corpinhos infantis espumas de proposição ascensional, “altas e brancas”.

No percurso da viagem, o asfalto, de coisa inanimada — “estrada longa e preta de listras brancas e amarelas, linda, linda” — passa a ter feições tipicamente humanas — “língua comprida e preta por onde os carros deslizavam velozmente” (Souza, 2022SOUZA, Enivalda Nunes Freitas e (2022). Os alegres peregrinos: contos rurais passadistas. Uberlândia: Assis., p. 33). A novidade trazida às crianças dessa história se dá por um acontecimento simples, tal como na casa dos irmãos Vânia e Nina do conto “O acontecimento” (1886), de Tchekhov (1999)TCHEKHOV, Anton P. (1999). A dama dos cachorrinhos e outros contos. Tradução de Boris Schnaiderman. São Paulo: 34.. Porém, enquanto no enredo do conto russo os gatinhos domésticos — que nasceram naquela manhã — são objeto de contemplação das crianças burguesas, no enredo do conto brasileiro a “dimensão simbólica” do acontecimento — a chegada do asfalto — não se separa da “dimensão social”, pois, de acordo com Antonio Candido (1973, p. 62)CANDIDO, Antonio (1973). Estímulos da criação literária. In: CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade: estudos de teoria e história literária. São Paulo: Companhia Editora Nacional. p. 51-80., a criação da “ambientação” da forma artística nacional estimula “emoções ligadas à sobrevivência, com invocação à realidade econômica do país”. Afinal, “os adultos compreendiam bem o que significava a chegada do asfalto, implicava melhorias, avanços econômicos, recursos imediatos” (Souza, 2022SOUZA, Enivalda Nunes Freitas e (2022). Os alegres peregrinos: contos rurais passadistas. Uberlândia: Assis., p. 31).

No conto russo, o acontecimento alegre e triste ocorrido no espaço interno da casa, durante a passagem de um dia (a aparição matutina dos gatinhos, que ofuscou “tudo” ao redor das crianças, e o desfecho noturno, durante o jantar, quando são devorados pelo cão de caça), é experiência vivida por uma família que tem acesso aos variados bens de consumo. No conto brasileiro, a euforia em torno do item do progresso urbano que, na viagem de ida, causou nas personagens “felicidade de matar”, no momento do retorno é desmanchada. A compra miúda no pegue-pague da cidade faz com que se sintam humilhados. O caráter social do país, problematizado pela autora, se desenvolve no choro “doído” e “calado” de uma das meninas, indo muito além da dor física (do beliscão recebido “por conta de um mal-entendido” em relação às balas coloridas); expressa também a violência da exclusão dos pobres nos processos da modernização: “A pequena tinha outros motivos para chorar” (Souza, 2022SOUZA, Enivalda Nunes Freitas e (2022). Os alegres peregrinos: contos rurais passadistas. Uberlândia: Assis., p. 36), diz o narrador.

Continuando a pintura desse retrato do Brasil, a família rural, após deixar uma das filhas na casa da tia para estudar, aparece na rodovia sob o sol quente — ressoando de modo pontual os girassóis em pé da capa. Nessa espera de “uma carona para retornar”, “os carros passavam em grande velocidade, sem percebe[-la] ali plantada à espera de um milagre” (Souza, 2022SOUZA, Enivalda Nunes Freitas e (2022). Os alegres peregrinos: contos rurais passadistas. Uberlândia: Assis., p. 37). Será o fusca amarelo — carro de cor que reluz otimismo — que vai levá-la até o aconchego do lar, já iluminado pelos primeiros raios do entardecer. Será nesse momento do dia especial, com a casa organizada e a refeição pronta, que todos poderão recordar e assimilar a densidade da experiência vivida no asfalto e no espaço selvagem da metrópole:

E antes mesmo do pôr do sol as brasas crepitavam na fornalha, aquecendo a água para o banho e o preparo da refeição. Das panelas exalou um cheiro gostoso de carne bem-preparada, de feijão ao alho. A janta revigorou os corpos, e as roupas, caprichosamente alvejadas, encheram a casa de leveza e frescor (Souza, 2022SOUZA, Enivalda Nunes Freitas e (2022). Os alegres peregrinos: contos rurais passadistas. Uberlândia: Assis., p. 38).

As personagens-girassóis nesse conto, que se preparam para a chegada do espetáculo, demonstram um nível mais elevado de atenção ao pôr do sol do que as do conto “Crianças”. A vista do pôr do sol-divã que advém concede aos membros dessa família uma recordação reelaborada do conflito — afinal, os valores rurais arraigados e reforçados nesse momento demonstram a pouca ou quase nenhuma aderência deles aos valores urbanos.

No conto “Acenos”, o narrador conta a história de Paulo, que retorna de Iporá para a cidade natal, Moiporá, para assumir o cargo de professor. No trajeto, sentado no ônibus, “ia rememorando os dias de sua meninice” (Souza, 2022SOUZA, Enivalda Nunes Freitas e (2022). Os alegres peregrinos: contos rurais passadistas. Uberlândia: Assis., p. 41), que, seguindo pistas textuais, se passavam no contexto da ditadura militar. Denuncia esse contexto a cena do primo que, ao chegar da cidade, vai à casa de Paulo vestido de uniforme do exército, para contar “as novidades”. Sobre esse primo, Paulo faz o seguinte comentário: “Dizem que hoje anda torturando pessoas” (Souza, 2022SOUZA, Enivalda Nunes Freitas e (2022). Os alegres peregrinos: contos rurais passadistas. Uberlândia: Assis., p. 45).

O principal desejo de Paulo quando menino era decifrar o mistério da linguagem e, assim, perceber o valor enorme das palavras e dos demais sinais: ficava atento ao que o pai (leitor das Escrituras) e o primo (que seguiu carreira militar) falavam, prestava atenção nas aulas “tão boas” da professora de literatura, mas foram os gestos ou “a conversa da tia” com o deficiente auditivo Gabriel, ironicamente apelidado de “Bobo da Angelina”7 7 O narrador afirma que no passado, em mãos de uma antiga nota promissória — assinada, mas não cumprida —, obteve posse da única propriedade dos pais de Paulo. , que mais motivou “sua inclinação para as letras” (Souza, 2022SOUZA, Enivalda Nunes Freitas e (2022). Os alegres peregrinos: contos rurais passadistas. Uberlândia: Assis., p. 41).

Da chácara, Paulo recorda as correrias pelo pasto, o atalho que fazia contornando a vereda próxima ao riacho, a “pinguela estreita” sobre as águas — caminho do córrego que dividia a passagem do espaço rural onde morava e a cidadezinha. São as águas desse córrego, que certa manhã transbordou, a demonstração do seu forte anseio por uma imaginação fértil, quando demorou a entender o raciocínio metafórico do primo: houvera no pasto uma “chuva de peixes”. O Paulo-menino nutria a vontade de ir além do ensinamento útil das palavras, dos números, saberes práticos “dos animais e das plantações”. Queria aprender a abstrair-se do concreto, como se dá na poesia dos “despropósitos”, de Manuel de Barros (1999)BARROS, Manuel de (1999). Exercícios de ser criança. Rio de Janeiro: Salamandra.. Foi um processo vivido com esforço, de imersão, que chegou a ser ação exata: “imitava, copiava” e, quando ficava “enlevado pelas palavras, esquecia de pular o rego, afundando-se na água” (Souza, 2022SOUZA, Enivalda Nunes Freitas e (2022). Os alegres peregrinos: contos rurais passadistas. Uberlândia: Assis., p. 45).

Nesse retorno para o lugar onde cresceu viu também em pensamento o interior da casa onde morou, lembrando de uma cena corriqueira em que ele e o pai voltando da lida “entraram nela, com o sol se pondo”: “Entraram em casa..., as cenas de costume: as irmãs banhadas, a janta em andamento, a mãe lavando alguma vasilha” (Souza, 2022SOUZA, Enivalda Nunes Freitas e (2022). Os alegres peregrinos: contos rurais passadistas. Uberlândia: Assis., p. 44). Essa casa, constantemente entardecendo, arquivada em sua mente, é onírica, profunda e distante no tempo. Suspeita-se que essas e outras lembranças da infância, caracterizadas por uma narrativa de “recordações melancólicas”, que mescla terceira e primeira pessoa, vão dar lugar sob o sol poente às alegrias do tempo presente. Paulo, “tomado pelas recordações, nem percebeu que a chácara da meninice foi desaparecendo no retrovisor do ônibus. Parou de olhar para trás” (Souza, 2022SOUZA, Enivalda Nunes Freitas e (2022). Os alegres peregrinos: contos rurais passadistas. Uberlândia: Assis., p. 48) e pela frente viu a festa preparada para a sua chegada. Todos à sua espera, pais, autoridades e até o “Bobo da Angelina com os seus dois filhos”, que dialogaram por meio de gestos com o novo professor, “tão capacitado” (Souza, 2022SOUZA, Enivalda Nunes Freitas e (2022). Os alegres peregrinos: contos rurais passadistas. Uberlândia: Assis., p. 48). Agora, podia compreender a linguagem do Bobo.

A cena introdutória do quinto conto, “Flor de sabugueiro”, é a rememoração dos instantes que antecipam a saída da fazendeira viúva Joana, a heroína dos confins do Goiás, que após apartar as vacas se desloca pela paisagem áspera do cerrado em busca de recurso farmacêutico para a filha doente. A subversão que a autora atingiu do poema Erlkönig (1782), de Goethe8 8 Em evento acadêmico, a autora Enivalda Nunes abordou sobre essa inspiração para a criação do conto “Flor de sabugueiro”. , originado da balada dinamarquesa, é tessitura que trança com cuidado os fios da história comum de sua terra, de sua gente interiorana que, longe dos centros urbanos, era abandonada pelos governantes (Lima Silva, 2022LIMA SILVA, Lucas de (2022). Quem cavalga tão tarde por noite e vento? Uma aproximação ao Erlkönig de Goethe. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós- Graduação em Arte Multimédia, Universidade de Lisboa, Lisboa.).

A travessia nos versos do autor alemão é de um pai que, em noite ventosa, com seu filho doente no colo, cavalga por uma floresta fantástica e aterradora. Nessa floresta, entre espíritos e árvores, inspirada nas lendas nórdicas, o filho, apavorado, sussurra ao pai sobre as vozes que ouvia dos negros e maus amieiros (que dão nome ao título do poema). No entardecer do cerrado goiano, a filha, quase inerte sobre o colo de Joana, exala o cheiro da flor branca da árvore-remédio da região, o popular sabugueiro (que também nomeia o título do conto). Enquanto em Erlkönig o menino, supostamente levado por uma força sobrenatural, morre nos braços do pai pouco antes da chegada ao médico, no conto brasileiro a menina possivelmente sobressai da febre alta ao ter acesso aos recursos farmacêuticos. Para isso, por amor, a mãe mata o próprio irmão, cruel e ganancioso.

O presságio desse momento sombrio (e dramático) da prosa é antecipado pelo narrador-observador na imagem potente do pôr do sol, quando afirma que “todo entardecer é triste nas fazendas, tem anúncio de solidão e morte” (Souza, 2022SOUZA, Enivalda Nunes Freitas e (2022). Os alegres peregrinos: contos rurais passadistas. Uberlândia: Assis., p. 50). Essa afirmação, de tom profético, entretanto, ocorre concomitantemente à descrição do devaneio da personagem itinerante, que, em trote sobre o sertão-mato acortinado pelas cores do pôr do sol, momentaneamente suspende o medo e a apreensão. Interrupção que a renova, porque em movimento tem pensamento elevado; “sentia-se orgulhosa” ao relembrar eventos da sua vida: a admiração da vizinhança “menos pela beleza — e era muito bonita — do que pela energia e vivacidade que lhe conferiam uma altivez de heroína” (Souza, 2022SOUZA, Enivalda Nunes Freitas e (2022). Os alegres peregrinos: contos rurais passadistas. Uberlândia: Assis., p. 50). Se os “caprichos da consciência” já podem ser lidos nas “constelações algodoadas” (Lévi-Strauss, 1996LÉVI-STRAUSS, Claude (1996). Tristes trópicos. Tradução de Rosa Freire D’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras., p. 63) do céu de raios decrescentes, no conto, ao mesmo tempo que a protagonista-peregrina se prepara para o grande desafio — sentindo-se autoconfiante ao recordar-se de si, do olhar dos vizinhos a seu respeito e das fainas diárias sempre vencidas —, o narrador antecipa ao leitor o destino dessa guerreira — nomeada de amazonas —, que a levará a ficar entre a vida e a morte, entre a pureza e a violência mortal.

O sexto conto, “Bem-te-vi”, de título explicitamente inspirado no poema “O passarinho em toda parte”, de Carlos Drummond de Andrade, é sobre Alva, que caminhante pela capoeira vive o processo de desencanto do primeiro amor, do noivo, Alfeu, que, apesar de declamar-lhe os versos do poema drummondiano, como um ceifeiro foi aos poucos cortando a plantação-sonhos da noiva. O “medo de desistir, de não ter mais surpresas” (Souza, 2022SOUZA, Enivalda Nunes Freitas e (2022). Os alegres peregrinos: contos rurais passadistas. Uberlândia: Assis., p. 66), vai borrando sua alma, que, associada à “noite escura”, vai sendo preenchida por uma tristeza paralisante a ponto de se lançar para fora: vai “invadindo pastos, árvores” (Souza, 2022SOUZA, Enivalda Nunes Freitas e (2022). Os alegres peregrinos: contos rurais passadistas. Uberlândia: Assis., p. 66) — a flora enquanto espaço selvagem —, assim como ocorreu com a personagem Ana do conto “Amor”, de Clarice Lispector, que também passa por experiência de crise arrebatadora no Jardim Botânico — espaço, como se vê, institucionalizado, domesticado (Nascimento, 2017NASCIMENTO, Evando. Clarice e as plantas: uma literatura pensante. Revista Caliban, 2017. Disponível em: https://revistacaliban.net/clarice-e-as-plantas-uma-literatura-pensante-22f3c3111f38. Acesso em: 6 mar. 2023.
https://revistacaliban.net/clarice-e-as-...
).

Porém, ainda durante a mobilidade pelos caminhos da capoeira rumo à casa dos primos e ao festejo de formatura do doutor Melquior, o Quiro, amigo da infância, em trajeto-retorno para exercer a profissão no seu Goiás natal, “recobrou o entusiasmo” (a consciência de si) numa experiência sensível sob o entardecer. Os raios do sol, que a tudo dá vida, pondo-se no horizonte, assim como as “bruscas iluminações do proscênio em certos teatros”, anunciam “o início do espetáculo” (Lévi-Strauss, 1996LÉVI-STRAUSS, Claude (1996). Tristes trópicos. Tradução de Rosa Freire D’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras.), evocam na personagem emoções sinestésicas: o “cheiro gostoso” de mato aguça o seu paladar e também sua capacidade de olhar (“admirar”) a natureza.

O entardecer principiava, esparzindo um cheiro gostoso de frescor e odores claros. A vereda fora precedida por um campo atapetado de azedinha, de onde colheu uma moita e levou à boca, engolindo com gosto dadivoso a abundante saliva. E era para muito se admirar as pequenas borboletas muito alegres naquele fim de tarde. Caminhavam (Souza, 2022SOUZA, Enivalda Nunes Freitas e (2022). Os alegres peregrinos: contos rurais passadistas. Uberlândia: Assis., p. 67).

Observemos que, desde os contos “Acenos” e “Flor de sabugueiro”, se altera o ângulo da mirada dos sujeitos-girassóis em relação ao objeto da natureza. No conto “Bem-te-vi”, há uma simbiose entre o entardecer, a fauna, a flora e o interior da personagem. Vale acrescentar uma informação interessante: o elemento líquido, sobremaneira a água, aparece em todos os seis contos até aqui analisados, antecipando no contato do olhar e corpo das personagens com o poço, o rio, o córrego, o leite, o sangue espirrado no rosto de Joana a mensagem das sequências narrativas do sol concluindo o dia.

A imagem da água em “Bem-te-vi”, por exemplo, precede o grau elevado do alcance das experiências emocionais de Alva e Quiro. Assim como as árvores, emblema dos cerradões, que no ambiente já sem chuva “começavam a secar, mas ainda guardavam aquele verde que suas raízes regavam”, ambas as personagens, em aflição, tal como as árvores, escavaram a “água a metros dentro do chão” (Souza, 2022SOUZA, Enivalda Nunes Freitas e (2022). Os alegres peregrinos: contos rurais passadistas. Uberlândia: Assis., p. 65). Com isso, semelhantemente aos ipês, que em “novo ciclo da vida” “arrebentariam seu roxo e amarelo na secura dos campos” (Souza, 2022SOUZA, Enivalda Nunes Freitas e (2022). Os alegres peregrinos: contos rurais passadistas. Uberlândia: Assis., p. 65), eles também soltarão pétalas de cores doídas e alegres, no decurso da silenciosa “secura” existencial. O entardecer prossegue na caminhada da personagem feminina (acompanhada dos irmãos) à casa de Quiro.

O narrador-câmera dá zoom revelando duas cenas que movimentam o encontro das personagens-protagonistas: “Lá fora, ao abrigo de um sol estupendo” (Souza, 2022SOUZA, Enivalda Nunes Freitas e (2022). Os alegres peregrinos: contos rurais passadistas. Uberlândia: Assis., p. 70), “música, dança e risos” focalizam o caminhar seguro de Alva, vestida de branco, e, lá dentro, enquadram o quarto em penumbra, onde Quiro, em crise, “em choque”, está “ajoelhado na beirada da cama” (Souza, 2022SOUZA, Enivalda Nunes Freitas e (2022). Os alegres peregrinos: contos rurais passadistas. Uberlândia: Assis., p. 70) da mãe moribunda. No entanto, no parágrafo de conclusão, o canto prelúdio do “Bem-te-vi”, soando alegre externamente, sugere sobreposição da cena depressiva contemplada com o sobressalto por Quiro, comparada no conto ao quadro de Pieter Bruegel, o renascentista que encenou com tintas O triunfo da morte.

O recordar das personagens-girassóis diante do pôr do sol, até aqui recolhido na voz do narrador em terceira pessoa e em crescente proximidade de si mesmo, é de sentimentos que vão tornando-se cada vez mais ricos, porque reveladores de valores e “forças opacas” (Lévi-Strauss, 1996LÉVI-STRAUSS, Claude (1996). Tristes trópicos. Tradução de Rosa Freire D’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras.) que foram pouco alcançados ao longo da caminhada do dia, da vida. Nos contos até aqui analisados, o momento da passagem do dia para a noite é pelas personagens contemplado na jornada de retorno e saída de casa (como se dá nos dois últimos), sobre o elemento Terra, ambiente terroso, resistente e pesado quando comparado à água, ao ar e ao fogo. Segundo Bachelard (1990BACHELARD, Gaston (1990). A terra e os devaneios: ensaios sobre imagens da intimidade. São Paulo: Martins Fontes., p. 302-303), “nos sonhos do psiquismo terrestre a terra é escura e negra, cinza e embaciada”.

É desse espaço sem brilho que o narrador-observador, em “Caminho”, “Crianças”, “Viajores”, “Acenos”, “Flor de sabugueiro” e “Bem-te-vi”, descreve o espetáculo do entardecer visto pelas personagens-girassóis em ângulos desiguais. Essa incompletude do olhar do sujeito para o objeto, contudo, vai diminuindo. Vale dizer que a condição de narrador-observador e a base de contemplação das personagens-girassóis sobre o elemento Terra são fatores que não possibilitam uma “consciência” completamente “para além dos elementos” (Simmel, 2009SIMMEL, Georg (2009). A filosofia da paisagem. In: MORÃO, Artur (org.). Textos clássicos de Filosofia. Covilhã: Universidade da Beira Interior. p. 5-17., p. 5), distanciando o narrador-observador da entrega umbilical à imagem-devaneio.

DESENVOLVIMENTO DO ESPETÁCULO: ÁGUA

Nos dois últimos contos, sétimo e oitavo, mais ousados, os enredos operam experiências mais arriscadas, de modo que o sentido da vida, em transformação e superação desde “Caminho”, aproxima o narrador cada vez mais do seu intento de entrada flutuante em seu poço-Ser para, desse modo, atingir o sentimento de totalidade. Da alternância de vozes no penúltimo conto (primeira e terceira) à introspecção no derradeiro, o entardecer continua a significar em ambos tessitura contemplativa do vivido, mas cada vez mais aberto ao movimento de fim elevado. O narrador travelling de antes, deslizando o seu olhar-câmera para acompanhar a mobilidade das personagens pela paisagem do cerrado, agora por sentir-se capacitado a assumir o posto de narrador-personagem, sentado no navio e no jipe, percorre os caminhos de dentro.

Em “Sapatinho dos Andes”, a personagem-narrador, a bordo de um navio, por meio do seu olhar ou relato pessoal, (re)cria duas sequências narrativas com o fim de estender e compreender a sua sensação de angústia — ou náusea existencialista, para usar um termo sartreano (Sartre, 2000SARTRE, Jean-Paul (2000). A náusea. Tradução de Rita Braga. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.) — sentida diante da imensidão do mar, fenômeno de dimensão infinita que não é natural à mente humana. A natureza nesse conto recebe sentido sublime tal qual postulou o filósofo Edmund Burke (1993)BURKE, Edmund (1993). Uma investigação filosófica sobre a origem de nossas ideias do sublime e do belo. Tradução de Enid Abreu Dobránszky. Campinas: Papirus., em 1757, que diz que o objeto-fenômeno de tamanho e poder imensurável causa espanto no sujeito que o contempla:

O longo apito do navio anunciou o fim, o medo do fim. Não é medo banal, aquele de navio ir a pique como nas catástrofes conhecidas; não é medo de ir para o fundo, mas uma profunda melancolia em linha horizontal e infinita (Souza, 2022SOUZA, Enivalda Nunes Freitas e (2022). Os alegres peregrinos: contos rurais passadistas. Uberlândia: Assis., p. 71, grifo nosso).

Por sentir-se diminuído ou apequenado, esse viajante imóvel e recoberto de serenidade (“estou além da morte e da vida, no tempo primordial” — Souza, 2022SOUZA, Enivalda Nunes Freitas e (2022). Os alegres peregrinos: contos rurais passadistas. Uberlândia: Assis., p. 72) projeta no “silêncio profundo” da “imensidão” do mar histórias “entrelaçadas” que, apesar das diferenças de rota, se complementam: a pé e a cavalo, sobre vegetações distintas, os protagonistas, dedicados ao outro e apegados em um mesmo tipo de objeto-símbolo da travessia (sapatinho, sapato), contemplam o pôr do sol no momento-limite de suas vidas.

A primeira sequência narrativa nasce da parada do navio em cruzeiro quando o narrador-turista, no caminho de ida, com a tripulação visita o Museu dos Andes, de Montevidéu. Lá conhece e reconta a história do conhecido acidente aéreo sucedido em 1972 na vastidão branca e gelada dos vales da grande Cordilheira dos Andes, mas que teve vidas salvas por causa do enfrentamento de dois expedicionários. Na narrativa “Parrado ou Canessa”, a personagem no trajeto, à beira de um lago, de “águas frescas e cristalinas” e “margeado por árvores muito verdes e não muito altas” (Souza, 2022SOUZA, Enivalda Nunes Freitas e (2022). Os alegres peregrinos: contos rurais passadistas. Uberlândia: Assis., p. 73), escreve em pleno entardecer cartas de “doces enganos” ao pai:

Ao cair da tarde, sento-me em uma cadeira e acompanho o sol se recolher. Suas últimas luzes colorem as águas e as folhas das árvores, apontando caminhos inimagináveis, muitos cruzados, mas todos vão dar na nossa casa. Fique em paz, meu pai. Como percebe, estou muito bem, em breve nos reencontraremos (Souza, 2022SOUZA, Enivalda Nunes Freitas e (2022). Os alegres peregrinos: contos rurais passadistas. Uberlândia: Assis., p. 73, grifo nosso).

Esse caminhante solitário (em devaneio) sente o repouso da alma apreciando o lago tingido de amarelo, pelas últimas luzes do sol: momento do dia que o eleva, pois “reúne em misteriosas configurações as peripécias do vento, do frio, do calor ou da chuva nas quais seu ser físico se debateu” (Lévi-Strauss, 1996LÉVI-STRAUSS, Claude (1996). Tristes trópicos. Tradução de Rosa Freire D’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras., p. 61).

A sequência narrativa, sugerindo caminho de volta, surge da “memória balançante” do mesmo narrador-personagem-turista, no momento em que o navio novamente

rompeu o mar, balançou desgovernadamente e deslizou sobre o cerrado arrancando árvores, afastando pedras, levantando poeira, até que pegou a carreira que deu numa pequena estrada de cascalho e areia por onde passava um rapazote montado num animal que trotava descompassadamente, pois as patas se recusavam a pisar com firmeza na estrada conhecida, como que tendo gosto de permanecer no espaço (Souza, 2022SOUZA, Enivalda Nunes Freitas e (2022). Os alegres peregrinos: contos rurais passadistas. Uberlândia: Assis., p. 74).

Esse rapazote, assentado em plano do sonho cuja “natureza é a alternância” de “dois mundos, o tangível e o intangível” (Souza, 2022SOUZA, Enivalda Nunes Freitas e (2022). Os alegres peregrinos: contos rurais passadistas. Uberlândia: Assis., p. 74), era Joaquim Maria, um jovem moço de saúde frágil, solitário, mas que naqueles dias, afirma o narrador, sentia uma “alegria genuína” por ter alcançado o olhar de Carolina. Embalado pela “esperança e felicidade” de rever a moça da cidade, em férias na fazenda do tio que ofereceu um baile em sua homenagem, e também recuperar o estimado “objeto perdido” da mãe, sai em seu cavalo em expedição pela paisagem do cerrado em busca de um “sapato de verniz vermelho” que a mãe perdera no caminho de volta da recente festa rural.

Durante a travessia pela vegetação típica do Goiás, Joaquim Maria, no galope, “confiante e feliz”, enquanto mergulhava nos sonhos, refletia sobre os momentos ditosos com a família e a “amada amiga”, foi despedindo-se “com o sol já se ocultando sobre as nuvens” (Souza, 2022SOUZA, Enivalda Nunes Freitas e (2022). Os alegres peregrinos: contos rurais passadistas. Uberlândia: Assis., p. 80). Foi nesse momento do sol mergulhando na paisagem que Joaquim Maria voltou para casa tombado sobre o cavalo puxado por um cavaleiro. Cena final tristíssima e simbólica, pois a camada de dourado do pôr do sol que o cobre — como se fosse mortalha — representa um recordar de silêncio profundo que se espalha ondulante na casa, nas impressões da família, na imensidão do cerrado. Afinal, a alma do camponês com o pôr do sol está em toda a parte, repousando em um universo de completude.

O cerrado, na conclusão do conto, é alçado a objeto sublime, tal como o extenso litoral banhado pelo mar, a Cordilheira dos Andes, e o próprio Oceano Pacífico, onde se encontra ainda o meditativo narrador-personagem, que está parado, retido em si mesmo, em estado de dissolução e lembrando, por isso, o pescador, que também ante ao espetáculo “retém” o movimento do seu barco, no dizer de Lévi-Strauss (1996)LÉVI-STRAUSS, Claude (1996). Tristes trópicos. Tradução de Rosa Freire D’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras..

A água, portanto, é a base contemplativa desse viajante, que diluído nela se entrega à natureza, universo que no seu olhar de sonhador é “composto por uma massa de tranquilidade, uma massa de imobilidade” (Bachelard, 1988BACHELARD, Gaston (1988). A poética dos devaneios. São Paulo: Martins Fontes., p. 169). Sujeito e mundo repousam, são “água dormente” (Bachelard, 1988BACHELARD, Gaston (1988). A poética dos devaneios. São Paulo: Martins Fontes., p. 169). Com o dom de poeta de integrar todas as coisas, o narrador, adormecido, “tem um privilégio de presença” (Bachelard, 1988BACHELARD, Gaston (1988). A poética dos devaneios. São Paulo: Martins Fontes., p. 169): expande-se, divide-se ou desmembra-se em duas personagens. Ele vê em sua presença os heróis reais dos Andes e o herói imaginado. E são essas personagens, dobras abertas no fundo de sua memória, partes suas interligadas, os girassóis que acompanham o movimento do sol pondo-se no horizonte, respectivamente, do lago e do cerrado.

CONCLUSÃO DO ESPETÁCULO: AR E FOGO

Em “Viagem a Citera”, a aspiração do narrador-personagem é experienciar a jornada para dentro9 9 Paráfrase da frase “Quando nós viajamos para longe, vamos para fora. E quando sonhamos, viajamos para dentro”, de Jostein Gaarder (1997, p. 112), autor filósofo de Ei, tem alguém aí?. , que, de sonho sem expansões, consubstancie fusão única entre o seu eu e o entardecer. Todavia, essa paisagem solar, mencionada na maioria dos contos, embora se pareça ausente neste último, está terrivelmente presente. Atentemo-nos ao título, de direção mais abstrata, que se abre ao universal-filosófico por fazer referência ao termo de sentido largo ao pensamento ocidental: a viagem enquanto experiência “concebida como a prova obrigatória pela qual uma educação se completa, içada ao nível das exigências da vida de um homem” (Besse, 2006BESSE, Jean-Marc (2006). Ver a terra: seis ensaios sobre paisagem e a geografia. Tradução de Vladimir Bartalini. São Paulo: Perspectiva., p. 43).

Se a temática do conto anterior é sobre viagens de si com a presença do outro, a do último conto é sobre a viagem-paisagem, conforme conceituação de Georg Simmel (2009)SIMMEL, Georg (2009). A filosofia da paisagem. In: MORÃO, Artur (org.). Textos clássicos de Filosofia. Covilhã: Universidade da Beira Interior. p. 5-17., de 1913, do narrador em primeira pessoa que foi aos poucos desligando-se das significações particulares (vivências da infância e juventude) até atingir consciência de si para desfrutar algo uno10 10 Expressões de Georg Simmel (2009, p. 5). . O destino dessa jornada-paisagem é Citera, nome da ilha grega onde Afrodite nasceu.

Para organizar-se e chegar até a recordação dessa viagem diferenciada, o narrador, em quietude, focaliza a si mesmo, olha para trás e no dilúvio da passagem do tempo se vê nas experiências, nos acontecimentos e nos impulsos das personagens-crianças (das meninas irmãs e dos primos dos primeiros contos) quando “constru[íam] felicidade com o que se dispunha[m]” (Souza, 2022SOUZA, Enivalda Nunes Freitas e (2022). Os alegres peregrinos: contos rurais passadistas. Uberlândia: Assis., p. 81):

A vida era um quintal por onde espalhávamos pequenas frustrações e fazíamos generosas colheitas de alegrias, quase sempre as mesmas. Assim a vida seguia seu ritmo, regida pelo tempo das secas, das águas e das férias escolares, boas e intermináveis, mas sem novidade. Assim se vivia naquele tempo (Souza, 2022SOUZA, Enivalda Nunes Freitas e (2022). Os alegres peregrinos: contos rurais passadistas. Uberlândia: Assis., p. 81).

Olhando a vida de forma mais aberta e simbolizada, o narrador-personagem, em estado de torpor, retoma a mesmice vivida no passado, mas demonstrando avanço espiritual quando conjuga os dois lados da rotina sempre igual, as agonias e os afetos, as dores e os contentamentos. Esse recordar que organiza as polaridades da vida-quintal demonstra que o nosso protagonista se afasta das vivências (viagens) exteriores para realizar viagem subjetiva em direção a instantes de totalidade.

Continuando a preparação para o deslocamento introspectivo, olha mais fundo para o poço-memória resgatando dele o pó das histórias guardadas do cotidiano infantil:

Agora posso ver o rosto iluminado de cada uma, ouvir suas vozes... debaixo das mangueiras, nas brincadeiras de roda, nos banhos de córrego, as gargalhadas, as queixas, os imperativos ecoando pelos quintais e portas de rua... corre, pula, joga, senta, sai, fica, vamos. Nada com muita precisão (Souza, 2022SOUZA, Enivalda Nunes Freitas e (2022). Os alegres peregrinos: contos rurais passadistas. Uberlândia: Assis., p. 82).

Ainda mais apaziguado quanto aos ruídos de fora, cabe regressar agora às intuições: “Do passado a gente guarda cabelo ao vento, risos, choros, mágoa, correrias, um gosto na boca, o cheiro da noite fresca, o ardido do sol na pele, um grito” (Souza, 2022SOUZA, Enivalda Nunes Freitas e (2022). Os alegres peregrinos: contos rurais passadistas. Uberlândia: Assis., p. 82). Ressaltamos que o indefinido “um grito” no encerramento da sequência das emoções sentidas é bastante simbólico, porque mostra que, nessa atmosfera de teor expressionista, o narrador-personagem se extravasa um pouco, aproximando cada vez mais do definitivo grito, mais intenso e de maior amplitude a ser ecoado no silêncio do seu ser. Sem sentir-se tão aprisionado nos próprios medos, descobre nessas “sensações” retomadas ou nesses traçados de lembranças um dos eventos que lhe é ainda capital: “aquela viagem inesquecível” de fim de semana que, miticamente, se estendeu por vários dias com as irmãs e primas. Observa-se que o narrador-personagem, adentrando lentamente em seu poço-ser, expôs o seu amadurecimento mediante as vivências consumadas e descobertas desde a fase da infância — “o chão sobre o qual caminharemos o resto de nossos dias” (Luft, 2020LUFT, Lya (2020). A marca no flanco. Prosa Verso E Arte. Disponível em: https://www.revistaprosaversoearte.com/a-marca-no-flanco-uma-cronica-extraordinaria-da-escritora-lya-luft/. Acesso em: 3 set. 2023.
https://www.revistaprosaversoearte.com/a...
).

Vimos nos contos antecedentes os enfrentamentos das personagens-famílias que com coragem ou vontade de ação em torno de um evento específico (“caminho” com seres assombrados, jornada pelo asfalto, pelo quintal de frutas, pelo cerrado-sertão, capoeira, expedição sobre a neve) concebem autorrealizações das várias etapas da vida. O narrador vem desde o início, pouco a pouco, portanto, revelando desenvolvimento interior — transcendências ou integração dos símbolos da vida concebidas da elaboração dos temores e incertezas, conhecimento das luzes e superação “das sombras”11 11 Entrevista com o psiquiatra e junguiano Carlos Byington, de 2018 (Porto, 2018). .

“Quem mostra o trilho ao viajor das sombras?” Esse verso-pergunta exposto em página escura que abre o livro, como já dito anteriormente, é respondido no último conto do livro. O “viajor” é o narrador prestes a alcançar o que se oculta no mais fundo da sua alma e, assim, adentrar na paisagem horizonte do entardecer que vem iluminando suas ultrapassagens pelas sombras. Em vez do “facho da Razão” e da “fé no coração”, luzes que o eu poético de Castro Alves (1921)CASTRO ALVES, Antônio Frederico de (1921). Obras completas de Castro Alves. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves. acendeu em sua travessia Pelas sombras, o nosso “viajor” será guiado pelo tio Hermes, a personagem motorista que direciona o leitor à figura do deus Hermes, considerado o companheiro dos homens, por conhecer com perfeição o roteiro que leva à luz. É esse mensageiro predileto de Zeus, Hades e Perséfone que, provido de artefatos divinos, vai dominar os caminhos e suas encruzilhadas na condução do nosso journeyer.

Mário de Andrade (2013)ANDRADE, Mário de (2013). Poesias completas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira., no poema “Louvação da tarde”, afirma que o entardecer é o momento do dia que torna possível a integração do ser na busca dos “desejos sonhados”:

Tarde, recreio de meu dia, é certo

Que só no teu parar se normaliza

A onda de todos os transbordamentos

Da minha vida inquieta e desregrada.

Só mesmo distanciado em ti, eu posso

Notar que tem razão-de-ser plausível [...]

Só na vastidão dos teus espaços,

Tudo o que gero e mando, e que parece

Tão sem destino e sem razão, se ajunta

Numa ordem verdadeira... Que nem gado,

Pelo estendal do jaraguá disperso,

Ressurge de tardinha e, enriquecido

Ao aboio sonoro dos campeiros [...]

Tarde macia, pra falar verdade:

Não te amo mais do que a manhã, mas amo

  Tuas formas incertas e estas cores

Que te maquilham o carão sereno.

Não te prefiro ao dia em que me agito,

Porém contigo é que imagino e escrevo

O rodapé do meu sonhar [...]

Um despropósito de perfeições

Me cerca e, em grata sucessão de casos,

Vou com elas vivendo uma outra vida:

...Toda dor física azulou... Meu corpo [...]

De-dia eu faço, mas de-tarde eu sonho, [...]

Pois afastando o céu de junto à terra,

Tarde incomensurável (Andrade, 2013ANDRADE, Mário de (2013). Poesias completas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira., p. 330-333, grifos nossos).

Se o poeta itinerante, no enaltecer da tarde, percorre lentamente a “desabitada rodovia” sentado no carro forde, o narrador-personagem-peregrino do conto “Viagem a Citera”, em sua meditação ambulante de retorno ao tempo mítico familiar, aparece sentado num automóvel azul — “cor aérea”12 12 O azul perfaz o “movimento de um despertar”, da “escuridão tornando-se visível” (Bachelar, 2001, p. 39). — dirigido pelo tio Hermes, como já dito, imagem e semelhança do protetor deus Hermes, que, com suas sandálias de ouro e varinha mágica, não se perde na noite, controla ventos e nuvens voando por meio deles como um pássaro: “Naquele jipe estávamos fora do tempo” (Souza, 2022SOUZA, Enivalda Nunes Freitas e (2022). Os alegres peregrinos: contos rurais passadistas. Uberlândia: Assis., p. 84). Assim como o eu lírico do poema de Mário de Andrade, o narrador-personagem procura com esforço libertar-se das limitações e inquietações da vida corriqueira para descobrir outra e, assim, exercitar “a fantasia do devaneio interior” (Candido, 1990CANDIDO, Antonio (1990). O poeta itinerante. Revista USP, São Paulo, n. 4, p. 157-168, 1990. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9036.v0i4p157-168
https://doi.org/10.11606/issn.2316-9036....
, p. 161). Na busca de encantamento para a experiência mística em face da paisagem rural, o olhar contemplativo daquele, comparado ao da flor girassol, que acompanha o movimento do pôr do sol, varia de intensidade. Isso é o que demonstra os três qualificativos dados à “viagem inesquecível” — “misteriosa”, “fascinante” e “doída” —, em nexo também com a personalidade das três tias (Efrósina, Aglaia e Natália) em clara sintonia com as três graças filhas de Zeus: Euphrosyne (Alegria), Aglaea (Beleza) e Thalia (Florescer).

Das três, a divindade anfitriã que mais conseguiu acorrentar o espírito, provocar êxtase no visitante foi a tia Aglaia. A visita introspectiva à casa da tia “fascinante” é marcada pelo amarelo: cor do seu vestido e dos narcisos inebriantes que enfeitavam o lago do jardim-paraíso, onde ela bordava “sob um loureiro muito antigo” (Souza, 2022SOUZA, Enivalda Nunes Freitas e (2022). Os alegres peregrinos: contos rurais passadistas. Uberlândia: Assis., p. 90). Observemos que essa árvore (que dá flores amarelas) é como se fosse coroa enaltecendo-a. Temos nesse devaneio, portanto, o espelhamento do primeiro momento do pôr do sol, quando, segundo Lévi-Strauss (1996, p. 63, grifo nosso)LÉVI-STRAUSS, Claude (1996). Tristes trópicos. Tradução de Rosa Freire D’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras.:

Os seus raios [...] sem tocar o horizonte chegam mais diretos, e nessa luz plena e inimiga da perspectiva há um desabrochar de claridade que parece arrebentar como uma gema de ovo e lambuzar de luz as formas às quais estava agarrado.

Essa luz solar, amarela e de claridade estridente, atravanca o enleio. Nos termos de Georg Simmel (2009, p. 5, grifo nosso)SIMMEL, Georg (2009). A filosofia da paisagem. In: MORÃO, Artur (org.). Textos clássicos de Filosofia. Covilhã: Universidade da Beira Interior. p. 5-17., em “A filosofia da paisagem”:

Inúmeras vezes deambulamos pela natureza livre e avistamos, [...] árvores, cursos de água [...] outras mil alterações da luz e das nuvens — mas [...] raramente nos demos conta de que ainda não há paisagem quando muitas e diversas coisas se encontram lado a lado numa parcela de solo e são diretamente contempladas.

À medida que as “formas incertas” que “maquilham o carão sereno do sol” se arredam, à medida que o sol se afasta “de junto à terra”, a nossa personagem-girassol — de subjetividade elevada em seu limite — também se afasta dos tumultos terrenos sentindo uma “ordem verdadeira” que o faz “ressurg[ir] enriquecido” (Andrade, 2013ANDRADE, Mário de (2013). Poesias completas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira., p. 331). No retorno da viagem, após olhar na distância da realidade — coisas “lado a lado” como as “flores murchas” estendidas no assoalho do carro —, a nossa personagem na distância do devaneio faz paisagem interior, tem a consciência de vê-la nos “vivos” bordados dos quadros feitos pela tia-artesã. A sugestão é que no seu olhar a arte fiada com cuidado pela tia Aglaia espelha o movimento e as cores do pôr do sol — em fase cuja direção dos raios retumba a imagem musical do “arco de violino inclinado e reto para tocar cordas diferentes” (Lévi-Strauss, 1996LÉVI-STRAUSS, Claude (1996). Tristes trópicos. Tradução de Rosa Freire D’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras., p. 63).

Esse fenômeno, em sua segunda fase, pintor de si, pinta “raios [que] chegam refletidos e, por estarem escondidos atrás do horizonte a luz enfraquece [formando] um quadro de plano a cada instante mais complexo, com redes de cores, um fogo de início dourado, depois vermelhão, depois cereja...” (Lévi-Strauss, 1996LÉVI-STRAUSS, Claude (1996). Tristes trópicos. Tradução de Rosa Freire D’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras., p. 63). Ao contrário da mitológica personagem Narciso, a nossa personagem-girassol autorrealiza-se quando surge debruçada sobre os bordados os quais pressupomos espelham a natureza-quadro do pôr do sol final. O narrador-personagem descreve o que sentiu e viu no momento principal da “viagem inesquecível”:

Deslizei a mão nos vivos bordados, tentando alcançar as crianças brincando de roda com uma mulher de cabelos soltos, dançando ao redor de um piano. Em outro, um jipe alado vazava nuvens sobre matas verdes, provocando um gostoso friozinho na barriga, e quase dava sono tocar naquele de uma mulher se aconchegando ao peito de um homem, em uma noite linda em que crianças contavam vaga-lumes e estrelas. Não faltava nenhum cenário, nenhum detalhe. Flores, lagos e pássaros extraordinários, de todas as cores, como que se movimentavam nas telas. [...] E com que emoção fora bordada uma bela mulher, de lágrimas nos olhos, entregando adornos a jovens moças. Por fim, quase se podia sentir os respingos da cachoeira em que as meninas brincavam, e as manchas de sangue na areia ainda eram úmidas. E sem nenhuma moldura, no meio dos bordados, havia uma tela em branco (Souza, 2022SOUZA, Enivalda Nunes Freitas e (2022). Os alegres peregrinos: contos rurais passadistas. Uberlândia: Assis., p. 93-94, grifos nossos).

Em sonho esse viajante contempla nos bordados “vivos” as brincadeiras, a dança, a música, o toque de aconchego do casal, a noite mágica. O ser desse sonhador, ampliado pela leveza e pela pureza, ao desapegar-se das matérias, vive o “devaneio aéreo” do ar infinito de que fala Bachelard (2001, p. 17)BACHELARD, Gaston (2001). O ar e os sonhos: ensaio sobre a imaginação do movimento. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes.: nele “apagam as dimensões”, pois assim “que tocamos nessa matéria não dimensional nos dá a impressão de uma sublimação íntima absoluta”. O jipe de cor diáfana do tio (deus) Hermes — “vazava[m] nuvens sobre matas verdes” —, qualificado de “alado”, enfatiza essa atmosfera de transubstanciação das imagens: “Não faltava nenhum cenário, nenhum detalhe. Flores, lagos e pássaros extraordinários, de todas as cores, como que se movimentavam nas telas” (Souza, 2022SOUZA, Enivalda Nunes Freitas e (2022). Os alegres peregrinos: contos rurais passadistas. Uberlândia: Assis., p. 94, grifo nosso). Os bordados das telas de diferentes formas e cores no olhar do sonhador, retomando o que Walter Benjamin (1987, p. 266)BENJAMIN, Walter (1987). Rua de mão única. Tradução de Rubens Rodrigues Torres Filho et al. Brasília: Brasiliense. Obras Escolhidas, II. certa vez disse, são “imagens esvanecidas” eternas, em repouso e “apoiada[s] em paredes de nuvens”.

Esse olhar-anímico entregue aos bordados, de forma arredondada e “sem moldura” e ainda refletindo os raios inclinados do entardecer13 13 O sol do entardecer, em sua segunda fase, é comparado à fogueira por Lévi-Strauss (1996, p. 63): Os raios do sol “num céu repleto de chamas” rapidamente “estouravam-nas sucessivamente, uma, depois outra, numa gama de cores que vão mudando até culminar em uma criativa dissolução”. , insinua contemplar a imagem do poço em que cores-chamas se movem em direção espiralada. É possível pensar que, lá bem fundo, no sonho, o elemento fogo é calor e luz que comandam também o “devir” desse devaneio que lembra o do selvagem quando no momento do entardecer “pisca o olho, sentado perto de um fogo declinante”, para retomar Lévi-Strauss (1996, p. 61)LÉVI-STRAUSS, Claude (1996). Tristes trópicos. Tradução de Rosa Freire D’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras.. As cores dos bordados (do pôr do sol) em dinamismo intenso, no seu olhar de sonhador, são como flamas que se transformam a cada instante (Bachelard, 2008BACHELARD, Gaston (2008). A psicanálise do fogo. São Paulo: Martins Fontes., p. 19).

O poço-Ser agora é visível, penetrável e iluminado pela luz do entardecer-pintor, antítese do poço encarcerado, escuro e enigmático dos contos “Caminho” e “Viajores”. Imóvel na introspeção, o narrador-girassol parece seguir na magia do silêncio profundo o movimento circular do abismo — de efeito mise-en-abyme. Esse afunilamento para dentro leva o seu olhar ao campo volátil do infinito, “no meio dos bordados”, de cores sugestivamente em dissolução; fundindo-se (tal como a rede de cores do pôr do sol), viu “uma tela em branco” — cor puxada... desfiada... aqui e ali desde os primeiros contos. O branco, síntese de todas as cores, revela o anseio do narrador-personagem pelo todo, pelo viver universal, metafísico. Observemos que, em comunhão com aquela flor — tão admirada por Van Gogh —, que gira procurando a posição do sol, ele, a personagem-girassol, é alma atraída pela sua luz branca, portanto, pela manifestação da luz divina, espiritual e em ligação com o “Amor Sagrado”.

As narrativas curtas da coletânea Os alegres peregrinos: contos rurais passadistas, da autora Enivalda Souza, assim como o pôr do sol, tratam “de uma representação completa, com um início, um meio e um fim” (Lévi-Strauss, 1996LÉVI-STRAUSS, Claude (1996). Tristes trópicos. Tradução de Rosa Freire D’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras., p. 61). Na busca do autoconhecimento, o narrador-girassol, de conto a conto, vai revelando a sua formação desde criança até o estado de maior maturidade. O seu alvo, nas viagens concretas e depois subjetivas, é chegar a Citera, ao lugar que lhe ofereça a experiência numinosa da poesia de Dora Ferreira da Silva, cujos versos foram citados no decorrer do conto de encerramento. Afinal, o construto poético da autora paulista, “ancorado nos elementos cósmicos”, conforme Fernanda Cristina Campos (2018CAMPOS, Fernanda Cristina (2018). Linguagem, imaginação e imagem: manifestações do numinoso em Dora Ferreira da Silva. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia., p. 260), dialoga “mundo sensível” e “potências elevadas” — sinônimo das “energias sacras”.

O narrador, de “olhar” “nítido como um girassol”, para retomar verso de Fernando Pessoa (2005, p. 204)PESSOA, Fernando (2005). Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar., encarnado no objeto, alcança na fundura do seu poço-ser a experiência numinosa. Essa união ocorrida em níveis graduais de atenção atingiu o seu cume nos bordados “vivos” da tia-deusa que, feitos em tecido de forma esférica e sem cercaduras, compõem quadros abertos ao ilimitado. Esses quadros bordados e em movimento no seu olhar profundo espelham o cerne do “espetáculo” do entardecer, cujo propósito é “oferece[r] [ao olhar que o fixa] uma espécie de imagem reduzida dos [seus] combates, vitória e derrotas que se sucederam” no decorrer do dia, da vida, da viagem, “de modo palpável, mas também mais lento” (Lévi-Strauss, 1996LÉVI-STRAUSS, Claude (1996). Tristes trópicos. Tradução de Rosa Freire D’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras., p. 61). A história do narrador-girassol relembrada na “imagem reduzida” dos bonitos e alegres bordados vazados pelos derradeiros raios do sol do entardecer é, enfim, a paisagem-tela da sua vida apresentada “com outra qualidade” (numa expressão não fiel, mas simbólica ou metafórica), porque “poucos aceitariam viver novamente as labutas e o sofrimentos que, no entanto, não gostam de rememorar” (Lévi-Strauss, 1996LÉVI-STRAUSS, Claude (1996). Tristes trópicos. Tradução de Rosa Freire D’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras., p. 61).

Notas

  • 1
    Enivalda escreveu a obra autobiográfica Terra, traçados e livros: nas vozes da memória (2021).
  • 2
    A expressão do poema “Impressionista”, de Adélia Prado (1995, p. 36)PRADO, Adélia (1995). Poesia reunida. 4ª ed. São Paulo: Siciliano., faz referência ao crepúsculo do amanhecer.
  • 3
    Os quatro girassóis cortados (1887) e Vaso com quatorze girassóis (1888) são quadros que apresentam, por exemplo, esse efeito simbólico-psicológico de luta entre o que o pintor vê e sente: as flores, naturezas-paradas e preenchidas pelo amarelo “deslumbrante, quente e profundo”, ao mesmo tempo, mostram-se deformadas (murchas e secas) e em dissolução (com “pétalas espinhosas que contorcem como línguas de fogo”) (Van Gogh, 2011VAN GOGH, Vincent (2011). Abril Coleções. Tradução de Carla Luzzati e Elke Silvério. São Paulo: Abril., p. 79).
  • 4
    O narrador culto preenche as histórias contadas com trechos de vários tipos de texto, de origem popular e erudita: lendas das mitologias universal (greco-latina) e local, trechos da Bíblia, citações de romances do cânone brasileiro (Dom Casmurro, Vidas secas etc.), de poemas, músicas e pintura de quadro emblemático.
  • 5
    Paráfrase da frase “Quando nós viajamos para longe, vamos para fora”, de Jostein Gaarder (1997, p. 112)GAARDER, Jostein (1997). Ei! Tem alguém aí? Tradução de Isara Mara Lando. São Paulo: Companhia das Letras., autor filósofo de Ei, tem alguém aí?.
  • 6
    Expressões do texto “A filosofia da paisagem”, de Georg Simmel (2009, p. 5)SIMMEL, Georg (2009). A filosofia da paisagem. In: MORÃO, Artur (org.). Textos clássicos de Filosofia. Covilhã: Universidade da Beira Interior. p. 5-17..
  • 7
    O narrador afirma que no passado, em mãos de uma antiga nota promissória — assinada, mas não cumprida —, obteve posse da única propriedade dos pais de Paulo.
  • 8
    Em evento acadêmico, a autora Enivalda Nunes abordou sobre essa inspiração para a criação do conto “Flor de sabugueiro”.
  • 9
    Paráfrase da frase “Quando nós viajamos para longe, vamos para fora. E quando sonhamos, viajamos para dentro”, de Jostein Gaarder (1997, p. 112)GAARDER, Jostein (1997). Ei! Tem alguém aí? Tradução de Isara Mara Lando. São Paulo: Companhia das Letras., autor filósofo de Ei, tem alguém aí?.
  • 10
    Expressões de Georg Simmel (2009, p. 5)SIMMEL, Georg (2009). A filosofia da paisagem. In: MORÃO, Artur (org.). Textos clássicos de Filosofia. Covilhã: Universidade da Beira Interior. p. 5-17..
  • 11
    Entrevista com o psiquiatra e junguiano Carlos Byington, de 2018 (Porto, 2018PORTO, Fernando. “Felicidade é a integração dos símbolos da vida”. O Meu Refúgio, 2018. Disponível em: https://omeurefugio.com.br/2018/04/27/felicidade-e-a-integracao-dos-simbolos-da-vida/. Acesso em: 8 set. 2023.
    https://omeurefugio.com.br/2018/04/27/fe...
    ).
  • 12
    O azul perfaz o “movimento de um despertar”, da “escuridão tornando-se visível” (Bachelar, 2001, p. 39).
  • 13
    O sol do entardecer, em sua segunda fase, é comparado à fogueira por Lévi-Strauss (1996, p. 63)LÉVI-STRAUSS, Claude (1996). Tristes trópicos. Tradução de Rosa Freire D’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras.: Os raios do sol “num céu repleto de chamas” rapidamente “estouravam-nas sucessivamente, uma, depois outra, numa gama de cores que vão mudando até culminar em uma criativa dissolução”.

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Editores:

Paulo César Thomaz e Rejane Pivetta

Editora de seção:

Cristiane da Silva Alves

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    12 Dez 2023
  • Aceito
    14 Maio 2024
Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea, Programa de Pós-Graduação em Literatura da Universidade de Brasília (UnB) Programa de Pós-Graduação em Literatura, Departamento de Teoria Literária e Literaturas, Universidade de Brasília , ICC Sul, Ala B, Sobreloja, sala B1-8, Campus Universitário Darcy Ribeiro , CEP 70910-900 – Brasília/DF – Brasil, Tel.: 55 61 3107-7213 - Brasília - DF - Brazil
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