Acessibilidade / Reportar erro

A ecopoética indígena como emancipação pós-humana: notas sobre a representação do eu-outro na era da degradação

Indigenous ecopoetics as post-human emancipation: notes on the representation of the self-other in the era of degradation

La ecopoética indígena como emancipación poshumana: apuntes sobre la representación del yo-otro en la era de la degradación

Resumo

Não apenas como arte que sobrevive historicamente à dominação, mas que renasce de séculos de opressão e se integra às cosmogonias ancestrais, a literatura indígena carrega em si o compromisso ético e ecopolítico, fortalecida pela ecocrítica decolonial e pelo pensamento pós-humanista pós-antropocêntrico (Braidotti, 2013BRAIDOTTI, Rosi (2013). The Posthuman. Cambridge: Polity Press.). Está, assim, duplamente engajada, estética e ideologicamente, numa visão ontológica e ecosófica, produzindo, na era do Antropoceno, novos modos de ver e perceber. Conforme o exposto, este estudo analisa a produção poética indígena brasileira contemporânea, mais especificamente a do período da pandemia de COVID-19, tomando como base o imbricamento naturezacultura (Haraway, 2003HARAWAY, Donna J. (2003). The Companion Species Manifesto: Dogs, People, and Significant Otherness. Chicago: Prickly Paradigm Press.). Objetivamos analisar os modos de representação literária diante da crise humanitária enfrentada por povos autóctones nos últimos anos em função do contexto pandêmico e de ações antrópicas, tomando como ponto de partida as produções de Trudruá Dorrico e Eliane Potiguara. Com base nessas discussões, buscamos compreender a estética abya yala como caminho político-literário de reconstrução do bien vivir enquanto prática ancestral e de clamor por justiça socioambiental, integrando, nessa jornada, existência social alternativa (Quijano, 2014QUIJANO, Aníbal (2014). Bien Vivir: Entre el “desarrollo” y la des/Colonialidad del poder. In: QUIJANO, Aníbal (org.). Des/colonialidad y bien vivir: um nuevo debate in America Latina. Peru: Editorial Universitaria. p. 847-859.), escrita epistolar e resistência poética.

Palavras-chave:
literatura indígena; poesia brasileira contemporânea; ecocrítica; naturezacultura

Abstract

Not only as an art that historically faces domination, but as one that is reborn from centuries of oppression and integrates ancestral cosmogonies, indigenous literature carries an ethical and ecopolitical commitment, strengthened by decolonial ecocriticism and post-anthropocentric post-humanist thought (Braidotti, 2013BRAIDOTTI, Rosi (2013). The Posthuman. Cambridge: Polity Press.). It is, therefore, doubly engaged, aesthetically and ideologically, in an ontological and ecosophical vision, producing, in the Anthropocene era, new ways of seeing and perceiving. Based on the above, this study looks into the contemporary Brazilian indigenous poetic production, more specifically that of the period of the COVID-19 pandemic, based on the natureculture overlap (Haraway, 2003HARAWAY, Donna J. (2003). The Companion Species Manifesto: Dogs, People, and Significant Otherness. Chicago: Prickly Paradigm Press.). We aim to analyze the modes of literary representation in the face of the humanitarian crisis confronted by indigenous peoples in recent years due to the pandemic and anthropogenic actions, taking as a starting point the works by Trudruá Dorrico and Eliane Potiguara. Based on these discussions, we seek to understand abya yala aesthetics as a political-literary path for reconstructing bien vivir as an ancestral practice and a cry for socio-environmental justice, integrating, in this journey, alternative social existence (Quijano, 2014QUIJANO, Aníbal (2014). Bien Vivir: Entre el “desarrollo” y la des/Colonialidad del poder. In: QUIJANO, Aníbal (org.). Des/colonialidad y bien vivir: um nuevo debate in America Latina. Peru: Editorial Universitaria. p. 847-859.), epistolary writing, and poetic resistance.

Keywords:
indigenous literature; contemporary Brazilian poetry; ecocriticism; natureculture

Resumen

No sólo como arte que históricamente sobrevive a la dominación, sino que renace de siglos de opresión y se integra a las cosmogonías ancestrales, la literatura indígena lleva consigo un compromiso ético y ecopolítico, fortalecido por la ecocrítica decolonial y el pensamiento posthumanista post-antropocéntrico (Braidotti, 2013BRAIDOTTI, Rosi (2013). The Posthuman. Cambridge: Polity Press.). Está, por tanto, doblemente comprometida, estética e ideológicamente, con una visión ontológica y ecosófica, que produce, en la era del Antropoceno, nuevas formas de ver y percibir. A partir de lo anterior, este estudio analiza la producción poética indígena brasileña contemporánea, más específicamente la del período de la pandemia de COVID-19, a partir del cruce naturaleza-cultura (Haraway, 2003HARAWAY, Donna J. (2003). The Companion Species Manifesto: Dogs, People, and Significant Otherness. Chicago: Prickly Paradigm Press.). Nos proponemos analizar los modos de representación literaria ante la crisis humanitaria enfrentada por los pueblos indígenas en los últimos años debido al contexto pandémico y a las acciones antropogénicas, tomando como punto de partida las producciones de Trudruá Dorrico y Eliane Potiguara. A partir de estas discusiones, buscamos entender la estética abya yala como un camino político-literario de reconstrucción del bien vivir como práctica ancestral y clamor por justicia socioambiental, integrando, en este recorrido, la existencia social alternativa (Quijano, 2014QUIJANO, Aníbal (2014). Bien Vivir: Entre el “desarrollo” y la des/Colonialidad del poder. In: QUIJANO, Aníbal (org.). Des/colonialidad y bien vivir: um nuevo debate in America Latina. Peru: Editorial Universitaria. p. 847-859.), escritura epistolar y resistencia poética.

Palabras-clave:
literatura indígena; poesía brasileña contemporánea; ecocrítica; naturaleza-cultura

É possível evitar ainda que o céu caia sobre nossas cabeças?
(Trudruá Dorrico, 2020DORRICO, Julie (2020). Carta a Ely Macuxi. Cartas de um outro tempo. Revista Pessoa, São Paulo/Portugal. Disponível em: https://revistapessoa.com/artigo/3013/carta-a-julie-dorrico. Acesso em: 22 mar. 2024.
https://revistapessoa.com/artigo/3013/ca...
).

A arte poética, nos momentos de crise mais profunda já experienciada pela humanidade, tem se articulado como enfrentamento. Ela ergue-se política e ideologicamente; manifesta-se abrindo caminhos para além dos que lhe são dados, enrijece em sua matéria corpórea, silencia-se em resistência. Em um contexto de crise do humano, perpetuada e aprofundada na contemporaneidade, a arte confronta-se com o inumano e o pós-humano, cujos embates refletem insurgências e produzem caminhos outros. Mais especificamente, a ecopoética contemporânea, presente nas produções literárias indígenas brasileiras do século XXI, contribui à percepção da complexidade do sistema literário como um veículo de expressão do imbricamento e da permeabilidade entre natureza e cultura (Glotfelty; Fromm, 1996GLOTFELTY, Cheryl; FROMM, Harold (1996). The Ecocriticism Reader: Landmarks in Literary Ecology. Atenas e Londres: University of Georgia Press.)1 1 Quando não indicadas explicitamente, todas as traduções feitas neste texto são de minha responsabilidade. , cujo emaranhado permite a passagem de uma lógica imposta pela cisão nós (humanos) e eles (não humanos) para a do eu-outro. Tal ruptura, afeita à politização pós-humanista e à pós-humanização política pelo viés decolonial, inverte a ordem discursiva hegemônica, tão próspera na história da colonização latino-americana. Por ela, há a descoberta de que nós nunca fomos “nós”, e eles, não humanos, nunca foram “eles” (Papadopoulos, 2018PAPADOPOULOS, Dimitris (2018). Insurgent Posthumanism. In: BRAIDOTTI, Rosi; HLAVAJOVA, Maria (org.). Posthuman Glossary. Londres: Bloomsbury. p. 204-207. ProQuest Ebook Central. Disponível em: http://ebookcentral.proquest.com/lib/bristol/detail.action?docID=5226228. Acesso em: 19 mar. 2024.
http://ebookcentral.proquest.com/lib/bri...
, p. 205-206).

Como arte de resistência, a poesia indígena — inserida no que Lúcia Sá (2004)SÁ, Lúcia (2004). Rain Forest Literatures: Amazonian Texts and Latin American Culture. Mineápolis: University of Minnesota. (Cultural Studies of the Americas, v. 16.) propõe enquanto a literatura da floresta/amazônica — tem em si a “consciência da contradição”, entoando “um grito de alarme” em um meio hostil ou surdo, como reflete Alfredo Bosi (1977BOSI, Alfredo (1977). O ser e o tempo da poesia. São Paulo: Cultrix / Universidade de São Paulo., p. 142) em O ser e o tempo da poesia:

A poesia há muito tempo que não consegue integrar-se, feliz, nos discursos correntes da sociedade. Daí vêm as saídas difíceis: o símbolo fechado, o canto oposto à língua da tribo, antes brado ou sussurro que discurso pleno, a palavra-esgar, a autodesarticulação, o silêncio.

Não apenas enquanto arte que sobrevive historicamente à dominação, mas que renasce de séculos de opressão e se integra às cosmogonias ancestrais, a literatura indígena carrega em si o compromisso ético e ecopolítico, que se constrói pela essência pós-humanista pós-antropocêntrica (Braidotti, 2013BRAIDOTTI, Rosi (2013). The Posthuman. Cambridge: Polity Press.) e se fortalece na ecocrítica. Está, assim, duplamente engajada, estética e ideologicamente, numa visão ontológica e ecosófica (Bateson, 1972BATESON, Gregory (1972). Steps to an Ecology of Mind. Chicago: University of Chicago.; Guattari, [1989] 2000GUATTARI, Félix ([1989] 2000). The Three Ecologies. Londres e New Brunswick: The Athlone Press; Continuum.; Braidotti, 2006BRAIDOTTI, Rosi (2006). Posthuman, all too human: towards a new process ontology. Theory, Culture and Society, v. 23, n. 7-8, p. 97-208. https://doi.org/10.1177/0263276406069232
https://doi.org/10.1177/0263276406069232...
), produzindo, na era do Antropoceno (Crutzen; Stoermer, 2000CRUTZEN, Paul J.; STOERMER, Eugene F. (2000). The Anthropocene. Global Change Newsletter, v. 41, p. 17-18.), novos modos de ver e perceber.

De acordo com Sá (2004)SÁ, Lúcia (2004). Rain Forest Literatures: Amazonian Texts and Latin American Culture. Mineápolis: University of Minnesota. (Cultural Studies of the Americas, v. 16.), ninguém sabe ao certo quantos nativos foram assassinados ou tiveram a vida ceifada por doenças ao longo dos séculos de invasões, mas os registros históricos indicam a casa dos milhões. A violência e a exploração continuam até hoje, tendo sido inflamadas nos últimos anos pela emergência sanitária ocasionada pela pandemia de COVID-19 e pela negligência governamental, o que trouxe consequências devastadoras aos povos indígenas e à sua cultura. Entre elas, está o apagamento de sua produção literária, em detrimento de seu potencial estético, bem como as inúmeras tentativas de silenciamento das vozes originárias, deslocando-as para uma condição de estrangeiro perpetuada em plena contemporaneidade, como alerta a pesquisadora: “The ‘conquest’ of native América did not happen just in the sixteenth century: It is happening now” (Sá, 2004SÁ, Lúcia (2004). Rain Forest Literatures: Amazonian Texts and Latin American Culture. Mineápolis: University of Minnesota. (Cultural Studies of the Americas, v. 16.), p. xxviii).

Dialogando com a etnografia, o testemunho histórico, a resistência política e o ativismo socioambiental, a literatura produzida por representantes contemporâneos dos povos ancestrais tem se destacado nos últimos anos como importante corpus de “criação literária” (Dorrico, 2018DORRICO, Julie (2018). Vozes da literatura indígena brasileira contemporânea: do registro etnográfico à criação literária. In: DORRICO, Julie et al. (org.). Literatura indígena brasileira contemporânea: criação, crítica e recepção. Porto Alegre: Fi. p. 227-256.). Seja pela mídia digital, seja pela impressa, com o apoio de mídias e de editoras independentes e a conquista de espaços de fala e escuta no mercado editorial, autores indígenas de diferentes representações territoriais e identitárias trazem, em suas corporeidades textuais, as marcas da crise humanitária experienciada nos últimos anos. Visualizamos aqui o recorte espaçotemporal da pandemia de COVID-19 no Brasil, incluindo os períodos pré e pós-pandêmico, a fim de tecer caminhos entre a dura realidade enfrentada pelos povos indígenas e seus modos de representação ecocrítica e pós-humana pelo viés literário. Mais especificamente, nossa incursão investigativa direciona-se à produção poético-epistolar de escritores indígenas durante a pandemia, lançando um olhar sobre a produção de Trudruá Dorrico e Eliane Potiguara.

O IMAGINÁRIO ECOCRÍTICO NA ERA DO ANTROPOCENO

Crutzen e Stoemer (2000CRUTZEN, Paul J.; STOERMER, Eugene F. (2000). The Anthropocene. Global Change Newsletter, v. 41, p. 17-18., p. 18) afirmam que a humanidade se consolida como a maior força geológica no planeta, o que leva à necessidade de estratégias globais à sustentabilidade de ecossistemas a agir de encontro à ação humana. Nesse sentido, DeLoughrey (2019)DELOUGHREY, Elizabeth M. (2019). Allegories of the Anthropocene. Durham; Londres: Duke University Press. Disponível em: https://openresearchlibrary.org/viewer/8217b5f1-aade-4fc7-b123-55e19c5e61b0/4. Acesso em: 20 mar. 2024.
https://openresearchlibrary.org/viewer/8...
reflete que novas formas alegóricas têm sido pensadas e produzidas em um contexto de mudanças climáticas e consequente aumento da preocupação ambiental. Por outro lado, a era das catástrofes ambientais provocadas pela mão humana está presente há séculos na vida dos povos nativos, por sucessivas invasões, massacres e degradação dos ecossistemas, provocados pelo colonialismo e suas consequências. A literatura dos povos originários age, assim, como lamento e canto de morte, ao mesmo tempo que busca a restauração da “naturezacultura” no Sul Global (Dados; Connell, 2012DADOS, Nour; CONNELL, Raewyn (2012). The Global South. Contexts, Washington, D.C., v. 11, n. 1, p. 12-13. https://doi.org/10.1177/1536504212436479
https://doi.org/10.1177/1536504212436479...
; Haug 2021HAUG, Sebastian (2021). A Thirdspace approach to the “Global South”: insights from the margins of a popular category. Third World Quarterly, v. 42, n. 9, p. 2018-2038. https://doi.org/10.1080/01436597.2020.1712999
https://doi.org/10.1080/01436597.2020.17...
), oferecendo, pela construção de um arcabouço cultural que resiste às forças antropogênicas, o acesso a modos de vida milenares baseados na relação intrínseca “imaginado-vivido” — em sintonia com a perspectiva “terceiro espaço”, proposta por Haug (2021HAUG, Sebastian (2021). A Thirdspace approach to the “Global South”: insights from the margins of a popular category. Third World Quarterly, v. 42, n. 9, p. 2018-2038. https://doi.org/10.1080/01436597.2020.1712999
https://doi.org/10.1080/01436597.2020.17...
, p. 2020) — na sustentabilidade e no bem-viver.

O conceito de bem viver (bien vivir/vivier bien) vem da região andina, na América do Sul. No guaraní Teko Kavi, significa vida boa e viver bem, mas o termo também tem outras raízes, como para os Embera da Colômbia, que significa estar em harmonia entre todos (Alcantara; Sampaio, 2017ALCANTARA, Liliane Cristine Schlemer; SAMPAIO, Carlos Alberto Cioce (2017). Bem Viver como paradigma de desenvolvimento: utopia ou alternativa possível? Desenvolvimento e Meio Ambiente, v. 40, p. 231-251. https://doi.org/10.5380/dma.v40i0.48566
https://doi.org/10.5380/dma.v40i0.48566...
, p. 233-234). Na visão de Airton Krenak (2021)KRENAK, Airton (2021). Caminhos para a cultura do bem viver. Transcrição e organização: Bruno Maia. Revista Biodiversidad, Rio de Janeiro. Disponível em: https://www.biodiversidadla.org/Recomendamos/Caminhos-para-a-cultura-do-Bem-Viver. Acesso em: 7 abr. 2024.
https://www.biodiversidadla.org/Recomend...
, o “bem viver”, ou Sumak Kawsai, traz à tona modos de dizer outros: “O Sumak Kawsai é uma expressão que nomeia um modo de estar na Terra, um modo de estar no mundo” (Krenak, 2021KRENAK, Airton (2021). Caminhos para a cultura do bem viver. Transcrição e organização: Bruno Maia. Revista Biodiversidad, Rio de Janeiro. Disponível em: https://www.biodiversidadla.org/Recomendamos/Caminhos-para-a-cultura-do-Bem-Viver. Acesso em: 7 abr. 2024.
https://www.biodiversidadla.org/Recomend...
, p. 6).

Em sua composição intercultural, tal ideia vai ao encontro das demandas por igualdade e justiça social, assim como pelo diálogo intercultural entre povos, suas formas de conhecimento e modos de vida, o que a torna um elemento a ser perseguido pelos povos nativos em sua luta pela preservação de valores ancestrais, em prol de uma existência social alternativa, como reflete Aníbal Quijano (2014QUIJANO, Aníbal (2014). Bien Vivir: Entre el “desarrollo” y la des/Colonialidad del poder. In: QUIJANO, Aníbal (org.). Des/colonialidad y bien vivir: um nuevo debate in America Latina. Peru: Editorial Universitaria. p. 847-859., p. 848-849):

“Bien Vivir” es, probablemente, la formulación más antigua en la resistencia “indígena” contra la Colonialidad del Poder. [...] En el Quechua del norte del Perú y en Ecuador, se dice Allin Kghaway (Bien Vivir) o Allin Kghawana (Buena Manera de Vivir) y en el Quechua del Sur y en Bolivia se suele decir

“Sumac Kawsay” y se traduce en español como “Buen Vivir”. Pero “Sumac” significa bonito, lindo, hermoso, en el norte del Perú y en Ecuador. [...]

Bien Vivir, hoy, sólo puede tener sentido como una existencia social alternativa, como una Des/ Colonialidad del Poder.

Em oposição aos colonialismos provenientes da ideia de uma América Latina como “Índias Acidentais” (Finley, 2003FINLEY, Robert (2003). Las Indias Accidentales. Barcelona: Barataria.) e à “indigenização” dos sobreviventes do genocídio colonizador (Quijano, 2014QUIJANO, Aníbal (2014). Bien Vivir: Entre el “desarrollo” y la des/Colonialidad del poder. In: QUIJANO, Aníbal (org.). Des/colonialidad y bien vivir: um nuevo debate in America Latina. Peru: Editorial Universitaria. p. 847-859.) — ou estrangeirização da população originária (Brum, 2013BRUM, Eliane (2013). Índios, os estrangeiros nativos. Época, São Paulo. Disponível em: https://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/eliane-brum/noticia/2013/07/indios-os-estrangeiros-nativos.html. Acesso em: 21 fev. 2024.
https://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/...
) —, a proposta do bien vivir traz consigo a convergência naturezacultura, engajada no pensamento pós-humanista enquanto crítica ao conceito universal de “humano”, do qual emerge a sua reconstrução decolonial como “prática ancestral” (Baniwa, 2020BANIWA, André Fernando (2020). Bem viver e viver bem. Segundo o povo Baniwa do Noroeste amazônico brasileiro. Organização: João Jackson Bezerra Vianna e Aline Fonseca Iubel. Curitiba: Editora UFPR.). Sua existência, como propõe Quijano (2014)QUIJANO, Aníbal (2014). Bien Vivir: Entre el “desarrollo” y la des/Colonialidad del poder. In: QUIJANO, Aníbal (org.). Des/colonialidad y bien vivir: um nuevo debate in America Latina. Peru: Editorial Universitaria. p. 847-859., é histórica e política, mas também epistêmica, ética e estética:

América Latina y la población “indígena” ocupan, pues, un lugar basal, fundante, en la constitución y en la historia de la Colonialidad del Poder. De allí, su actual lugar y papel en la subversión epistémica / teórica / histórica / estética / ética / política de este patrón de poder en crisis, implicada en las propuestas de Des / Colonialidad Global del Poder y del Bien Vivir como una existencia social alternativa
(Quijano, 2014QUIJANO, Aníbal (2014). Bien Vivir: Entre el “desarrollo” y la des/Colonialidad del poder. In: QUIJANO, Aníbal (org.). Des/colonialidad y bien vivir: um nuevo debate in America Latina. Peru: Editorial Universitaria. p. 847-859., p. 858, grifos nossos).

Em pleno século XXI, diante da violência a que os povos originários estão ainda subjugados, a literatura indígena está intrinsecamente vinculada a uma estética que percorre a experiência da colonização e aponta a necessidade de libertação da dominação cultural, como bem observa Graça Graúna (2013)GRAÚNA, Graça (2013). Contrapontos da literatura indígena contemporânea no Brasil. Belo Horizonte: Mazza Edições. em Contrapontos da literatura indígena contemporânea no Brasil. Seu papel subversivo produz, como destaca Quijano (2014)QUIJANO, Aníbal (2014). Bien Vivir: Entre el “desarrollo” y la des/Colonialidad del poder. In: QUIJANO, Aníbal (org.). Des/colonialidad y bien vivir: um nuevo debate in America Latina. Peru: Editorial Universitaria. p. 847-859., alternativas em termos socioculturais, visto que novos espaços de enunciação são conclamados pelas identidades indígenas em uma dimensão continental intrinsicamente vinculada a novos espaços de fala, escuta e categorização, simbolizados pelo termo abya yala (ou abiayala). A estética abya yala2 2 O termo abya yala, proveniente da cosmogonia Guna, da região em que hoje se encontra o Panamá, faz referência ao continente americano pelo viés indígena e a sua luta territorial, como observa Emil Keme (2018, p. 22): “Renombrar el continente es el primer paso hacia la descolonización epistémica y el establecimiento de nuestras soberanías o autonomías indígenas”. Para Trudruá Dorrico (2022), “embora o nome Abya Yala não seja efetivo, simbolicamente ele é empregado por lideranças e intelectuais para afirmar o território como indígena para os povos originários” e, por sua vez, produzir uma estética própria, pela qual há “renomeação simbólica em nível continental”, em consonância com o que Keme (2018) chama de ponte indígena trans-hemisférica. Desse modo, a estética abya yala consolida-se pela sua forma de ver e produzir pela linguagem, conduzindo à retomada de identidades apagadas ao longo da história da colonização das Américas. vive, contudo, um paradoxo: lidar com o inumano em sua memória coletiva e acreditar que outro mundo é possível, defendendo uma cosmovisão calcada no bien vivir. Retornamos aqui à compreensão do humano, não mais dialética, mas integrada a uma rede de sentidos entrelaçados e complementares, de onde emergem o pós-humano e o inumano, os quais são aqui revisados. O inumano, por sua vez, embebe-se das violências perpetuadas pela necropolítica e por relações coloniais responsáveis por produzir camadas históricas de opressão e repressão:

The inhuman also denounces the inhumane, unjust practices of our times. More specifically it stresses the violent and even murderous structure of contemporary geopolitical and social relations, also known as “necropolitics”. These include increasing economic polarisation and the “expulsion” of people from homes and home lands in an upsurge of global “neo-colonial” power relations
(Braidotti; Hlavajova, 2018BRAIDOTTI, Rosi; HLAVAJOVA, Maria (org.) (2018). Posthuman Glossary. Londres: Bloomsbury. ProQuest Ebook Central. Disponível em: http://ebookcentral.proquest.com/lib/bristol/detail.action?docID=5226228. Acesso em: 19 mar. 2024.
http://ebookcentral.proquest.com/lib/bri...
, p. 3).

Por outro lado, o pós-humanismo propõe um olhar para além do humano, que engloba as demais dimensões em interação tanto com a tecnologia quanto com a ecologia. Dessa soma, temos o repensar sobre o humano e suas práticas, de modo teórico, metodológico e ético, intercambiando sentidos e conexões entre cultura e natureza, corpo e tecnologia, eu e outro (Braidotti; Hlavajova, 2018BRAIDOTTI, Rosi; HLAVAJOVA, Maria (org.) (2018). Posthuman Glossary. Londres: Bloomsbury. ProQuest Ebook Central. Disponível em: http://ebookcentral.proquest.com/lib/bristol/detail.action?docID=5226228. Acesso em: 19 mar. 2024.
http://ebookcentral.proquest.com/lib/bri...
). De tal integração, dá-se a experimentação naturezaculturas (naturecultures), a trazer consigo a sobreposição entre História e meio ambiente (Haraway, 2003HARAWAY, Donna J. (2003). The Companion Species Manifesto: Dogs, People, and Significant Otherness. Chicago: Prickly Paradigm Press.), bem como a inextricabilidade entre natureza e cultura (Braidotti; Hlavajova, 2018BRAIDOTTI, Rosi; HLAVAJOVA, Maria (org.) (2018). Posthuman Glossary. Londres: Bloomsbury. ProQuest Ebook Central. Disponível em: http://ebookcentral.proquest.com/lib/bristol/detail.action?docID=5226228. Acesso em: 19 mar. 2024.
http://ebookcentral.proquest.com/lib/bri...
, p. 113). Naturezacultura traduz-se mais do que uma convergência de sentidos: é um retorno à ancestralidade, a retomada a uma conexão perdida, mas que está ainda viva nos modos de vida e na cosmogonia dos povos originários da América Latina. A distinção natureza-cultura é um produto antropogênico, como salienta Buell (2001BUELL, Lawrence (2001). Writing for an endangered world: literature, culture, and environment in the U.S. and beyond. Cambridge e Londres: Belknap Press of Harvard University Press., p. 3).

Para tal retomada, a ecocrítica (Murphy, 1995MURPHY, Patrick (1995). Literature, Nature, and Other: Ecofeminist Critiques. Albany: State University of New York Press.; 2000MURPHY, Patrick (2000). Further Afield in the Study of Nature-Oriented Literature. Charlottesville: University Press of Virginia.; Glotfelty; Fromm, 1996GLOTFELTY, Cheryl; FROMM, Harold (1996). The Ecocriticism Reader: Landmarks in Literary Ecology. Atenas e Londres: University of Georgia Press.; Buell, 2001BUELL, Lawrence (2001). Writing for an endangered world: literature, culture, and environment in the U.S. and beyond. Cambridge e Londres: Belknap Press of Harvard University Press.; 2005BUELL, Lawrence (2005). The future of environmental criticism: environmental crisis and literary imagination. Malden; Oxford: Blackwell.; Heise, 2008HEISE, Ursula K. (2008). Sense of Place and Sense of Planet: The Environmental Imagination of the Global. Nova York: Oxford Academic. https://doi.org/10.1093/acprof:oso/9780195335637.001.0001
https://doi.org/10.1093/acprof:oso/97801...
; Lousley, 2020LOUSLEY, Cheryl (2020). Ecocriticism. Oxford Research Encyclopedia of Literature. Oxford: Oxford University Press. https://doi.org/10.1093/acrefore/9780190201098.013.974
https://doi.org/10.1093/acrefore/9780190...
; Garrard, 2023GARRARD, Greg (2023). Ecocriticism. 3. ed. Nova York: Routledge.) propõe-se como rota alternativa entre eu/outro; por ela, humanus e bios entrelaçam-se, ampliando a dimensão ético-política do discurso e, com ele, do fazer literário. Ao desfazer os limites que separam natureza e humanidade, a ecocrítica dissipa a dialética entre homem e animal, civilizado e primitivo, visto que traz em sua essência a ruptura com padrões colonialistas de poder, promovendo uma virada de jogo em relação à hegemonia cultural euro/antropocêntrica perpetuada ao longo dos séculos de colonização da América Latina, nos quais predominou o modelo exploratório-escravocrata, responsável por dizimar a maior parte de sua população nativa, o que representa, no Brasil, a morte de mais de 70% de sua população (Garcia, 2020GARCIA, Maria Fernanda (2020). Genocídio no Brasil: mais de 70% da população indígena foi morta. Observatório do Terceiro Setor, São Paulo. Disponível em: https://observatorio3setor.org.br/noticias/genocidio-brasil-mais-de-70-da-populacao-indigena-foi-morta/. Acesso em: 20 mar. 2024.
https://observatorio3setor.org.br/notici...
).

Segundo Oppermann (2016OPPERMANN, Serpil (2016). From Posthumanism to Posthuman Ecocriticism. Relations: Beyond Anthropocentrism, v. 4, n. 1, p. 23-37. Disponível em: https://www.ledonline.it/index.php/Relations/article/view/990. Acesso em: 21 mar. 2024.
https://www.ledonline.it/index.php/Relat...
, p. 24), ecocrítica e pós-humanos possuem algo em comum: introduzem mudanças no modo como materialidade, agência e natureza são concebidas, realocando assim o humano em uma teia mais ampla de sentidos. De maneira análoga, Iovino (2018IOVINO, Serenella (2018). (Material) Ecocriticism. In: BRAIDOTTI, Rosi; HLAVAJOVA, Maria (org.). Posthuman Glossary. Londtrd: Bloomsbury. ProQuest Ebook Central. Disponível em: http://ebookcentral.proquest.com/lib/bristol/detail.action?docID=5226228. Acesso em: 19 mar. 2024.
http://ebookcentral.proquest.com/lib/bri...
, p. 113) pontua que, assim como o pós-humano não apaga, mas complementa a imagem do humano, a ecocrítica busca oferecer uma imagem mais realística das práticas culturais, tomando-as para além da suposta distância do mundo natural. Tais interconexões entre o imaginário ambiental e o cultural se aproximam dos estudos de Deleuze e Guattari (1987)DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix (1987). A thousand plateaus: capitalism and schizophrenia. Tradução: Brian Massumi. Mineápolis: University of Minnesota Press. acerca dos processos de de/reterritorialização — social, espacial e corporal —, de estruturas outras, para além de categorizações e fronteiras preestabelecidas, em favor de redes rizomáticas, não hierárquicas, cujas interconexões promovem a abertura a corporeidades outras que humanas e, com elas, caminhos de resistência.

A resistência ecocrítica é uma voz essencialmente política, a qual, como observa Lousley (2020)LOUSLEY, Cheryl (2020). Ecocriticism. Oxford Research Encyclopedia of Literature. Oxford: Oxford University Press. https://doi.org/10.1093/acrefore/9780190201098.013.974
https://doi.org/10.1093/acrefore/9780190...
, se embebe do engajamento existente em práticas representativas da crise ambiental, em suas dimensões socioculturais, afetivo-imaginativas e materiais:

As a political mode of literary and cultural analysis, ecocriticism aims to understand and intervene in the destruction and diminishment of living worlds. Ranging in its critical engagements across historical periods, cultural texts, and cultural formations, ecocriticism focuses on the aesthetic modes, social meanings, contexts, genealogies, and counterpoints of cultural practices that contribute to ecological ruination and resilience. A core premise is that environmental crises have social, cultural, affective, imaginative, and material dimensions
(Lousley, 2020LOUSLEY, Cheryl (2020). Ecocriticism. Oxford Research Encyclopedia of Literature. Oxford: Oxford University Press. https://doi.org/10.1093/acrefore/9780190201098.013.974
https://doi.org/10.1093/acrefore/9780190...
, p. 2).

Ao observarmos a materialidade ecopoética dos povos originários no Brasil contemporâneo, verificamos que a textualidade atua como corpo político, território de imersão à naturezacultura, veículo de resistência à degradação e mecanismo de fala-escuta, seja pela oralidade ancestral, seja pela apropriação da escrita.

Nos anos recentes, incluindo os de pandemia de COVID-19, foram muitos os fatos que revelaram o retorno de discursos extremistas e desrespeito aos direitos historicamente conquistados pelos povos originários no Brasil. O retorno de condições que colocam em risco sua população e suas terras trouxe à tona a memória dos diversos massacres sofridos por diferentes grupos étnicos durante o período do regime militar (1964–1985) até a promulgação da Constituição Federal de 1988, a qual estabeleceu, com seus artigos 231 e 232 (Brasil, 1988BRASIL (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 2 fev. 2024.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
), um marco em direção à proteção dos territórios indígenas, cuja personificação espacial não dá conta apenas da corporeidade humana, mas do corpo-floresta, manifestando o intrincamento pós-humanístico.

Passados 45 anos, a Lei nº 14.701 (Brasil, 2023BRASIL (2023). Lei nº 14.701, de 20 de outubro de 2023. Diário Oficial da União, Brasília. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/L14701.htm. Acesso em: 2 fev. 2024.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_a...
) trouxe à discussão a regulamentação do art. 231 da Constituição Federal, para dispor sobre o reconhecimento, a demarcação, o uso e a gestão de terras indígenas, mesmo ano em que foi declarada, mais uma vez na História, emergência nas terras indígenas Yanomami por causa do desmatamento, do garimpo ilegal e da negligência governamental ao longo da pandemia. Tais fatos trouxeram à tona a memória do sofrimento indígena nos anos de 1970 e 1980, bem como revigoraram as discussões sobre o famigerado marco temporal, tão presentes nos anos de 1990. Em sua maioria fora dos discursos tradicionais, a produção literária indígena da atualidade produz um imaginário próprio, pelo qual afirma a “imprescritibilidade, a inalienabilidade e a indisponibilidade dos direitos indígenas” (Brasil, 2023BRASIL (2023). Lei nº 14.701, de 20 de outubro de 2023. Diário Oficial da União, Brasília. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/L14701.htm. Acesso em: 2 fev. 2024.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_a...
).

PANDEMIA E POLÍTICA: CICATRIZES DO INUMANO NO CORPO POÉTICO

O ano de 2020 fica historicamente marcado como um ano trágico para as comunidades indígenas desassistidas pelo governo Bolsonaro (2019–2022) e assombradas pela pandemia de COVID-193 3 Pelos dados divulgados no site Emergência Indígena (APIB, 2022) e pelo Instituto Socioambiental (2020), até o fim de 2020, foram mais de mil mortes de indígenas pela COVID-19 no Brasil, envolvendo mais de 160 povos afetados, sendo o primeiro caso confirmado de contaminação registrado no povo Kokama, ainda em março daquele ano, no Amazonas, pelo contágio com um médico vindo de São Paulo a serviço da Secretaria Especial de Saúde Indígena. Os Kokama, da família Tupi-Guarani, juntamente com os Terena, Guajajara, Macuxi, Munduruku, Kaypó e Cinta Larga, estão entre os mais afetados pela pandemia. A omissão do governo na tragédia indígena impulsionou o que o antropólogo Henry F. Dobyns (apud Instituto Socioambiental, 2024a) chamou de “cataclismo biológico”, com mais de mil mortes registradas pelas organizações indígenas. . Época em que as verdades da ciência e dos fatos eram contestadas pelas redes sociais por conta do negacionismo institucionalizado, povos e territórios indígenas sofriam mais uma vez a degradação e a morte, mas também o apagamento dos fatos na era da pós-verdade. A noção de pós-verdade ganha força ao revelar “a verdade brutal e esquecida”, conduzindo à “reflexão prática e política sobre o que devemos entender por verdade e sobre a autoridade que lhe é suposta” (Dunker, 2017DUNKER, Christian (2017). Subjetividade em tempos de pós-verdade. In: DUNKER, Christian et al. (org.). Ética e pós-verdade. Porto Alegre: Dublinense. p. 4-20., p. 5), dada a força da subjetividade que a atinge, conduzindo a inversões e reversões de sentido. Enquanto “recusa do outro”, a pós-verdade também produz ficções que corporificam a indiferença e a violência. A constatação de um mundo de pós-verdades produz, em termos estéticos, a pós-ficção, concebida pela “incapacidade de o ficcionista criar sua ficção própria porque se vê cercado de ficções por toda a parte” (Fuks, 2017FUKS, Julián (2017). A era da pós-ficção: notas sobre a insuficiência da fabulação no romance contemporâneo. In: DUNKER, Christian et al. (org.). Ética e pós-verdade. Porto Alegre: Dublinense. p. 36-44., p. 42) — entre elas, a memória do passado e do presente, a memória do trauma e da violência.

Nessa interconexão entre pós-verdade e pós-ficção, vale lembrar que “a poesia costuma se contaminar do espírito da prosa”, ao mesmo tempo que traz consigo “a instauração de uma cosmogonia ética”, fazendo “ressoar uma voz coletiva impressentida”, como lembra Cristóvão Tezza (2017TEZZA, Cristóvão (2017). A ética da ficção. In: DUNKER, Christian et al. (org.). Ética e pós-verdade. Porto Alegre: Dublinense. p. 21-35., p. 29). São tais características que aproximam o fazer literário dos povos originários e a narratividade poética. À semelhança dos poemas em prosa de Charles Baudelaire (2009)BAUDELAIRE, Charles (2009). Pequenos poemas em prosa. Tradução: Dorothée de Bruchard. São Paulo: Hedra., as produções poéticas de autores indígenas alçam voo em sua busca pós-humana, não aceitando engaiolar-se em um único gênero, como observam Janice Thiél (2012)THIÉL, Janice Cristine (2012). Pele silenciosa, pele sonora: a literatura indígena em destaque. Belo Horizonte: Autêntica. e Graça Graúna (2013)GRAÚNA, Graça (2013). Contrapontos da literatura indígena contemporânea no Brasil. Belo Horizonte: Mazza Edições.. São intergêneros, interculturais, interartes, multimodais. Estão, assim, em sintonia com o desafio proposto por Dunker (2017DUNKER, Christian (2017). Subjetividade em tempos de pós-verdade. In: DUNKER, Christian et al. (org.). Ética e pós-verdade. Porto Alegre: Dublinense. p. 4-20., p. 12) na era da pós-verdade:

Nosso grande desafio é inventar novas formas de possuir e de pertencer. Nenhum plano de sustentabilidade ou de ocupação, nenhum projeto de vida ou de política podem criar novas experiências transformativas se não traduzirem a vivência de estar junto, em uma experiência real de compartilhamento. Conviver não é suportar ou tolerar o outro, mas pertencer ao mesmo futuro que ele.

Em relação aos povos originários do Brasil, o impacto da intolerância e da violência em tempos de pós-verdade é profundo. As mudanças políticas observadas no Brasil desde a troca presidencial ocorrida em janeiro de 2023 permitiram o conhecimento da crise humanitária sofrida por povos indígenas no coração da Amazônia. A criação do Ministério dos Povos Indígenas, sob os cuidados da ativista social Sônia Guajajara, a qual representa o grupo Tenetehara e é líder da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), abriu portas para o mundo acessar dados ocultos durante e após a pandemia de COVID-19, revelando a situação dos yanomami no Brasil ao longo do governo Bolsonaro. Desde então, uma quantidade expressiva de material produzido em meio digital, incluindo artigos, entrevistas, vídeos e fotos, foi publicada pela mídia (Brum, 2023BRUM, Eliane (2023). How did 570 indigenous children die from the negligence of the Bolsonaro government? Sumauma. Disponível em: https://sumauma.com/en/como-chegamos-aos-570-pequenos-indigenas-mortos-por-negligencia-do-governo-bolsonaro/. Acesso em: 12 fev. 2024.
https://sumauma.com/en/como-chegamos-aos...
; Machado; Bedinelli, Brum, 2023MACHADO, Ana Maria; BEDINELLI, Talita; BRUM, Eliane (2023). We are not even able to count the bodies. Sumaúma. Disponível em: https://sumauma.com/en/nao-estamos-conseguindo-contar-os-corpos/. Acesso em: 20 fev. 2024.
https://sumauma.com/en/nao-estamos-conse...
; Phillips, 2023PHILLIPS, Tom (2023). Lula accuses Bolsonaro of genocide against Yanomami in Amazon. The Guardian. Disponível em: https://www.theguardian.com/world/2023/jan/22/lula-accuses-jair-bolsonaro-genocide-yanomami-indigenous-amazon. Acesso em: 15 abr. 2024.
https://www.theguardian.com/world/2023/j...
), o que expõe as condições desumanas dos povos originários na Amazônia e, consequentemente, produz modos de resistência.

Com a pandemia de COVID-19 acompanhada no Brasil por um governo de extrema-direita, a intolerância e a indiferença amplificaram-se, visualizadas pelo descaso das autoridades em relação aos territórios indígenas. A linha do tempo da omissão do governo na tragédia indígena, do Instituto Socioambiental (2024a)INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL (ISA) (2024a). COVID-19 e os Povos Indígenas. ISA. Disponível em: https://covid19.socioambiental.org/index.html. Acesso em: 21 fev. 2024.
https://covid19.socioambiental.org/index...
, confirma a negligência das autoridades e, mais do que isso, sua responsabilidade como agentes da contaminação. Como aponta Raquel (2021)RAQUEL, Martha (2021). Brasil ultrapassa marca de mil indígenas mortos em decorrência da COVID-19. Brasil de Fato, São Paulo. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2021/03/13/brasil-ultrapassa-marca-de-mil-indigenas-mortos-em-decorrencia-da-covid-19. Acesso em: 21 mar. 2024.
https://www.brasildefato.com.br/2021/03/...
, lacunas foram encontradas para a obtenção de dados confiáveis sobre a situação indígena durante a pandemia — mais especificamente no “Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena (SIASI), base de dados do subsistema de atenção à saúde indígena no Brasil, que faz parte do Sistema Único de Saúde (SUS)” (Raquel, 2021RAQUEL, Martha (2021). Brasil ultrapassa marca de mil indígenas mortos em decorrência da COVID-19. Brasil de Fato, São Paulo. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2021/03/13/brasil-ultrapassa-marca-de-mil-indigenas-mortos-em-decorrencia-da-covid-19. Acesso em: 21 mar. 2024.
https://www.brasildefato.com.br/2021/03/...
) —, o que inviabilizou o conhecimento pontual e acurado nos territórios, impedindo o controle de riscos e a assistência à saúde. Como resultado dessa indiferença, temos o estado do Amazonas como o maior impactado quanto ao número de óbitos no que tange aos povos autóctones, seguido por Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Roraima e Pará, onde se encontram diversos territórios indígenas demarcados4 4 Dados atualizados acerca das terras indígenas no Brasil e sua localização podem ser acessados pelo Mapa do Instituto Socioambiental (ISA, 2024b). Além disso, a plataforma Povos Indígenas do Brasil possui a lista dos povos, com suas denominações e informações etnográficas (ISA, 2024c). .

Ainda em abril de 2020, o Instituto Socioambiental e o Centro de Sensoriamento Remoto (CSR) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) lançaram conjuntamente a nota técnica “Modelagem da vulnerabilidade dos povos indígenas no Brasil ao COVID-19”, com a perspectiva de “cenário devastador” com a entrada da COVID-19 em comunidades indígenas por causa da alta transmissibilidade da doença (Oliveira et al., 2020OLIVEIRA, Ubirajara et al. (2020). Modelagem da vulnerabilidade dos povos indígenas no Brasil ao COVID-19: [Nota Técnica]. CSR-UFMG; ISA. In: INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL (ISA). COVID-19 e os Povos Indígenas: Indicador de vulnerabilidade das Terras Indígenas em relação a COVID-19. ISA. Disponível em: https://covid19.socioambiental.org/index.html. Acesso em: 21 fev. 2024.
https://covid19.socioambiental.org/index...
). Os dados integram, entre outros números, índices de vulnerabilidade social, disponibilidade de leitos hospitalares e perfil etário da população indígena, a fim de identificar e priorizar regiões mais vulneráveis. Os dados presentes na nota deixam claras as classes de vulnerabilidade, com o indicativo de diversas terras indígenas altamente suscetíveis à dispersão da COVID-19, a exemplo das Yanomami, Vale do Javali, Alto do Rio Negro, Raposa Terra do Sol, Waimiri Atroari e Alto Rio Negro, nos estados do Amazonas e de Roraima.

Os dados, publicados ainda no início da pandemia, não foram suficientes para promover uma ação efetiva do governo, e a experiência do inumano está amplamente registrada em meio digital. Como exemplo, temos o espaço digital Emergência Indígena, criado ainda em 2020 pela organização Apib (2023)ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL (APIB) (2023). Emergência Indígena. Decidimos não morrer. APIB. Disponível em: https://emergenciaindigena.apiboficial.org/. Acesso em: 21 mar. 2024.
https://emergenciaindigena.apiboficial.o...
, “para enfrentar um contexto devastador de crise humanitárias, sanitária e política, no período da COVID-19”. Há destaque para a referência ao governo “anti-indígena” e ao “projeto genocida” executado contra os povos originários, cujos territórios ancestrais e riquezas naturais estão intimamente ligados à sua vida e cultura.

Outro exemplo diz respeito a espaços digitais de divulgação de cartas, as quais atuam historicamente como estratégia narrativa de resistência. Entre elas, destacam-se as disponibilizadas no site Cartas Indígenas ao Brasil (UFBA, 2024UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA (UFBA) (2024). Cartas indígenas ao Brasil. Bahia: UFBA. Disponível em: https://cartasindigenasaobrasil.com.br/sobre/. Acesso em: 22 mar. 2024.
https://cartasindigenasaobrasil.com.br/s...
), sob coordenação do projeto homônimo vinculado à Universidade Federal da Bahia. Trata-se do “primeiro arquivo digital de cartas escritas por indígenas e encaminhadas ao Brasil, cujo fazer decolonial empenha-se em narrar ‘uma outra história do Brasil’, transpondo a noção de autoria para a de ‘povo-autor’” (UFBA, 2024UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA (UFBA) (2024). Cartas indígenas ao Brasil. Bahia: UFBA. Disponível em: https://cartasindigenasaobrasil.com.br/sobre/. Acesso em: 22 mar. 2024.
https://cartasindigenasaobrasil.com.br/s...
).

A escrita epistolar, de longo histórico na literatura brasileira, desde a carta de Pero Vaz de Caminha, considerado um dos textos fundacionais de nossas artes, é material textual que manifesta o clamor de vozes por escuta e, mais do que isso, configura-se como registro de uma “virada testemunhal e decolonial”, como bem aponta Seligmann-Silva (2022SELIGMANN-SILVA, Márcio (2022). A virada testemunhal e decolonial do saber histórico. Campinas: Unicamp., p. 11-12) em seus estudos sobre memória e testemunho: “Diante da ameaça de extinção, queremos dar um testemunho”; diante de uma “violência biotanatopolítica”, queremos fugir do “apagamento e do esquecimento”.

Diversos outros espaços5 5 O Instituto Ambiental, o Museu Nacional dos Povos Indígenas, o Armazém Memória e o Survival International, entre tantos outros espaços digitais nacionais e internacionais vinculados aos direitos dos povos originários, também guardam, como registro histórico, documentos epistolares que conduzem à compreensão do movimento de resistência indígena e de luta pela integridade de seu povo e território. contribuem para o compartilhamento de cartas públicas/abertas vinculadas a representações indígenas, com destaque para o Conselho Indigenista Missionário, há mais de 50 anos envolvido na luta pela garantia do direito à diversidade cultural de povos indígenas, corroborando a preservação e a divulgação de documentos históricos desde o período da ditadura militar, com a criação de fontes como a revista Porantim e o acervo Armazém Memória e Relatório de Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil. Entre as cartas encontradas em seu acervo, está o Manifesto pelo direito à vida e ao território dos povos indígenas (2021), do movimento Levante pela Terra, vinculado à Apib, e publicado durante a pandemia de COVID-19.

Desde 2019, foram inúmeros os documentos epistolares provenientes dos povos da floresta, com menção à Carta Magna de 1988 e denúncia à violação de direitos, à violência e a invasões constantes, ampliadas pela política anti-indígena vigente. Uma delas, publicada pela Sociedade para a Antropologia das Terras Baixas da América do Sul, com data de 17 de maio de 2020, e produzida pelos Conselhos Tradicionais Guarani e Kaiowá Aty Guasu, questionou no auge da pandemia: “Quem será responsabilizado pela morte do nosso povo?” (Aty Guasu, 2020ATY GUASU (2020). Carta Emergencial dos Conselhos Guarani e Kaiowá frente à Pandemia do Covid-19. Tekohas Guarani e Kaiowá. Disponível em: https://www.salsa-tipiti.org/wp-content/uploads/2020/05/CARTA-EMERGENCIAL-DOS-CONSELHOS-GUARANI-E-KAIOWA%CC%81-FRENTE-A-PANDEMIA-DO-COVID-19-2.pdf. Acesso em: 21 mar. 2020.
https://www.salsa-tipiti.org/wp-content/...
). No mesmo mês, foi publicada a carta final da Assembleia de Resistência Indígena, produzida pela Apib (2020)ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL (APIB) (2020). Carta final da Assembleia de Resistência Indígena. In: SANTOS, Arima Juliana Teixeira (2021) (org.). Saúde indígena no Brasil contemporâneo: contribuições para a psicologia a partir da perspectiva decolonial. São Paulo: PUC-SP, p. 55-57. Disponível em: https://tede.pucsp.br/bitstream/handle/26199/1/Arima%20Juliana%20Teixeira%20dos%20Santos.pdf. Acesso em: 21 mar. 2024.
https://tede.pucsp.br/bitstream/handle/2...
.

A antropóloga indigenista Aparecida Vilaça (2020)VILAÇA, Aparecida (2020). Morte na floresta. São Paulo: Todavia., em análise sobre os reflexos da pandemia aos povos originários, destaca a complexidade socioambiental e política do cenário vivido desde 2020, visto que “o novo vírus, ao invés de obstáculo, tornou-se um trampolim para as ações criminosas, invisibilizando-as em meio às notícias sobre a doença” (Vilaça, 2020VILAÇA, Aparecida (2020). Morte na floresta. São Paulo: Todavia., p. 9). Tal jogo, alimentado pela institucionalização do negacionismo, promoveu uma verdadeira ameaça à integridade indígena, o que pode ser observado pela situação do povo Yanomami descoberta em 2023, com a guinada política do Brasil, comprovando o papel político das epidemias, já alertado por Alcida Ramos (1995)RAMOS, Alcida Rita (1995). O papel político das epidemias: o caso Yanomami. In: BARTOLOME, Miguel A. (org.). Ya no hay lugar para cazadores: processo de extincción y transfiguración étnica en America Latina. Quito: Abya-Yala. p. 55-91.. Vilaça (2020VILAÇA, Aparecida (2020). Morte na floresta. São Paulo: Todavia., p. 9) denuncia:

Mais atônitos ficamos ao ver que, em meio ao caos da pandemia, o projeto de destruição da Amazônia e seus povos autóctones se acelera, com os convites à grilagem, mineração ilegal e invasões de todos os tipos, acompanhados do desmonte dos órgãos de fiscalização ambientais e indigenistas, produzindo mais contaminações e doenças.

Vilaça (2020)VILAÇA, Aparecida (2020). Morte na floresta. São Paulo: Todavia. ainda observa que, no caso dos povos Yanomami, cujo território foi demarcado em 1992, após mais de mil pessoas terem morrido “por doenças e violência decorrentes da invasão de suas terras por cerca de 40 mil garimpeiros” (Vilaça, 2020VILAÇA, Aparecida (2020). Morte na floresta. São Paulo: Todavia., p. 16) nos anos 1980, houve um crescente de violações na última década, com estimativa de 20 mil garimpeiros no território em 2020, “poluindo os seus rios e levando destruição e doenças, dentre elas a COVID-19. A primeira vítima indígena do vírus foi justamente um rapaz yanomami, de quinze anos”, deflagrando o temido pela nota técnica do CSR-UFMG-ISA (Oliveira et al., 2020OLIVEIRA, Ubirajara et al. (2020). Modelagem da vulnerabilidade dos povos indígenas no Brasil ao COVID-19: [Nota Técnica]. CSR-UFMG; ISA. In: INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL (ISA). COVID-19 e os Povos Indígenas: Indicador de vulnerabilidade das Terras Indígenas em relação a COVID-19. ISA. Disponível em: https://covid19.socioambiental.org/index.html. Acesso em: 21 fev. 2024.
https://covid19.socioambiental.org/index...
), como pôde ser comprovado pela carta do Conselho Indígena de Roraima (2020)CONSELHO INDÍGENA DE RORAIMA (2020). Carta de apoio por sepultamentos humanizados durante a pandemia da COVID-19. Boa Vista. Disponível em: https://cir.org.br/site/wp-content/uploads/2020/08/PDF-CARTA-DE-APOIO-POR-SEPULTAMENTOS-HUMANIZADOS-DURANTE-A-PANDEMIA-DA-COVID.pdf. Acesso em: 25 mar. 2024.
https://cir.org.br/site/wp-content/uploa...
, somando força em “reivindicação por sepultamentos dignos”, na luta para “levar os corpos [de indígenas vítimas de COVID-19] para as comunidades de origem”. O resultado da desassistência e do descontrole em relação aos territórios indígenas, agravado “pela anuência implícita” do governo Bolsonaro (Vilaça, 2020VILAÇA, Aparecida (2020). Morte na floresta. São Paulo: Todavia., p. 17), foi levado a público em janeiro de 2023, com a revelação de uma das piores crises entre os Yanomami (Brum, 2023BRUM, Eliane (2023). How did 570 indigenous children die from the negligence of the Bolsonaro government? Sumauma. Disponível em: https://sumauma.com/en/como-chegamos-aos-570-pequenos-indigenas-mortos-por-negligencia-do-governo-bolsonaro/. Acesso em: 12 fev. 2024.
https://sumauma.com/en/como-chegamos-aos...
; Machado, Bedinelli; Brum, 2023MACHADO, Ana Maria; BEDINELLI, Talita; BRUM, Eliane (2023). We are not even able to count the bodies. Sumaúma. Disponível em: https://sumauma.com/en/nao-estamos-conseguindo-contar-os-corpos/. Acesso em: 20 fev. 2024.
https://sumauma.com/en/nao-estamos-conse...
) desde a eclosão do garimpo ilegal no período da ditadura militar.

Nesse contexto, a situação dos povos indígenas no período da pandemia trouxe à luz narrativas de resistência na ficção e para além dela, as quais apontam a necessidade de adentrar na ancestralidade e respeitá-la, em um mundo marcado pela destruição das identidades intrínsecas aos povos originários. Como um rio crítico e estético, a ecopoética possibilita tal entrada: por espaços físicos ou digitais, autores e ativistas têm experimentado caminhos dialógicos em termos literários, representando o que Fuks (2017)FUKS, Julián (2017). A era da pós-ficção: notas sobre a insuficiência da fabulação no romance contemporâneo. In: DUNKER, Christian et al. (org.). Ética e pós-verdade. Porto Alegre: Dublinense. p. 36-44. considera na pós-ficção a indissociabilidade entre literatura e realidade.

HIBRIDIZAÇÃO LITERÁRIA E RESISTÊNCIA: ENTRELUGARES DE ESCUTA EU-OUTRO

Em entrevista realizada com Trudruá Dorrico e Márcia Kambeba, na sessão “Pranto geral dos índios” do Festival Literário Internacional de Itabira (Flitabira), as autoras comentaram sobre o que move sua matéria poética. “Minha poesia tem um caráter muito narrativo, eu quero contar uma história”, menciona Dorrico, enquanto Kambeba complementa: “A terra tem um significado importante para nós indígenas. Ali estão plantadas árvores e as árvores têm espírito para nós. Tudo está interligado” (apud Flitabira, 2023FLITABIRA (2023). Música, poesia e resistência marcam falas de Trudruá Dorrico e Márcia Kambeba. Belo Horizonte. Disponível em: https://flitabira.com.br/musica-poesia-e-resistencia-marcam-falas-de-trudrua-dorrico-e-marcia-kambeba/. Acesso em: 22 mar. 2024.
https://flitabira.com.br/musica-poesia-e...
).

Conforme percebemos em seu discurso e, de modo mais amplo, em sua produção literária, a poesia assume, para ambas, força narrativa, testemunhal, integrada ao pensamento pós-humanista pós-antropocêntrico, pelo qual a transversalidade das relações é entrelugar ecosófico ocupado pela naturezacultura (Braidotti, 2013BRAIDOTTI, Rosi (2013). The Posthuman. Cambridge: Polity Press., p. 92). Por meio de um olhar não dualista, que transforma o binarismo eu-outro no contíguo “eu-nós” (Dorrico; Rodrigues, 2023DORRICO, Julie; RODRIGUES, Cecília (2023). A poética do eu-nós: uma conversa com Julie Dorrico. Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, n. 69, e6914. https://doi.org/10.1590/2316-40186914
https://doi.org/10.1590/2316-40186914...
), a literatura da floresta propõe uma força autopoiética transcultural que abarca o lírico-político e o “outro-terra” em meio à busca pós-humana pelo reencantamento do mundo, como sugere Braidotti (2013BRAIDOTTI, Rosi (2013). The Posthuman. Cambridge: Polity Press., p. 48).

No evento supracitado, também destacamos a menção ao gênero epistolar como elemento de conexão eu-outro, que contribui para a reconstrução identitária, acessando as ruínas do passado e revolvendo a matéria presente. É aí que arte e correspondências se interconectam, ao terem na outridade a experiência do entrelugar como peça fundamental à unidade. Segundo Otávio Paz (1982PAZ, Otávio (1982). O arco e a lira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira., p. 15-17), no tratado poético O arco e a lira, “a poesia revela este mundo; cria outro”; é “expressão histórica de raças, nações, classes”; “é um lugar de encontro”, de correspondência, assumindo uma condição ética, de embate contra a violência. A “poesia da floresta” propõe a expansão ainda maior dessa outridade pelo viés pós-humano e ecocrítico, pois faz da humanidade uma pequena parte desse todo cosmogônico, cujas forças transcendem a instância do humano. As cartas, nesse sentido, servem como matéria poética ao tomarem a outridade como fim, e a “escrita de si-outro” como caminho para a restauração estético-ideológica.

Dorrico, autora de Eu sou macuxi e outras histórias (2019) e organizadora de Originárias: uma antologia feminina de literatura indígena (2023) em parceria com Maurício Negro —, menciona a experiência epistolar vivida durante a pandemia por meio do projeto “Cartas de um outro tempo” (Pessoa, 2020PESSOA (2020). Cartas de um outro tempo. Revista Pessoa. Disponível em: https://revistapessoa.com/categoria/82/cartas-de-um-outro-tempo. Acesso em: 20 mar. 2024.
https://revistapessoa.com/categoria/82/c...
), “que procura captar a sensibilidade de figuras do campo cultural à nova realidade imposta pela pandemia, num mundo vazio visto das nossas janelas”. A sua correspondência, escrita em Porto Velho (RO) e destinada ao parente Ely Macuxi, percorre o ritmo de um lamento diante dos “tempos de Kanaimé para nossos parentes indígenas de Rondônia” e da tristeza “pela situação pandêmica e caótica que vivemos” (Dorrico, 2020DORRICO, Julie (2020). Carta a Ely Macuxi. Cartas de um outro tempo. Revista Pessoa, São Paulo/Portugal. Disponível em: https://revistapessoa.com/artigo/3013/carta-a-julie-dorrico. Acesso em: 22 mar. 2024.
https://revistapessoa.com/artigo/3013/ca...
). “É possível evitar ainda que o céu caia sobre nossas cabeças?” (Dorrico, 2020DORRICO, Julie (2020). Carta a Ely Macuxi. Cartas de um outro tempo. Revista Pessoa, São Paulo/Portugal. Disponível em: https://revistapessoa.com/artigo/3013/carta-a-julie-dorrico. Acesso em: 22 mar. 2024.
https://revistapessoa.com/artigo/3013/ca...
), indaga. Ely Macuxi (2020)MACUXI, Ely (2020). Carta a Julie Dorrico. Revista Pessoa, São Paulo/Portugal. Disponível em: https://revistapessoa.com/artigo/3013/carta-a-julie-dorrico. Acesso em: 22 mar. 2024.
https://revistapessoa.com/artigo/3013/ca...
, em carta enviada de Manaus (AM), responde:

Creio que são esses sentimentos que nos impulsionam a acreditar que podemos sonhar com um mundo melhor, mais livre e menos condicionado pelo sistema da mais-valia, de quinquilharias, que tanto escraviza e esvazia os seres humanos dos valores da cordialidade e simpatia
(Macuxi, 2020MACUXI, Ely (2020). Carta a Julie Dorrico. Revista Pessoa, São Paulo/Portugal. Disponível em: https://revistapessoa.com/artigo/3013/carta-a-julie-dorrico. Acesso em: 22 mar. 2024.
https://revistapessoa.com/artigo/3013/ca...
).

As cartas tornaram-se um triste registro memorialístico: Ely Macuxi faleceu de COVID-19 em janeiro de 2021, mês em que o Brasil e o mundo acompanharam o previsto nas projeções feitas no ano anterior pelo CSR-UFMG e pela ISA (Oliveira et al., 2020OLIVEIRA, Ubirajara et al. (2020). Modelagem da vulnerabilidade dos povos indígenas no Brasil ao COVID-19: [Nota Técnica]. CSR-UFMG; ISA. In: INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL (ISA). COVID-19 e os Povos Indígenas: Indicador de vulnerabilidade das Terras Indígenas em relação a COVID-19. ISA. Disponível em: https://covid19.socioambiental.org/index.html. Acesso em: 21 fev. 2024.
https://covid19.socioambiental.org/index...
), com o colapso da saúde pública de Manaus e a população indígena desassistida, sem oxigênio, leitos ou mesmo vagas em cemitérios (G1, 2021G1 (2021). COVID-19: Manaus vive colapso com hospitais sem oxigênio, doentes levados a outros estados, cemitérios sem vagas e toque de recolher. G1, São Paulo. Disponível em: https://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2021/01/14/covid-19-manaus-vive-colapso-com-hospitais-sem-oxigenio-doentes-levados-a-outros-estados-cemiterios-sem-vagas-e-toque-de-recolher.ghtml. Acesso em: 22 mar. 2024.
https://g1.globo.com/am/amazonas/noticia...
). Macuxi era escritor e ativista indígena, autor de Ipaty: o curumim da selva (Macuxi, 2011MACUXI, Ely (2011). Ipaty: o curumim da selva. São Paulo: Paulinas.).

Na obra poética Eu sou macuxi e outras histórias, publicada um ano antes da pandemia, Dorrico (2019)DORRICO, Julie (2019). Eu sou macuxi e outras histórias. Ilustrações de Gustavo Caboco. Nova Lima: Caos & Letras. faz um resgate ancestral ao trilhar o “caminho de volta” aberto pela memória do povo indígena proveniente da região entre o Brasil e a Guiana. Entre as histórias, contadas por meio de poemas repletos de narratividade, está a do Makunaíma macuxi, herói criador, em contraste com o recriado por Mário de Andrade. A oralidade é presença corpórea no (re)contar de vó para neta e no ensinamento dos xamãs. Por ele, guerreiros e guerreiras de “bordunas, papel e caneta”, parte de um legado ancestral que vem da terra, surgem — entre eles, nomes de literatura indígena contemporânea produzida por mulheres: “Eliane Potiguara, Márcia Kambeba, Auritha Tabajara, Graça Graúna, Sulami Katy” (Dorrico, 2019DORRICO, Julie (2019). Eu sou macuxi e outras histórias. Ilustrações de Gustavo Caboco. Nova Lima: Caos & Letras., p. 40). Em meio à corrida pelo chão da memória, a narradora makuxi descobre-se “planta que, com o tempo, floresce e morre, / como a vida que se transforma diariamente em coisa melhor-pior-melhor-pior...” (Dorrico, 2019DORRICO, Julie (2019). Eu sou macuxi e outras histórias. Ilustrações de Gustavo Caboco. Nova Lima: Caos & Letras., p. 67).

A perspectiva pós-humana também surge na materialidade da poesia-floresta: “O meu céu já era o colo de minha mãe/ a companhia de meus irmãos/ e as gentes-árvores que ouviam todas as minhas histórias de menina” (Dorrico, 2019DORRICO, Julie (2019). Eu sou macuxi e outras histórias. Ilustrações de Gustavo Caboco. Nova Lima: Caos & Letras., p. 67). Nessa ótica, ela acrescenta: “As gentes são tudo aquilo que conversam com o seu coração” (Dorrico, 2019DORRICO, Julie (2019). Eu sou macuxi e outras histórias. Ilustrações de Gustavo Caboco. Nova Lima: Caos & Letras., p. 73). Contudo, em analogia aos “Tempos de Kanaimé” registrados na carta a Makuxi, no relato presente na seção “A castanheira” — destacada pela diferenciação tipográfica, deitada horizontalmente no corpo das páginas, e pelo tom confessional, como uma carta redigida a si mesma —, a voz narrativa indaga-se: “Por que não vejo mais árvores? Quando foi que deixei de perceber as gentes-floresta?” (Dorrico, 2019DORRICO, Julie (2019). Eu sou macuxi e outras histórias. Ilustrações de Gustavo Caboco. Nova Lima: Caos & Letras., p. 82-83).

Além de Makuxi e Dorrico, também participaram de “Cartas de um outro tempo” Eliane Potiguara, ativista e autora indígena, e Jéssica Balbino, psicanalista e escritora engajada na literatura feminina periférica (Balbino, 2016BALBINO, Jéssica (2016). Pelas margens: vozes femininas na literatura periférica. Dissertação (Mestrado) – Instituto de Estudos da Linguagem e Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo, Universidade Estadual de Campinas, Campinas. Disponível em: https://hdl.handle.net/20.500.12733/1629700. Acesso em: 22 mar. 2024.
https://hdl.handle.net/20.500.12733/1629...
). Potiguara, autora de Metade cara, metade máscara (2004) e O vento espalha a minha voz imaginária (2023), é considerada a primeira escritora mulher indígena no Brasil. Fundadora da Rede Grumin de Mulheres Indígenas (Grumin, 2006GRUMIN (2006). O que é a Rede Grumin de Mulheres. Saquarema: Grumin Rede de Comunicação Indígena. Disponível em: https://grumin.blogspot.com/. Acesso em: 22 fev. 2024.
https://grumin.blogspot.com/...
), ela tem sido presente no ativismo socioambiental desde a ditadura militar. É atualmente Embaixadora Universal da Paz pelo Círculo Universal dos Embaixadores da Paz, vinculado à Organização das Nações Unidas (Potiguara, 2024POTIGUARA, Eliane (2024). Sobre a escritora. [Site oficial]. Disponível em: http://www.elianepotiguara.org.br/. Acesso em: 22 fev. 2024.
http://www.elianepotiguara.org.br/...
).

Sua carta a Balbino, escrita em Jaconé, Saquarema (RJ), assume um tom melancólico enquanto se projeta a um futuro não mais visível, palpável: “Deixei de ver o futuro, comecei a querer alcançar algo no ar e não conseguia. Minhas mãos estavam vazias! Tudo estava distante” (Potiguara, 2020POTIGUARA, Eliane (2020). Carta a Jéssica Balbino. Cartas de um outro tempo. Revista Pessoa, Manaus. Disponível em: https://revistapessoa.com/artigo/2996/carta-a-jessica-balbino. Acesso em: 22 mar. 2024.
https://revistapessoa.com/artigo/2996/ca...
). A solidão e a clausura projetam-na, com isso, ao passado familiar, pelo qual a autoficção poética é construída:

Viver forçado fora de suas terras é assinar a própria morte prematura. [...] Aqui é assim, neste país, Jéssica, onde um grande número de indígenas vive nas periferias de forma humilhante e constrangedora, um povo milenar que traz em suas filosofias uma grande sabedoria desde que o mundo surgiu
(Potiguara, 2020POTIGUARA, Eliane (2020). Carta a Jéssica Balbino. Cartas de um outro tempo. Revista Pessoa, Manaus. Disponível em: https://revistapessoa.com/artigo/2996/carta-a-jessica-balbino. Acesso em: 22 mar. 2024.
https://revistapessoa.com/artigo/2996/ca...
).

Jéssica Balbino (2020)BALBINO, Jéssica (2020). Carta a Eliane Potiguara. Cartas de um outro tempo. Revista Pessoa, Manaus. Disponível em: https://revistapessoa.com/artigo/2998/carta-a-eliane-potiguara. Acesso em: 22 mar. 2024.
https://revistapessoa.com/artigo/2998/ca...
responde em tom de esperança, contrapondo aos “confinamentos étnicos, raciais e corporais” a voz de uma outridade viva e presente pelo corpo da escrita: “É bom ouvir a sua voz, ainda que ecoe tantas dores, tanta revolta, tanta luta e tanto. Acompanho os seus passos. E acredito que chegaremos, juntas, do outro lado” (Balbino, 2020BALBINO, Jéssica (2020). Carta a Eliane Potiguara. Cartas de um outro tempo. Revista Pessoa, Manaus. Disponível em: https://revistapessoa.com/artigo/2998/carta-a-eliane-potiguara. Acesso em: 22 mar. 2024.
https://revistapessoa.com/artigo/2998/ca...
).

A coletividade é marca discursiva a ecoar das epístolas produzidas pelas escritoras indígenas. Da voz dos “parentes indígenas” à de “um povo milenar”, o eu-outro que se constela em eu-nós é premissa do ativismo poético que acompanha a produção literária de Potiguara, e a pandemia torna-se também matéria para sua poética pós-pandêmica. Em O vento espalha a minha voz originária, percebemos uma narrativa memorialística calcada na autoficção, pela qual Potiguara (2023)POTIGUARA, Eliane (2023). O vento espalha a minha voz imaginária. Rio de Janeiro: Grumin. leva a luta indígena e de gênero à dimensão ecopoética por meio de um caráter híbrido, que exerce influência em sua dinâmica enunciativa, como observa Olivieri-Godet (2020)OLIVIERI-GODET, Rita (2020). Vozes de mulheres ameríndias nas literaturas brasileira e quebequense. Rio de Janeiro: Macunaíma. Disponível em: http://www.edicoesmakunaima.com.br/wp-content/uploads/2022/07/vozesdemulheres-amerindias.pdf. Acesso em: 25 mar. 2024.
http://www.edicoesmakunaima.com.br/wp-co...
. Pela escrita, a autora assume o tempo-espaço de “reconstrução identitária sensível ao outro” (Olivieri-Godet, 2020OLIVIERI-GODET, Rita (2020). Vozes de mulheres ameríndias nas literaturas brasileira e quebequense. Rio de Janeiro: Macunaíma. Disponível em: http://www.edicoesmakunaima.com.br/wp-content/uploads/2022/07/vozesdemulheres-amerindias.pdf. Acesso em: 25 mar. 2024.
http://www.edicoesmakunaima.com.br/wp-co...
, p. 29). O ato de despir-se, por exemplo, é representativo da liberdade historicamente suprimida: “Vem mulher, despe toda a roupa suja, fica nua pelas matas, vomita o teu silêncio e corre — criança — feito garça” (Potiguara, 2023POTIGUARA, Eliane (2023). O vento espalha a minha voz imaginária. Rio de Janeiro: Grumin., p. 20). A relação entre os seres mostra um todo único, imageticamente construído pela conjunção “criança-garça”, fruto da voz que quebra o silêncio e expurga, com a materialidade do vômito, algo nocivo, “outro”, ainda que humano.

A corporificação pós-humana está presente na obra pós-pandêmica ao longo do percurso poético-narrativo de Potiguara. A solidão contida na carta escrita a Balbino ecoa na construção histórica do povo Potiguara, morto “pelos maus tratos da imigração” (Potiguara, 2023POTIGUARA, Eliane (2023). O vento espalha a minha voz imaginária. Rio de Janeiro: Grumin., p. 38). Sua solidão é ancestral e terrena, e as palavras restam com a concretude dos pássaros e das plantas que dela também são parte: “Eu não tenho mais lágrimas, elas secaram como o chão agreste, mas a cotovia canta e ecoa em palavras… E a alma voa! E não se seca a raiz de quem tem sementes espalhadas para brotar” (Potiguara, 2023POTIGUARA, Eliane (2023). O vento espalha a minha voz imaginária. Rio de Janeiro: Grumin., p. 38). Mulher-planta e mulher-alada, a voz poética é feita de raízes, mas também de asas, a voar e florescer no corpo da floresta.

A simbologia alada, cujo sentido milenar de “alijamento do peso” e “leveza espiritual” se interconecta ao “estado supraindividual” e à faculdade cognitiva que transcende as dicotomias corpo/alma terreno/celestial da condição humana (Chevalier; Gheerbrant, 2009CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain (2009). Dicionário de símbolos. Tradução: Vera da Costa e Silva et al. 23. ed. Rio de Janeiro: José Olympio., p. 90-91), recorre também na poesia da escritora potiguara Graça Graúna produzida durante a quarentena: “Um parente pergunta/ se estou bem/ e eu só respondo:/ minhas asas doem/ nesse confinamento” (Graúna, 2020GRAÚNA, Graça (2020). Poéticas da Quarentena. Ameríndia. Disponível em: https://gracagrauna.com/2020/06/03/poeticas-da-quarentena/. Acesso em: 25 mar. 2024.
https://gracagrauna.com/2020/06/03/poeti...
). A dor das Potiguaras ecoa como um canto coletivo de dor pela inanição do ser, que não mais se alimenta no contato eu-outro. A falta de liberdade é representada pela privação do movimento, enquanto a palavra se desloca livre como a cotovia. Seu eco ressoa, trazendo esperança, “E a alma voa”, mesmo na quarentena.

No resgate pessoal e histórico feito na obra, a Carta Kari-Oka e a Carta da Terra dos Povos Indígenas (Conferência Mundial dos Povos Indígenas Sobre Território, Meio Ambiente e Desenvolvimento, 1992CONFERÊNCIA MUNDIAL DOS POVOS INDÍGENAS SOBRE TERRITÓRIO, MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO (1992). Declaração da Aldeia Kari-Oca e Carta da Terra dos Povos Indígenas. Rio de Janeiro. Acervo do Instituto Socioambiental. Disponível em: https://acervo.socioambiental.org/acervo/documentos/declaracao-da-aldeia-kari-oca-e-carta-da-terra-dos-povos-indigenas. Acesso em: 14 fev. 2024.
https://acervo.socioambiental.org/acervo...
) são referenciadas como duas entre tantas formas de incentivar a resistência: “O grito abafado dos povos indígenas que berravam por seus direitos, por sua voz tradicionalmente oral” (Potiguara, 2023POTIGUARA, Eliane (2023). O vento espalha a minha voz imaginária. Rio de Janeiro: Grumin., p. 43). No intertexto presente na narrativa Potiguara, o corpo-terra dos antepassados é destaque, possibilitando uma visão despida das dicotomias humano × natureza, passado × presente: “As pegadas de nossos antepassados estão permanentemente gravadas nas terras de nossos povos” (Potiguara, 2023POTIGUARA, Eliane (2023). O vento espalha a minha voz imaginária. Rio de Janeiro: Grumin., p. 49). Caminhamos em direção ao futuro nas trilhas de nossos antepassados. Além dela, a própria carta a Jéssica Balbino, escrita durante a pandemia, integra a obra. Nela, a narradora anciã compara-se a uma “grande elefanta carregando os ensinamentos tradicionais” (Potiguara, 2023POTIGUARA, Eliane (2023). O vento espalha a minha voz imaginária. Rio de Janeiro: Grumin., p. 49), em constante ativismo em prol dos que “continuam até hoje vitimados pelo sistema governamental e não respeitando a Constituição de 1988.” (Potiguara, 2023POTIGUARA, Eliane (2023). O vento espalha a minha voz imaginária. Rio de Janeiro: Grumin., p. 49).

A COVID-19 e suas cicatrizes também estão estampadas em “Onipresença em tempos atuais: mamãe eu morri!”, epístola poética dedicada “ao povo brasileiro”. A repetição de “hoje não podemos” é marca do trauma escancarado após inúmeros silenciamentos históricos, colocados lado a lado pela narrativa. “Não podemos ir às ruas por causa da COVID e da violência”, “Não podemos ir às ‘Diretas Já’, nem ir ao enterro do estudante nesta ditadura”, “Não podemos ir ao enterro”, “Hoje não podemos ir ao enterro de Marielle Franco” (Potiguara, 2023POTIGUARA, Eliane (2023). O vento espalha a minha voz imaginária. Rio de Janeiro: Grumin., p. 44), revela, desfazendo a distância temporal que separa a realidade passada e presente, prisões ao bien vivir dos povos originários. A violência e a “Miséria do Mundo” matam e emudecem: “Hoje as vozes emudeceram assim como os instrumentos” (Potiguara, 2023POTIGUARA, Eliane (2023). O vento espalha a minha voz imaginária. Rio de Janeiro: Grumin., p. 44). Elas também repercutem nos ecossistemas aos quais os povos nativos estão intimamente conectados, dando uma dimensão apocalíptica para o tempo presente:

Hoje o mato parou de crescer. Não há mais húmus na terra. No dia de hoje as músicas pararam de soar e o sol ficou escuro, mas hoje teve angu com bofe e ontem, caldo de feijão engrossado com farinha de trigo feito por mamãe. Mas ontem nada tinha. E assim são os nossos dias.
Hoje os peixes dos rios, mares e lagoas morreram. As plantações secaram e o agronegócio do empresariado chegou às casas dos ricos. Hoje, a noite chegou fria e suspeitosa. [...]
— “Hoje eu não pude viver e ver o sol tão alegre” —, disseram os que morreram de COVID-19.
Hoje já não sinto mais nada
(Potiguara, 2023POTIGUARA, Eliane (2023). O vento espalha a minha voz imaginária. Rio de Janeiro: Grumin., p. 46).

Observamos aqui o ecossistema vivo que responde à violência. Sua resistência possui muitas formas — inatividade, silenciamento, morte —, trazendo como consequência a dormência: “não sinto mais nada”. A carta-lamento de Potiguara (2023)POTIGUARA, Eliane (2023). O vento espalha a minha voz imaginária. Rio de Janeiro: Grumin. traz a dor como resposta. Nesse sentido, a pandemia é percebida como apenas mais uma forma de confinamento perante a devastação: “A pandemia só veio para dar mais uma mãozinha à nossa prisão interior” (Potiguara, 2023POTIGUARA, Eliane (2023). O vento espalha a minha voz imaginária. Rio de Janeiro: Grumin., p. 50).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A literatura indígena contemporânea pode ser pensada, no Brasil e para além de suas fronteiras, como “um movimento estético-político protagonizado pela identidade indígena” (Dorrico, 2021DORRICO, Julie (2021). A literatura indígena contemporânea no Brasil: a autoria individual de identidade coletiva. Flip, Parati. Disponível em: https://flip.org.br/2021/a-literatura-indigena-contemporanea-no-brasil-a-autoria-individual-de-identidade-coletiva/. Acesso em: 25 mar. 2024.
https://flip.org.br/2021/a-literatura-in...
), de caráter restaurador e decolonizante, cujos alicerces estão assentados na experiência do bien vivir. Sua existência socioambiental alternativa reage à colonialidade do poder (Quijano, 2014QUIJANO, Aníbal (2014). Bien Vivir: Entre el “desarrollo” y la des/Colonialidad del poder. In: QUIJANO, Aníbal (org.). Des/colonialidad y bien vivir: um nuevo debate in America Latina. Peru: Editorial Universitaria. p. 847-859.) pelo hibridismo inerente ao discurso ecocrítico, a fim de reescrever a própria história em um percurso de retomada e resistência. Ao reconhecer os povos originários como os últimos “a serem admitidos como cidadãos brasileiros e os primeiros a habitar essas terras antes de serem transformadas com linhas, mapas e documentos alfabéticos” (Dorrico, 2024DORRICO, Trudruá (2024). Para viver é preciso ser oficial. Humboldt: Revista de Cultura, Munique. Disponível em: https://www.goethe.de/prj/hum/pt/dos/ctr/25206296.html. Acesso em: 25 mar. 2024.
https://www.goethe.de/prj/hum/pt/dos/ctr...
), a autoria indígena assume importância histórica e identitária que compactua com o que Baniwa (2019)BANIWA, Denilson (2019). Amazônia é uma invenção: rasura sobre livro oficial. Série todo território é invenção. Disponível em: https://www.behance.net/gallery/103113251/A-Amazonia-uma-invencao. Acesso em: 14 fev. 2024.
https://www.behance.net/gallery/10311325...
intitulou como “rasura sobre livro oficial”. Ao mesmo tempo que os povos originários reconstroem e promovem, pela arte, seus próprios lugares de fala, suas agendas socioambientais e políticas constituem-se como aspecto central de suas produções, possibilitando, pelo acesso à memória coletiva, a revisão e a reescrita do passado, em um acerto de contas com a História, como o que Dorrico (2021)DORRICO, Julie (2021). A literatura indígena contemporânea no Brasil: a autoria individual de identidade coletiva. Flip, Parati. Disponível em: https://flip.org.br/2021/a-literatura-indigena-contemporanea-no-brasil-a-autoria-individual-de-identidade-coletiva/. Acesso em: 25 mar. 2024.
https://flip.org.br/2021/a-literatura-in...
faz no poema “Retomada”: “Nunca mais se atreva a nos diminuir no seu espelho”.

Ante o inumano e as violências a ele intrínsecas (enquanto parte do próprio humano), a proposta do bem viver, presente no modo de pensar e na literatura indígena, é “força cósmica universal” (Potiguara, 2023POTIGUARA, Eliane (2023). O vento espalha a minha voz imaginária. Rio de Janeiro: Grumin., p. 50), cuja fonte está na naturezacultura subjacente ao pós-humano. A poesia, de maneira especial, ergue-se atenta e atuante como testemunha de “desastres ambientais” intensificados por “violações aos direitos indígenas”, “desmatamento, queimadas, garimpo ilegal” e pela invisibilidade dos povos originários “aos olhos governamentais” (Potiguara, 2022POTIGUARA, Eliane (2022). Mulheres indígenas sempre foram guerreiras: feminismo e meio ambiente, olhar histórico e político. In: MUNDURUKU, Daniel et al. (org.). Jenipapos: diálogos sobre viver [livro eletrônico]. Rio de Janeiro: Mina Comunicação e Arte. Disponível em: https://portalamazonia.com/images/p/39547/Jenipapos---Dialogos-Sobre-Viver---Mina.pdf. Acesso em: 25 mar. 2024.
https://portalamazonia.com/images/p/3954...
, p. 178), transitando pelo que Leila Lehnen (2021)LEHNEN, Leila (2021). Planet Earth Strikes Back: Landscapes of Toxicity in Latin American Fiction. Journal of Foreign Languages and Cultures, Hunan, v. 5, n. 2. Disponível em: https://jflc.hunnu.edu.cn/info/1330/1799.htm. Acesso em: 20 fev. 2024.
https://jflc.hunnu.edu.cn/info/1330/1799...
chama de “paisagens da toxicidade” ao discutir sobre a representação de alegorias ecocríticas do Capitaloceno na literatura latino-americana.

À poesia, enquanto estética testemunhal, interessa também o “tempo”, relativizado pelo “momento em que se vive a vida”, pela “observância do silêncio”, pela escuta do outro: “A literatura indígena cumpre o papel de retomada, de preservação cultural e de fortalecimento das cosmovisões étnicas” (Potiguara, 2022POTIGUARA, Eliane (2022). Mulheres indígenas sempre foram guerreiras: feminismo e meio ambiente, olhar histórico e político. In: MUNDURUKU, Daniel et al. (org.). Jenipapos: diálogos sobre viver [livro eletrônico]. Rio de Janeiro: Mina Comunicação e Arte. Disponível em: https://portalamazonia.com/images/p/39547/Jenipapos---Dialogos-Sobre-Viver---Mina.pdf. Acesso em: 25 mar. 2024.
https://portalamazonia.com/images/p/3954...
, p. 180). Pela conjunção espaçotemporal, tais paisagens tornam-se matéria poética, ampliando as possibilidades de resistência pela corporeidade discursiva.

Por outro lado, a escrita literária, de modo mais amplo, possui papel fundamental no “processo de reconstrução identitária” das mulheres autóctones na contemporaneidade, ao contribuir com a “reconfiguração do imaginário sobre os ameríndios” (Olivieri-Godet, 2020OLIVIERI-GODET, Rita (2020). Vozes de mulheres ameríndias nas literaturas brasileira e quebequense. Rio de Janeiro: Macunaíma. Disponível em: http://www.edicoesmakunaima.com.br/wp-content/uploads/2022/07/vozesdemulheres-amerindias.pdf. Acesso em: 25 mar. 2024.
http://www.edicoesmakunaima.com.br/wp-co...
, p. 10) e expandir o lugar de fala e a inserção decolonial no sistema literário brasileiro. Da oralidade à escrita, a produção poética indígena tem revolvido tempos-espaços cosmogônicos e históricos, a fim de distanciar-se da condição de invisibilidade, esquecimento e, numa virada decolonial, reterritorializar-se. Aí entra o papel restaurador do testemunho e da literatura “em uma época de crise das grandes narrativas e teorias”: atuar na representação da memória coletiva. “A memória nos vincula. Ao compartilhar memórias, construímos um bem comum que nos une”, destaca Seligmann-Silva (2022SELIGMANN-SILVA, Márcio (2022). A virada testemunhal e decolonial do saber histórico. Campinas: Unicamp., p. 16), segundo o qual é necessária uma virada mnemônica ética para a produção de novas subjetividades resistentes à colonialidade:

Em vez de comemorarmos os “grandes vultos da nação”, bandeirantes que estupravam, escravizavam e matavam indígenas, por exemplo, devemos comemorar os próprios indígenas (que vivem neste continente há milhares de anos sem nunca ter destruído nada de sua natureza). Devemos comemorar os afrodescendentes que lutaram e lutam pela sua emancipação, assim como os que participam de movimentos sociais do campo e das cidades. Assim, estaremos construindo uma memória ética, um genuíno meio capaz de plasmar uma sociedade melhor
(Seligmann-Silva, 2022SELIGMANN-SILVA, Márcio (2022). A virada testemunhal e decolonial do saber histórico. Campinas: Unicamp., p. 16).

No caminho da construção dessa memória ética, a poesia dos povos da floresta tem agido como representações ecocríticas do passado e do presente, trazendo à luz, pelo pensamento decolonial (Walsh, 2009WALSH, Catherine (2009). Interculturalidad crítica y pedagogía de-colonial: in-surgir, re-existir y re-vivir. In: MEDINA, Patrícia (org.). Educación Intercultural en América Latina: memorias, horizontes históricos y disyuntivas políticas. México: Universidad Pedagógica Nacional; CONACYT; Plaza y Valdés. p. 25-42.; Mignolo, 2017MIGNOLO, Walter (2017). Desafios decoloniais hoje. Epistemologias do Sul, Foz do Iguaçu, v. 1, n. 1, p. 12-32.), vozes de grupos historicamente minorizados. Em um ato de resistência, as artes, aqui concebidas em sua pluralidade, assumem o seu papel de clamar por justiça social e ambiental, integrando nessa jornada o fazer poético. Elas indagam que vozes são essas, quem está sendo ouvido e representado, quem está sendo ferido, ameaçado ou ignorado. Tais respostas nos levam a descolonizar a própria História, alterando as perspectivas sobre o que tem sido registrado e transmitido.

A poesia indígena contemporânea, pela perspectiva do Sul Global e sob uma proposta ecocrítica, tem contribuído com a desconstrução do humano como categoria antropocêntrica, interconectando-o a pós-humanismos e pós-verdades, especialmente ao olharmos para o legado produzido no contexto da pandemia de COVID-19. Pela hibridez do corpo discursivo-textual, autoras como Trudruá Dorrico e Eliane Potiguara exploram as possibilidades de engendramento de aspectos da naturezacultura, aflorando, na era do Antropoceno (Crutzen; Stoermer, 2000CRUTZEN, Paul J.; STOERMER, Eugene F. (2000). The Anthropocene. Global Change Newsletter, v. 41, p. 17-18.), mudanças que levem ao pensar transversal proposto pela ecosofia de Guattari ([1989] 2000GUATTARI, Félix ([1989] 2000). The Three Ecologies. Londres e New Brunswick: The Athlone Press; Continuum., p. 29). É por esse ecossistema estético-político-socioambiental que a poesia experimenta sua retomada pós-humana, com raízes profundas no passado imemorial dos povos originários e uma rede de inúmeras possibilidades de hibridização que se expande ao presente, em busca de uma estética abya yala, que dê conta da reconstrução do bien vivir como prática ancestral e possibilite a restauração da unidade perdida pelo humano: “O humano virou covas abertas. As relações e os suores dos corpos amantes e febris esfacelaram-se ao chão. E as partículas esvoaçantes que sobraram clamam unidade” (Potiguara, 2023POTIGUARA, Eliane (2023). O vento espalha a minha voz imaginária. Rio de Janeiro: Grumin., p. 53).

  • Este artigo é derivado da pesquisa pós-doutoral realizada em 2024 na School of Modern Languages, na University of Bristol, Reino Unido.

Notas

  • 1
    Quando não indicadas explicitamente, todas as traduções feitas neste texto são de minha responsabilidade.
  • 2
    O termo abya yala, proveniente da cosmogonia Guna, da região em que hoje se encontra o Panamá, faz referência ao continente americano pelo viés indígena e a sua luta territorial, como observa Emil Keme (2018KEME, Emil (2018). Para que Abiayala viva, las Américas deben morir: Hacia una Indigeneidad transhemisférica. Native American and Indigenous Studies, v. 5, n. 1, p. 21-41. Disponível em: https://muse-jhu-edu.bris.idm.oclc.org/pub/23/article/704737/pdf. Acesso em: 13 jul. 2024.
    https://muse-jhu-edu.bris.idm.oclc.org/p...
    , p. 22): “Renombrar el continente es el primer paso hacia la descolonización epistémica y el establecimiento de nuestras soberanías o autonomías indígenas”. Para Trudruá Dorrico (2022)DORRICO, Julie (2022). Temos direito a nomes indígenas? Ecoa UOL, Truduá, Dorrico, São Paulo. Disponível em: https://www.uol.com.br/ecoa/colunas/julie-dorrico/2022/06/01/temos-direito-a-nomes-indigenas.htm. Acesso em: 13 jul. 2024.
    https://www.uol.com.br/ecoa/colunas/juli...
    , “embora o nome Abya Yala não seja efetivo, simbolicamente ele é empregado por lideranças e intelectuais para afirmar o território como indígena para os povos originários” e, por sua vez, produzir uma estética própria, pela qual há “renomeação simbólica em nível continental”, em consonância com o que Keme (2018)KEME, Emil (2018). Para que Abiayala viva, las Américas deben morir: Hacia una Indigeneidad transhemisférica. Native American and Indigenous Studies, v. 5, n. 1, p. 21-41. Disponível em: https://muse-jhu-edu.bris.idm.oclc.org/pub/23/article/704737/pdf. Acesso em: 13 jul. 2024.
    https://muse-jhu-edu.bris.idm.oclc.org/p...
    chama de ponte indígena trans-hemisférica. Desse modo, a estética abya yala consolida-se pela sua forma de ver e produzir pela linguagem, conduzindo à retomada de identidades apagadas ao longo da história da colonização das Américas.
  • 3
    Pelos dados divulgados no site Emergência Indígena (APIB, 2022ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL (APIB) (2022). Emergência Indígena: Panorama geral da Covid-19. APIB. Disponível em: https://emergenciaindigena.apiboficial.org/dados_covid19/. Acesso em: 13 jul. 2024.
    https://emergenciaindigena.apiboficial.o...
    ) e pelo Instituto Socioambiental (2020)INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL (ISA) (2020). COVID-19 e os Povos Indígenas. ISA. Disponível em: https://covid19.socioambiental.org/index.html. Acesso em: 21 fev. 2024.
    https://covid19.socioambiental.org/index...
    , até o fim de 2020, foram mais de mil mortes de indígenas pela COVID-19 no Brasil, envolvendo mais de 160 povos afetados, sendo o primeiro caso confirmado de contaminação registrado no povo Kokama, ainda em março daquele ano, no Amazonas, pelo contágio com um médico vindo de São Paulo a serviço da Secretaria Especial de Saúde Indígena. Os Kokama, da família Tupi-Guarani, juntamente com os Terena, Guajajara, Macuxi, Munduruku, Kaypó e Cinta Larga, estão entre os mais afetados pela pandemia. A omissão do governo na tragédia indígena impulsionou o que o antropólogo Henry F. Dobyns (apud Instituto Socioambiental, 2024aINSTITUTO SOCIOAMBIENTAL (ISA) (2024a). COVID-19 e os Povos Indígenas. ISA. Disponível em: https://covid19.socioambiental.org/index.html. Acesso em: 21 fev. 2024.
    https://covid19.socioambiental.org/index...
    ) chamou de “cataclismo biológico”, com mais de mil mortes registradas pelas organizações indígenas.
  • 4
    Dados atualizados acerca das terras indígenas no Brasil e sua localização podem ser acessados pelo Mapa do Instituto Socioambiental (ISA, 2024bINSTITUTO SOCIOAMBIENTAL (ISA) (2024b). Mapa Socioambiental. Programa Monitoramento de Áreas Protegidas. ISA. Disponível em: https://mapa.socioambiental.org/pages/?lang=en. Acesso em: 21 fev. 2024.
    https://mapa.socioambiental.org/pages/?l...
    ). Além disso, a plataforma Povos Indígenas do Brasil possui a lista dos povos, com suas denominações e informações etnográficas (ISA, 2024cINSTITUTO SOCIOAMBIENTAL (ISA) (2024c). Povos Indígenas do Brasil. List of indigenous peoples. ISA. Disponível em: https://pib.socioambiental.org/en/List_of_indigenous_peoples. Acesso em: 21 fev. 2024.
    https://pib.socioambiental.org/en/List_o...
    ).
  • 5
    O Instituto Ambiental, o Museu Nacional dos Povos Indígenas, o Armazém Memória e o Survival International, entre tantos outros espaços digitais nacionais e internacionais vinculados aos direitos dos povos originários, também guardam, como registro histórico, documentos epistolares que conduzem à compreensão do movimento de resistência indígena e de luta pela integridade de seu povo e território.
  • Funding:

    o apoio do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul

REFERÊNCIAS

  • ALCANTARA, Liliane Cristine Schlemer; SAMPAIO, Carlos Alberto Cioce (2017). Bem Viver como paradigma de desenvolvimento: utopia ou alternativa possível? Desenvolvimento e Meio Ambiente, v. 40, p. 231-251. https://doi.org/10.5380/dma.v40i0.48566
    » https://doi.org/10.5380/dma.v40i0.48566
  • ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL (APIB) (2020). Carta final da Assembleia de Resistência Indígena. In: SANTOS, Arima Juliana Teixeira (2021) (org.). Saúde indígena no Brasil contemporâneo: contribuições para a psicologia a partir da perspectiva decolonial. São Paulo: PUC-SP, p. 55-57. Disponível em: https://tede.pucsp.br/bitstream/handle/26199/1/Arima%20Juliana%20Teixeira%20dos%20Santos.pdf Acesso em: 21 mar. 2024.
    » https://tede.pucsp.br/bitstream/handle/26199/1/Arima%20Juliana%20Teixeira%20dos%20Santos.pdf
  • ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL (APIB) (2021). Levante pela Terra. Manifesto pelo Direito à Vida e ao Território dos Povos Indígenas Brasília: APIB. Disponível em: https://cimi.org.br/wp-content/uploads/2021/06/manifesto-levante-pela-terra_2021-06.pdf Acesso em: 21 mar. 2024.
    » https://cimi.org.br/wp-content/uploads/2021/06/manifesto-levante-pela-terra_2021-06.pdf
  • ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL (APIB) (2022). Emergência Indígena: Panorama geral da Covid-19. APIB. Disponível em: https://emergenciaindigena.apiboficial.org/dados_covid19/ Acesso em: 13 jul. 2024.
    » https://emergenciaindigena.apiboficial.org/dados_covid19/
  • ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL (APIB) (2023). Emergência Indígena Decidimos não morrer. APIB. Disponível em: https://emergenciaindigena.apiboficial.org/ Acesso em: 21 mar. 2024.
    » https://emergenciaindigena.apiboficial.org/
  • ATY GUASU (2020). Carta Emergencial dos Conselhos Guarani e Kaiowá frente à Pandemia do Covid-19 Tekohas Guarani e Kaiowá. Disponível em: https://www.salsa-tipiti.org/wp-content/uploads/2020/05/CARTA-EMERGENCIAL-DOS-CONSELHOS-GUARANI-E-KAIOWA%CC%81-FRENTE-A-PANDEMIA-DO-COVID-19-2.pdf Acesso em: 21 mar. 2020.
    » https://www.salsa-tipiti.org/wp-content/uploads/2020/05/CARTA-EMERGENCIAL-DOS-CONSELHOS-GUARANI-E-KAIOWA%CC%81-FRENTE-A-PANDEMIA-DO-COVID-19-2.pdf
  • BALBINO, Jéssica (2016). Pelas margens: vozes femininas na literatura periférica. Dissertação (Mestrado) – Instituto de Estudos da Linguagem e Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo, Universidade Estadual de Campinas, Campinas. Disponível em: https://hdl.handle.net/20.500.12733/1629700 Acesso em: 22 mar. 2024.
    » https://hdl.handle.net/20.500.12733/1629700
  • BALBINO, Jéssica (2020). Carta a Eliane Potiguara. Cartas de um outro tempo. Revista Pessoa, Manaus. Disponível em: https://revistapessoa.com/artigo/2998/carta-a-eliane-potiguara Acesso em: 22 mar. 2024.
    » https://revistapessoa.com/artigo/2998/carta-a-eliane-potiguara
  • BANIWA, André Fernando (2020). Bem viver e viver bem Segundo o povo Baniwa do Noroeste amazônico brasileiro. Organização: João Jackson Bezerra Vianna e Aline Fonseca Iubel. Curitiba: Editora UFPR.
  • BANIWA, Denilson (2019). Amazônia é uma invenção: rasura sobre livro oficial. Série todo território é invenção. Disponível em: https://www.behance.net/gallery/103113251/A-Amazonia-uma-invencao Acesso em: 14 fev. 2024.
    » https://www.behance.net/gallery/103113251/A-Amazonia-uma-invencao
  • BATESON, Gregory (1972). Steps to an Ecology of Mind Chicago: University of Chicago.
  • BAUDELAIRE, Charles (2009). Pequenos poemas em prosa Tradução: Dorothée de Bruchard. São Paulo: Hedra.
  • BOSI, Alfredo (1977). O ser e o tempo da poesia São Paulo: Cultrix / Universidade de São Paulo.
  • BRAIDOTTI, Rosi (2006). Posthuman, all too human: towards a new process ontology. Theory, Culture and Society, v. 23, n. 7-8, p. 97-208. https://doi.org/10.1177/0263276406069232
    » https://doi.org/10.1177/0263276406069232
  • BRAIDOTTI, Rosi (2013). The Posthuman Cambridge: Polity Press.
  • BRAIDOTTI, Rosi; HLAVAJOVA, Maria (org.) (2018). Posthuman Glossary Londres: Bloomsbury. ProQuest Ebook Central. Disponível em: http://ebookcentral.proquest.com/lib/bristol/detail.action?docID=5226228 Acesso em: 19 mar. 2024.
    » http://ebookcentral.proquest.com/lib/bristol/detail.action?docID=5226228
  • BRASIL (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 Brasília: Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acesso em 2 fev. 2024.
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
  • BRASIL (2023). Lei nº 14.701, de 20 de outubro de 2023. Diário Oficial da União, Brasília. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/L14701.htm Acesso em: 2 fev. 2024.
    » https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/L14701.htm
  • BRUM, Eliane (2013). Índios, os estrangeiros nativos. Época, São Paulo. Disponível em: https://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/eliane-brum/noticia/2013/07/indios-os-estrangeiros-nativos.html Acesso em: 21 fev. 2024.
    » https://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/eliane-brum/noticia/2013/07/indios-os-estrangeiros-nativos.html
  • BRUM, Eliane (2023). How did 570 indigenous children die from the negligence of the Bolsonaro government? Sumauma Disponível em: https://sumauma.com/en/como-chegamos-aos-570-pequenos-indigenas-mortos-por-negligencia-do-governo-bolsonaro/ Acesso em: 12 fev. 2024.
    » https://sumauma.com/en/como-chegamos-aos-570-pequenos-indigenas-mortos-por-negligencia-do-governo-bolsonaro/
  • BUELL, Lawrence (2001). Writing for an endangered world: literature, culture, and environment in the U.S. and beyond. Cambridge e Londres: Belknap Press of Harvard University Press.
  • BUELL, Lawrence (2005). The future of environmental criticism: environmental crisis and literary imagination. Malden; Oxford: Blackwell.
  • CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain (2009). Dicionário de símbolos Tradução: Vera da Costa e Silva et al. 23. ed. Rio de Janeiro: José Olympio.
  • CONFERÊNCIA MUNDIAL DOS POVOS INDÍGENAS SOBRE TERRITÓRIO, MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO (1992). Declaração da Aldeia Kari-Oca e Carta da Terra dos Povos Indígenas Rio de Janeiro. Acervo do Instituto Socioambiental. Disponível em: https://acervo.socioambiental.org/acervo/documentos/declaracao-da-aldeia-kari-oca-e-carta-da-terra-dos-povos-indigenas Acesso em: 14 fev. 2024.
    » https://acervo.socioambiental.org/acervo/documentos/declaracao-da-aldeia-kari-oca-e-carta-da-terra-dos-povos-indigenas
  • CONSELHO INDÍGENA DE RORAIMA (2020). Carta de apoio por sepultamentos humanizados durante a pandemia da COVID-19 Boa Vista. Disponível em: https://cir.org.br/site/wp-content/uploads/2020/08/PDF-CARTA-DE-APOIO-POR-SEPULTAMENTOS-HUMANIZADOS-DURANTE-A-PANDEMIA-DA-COVID.pdf Acesso em: 25 mar. 2024.
    » https://cir.org.br/site/wp-content/uploads/2020/08/PDF-CARTA-DE-APOIO-POR-SEPULTAMENTOS-HUMANIZADOS-DURANTE-A-PANDEMIA-DA-COVID.pdf
  • CRUTZEN, Paul J.; STOERMER, Eugene F. (2000). The Anthropocene. Global Change Newsletter, v. 41, p. 17-18.
  • DADOS, Nour; CONNELL, Raewyn (2012). The Global South. Contexts, Washington, D.C., v. 11, n. 1, p. 12-13. https://doi.org/10.1177/1536504212436479
    » https://doi.org/10.1177/1536504212436479
  • DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix (1987). A thousand plateaus: capitalism and schizophrenia. Tradução: Brian Massumi. Mineápolis: University of Minnesota Press.
  • DELOUGHREY, Elizabeth M. (2019). Allegories of the Anthropocene Durham; Londres: Duke University Press. Disponível em: https://openresearchlibrary.org/viewer/8217b5f1-aade-4fc7-b123-55e19c5e61b0/4 Acesso em: 20 mar. 2024.
    » https://openresearchlibrary.org/viewer/8217b5f1-aade-4fc7-b123-55e19c5e61b0/4
  • DORRICO, Julie (2018). Vozes da literatura indígena brasileira contemporânea: do registro etnográfico à criação literária. In: DORRICO, Julie et al. (org.). Literatura indígena brasileira contemporânea: criação, crítica e recepção. Porto Alegre: Fi. p. 227-256.
  • DORRICO, Julie (2019). Eu sou macuxi e outras histórias Ilustrações de Gustavo Caboco. Nova Lima: Caos & Letras.
  • DORRICO, Julie (2020). Carta a Ely Macuxi. Cartas de um outro tempo. Revista Pessoa, São Paulo/Portugal. Disponível em: https://revistapessoa.com/artigo/3013/carta-a-julie-dorrico Acesso em: 22 mar. 2024.
    » https://revistapessoa.com/artigo/3013/carta-a-julie-dorrico
  • DORRICO, Julie (2021). A literatura indígena contemporânea no Brasil: a autoria individual de identidade coletiva. Flip, Parati. Disponível em: https://flip.org.br/2021/a-literatura-indigena-contemporanea-no-brasil-a-autoria-individual-de-identidade-coletiva/ Acesso em: 25 mar. 2024.
    » https://flip.org.br/2021/a-literatura-indigena-contemporanea-no-brasil-a-autoria-individual-de-identidade-coletiva/
  • DORRICO, Julie (2022). Temos direito a nomes indígenas? Ecoa UOL, Truduá, Dorrico, São Paulo. Disponível em: https://www.uol.com.br/ecoa/colunas/julie-dorrico/2022/06/01/temos-direito-a-nomes-indigenas.htm Acesso em: 13 jul. 2024.
    » https://www.uol.com.br/ecoa/colunas/julie-dorrico/2022/06/01/temos-direito-a-nomes-indigenas.htm
  • DORRICO, Julie; RODRIGUES, Cecília (2023). A poética do eu-nós: uma conversa com Julie Dorrico. Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, n. 69, e6914. https://doi.org/10.1590/2316-40186914
    » https://doi.org/10.1590/2316-40186914
  • DORRICO, Trudruá (2024). Para viver é preciso ser oficial. Humboldt: Revista de Cultura, Munique. Disponível em: https://www.goethe.de/prj/hum/pt/dos/ctr/25206296.html Acesso em: 25 mar. 2024.
    » https://www.goethe.de/prj/hum/pt/dos/ctr/25206296.html
  • DORRICO, Trudruá; NEGRO, Maurício (2023). Originárias: uma antologia feminina de literatura indígena. São Paulo: Companhia das Letrinhas.
  • DUNKER, Christian (2017). Subjetividade em tempos de pós-verdade. In: DUNKER, Christian et al. (org.). Ética e pós-verdade Porto Alegre: Dublinense. p. 4-20.
  • FINLEY, Robert (2003). Las Indias Accidentales. Barcelona: Barataria.
  • FLITABIRA (2023). Música, poesia e resistência marcam falas de Trudruá Dorrico e Márcia Kambeba Belo Horizonte. Disponível em: https://flitabira.com.br/musica-poesia-e-resistencia-marcam-falas-de-trudrua-dorrico-e-marcia-kambeba/ Acesso em: 22 mar. 2024.
    » https://flitabira.com.br/musica-poesia-e-resistencia-marcam-falas-de-trudrua-dorrico-e-marcia-kambeba/
  • FUKS, Julián (2017). A era da pós-ficção: notas sobre a insuficiência da fabulação no romance contemporâneo. In: DUNKER, Christian et al. (org.). Ética e pós-verdade Porto Alegre: Dublinense. p. 36-44.
  • G1 (2021). COVID-19: Manaus vive colapso com hospitais sem oxigênio, doentes levados a outros estados, cemitérios sem vagas e toque de recolher. G1, São Paulo. Disponível em: https://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2021/01/14/covid-19-manaus-vive-colapso-com-hospitais-sem-oxigenio-doentes-levados-a-outros-estados-cemiterios-sem-vagas-e-toque-de-recolher.ghtml Acesso em: 22 mar. 2024.
    » https://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2021/01/14/covid-19-manaus-vive-colapso-com-hospitais-sem-oxigenio-doentes-levados-a-outros-estados-cemiterios-sem-vagas-e-toque-de-recolher.ghtml
  • GARCIA, Maria Fernanda (2020). Genocídio no Brasil: mais de 70% da população indígena foi morta. Observatório do Terceiro Setor, São Paulo. Disponível em: https://observatorio3setor.org.br/noticias/genocidio-brasil-mais-de-70-da-populacao-indigena-foi-morta/ Acesso em: 20 mar. 2024.
    » https://observatorio3setor.org.br/noticias/genocidio-brasil-mais-de-70-da-populacao-indigena-foi-morta/
  • GARRARD, Greg (2023). Ecocriticism 3. ed. Nova York: Routledge.
  • GLOTFELTY, Cheryl; FROMM, Harold (1996). The Ecocriticism Reader: Landmarks in Literary Ecology. Atenas e Londres: University of Georgia Press.
  • GRAÚNA, Graça (2013). Contrapontos da literatura indígena contemporânea no Brasil Belo Horizonte: Mazza Edições.
  • GRAÚNA, Graça (2020). Poéticas da Quarentena. Ameríndia Disponível em: https://gracagrauna.com/2020/06/03/poeticas-da-quarentena/ Acesso em: 25 mar. 2024.
    » https://gracagrauna.com/2020/06/03/poeticas-da-quarentena/
  • GRUMIN (2006). O que é a Rede Grumin de Mulheres Saquarema: Grumin Rede de Comunicação Indígena. Disponível em: https://grumin.blogspot.com/ Acesso em: 22 fev. 2024.
    » https://grumin.blogspot.com/
  • GUATTARI, Félix ([1989] 2000). The Three Ecologies Londres e New Brunswick: The Athlone Press; Continuum.
  • HARAWAY, Donna J. (2003). The Companion Species Manifesto: Dogs, People, and Significant Otherness. Chicago: Prickly Paradigm Press.
  • HAUG, Sebastian (2021). A Thirdspace approach to the “Global South”: insights from the margins of a popular category. Third World Quarterly, v. 42, n. 9, p. 2018-2038. https://doi.org/10.1080/01436597.2020.1712999
    » https://doi.org/10.1080/01436597.2020.1712999
  • HEISE, Ursula K. (2008). Sense of Place and Sense of Planet: The Environmental Imagination of the Global. Nova York: Oxford Academic. https://doi.org/10.1093/acprof:oso/9780195335637.001.0001
    » https://doi.org/10.1093/acprof:oso/9780195335637.001.0001
  • INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL (ISA) (2020). COVID-19 e os Povos Indígenas. ISA. Disponível em: https://covid19.socioambiental.org/index.html Acesso em: 21 fev. 2024.
    » https://covid19.socioambiental.org/index.html
  • INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL (ISA) (2024a). COVID-19 e os Povos Indígenas ISA. Disponível em: https://covid19.socioambiental.org/index.html Acesso em: 21 fev. 2024.
    » https://covid19.socioambiental.org/index.html
  • INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL (ISA) (2024b). Mapa Socioambiental Programa Monitoramento de Áreas Protegidas. ISA. Disponível em: https://mapa.socioambiental.org/pages/?lang=en Acesso em: 21 fev. 2024.
    » https://mapa.socioambiental.org/pages/?lang=en
  • INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL (ISA) (2024c). Povos Indígenas do Brasil List of indigenous peoples. ISA. Disponível em: https://pib.socioambiental.org/en/List_of_indigenous_peoples Acesso em: 21 fev. 2024.
    » https://pib.socioambiental.org/en/List_of_indigenous_peoples
  • IOVINO, Serenella (2018). (Material) Ecocriticism. In: BRAIDOTTI, Rosi; HLAVAJOVA, Maria (org.). Posthuman Glossary Londtrd: Bloomsbury. ProQuest Ebook Central. Disponível em: http://ebookcentral.proquest.com/lib/bristol/detail.action?docID=5226228 Acesso em: 19 mar. 2024.
    » http://ebookcentral.proquest.com/lib/bristol/detail.action?docID=5226228
  • KEME, Emil (2018). Para que Abiayala viva, las Américas deben morir: Hacia una Indigeneidad transhemisférica. Native American and Indigenous Studies, v. 5, n. 1, p. 21-41. Disponível em: https://muse-jhu-edu.bris.idm.oclc.org/pub/23/article/704737/pdf Acesso em: 13 jul. 2024.
    » https://muse-jhu-edu.bris.idm.oclc.org/pub/23/article/704737/pdf
  • KRENAK, Airton (2021). Caminhos para a cultura do bem viver. Transcrição e organização: Bruno Maia. Revista Biodiversidad, Rio de Janeiro. Disponível em: https://www.biodiversidadla.org/Recomendamos/Caminhos-para-a-cultura-do-Bem-Viver Acesso em: 7 abr. 2024.
    » https://www.biodiversidadla.org/Recomendamos/Caminhos-para-a-cultura-do-Bem-Viver
  • LEHNEN, Leila (2021). Planet Earth Strikes Back: Landscapes of Toxicity in Latin American Fiction. Journal of Foreign Languages and Cultures, Hunan, v. 5, n. 2. Disponível em: https://jflc.hunnu.edu.cn/info/1330/1799.htm Acesso em: 20 fev. 2024.
    » https://jflc.hunnu.edu.cn/info/1330/1799.htm
  • LOUSLEY, Cheryl (2020). Ecocriticism. Oxford Research Encyclopedia of Literature. Oxford: Oxford University Press. https://doi.org/10.1093/acrefore/9780190201098.013.974
    » https://doi.org/10.1093/acrefore/9780190201098.013.974
  • MACHADO, Ana Maria; BEDINELLI, Talita; BRUM, Eliane (2023). We are not even able to count the bodies. Sumaúma Disponível em: https://sumauma.com/en/nao-estamos-conseguindo-contar-os-corpos/ Acesso em: 20 fev. 2024.
    » https://sumauma.com/en/nao-estamos-conseguindo-contar-os-corpos/
  • MACUXI, Ely (2011). Ipaty: o curumim da selva. São Paulo: Paulinas.
  • MACUXI, Ely (2020). Carta a Julie Dorrico. Revista Pessoa, São Paulo/Portugal. Disponível em: https://revistapessoa.com/artigo/3013/carta-a-julie-dorrico Acesso em: 22 mar. 2024.
    » https://revistapessoa.com/artigo/3013/carta-a-julie-dorrico
  • MIGNOLO, Walter (2017). Desafios decoloniais hoje. Epistemologias do Sul, Foz do Iguaçu, v. 1, n. 1, p. 12-32.
  • MURPHY, Patrick (1995). Literature, Nature, and Other: Ecofeminist Critiques. Albany: State University of New York Press.
  • MURPHY, Patrick (2000). Further Afield in the Study of Nature-Oriented Literature Charlottesville: University Press of Virginia.
  • OLIVEIRA, Ubirajara et al (2020). Modelagem da vulnerabilidade dos povos indígenas no Brasil ao COVID-19: [Nota Técnica]. CSR-UFMG; ISA. In: INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL (ISA). COVID-19 e os Povos Indígenas: Indicador de vulnerabilidade das Terras Indígenas em relação a COVID-19 ISA. Disponível em: https://covid19.socioambiental.org/index.html Acesso em: 21 fev. 2024.
    » https://covid19.socioambiental.org/index.html
  • OLIVIERI-GODET, Rita (2020). Vozes de mulheres ameríndias nas literaturas brasileira e quebequense Rio de Janeiro: Macunaíma. Disponível em: http://www.edicoesmakunaima.com.br/wp-content/uploads/2022/07/vozesdemulheres-amerindias.pdf Acesso em: 25 mar. 2024.
    » http://www.edicoesmakunaima.com.br/wp-content/uploads/2022/07/vozesdemulheres-amerindias.pdf
  • OPPERMANN, Serpil (2016). From Posthumanism to Posthuman Ecocriticism. Relations: Beyond Anthropocentrism, v. 4, n. 1, p. 23-37. Disponível em: https://www.ledonline.it/index.php/Relations/article/view/990 Acesso em: 21 mar. 2024.
    » https://www.ledonline.it/index.php/Relations/article/view/990
  • PAPADOPOULOS, Dimitris (2018). Insurgent Posthumanism. In: BRAIDOTTI, Rosi; HLAVAJOVA, Maria (org.). Posthuman Glossary Londres: Bloomsbury. p. 204-207. ProQuest Ebook Central. Disponível em: http://ebookcentral.proquest.com/lib/bristol/detail.action?docID=5226228 Acesso em: 19 mar. 2024.
    » http://ebookcentral.proquest.com/lib/bristol/detail.action?docID=5226228
  • PAZ, Otávio (1982). O arco e a lira Rio de Janeiro: Nova Fronteira.
  • PESSOA (2020). Cartas de um outro tempo. Revista Pessoa Disponível em: https://revistapessoa.com/categoria/82/cartas-de-um-outro-tempo Acesso em: 20 mar. 2024.
    » https://revistapessoa.com/categoria/82/cartas-de-um-outro-tempo
  • PHILLIPS, Tom (2023). Lula accuses Bolsonaro of genocide against Yanomami in Amazon. The Guardian Disponível em: https://www.theguardian.com/world/2023/jan/22/lula-accuses-jair-bolsonaro-genocide-yanomami-indigenous-amazon Acesso em: 15 abr. 2024.
    » https://www.theguardian.com/world/2023/jan/22/lula-accuses-jair-bolsonaro-genocide-yanomami-indigenous-amazon
  • POTIGUARA, Eliane (2004). Metade cara, metade máscara São Paulo: Global.
  • POTIGUARA, Eliane (2020). Carta a Jéssica Balbino. Cartas de um outro tempo. Revista Pessoa, Manaus. Disponível em: https://revistapessoa.com/artigo/2996/carta-a-jessica-balbino Acesso em: 22 mar. 2024.
    » https://revistapessoa.com/artigo/2996/carta-a-jessica-balbino
  • POTIGUARA, Eliane (2022). Mulheres indígenas sempre foram guerreiras: feminismo e meio ambiente, olhar histórico e político. In: MUNDURUKU, Daniel et al. (org.). Jenipapos: diálogos sobre viver [livro eletrônico]. Rio de Janeiro: Mina Comunicação e Arte. Disponível em: https://portalamazonia.com/images/p/39547/Jenipapos---Dialogos-Sobre-Viver---Mina.pdf Acesso em: 25 mar. 2024.
    » https://portalamazonia.com/images/p/39547/Jenipapos---Dialogos-Sobre-Viver---Mina.pdf
  • POTIGUARA, Eliane (2023). O vento espalha a minha voz imaginária Rio de Janeiro: Grumin.
  • POTIGUARA, Eliane (2024). Sobre a escritora [Site oficial]. Disponível em: http://www.elianepotiguara.org.br/ Acesso em: 22 fev. 2024.
    » http://www.elianepotiguara.org.br/
  • QUIJANO, Aníbal (2014). Bien Vivir: Entre el “desarrollo” y la des/Colonialidad del poder. In: QUIJANO, Aníbal (org.). Des/colonialidad y bien vivir: um nuevo debate in America Latina. Peru: Editorial Universitaria. p. 847-859.
  • RAMOS, Alcida Rita (1995). O papel político das epidemias: o caso Yanomami. In: BARTOLOME, Miguel A. (org.). Ya no hay lugar para cazadores: processo de extincción y transfiguración étnica en America Latina. Quito: Abya-Yala. p. 55-91.
  • RAQUEL, Martha (2021). Brasil ultrapassa marca de mil indígenas mortos em decorrência da COVID-19. Brasil de Fato, São Paulo. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2021/03/13/brasil-ultrapassa-marca-de-mil-indigenas-mortos-em-decorrencia-da-covid-19 Acesso em: 21 mar. 2024.
    » https://www.brasildefato.com.br/2021/03/13/brasil-ultrapassa-marca-de-mil-indigenas-mortos-em-decorrencia-da-covid-19
  • SÁ, Lúcia (2004). Rain Forest Literatures: Amazonian Texts and Latin American Culture. Mineápolis: University of Minnesota. (Cultural Studies of the Americas, v. 16.)
  • SELIGMANN-SILVA, Márcio (2022). A virada testemunhal e decolonial do saber histórico Campinas: Unicamp.
  • TEZZA, Cristóvão (2017). A ética da ficção. In: DUNKER, Christian et al. (org.). Ética e pós-verdade Porto Alegre: Dublinense. p. 21-35.
  • THIÉL, Janice Cristine (2012). Pele silenciosa, pele sonora: a literatura indígena em destaque. Belo Horizonte: Autêntica.
  • UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA (UFBA) (2024). Cartas indígenas ao Brasil Bahia: UFBA. Disponível em: https://cartasindigenasaobrasil.com.br/sobre/ Acesso em: 22 mar. 2024.
    » https://cartasindigenasaobrasil.com.br/sobre/
  • VILAÇA, Aparecida (2020). Morte na floresta São Paulo: Todavia.
  • WALSH, Catherine (2009). Interculturalidad crítica y pedagogía de-colonial: in-surgir, re-existir y re-vivir. In: MEDINA, Patrícia (org.). Educación Intercultural en América Latina: memorias, horizontes históricos y disyuntivas políticas. México: Universidad Pedagógica Nacional; CONACYT; Plaza y Valdés. p. 25-42.

Editor:

Paulo César Thomaz

Editor de seção:

Leila Lehnen

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    27 Mar 2024
  • Aceito
    10 Jul 2024
Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea, Programa de Pós-Graduação em Literatura da Universidade de Brasília (UnB) Programa de Pós-Graduação em Literatura, Departamento de Teoria Literária e Literaturas, Universidade de Brasília , ICC Sul, Ala B, Sobreloja, sala B1-8, Campus Universitário Darcy Ribeiro , CEP 70910-900 – Brasília/DF – Brasil, Tel.: 55 61 3107-7213 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: revistaestudos@gmail.com