Acessibilidade / Reportar erro

Transparência no cinema; opacidade na literatura: a escrita roteirizada de Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios, de Marçal Aquino

Transparency in cinema; opacity in literature: the scripted writing of Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios, by Marçal Aquino

Transparencia en el cine; La opacidad en la literatura: la escritura guionizada de Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios, de Marçal Aquino

Resumo

O presente artigo propõe uma análise do romance Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios, de Marçal Aquino (2005)AQUINO, Marçal (2005). Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios. São Paulo: Companhia das Letras., com o intuito de observar que efeitos estéticos e de sentido decorrem da “escrita roteirizada” utilizada pelo autor para a construção da narrativa literária. O termo “escrita roteirizada” é usado por Schøllhammer (2009)SCHØLLHAMMER, Karl Eric (2009). Ficção brasileira contemporânea. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. para designar a produção literária brasileira, que tem início na década de 1990, quando surgem narrativas que se valem de procedimentos análogos aos dos meios audiovisuais e digitais. Logo a perspectiva aqui adotada não diz respeito apenas a comparar duas linguagens diversas, isto é, literatura e cinema, mas a permanecer no domínio da escrita e investigar como ela corrobora traços de uma linguagem ligada à tecnologia icônica.

Palavras-chave:
Marçal Aquino; linguagem cinematográfica; literatura comparada; intermidialidade

Abstract

This article proposes an analysis of the novel Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios, by Marçal Aquino (2005)AQUINO, Marçal (2005). Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios. São Paulo: Companhia das Letras.. The study aims to analyze the aesthetic and semantic effects resulting from the “script-like writing” employed by the author in constructing the literary narrative. The term “script-like writing” is used by Schøllhammer (2009)SCHØLLHAMMER, Karl Eric (2009). Ficção brasileira contemporânea. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. to designate Brazilian literary production beginning in the 1990s, characterized by narratives that employ techniques analogous to audiovisual and digital media. Therefore, the perspective adopted here not only concerns comparing two different languages, namely literature and cinema, to explore how writing itself corroborates elements of a language associated with iconic technology.

Keywords:
Marçal Aquino; cinematic language; comparative literature; intermediality

Resumen

Este artículo propone un análisis de la novela Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios, de Marçal Aquino (2005)AQUINO, Marçal (2005). Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios. São Paulo: Companhia das Letras., con el objetivo de observar los efectos estéticos y semánticos que resultan de la “escritura guionizada” empleada por el autor en la construcción de la narrativa literaria. El término “escritura guionizada” es utilizado por Schøllhammer (2009)SCHØLLHAMMER, Karl Eric (2009). Ficção brasileira contemporânea. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. para designar la producción literaria brasileña que comienza en la década de 1990, caracterizada por narrativas que emplean técnicas análogas a los medios audiovisuales y digitales. Por lo tanto, la perspectiva adoptada aquí no solo se refiere a comparar dos lenguajes diferentes, es decir, literatura y cine, sino que también se mantiene dentro del dominio de la escritura para investigar cómo corrobora elementos de un lenguaje asociado con la tecnología icónica.

Palabras-clave:
Marçal Aquino; lenguaje cinematográfico; literatura comparativa; intermedialidad

INTRODUÇÃO

Abordar o diálogo entre literatura e cinema soa como percorrer um caminho já muito explorado, sem grandes chances de encontrar, nesse percurso, informações novas para pensar essas relações, isso porque desde a invenção do cinematógrafo pelos irmãos Lumière, no final do século XIX — e, possivelmente, até mesmo antes dela1 1 É o que observam, por exemplo, os pesquisadores Eduardo Leone e Maria Dora Mourão (1993, p. 16): “Não resta a menor dúvida de que no nosso século o cinema influenciou a literatura, assim como essa jovem expressão dramática foi influenciada por escritores que possuíam o ‘cinematográfico’, antes mesmo de o cinema ter sido inventado”. No entanto, é importante ressaltar que os modos cinematográficos só podem ser observados, na prática literária, no Brasil e na França, no último quartel do século XIX. — a aproximação de literatura e cinema se revelou profícua.

Com o desenvolvimento da arte cinematográfica, cuja estética estava em perfeita sintonia com o advento da modernidade, entendida aqui, sobretudo, enquanto modernização técnica e industrial, estabeleceu-se, por parte de outros campos artísticos, em especial o literário, uma espécie de elogio estético ao cinema, sintonizado com as transformações efervescentes da vida moderna, que poderiam ser sintetizadas pelo dinamismo de sua imagem.

Nesse sentido, literatura e cinema são linguagens correlacionadas e que compartilham estratégias narrativas comuns. Assim, não seria despropositado sugerir uma interinfluência2 2 O conceito de interinfluência foi utilizado em nossa tese de doutorado para caracterizar as relações que se estabelecem entre literatura e cinema. Ao nomearmos esse fenômeno como interinfluência, estamos a considerar que os dois campos artísticos — literatura e cinema — se influenciam mutuamente, com o intuito de nos afastarmos da problemática noção de influência, que pressupõe, em geral, uma relação hierárquica. Assim, ao dizer que os campos artísticos se interinfluenciam, consideramos que ambos se defrontaram com um paralelismo estético no século XX, cujas características se manifestam tanto para a literatura quanto para o cinema. dos dois campos artísticos: se, por um lado, o cinema, em seus primórdios, buscou a narratividade própria da literatura para contar suas histórias, tempos depois, em meados do século XX, a literatura é que foi buscar no cinema elementos linguísticos (técnicas, procedimentos) que produziram mudanças na construção das narrativas ficcionais. Se muito já se tem dito, no entanto, sobre a literatura como certo modelo narrativo para contar histórias por imagens, parece-nos interessante pensar no caminho inverso: como o cinema, ao constituir-se como detentor de linguagem própria, serviu e ainda serve como fonte de inspiração para a literatura, particularmente a experimental, sobretudo a partir da incorporação dos procedimentos de montagem e decupagem pelos textos literários a partir do século XX.

Sabe-se que a literatura brasileira produzida desde a década de 1990, segundo Schøllhammer (2009)SCHØLLHAMMER, Karl Eric (2009). Ficção brasileira contemporânea. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira., não pode ser compreendida de maneira homogênea, ao contrário, a característica desses textos produzidos no final do século passado e no início deste século parece ser mesmo a da heterogeneidade. Nesse cenário, a relação da literatura com diferentes mídias ganha outra dimensão, de modo a não ser mais um recurso utilizado simplesmente para revitalizar e renovar formas literárias — como foi, por exemplo, o caso da vanguarda literária modernista3 3 Este é, por exemplo, o ponto de partida de Andrew Shail (2014) em The cinema and the origins of literary modernism. , mas se insere numa “produção em que o livro deixou de ser o produto final e apenas representa uma etapa provisória de um desdobramento de significantes em novos formatos mais voláteis e porosos da mútua penetração dos diferentes níveis” (Schøllhammer, 2009SCHØLLHAMMER, Karl Eric (2009). Ficção brasileira contemporânea. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira., p. 63). O autor ainda acrescenta:

Outra característica da ficção que se inicia no início da década de 1990 é a intensificação do hibridismo literário, que gera formas narrativas análogas aos meios audiovisuais e digitais, tais como as escritas roteirizadas de Patrícia Melo, Marçal Aquino e Fernando Bonassi
(Schøllhammer, 2009SCHØLLHAMMER, Karl Eric (2009). Ficção brasileira contemporânea. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira., p. 38).

Logo “escrita roteirizada” é utilizado por Schøllhammer (2009)SCHØLLHAMMER, Karl Eric (2009). Ficção brasileira contemporânea. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. para designar a produção literária brasileira que tem início na década de 1990, quando há intensificação do que ele caracteriza como “hibridismo literário”. Nesse sentido, o termo é aqui empregado para nos referir a uma escrita que apresenta traços característicos de um roteiro cinematográfico, embora, normalmente, com estrutura menos complexa, isto é, sem termos técnicos específicos ou indicações cênicas detalhadas4 4 Steven Price (2013) argumenta que a configuração adotada pelos roteiros atualmente ocorreu depois da tentativa de homogeneizar seu formato pela indústria cinematográfica nos anos 1930. Os roteiros no mercado hoje seguem o modelo “master-scene” que, em linhas gerais, abrange cinco elementos: cabeçalho de cena (em geral, indicação de tempo ou localidade), ação, indicação de personagens, diálogos e transições (em geral, indicação de cortes e mudanças de planos). Price (2013) ressalva que essa compreensão atual do roteiro como um documento com requisitos formais muito precisos não decorre da prática industrial, mas do efeito da publicação de manuais de roteiristas no fim da década de 1970. . Com isso, as obras literárias que se valem de uma escrita chamada de roteirizada são constituídas adotando grande parte das convenções da linguagem do cinema, mas sem abdicar de sua configuração como literatura.

Schøllhammer (2009)SCHØLLHAMMER, Karl Eric (2009). Ficção brasileira contemporânea. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. também dirá que escritores como Marçal Aquino e Fernando Bonassi publicam suas ficções em livro, mas também atuam em projetos cinematográficos e televisivos:

No caso específico de Marçal Aquino, o escritor tem uma produção diversificada, tendo realizado adaptações de contos e romances, próprios e de outros, para o cinema, e também, em sentido inverso, escrevendo o roteiro do filme O invasor para a direção de Beto Brant. Somente depois de terminadas as filmagens, Aquino concluiu o romance, que foi editado pela editora Geração, em 2002, juntamente com o roteiro. Marçal Aquino, escritor profícuo, formou equipe com o diretor Beto Brant em vários filmes, adaptou o livro Até o dia em que o cão morreu, de Daniel Galera, para o cinema, sob o título Cão sem dono, e O cheiro do ralo, de Lourenço Mutarelli, posteriormente dirigido por Heitor Dhalia, além de ser adaptado o seu próprio conto, Matadores, da coletânea Miss Danúbio, para a tela, também com direção de Beto Brant. Assim, a proximidade entre as duas linguagens certamente é um traço importante no percurso de Aquino e favorece uma prosa sucinta, sem extravagâncias descritivas e com objetividade na construção narrativa
(Schøllhammer, 2009SCHØLLHAMMER, Karl Eric (2009). Ficção brasileira contemporânea. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira., p. 60).

A relação entre a escrita literária e a escrita de roteiros cinematográficos não é um dado exclusivo da contemporaneidade. Segundo o pesquisador Jordan Brower (2017)BROWER, Jordan (2017). Written with the movies in mind: twentieth-century American literature and transmedial possibility. Modern Language Quarterly, v. 78, n. 2, p. 243-273. https://doi.org/10.1215/00267929-3812618
https://doi.org/10.1215/00267929-3812618...
, escrever com filmes em mente, isto é, produzir um texto literário tendo no horizonte que aquele texto poderá se converter em uma adaptação cinematográfica é uma prática comum desde a década de 1920, incluindo escritores como F. Scott Fitzgerald5 5 Emmanoel dos Santos (1994) questiona, de modo provocativo, quantos estudiosos de literatura estariam familiarizados com a carreira de roteiristas de escritores do porte de William Faulkner e mesmo Fitzgerald, e ainda quantos críticos estariam dispostos a considerar seriamente como objeto de estudo a obra para o cinema desses escritores para um levantamento exaustivo de seus achados e seu acabamento literário, isso porque, embora num tom jocoso, o autor considera possível que esses escritores escrevessem roteiros não porque se empenhavam na construção de um texto para o cinema com a mesma meticulosidade com que escreviam seus romances, mas porque, afinal, consideravam suas tarefas de escritores para o cinema um trabalho secundário, que lhes providenciava o sustento necessário para escrever suas grandes obras-primas literárias. .

O conhecimento de que o cinema podia ser um meio eficaz para um largo alcance de público e vendas do texto literário fez com que escritores flertassem com a Sétima Arte também como estratégia mercadológica. De modo análogo, no cenário brasileiro contemporâneo6 6 Neste artigo, assume-se como “contemporânea” a literatura produzida nos anos 2000, o que Schøllhammer (2009) chamará de “os OO”, isto é, quando se acentua a interação da palavra escrita com os meios de comunicação em massa. Embora entendamos que o termo “contemporâneo” seja controverso e motivo de não consensualidade entre críticos literários — Massaud Moisés (2018), por exemplo, intitula de “tendências contemporâneas” a literatura produzida desde 1945 —, estabelecemos aqui esse período por compreender que, conforme também afirma Schøllhammer (2009, p. 147), a “diversidade de temas e soluções criativas, que só fez aumentar durante a última década, ao mesmo tempo que não se produziu qualquer ruptura mais significativa entre quem despontou na década de 1990”. , surgem cada vez mais escritores que transitam entre a escrita de romances e de roteiros fílmicos, esse é o caso, entre outros, de Marçal Aquino, que, conforme também observa Schøllhammer (2009)SCHØLLHAMMER, Karl Eric (2009). Ficção brasileira contemporânea. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira., faz parte de uma geração de escritores:

para os quais a editora deixou de ser a única e principal empregadora, e a literatura apenas uma entre um leque de atividades do escritor, que agora atua em todos os campos possíveis, da imprensa aos meios visuais de comunicação, passando pelo cinema, pela televisão, pelo teatro e pela produção de textos para os sites virtuais
(Schøllhammer, 2009SCHØLLHAMMER, Karl Eric (2009). Ficção brasileira contemporânea. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira., p. 63).

Logo, dos anos 1960–70 em diante, quando a indústria cultural se consolida de fato e se expande no Brasil, há algo como uma inversão nas relações entre literatura e cinema. Autores passam a escrever para (ou com a esperança de) terem suas obras transformadas em filmes, de maneira que se impõe, partindo desse cenário, a necessidade de dialogar com o mercado cultural e suas demandas, daí, possivelmente, o estabelecimento de um diálogo com as mais diferentes mídias, que marca uma percepção do livro como “etapa provisória” numa cadeia maior de produção e consumo. Certamente, essas relações continuam sendo percebidas na literatura produzida no século XXI.

Nesse sentido, a pesquisadora Irina Rajewsky (2012)RAJEWSKY, Irina (2012). A fronteira em discussão: o status problemático das fronteiras midiáticas no debate contemporâneo sobre intermidialidade. In: DINIZ, Thaïs Flores Nogueira; VIEIRA, André Soares (org.). Intermidialidade e estudos interartes: desafios da arte contemporânea. Belo Horizonte: Rona. p. 51-73., ao tratar do diálogo intermidiático de diversos gêneros artísticos, pontua como certas especificidades dos gêneros se baseiam em convenções que podem ser, a qualquer momento, parodiadas, enfraquecidas ou ultrapassadas, além disso, as especificidades midiáticas (como é o caso da literatura, do cinema), segundo a pesquisadora, implicam uma série de restrições materiais que podem ser alvo de diálogo sem que as suas estruturas fundamentais se abalem: “O que se cria nesse caso é mera ilusão, um ‘como se’ relativamente a outra mídia” (Rajewsky, 2012RAJEWSKY, Irina (2012). A fronteira em discussão: o status problemático das fronteiras midiáticas no debate contemporâneo sobre intermidialidade. In: DINIZ, Thaïs Flores Nogueira; VIEIRA, André Soares (org.). Intermidialidade e estudos interartes: desafios da arte contemporânea. Belo Horizonte: Rona. p. 51-73., p. 68-69). Por isso, como a linguagem verbal, subordinada à linearidade do discurso, não pode expressar uma experiência simultânea, como é o caso do cinema, em que o tempo da narração coincide como tempo da história narrada7 7 O cinema, assim como o gênero dramático, que “é o método de apresentação direta e visa dar ao leitor a sensação de estar presente, aqui e agora, na cena da ação” (Beach, 1932, p. 148 apud Mendilow, 1972, p. 124), dá-nos a sensação de presente que é criada pela correspondência entre o tempo da narração e o tempo da história narrada. , isso só se faz possível pela simulação de um efeito do simultâneo e do cinematográfico pelo texto literário — é, precisamente, o diálogo intermidiático estabelecido pelo romance com o cinema, produzindo, conforme propõe Rajewsky (2012)RAJEWSKY, Irina (2012). A fronteira em discussão: o status problemático das fronteiras midiáticas no debate contemporâneo sobre intermidialidade. In: DINIZ, Thaïs Flores Nogueira; VIEIRA, André Soares (org.). Intermidialidade e estudos interartes: desafios da arte contemporânea. Belo Horizonte: Rona. p. 51-73., um como se.

Tendo em vista essas discussões, propõe-se aqui uma análise do romance Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios, de Marçal Aquino (2005)AQUINO, Marçal (2005). Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios. São Paulo: Companhia das Letras., com o intuito de observar que efeitos estéticos e de sentido decorrem dessa “escrita roteirizada”, ou seja, uma escrita simulando ser cinema, utilizada pelo autor para construir a narrativa literária.

O CRUZAMENTO DE FRONTEIRAS ENTRE LITERATURA E CINEMA EM EU RECEBERIA AS PIORES NOTÍCIAS DOS SEUS LINDOS LÁBIOS

Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios é o terceiro romance do escritor paulista Marçal Aquino, publicado em 2005. O romance é narrado em primeira pessoa pelo fotógrafo Cauby, que se muda para uma cidade do interior do Pará dominada pelo garimpo com o intuito de fotografar as prostitutas que ali vivam. Aliás, o fato de o narrador ser um fotógrafo é significativo no romance, uma vez que a realidade é transmitida por ele de maneira fragmentária, assemelhando-se à montagem de fotogramas em uma narrativa cinematográfica.

Cauby apaixona-se por Lavínia, uma enigmática mulher, casada com o pastor Ernani, de modo que ela e o fotógrafo passam a viver uma espécie de paixão fatal e proibida. Vale destacar que a obra foi adaptada para o cinema pelo diretor Beto Brant em 2012, com colaboração do próprio Marçal para a escrita do roteiro.

O narrador-personagem parte de deslocamentos temporais, utilizando-se de prolepses e analepses para entregar gradativamente os desfechos das situações, de maneira que produz uma espécie de suspense comum às narrativas policiais, como observa Schøllhammer (2009SCHØLLHAMMER, Karl Eric (2009). Ficção brasileira contemporânea. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira., p. 60), “a serviço de uma intriga de amor impossível, que acaba revelando os podres e a violência de uma comunidade na fronteira da civilização no interior do Brasil”. Logo, por meio de uma arquitetura textual que se vale de uma estética fragmentária, o livro revela temas cotidianos como a violência urbana e as relações de poder.

O romance se inicia da seguinte forma:

Não adianta explicar. Você não vai entender.
Às vezes, como num sonho, vejo o dia da minha morte. É uma coisa meio espírita, um flash. E, embora a mulher não apareça, sei que é por causa dela que estão me matando. E tenho tempo de saber que não me deixa infeliz o desfecho da nossa história. Terá valido a pena.
[...]
Sopra uma brisa vinda do rio e a noite está silenciosa e com um cheiro de dama-da-noite tão intenso que chega a ser enjoativo. Faz calor ainda. À tarde, vi pássaros voando em formação rumo ao norte. Não demora e teremos frio. Menos aqui, é claro.
O homem que sai na varanda da pensão é calvo e barrigudo, e usa camiseta, bermuda listrada e chinelos. Ele diz um boa-noite torcendo a boca — derrame? — e senta-se na cadeira de palhinha
(Aquino, 2005AQUINO, Marçal (2005). Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios. São Paulo: Companhia das Letras., p. 11).

Constatamos, logo no início do romance, um narrador em primeira pessoa, que, inclusive, faz interpelações ao leitor, “você não vai entender”, o que acentua um traço metalinguístico do romance desde o seu início, desafiando o leitor e instigando-o a preencher o relato com suas hipóteses pessoais. Ao considerar que o narrador Cauby é um fotógrafo, poderíamos encontrar aí uma explicação para o predomínio do showing sobre o telling8 8 Os termos “telling” e “showing” são utilizados por Norman Friedman (2002), cujo ensaio “Point of view in fiction: the development of a critical concept” foi publicado originalmente em 1967 (conforme nota da tradução de Fábio Fonseca para a revista USP), e essa terminologia foi criada por Percy Lubbock (1921) em The craft of fiction. Por um lado, contar (telling) é próprio da forma narrativa, que se constrói, majoritariamente, em uma dimensão temporal — condição fundamental de toda narrativa, que está atrelada a uma sequência temporal, não importa se linear ou não. No caso das imagens do cinema, elas não contam, mostram (showing), até porque aquilo que há de “narração” no cinema não está propriamente nas imagens que ele representa, mas na progressão temporal dessas mesmas imagens, o que, no caso da literatura, é feito com palavras. nesse romance, isto é, do mostrar sobre o contar, de modo que esse dado poderia ser não somente um efeito estilístico, mas também uma representação do próprio modo de contar desse narrador que, no fim das contas, não narra, mas capta os acontecimentos como pequenos flashes e retransmite-os ao seu leitor, tal como sua câmera fotográfica. Com isso, hibridiza-se uma narração em primeira pessoa, em que o narrador emite suas impressões sobre os fatos narrados, como podemos notar na observação “derrame” que ele faz a respeito do homem “calvo e barrigudo” que se senta na varanda— com uma narração em que há linhas de ações paralelas e o predomínio da função de mostrar, como podemos observar na seguinte passagem:

Dona Jane aparece com a garrafa térmica numa bandeja. O café costuma ser infernalmente adocicado.
Vai chover, dona Jane.
Isso quem diz é o careca, sem tirar os olhos do jornal. Uma notícia se destaca na página que consigo enxergar: estão liberando o rio para mineração outra vez. A cidade à beira de um novo surto de prosperidade. É só ver como aumentou o número de putas que circulam pelo centro e pelos lados da rodoviária. Noite e dia. São as primeiras a farejar o ouro.
Ainda demora pra chover, seu Altino
(Aquino, 2005AQUINO, Marçal (2005). Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios. São Paulo: Companhia das Letras., p. 12).

Nesse romance, o narrador funciona como uma espécie de câmera que, subitamente, muda seu foco de atenção e registro — da garrafa térmica nas mãos de dona Jane para as páginas do jornal segurado pelo personagem Careca —, nos termos do que propôs Friedman (2002)FRIEDMAN, Norman (2002). O ponto de vista na ficção. Tradução de Fábio Fonseca de Melo. Revista USP, São Paulo, n. 53, p. 166-182. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9036.v0i53p166-182
https://doi.org/10.11606/issn.2316-9036....
acerca do foco “câmera”. A narrativa, com predomínio dos verbos no presente do indicativo, é constituída por meio de uma escassez de conjunções, o que se traduz em construções justapostas e em paralelo. Além disso, observamos como as falas das personagens são intercaladas com as observações feitas pelo narrador, como em “’Vai chover, dona Jane’. Isso quem diz é o careca, sem tirar os olhos do jornal” (Aquino, 2005AQUINO, Marçal (2005). Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios. São Paulo: Companhia das Letras., p. 12), e no fim do trecho: “Ainda demora pra chover, seu Altino” (Aquino, 2005AQUINO, Marçal (2005). Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios. São Paulo: Companhia das Letras., p. 12). Isso cria uma sugestão de que, primeiro, o que vai para o primeiro plano da narração são as falas das personagens — os sons —, para, somente depois, o narrador, tal qual uma câmera, deslocar seu ponto de observação para narrar ao leitor a origem daquela fala.

No entanto, ainda que haja esse artifício de narrar imparcialmente como uma câmera cinematográfica, ele se verifica em momentos pontuais da narrativa, pois há um narrador que narra em primeira pessoa no romance, como notamos em “uma notícia se destaca na página que consigo enxergar” (Aquino, 2005AQUINO, Marçal (2005). Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios. São Paulo: Companhia das Letras., p. 12, grifo nosso). Ademais, quando observamos o verbo “costuma”, notamos que ele marca uma coexistência entre o sumário narrativo e a cena9 9 Sumário é “a concentração em narrativa relativamente curta de fatos que ocorreram em períodos de tempos mais longos” e cena caracteriza-se como “a narrativa dos fatos na sua sequência temporal imediata, podendo incluir diálogos ou não” (Carvalho, 2012, p. 47). . É importante, ainda, destacar como os diálogos das personagens se interpolam com as reflexões do narrador, isto é, surgem na história narrada sem nenhuma espécie de anúncio do narrador personagem.

O romance, construído em grande parte valendo-se da prolepse10 10 Prolepses são “antecipações no tempo, que permitem a anteposição, no plano do discurso, de um fato ou situação que só aparecerá mais tarde no plano da diegese. Corresponde ao que, em linguagem cinematográfica, é chamado de flashforward” (Franco Junior, 2009, p. 47). , de modo a manter o leitor em expectativa sobre o desfecho dos acontecimentos, lembra essa mesma estrutura utilizada em obras como Crônica de uma morte anunciada, de Gabriel Garcia Márquez (1981), em que o assassinato do personagem Santigo Nasar pelos dois irmãos Vicários é anunciado ao longo de toda a narrativa. Há, portanto, uma posição irônica desse narrador em relação à onisciência do narrador e à desigualdade do leitor nessa relação, que fica subordinado à vontade desse narrador de dizer a verdade ou não. Procedimento semelhante ocorre com o narrador Cauby, que propositalmente mantém o leitor em suspense, sem revelar toda a história de modo linear.

Contudo, não há, nesse romance de Aquino (2005)AQUINO, Marçal (2005). Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios. São Paulo: Companhia das Letras., como há nas narrativas policiais tradicionais, a intenção de desvendar um crime. Na verdade, o elemento propulsor de trama não é solucionar um crime, mas expor a violência para que se possa entender os caminhos que levaram alguém a cometê-la.

Valendo-se desse procedimento, o romance vai construindo narrativas intercaladas, isto é, constrói uma história dentro da outra. A primeira delas passa-se no presente da situação dramática, no qual seu Altino, senhor que reside em uma pensão com Cauby, em determinada tarde, relata a um jovem sua história de amor com uma ex-colega de profissão chamada Marinês. Partindo dessa primeira narrativa, Cauby reconstituirá, em paralelo, sua história de amor com Lavínia. Desse modo, a narração arquiteta-se de maneira entretecida, em que os pequenos fragmentos, isto é, os flashes transmitidos pelo narrador, à maneira mesmo de pequenos fotogramas, vão compondo o todo textual. Com isso, as duas linhas narrativas vão sendo constantemente interrompidas e intercaladas, em procedimento análogo aos cortes cinematográficos. Esse procedimento pode ser verificado no trecho em que o narrador descreve seu primeiro encontro com Lavínia:

Lavínia recolocou os sapatos e pegou a bolsa. E eu me levantei da poltrona para acompanhá-la até a porta. Chovia ainda, mas isso não a incomodou. Depois que ela foi embora, voltei para a sala e, ao som do velho Ludwig, a Cavatina do Quarteto de Cordas, op 130, liquidei com a garrafa de conhaque. Eu me sentia atordoado, febril. A única doença que Deus transmitiu aos homens, segundo o professor Schianberg.
Mas isso é uma pouca-vergonha, o careca fala, de repente, enfurecido com uma notícia que leu.
Eu e o menino olhamos para ele. A boca está mais torta do que nunca.
Vocês viram essa? O governo vai indenizar a mineradora pelo tempo que ela ficou parada. Dá pra acreditar?
(Aquino, 2005AQUINO, Marçal (2005). Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios. São Paulo: Companhia das Letras., p. 28-29).

No início do fragmento, o leitor depara-se com o desfecho do primeiro encontro de Cauby e Lavínia. O narrador descreve o ato de Lavínia calçar os sapatos e ir embora sob a chuva, sem incomodar-se com isso. Em seguida, trata do estado febril em que se encontra, associando a isso, inclusive, as reflexões do professor Schianberg, personagem que aparece no romance apenas na leitura que o narrador faz de seus textos, que refletem sobre a vida e o amor12 11 Na adaptação fílmica desse romance para o cinema, o personagem Benjamin Schianberg está ausente. No entanto, Beto Brant realizou um argumento que converteu em filme, em 2010, intitulado “O amor segundo B. Schianberg”, inspirado nesse personagem. . Em seguida, há uma interrupção abrupta dessas reflexões com uma fala do personagem Altino, o que suspende a linearidade narrativa da construção da história do narrador com Lavínia. Curioso observar como a fala de seu Altino, o Careca, é absolutamente desimportante, tratando-se de uma reflexão sobre o governo e a atividade da mineradora. O intuito da interposição dessa fala é o de, justamente, suspender a linha narrativa, evidenciando um processo de corte na ação dramática, de maneira análoga ao corte cinematográfico. Desse modo, essa interrupção acentua o suspense que se constrói gradativamente no romance, afinal, promove no leitor uma expectativa com relação ao desfecho da situação dramática.

Esse procedimento de suspensão da linha narrativa é conhecido, na linguagem cinematográfica, como cross-cutting, isto é, a montagem paralela, que, segundo Marcel Martin (2003)MARTIN, Marcel (2003). A linguagem cinematográfica. Tradução de Paulo Neves. São Paulo: Brasiliense., baseia-se na coexistência de diferentes eventos, espacialmente distantes, acontecendo em simultâneo. Essa montagem foi desenvolvida por D. W. Griffith em filmes como The Fatal Hour (1908)THE FATAL HOUR (1908). Direção: D. W. Griffith. Estados Unidos. 1 filme (14 min.). e The Lonely Villa (1909)THE LONELY VILLA (1909). Direção: D. W. Griffith. Estados Unidos. 1 filme (12 min.).13 12 No filme The fatal hour (1908), há uma sequência que se inicia com um homem prendendo uma mulher num quarto e apontando uma arma para ela, amarrada a um relógio que faria disparar a pistola a determinada hora. O homem sai e é capturado pela polícia, ao que se segue uma sequência de planos alternados entre a mulher no quarto, amarrada em frente à arma, e a carroça com os policiais cruzando velozmente as ruas da cidade em direção ao que se presume ser o resgate da mulher. Em The lonely Villa (1909), temos uma estrutura semelhante: há uma família em perigo e a tensão é criada por meio de ações paralelas, isto é, uma linha narrativa centra-se no que acontece na casa e a outra na tentativa de o homem chegar à casa para salvar sua mulher e filhas. , com uma estrutura narrativa que se tornou muito popular: o last minute rescue, ou seja, o salvamento no último minuto. Esse procedimento narrativo se constrói pela aplicação da montagem alternada em duas ações que, além de ocorrerem em simultâneo em locais diferentes, estabelecem entre si uma relação de dependência. O salvamento no último minuto antecipa um acontecimento grave e, partindo dele, alterna ações simultâneas em que o desfecho de uma ação depende, necessariamente, da outra. Evidentemente, esse procedimento tem o intuito de despertar o suspense no espectador, e justamente por isso, ele é um procedimento adotado em larga escala em filmes mainstream do gênero ação ou suspense.

No romance de Marçal Aquino (2005)AQUINO, Marçal (2005). Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios. São Paulo: Companhia das Letras., as ações que são postas em paralelo ocorrem não só em espaços distintos, mas também em tempos diferentes: enquanto o encontro amoroso de Cauby e Lavínia ocorre no passado com relação à narração desses fatos pelo protagonista, o diálogo com o personagem Altino situa-se no presente. Ainda assim se pode dizer que o intuito é semelhante ao uso da montagem paralela no cinema: criar um suspense com relação ao desfecho da situação dramática. Assim, a tecedura textual vai sendo construída de forma fragmentária, intercalada, à maneira da junção de fotogramas no cinema, produzindo uma espécie de leitura com a dinâmica do fragmento.

É interessante observar como, na adaptação do romance para o cinema, a narrativa intercalada, que envolve o personagem seu Altino recontando sua história de amor com a ex-colega de profissão, está ausente. O filme concentra-se apenas em representar o triângulo amoroso envolvendo Lavínia, Cauby e o pastor Ernani. Quando pensamos no traço cinematográfico do romance, a narrativa intercalada é, por certo, aquilo que constrói uma estética do fragmento usando um processo análogo ao da montagem, mas isso não é vertido em linguagem audiovisual na adaptação fílmica, o que comprova que o traço cinematográfico presente no texto literário nem sempre corresponde a uma tradução no cinema. Neste caso, o livro, embora tenha sido vertido em uma adaptação fílmica, claramente ambiciona ser lido enquanto romance, e a ilusão de cinema por ele suscitada é uma simulação, um procedimento de composição, como será possível demonstrar a seguir.

Essa discussão remete aos conceitos de “transparência” e “opacidade”, elencados por Ismail Xavier (2005)XAVIER, Ismail (2005). O discurso cinematográfico: a opacidade e a transparência. São Paulo: Paz e Terra. em uma de suas obras mais conhecidas, O discurso cinematográfico. Se a transparência, no caso do cinema, poderia ser compreendida como uma espécie de “efeito de janela”, promovendo uma identificação do espectador com a história narrada, em que este tem uma “fé no mundo da tela como um duplo do mundo real” (Xavier, 2005XAVIER, Ismail (2005). O discurso cinematográfico: a opacidade e a transparência. São Paulo: Paz e Terra., p. 25), a opacidade, por sua vez, tem relação com a mediação que desperta a atenção do espectador não apenas para a história narrada, mas para a materialidade composicional do filme. Nesse sentido, ao estender esses conceitos à prática literária, parece-nos que o triângulo amoroso envolvendo os personagens centrais, que é narrado em primeira pessoa por Cauby, constrói-se de maneira transparente enquanto narrativa literária, ao passo que a narrativa encaixada, isto é, a história de amor entre Altino e Marinês, deslocada para o presente da situação dramática, chamada a atenção para a sua opacidade, enquanto simulação de um procedimento análogo ao cinematográfico.

O motivo da fotografia será fundamental para a construção do romance. O primeiro encontro de Cauby e Lavínia acontece, justamente, dentro de uma loja de fotografias, como uma espécie de encontro predestinado. Cauby observa o rosto de uma mulher em um porta-retratos e, ao elogiar aquele rosto, ouve atrás de si uma voz agradecendo o elogio: “Eu me virei e dei de cara com ela, a mulher do porta-retrato” (Aquino, 2005AQUINO, Marçal (2005). Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios. São Paulo: Companhia das Letras., p. 13). Em seguida, Lavínia resgata da mão do dono da loja, Chang, as fotos que havia solicitado que fossem reveladas, e essas imagens chamam a atenção do narrador:

Ela abriu o envelope a espalhou as fotos sobre o balcão de vidro. Um arco-íris; o número de metal enferrujado na fachada de uma casa antiga; raízes de uma árvore que pareciam um casal num embate amoroso de muitas pernas e braços; a chaminé de uma olaria; uma bicicleta caída na chuva. Nenhuma pessoa ou animal. Apesar disso, fotos boas, feitas por alguém com olho e senso
(Aquino, 2005AQUINO, Marçal (2005). Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios. São Paulo: Companhia das Letras., p. 14).

Nesse fragmento, importa destacar como o narrador mostra ao leitor as fotos tiradas por Lavínia, que são espalhadas no balcão, ele faz isso construindo apenas frases nominais, substantivas, como “o arco-íris”, “o número de metal enferrujado”, “raízes de uma árvore”, “a chaminé” e “uma bicicleta”. Essas frases são justapostas, como tomadas de uma câmera. A enumeração coloca, pois, as fotografias num close, em primeiro plano na narrativa.

Com isso, a tentativa de captar o real por meio do fotográfico perpassa toda a narrativa. O narrador do romance, por meio de um discurso imagético, demonstra um desejo de conhecer as personagens sempre recorrendo a fotografias que faz delas, como em “Pensei na galeria de personagens que vinha colecionando ao longo do tempo. Chico Chagas era um belíssimo exemplar” (Aquino, 2005AQUINO, Marçal (2005). Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios. São Paulo: Companhia das Letras., p. 65). Além disso, utiliza certos clichês construídos pela cultura de massa para descrever as personagens, como na observação que faz sobre o investigador policial: “Polozzi levava a sério seu papel naquele bang bang, era um dos mocinhos” (Aquino, 2005AQUINO, Marçal (2005). Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios. São Paulo: Companhia das Letras., p. 192).

A fotografia será uma paixão comum para o narrador Cauby e a personagem Lavínia. Essa atividade permite ao leitor construir alguns traços da personalidade dos dois personagens que estão relacionados à atividade de fotografar. No caso de Lavínia, ela descobre a arte de fotografar como forma de escape de seu cotidiano difícil, antes de conhecer o pastor Ernani e poder sair das ruas e abandonar a prostituição:

Numa das tempestades que passou recolhida, Lavínia descobriu a fotografia. Foi paixão instantânea. Num daqueles cursos que davam para distrair o bando de meninas selvagens, com excesso de tempo ocioso, ela enfim se encantou com algo que parecia valer a pena. Mas foi obrigada a relegar esse interesse ao tempo futuro dos outros sonhos que pretendia realizar
(Aquino, 2005AQUINO, Marçal (2005). Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios. São Paulo: Companhia das Letras., p. 125).

Neste outro fragmento, embora o narrador Cauby descreva a cena, lamenta não ter feito dela um registro fotográfico, além disso, compara os dois homens avistados por ele a “personagens do faroeste”. Esses dados revelam a intensa permeação do texto literário pelos elementos da cultura audiovisual.

Ouvi as vozes assim que a draga se afastou. E, logo abaixo da ponte, dois sujeitos se ergueram no meio do capinzal, sujos de lama até a cintura. Um deles, o mais velho, levava uma cartucheira. O outro era um rapazote, quase um menino ainda. Os dois galgaram o barranco aos escorregões. Personagens do faroeste encenado naquele lugar. Lamentei não estar com a câmera
(Aquino, 2005AQUINO, Marçal (2005). Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios. São Paulo: Companhia das Letras., p. 68-69).

Ainda nesse momento da narrativa, temos este outro trecho que elucida como o romance se vale de certos procedimentos cinematográficos para produzir o efeito de velocidade e simultaneidade:

Saltei na ponte, atraído pelo grupo de homens que se debruçava numa das guardas. Viktor Laurence estava entre eles e acenou ao me ver saindo do táxi. Encostei-me ao seu lado. Fachos de lanterna se agitaram de um jeito nervoso no capinzal sob a ponte.
Atiraram no vigia da draga, Viktor disse.
Um grupo de homens vasculhava o local e um deles gritou um palavrão. Viktor balançou a cabeça
(Aquino, 2005AQUINO, Marçal (2005). Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios. São Paulo: Companhia das Letras., p. 69).

As frases curtas, justapostas, ligadas sem nenhum elemento coesivo senão o ponto final que as separa, unidas à mudança de foco de registro do narrador — de seu ato de descer do táxi ao aceno de Viktor Laurence; dos fachos de lanterna que “se agitaram de um jeito nervoso no capinzal sob a ponte” (Aquino, 2005AQUINO, Marçal (2005). Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios. São Paulo: Companhia das Letras., p. 69) à fala de Viktor; da palavra emitida por um dos homens que vasculhava o local ao balanço de cabeça de Viktor —, denunciam a estratégia de traduzir, via texto literário, uma aceleração narrativa que suscita o efeito de simultaneidade postulado pela linguagem do cinema. Todavia, por mais imagético que soe o texto, ele é habitado pela literatura, o que se comprova quando o narrador personifica os fachos da lanterna e diz que eles “se agitaram de um jeito nervoso”. Logo o cruzamento de fronteiras entre literatura e cinema no romance é feito sem perder aquilo que possibilita o diálogo dos dois campos artísticos: a diferença existente entre eles.

Outro dado importante do romance são as interpolações das frases do professor Schianberg com as reflexões de cunho pessoal do narrador sobre a sua história de vida:

Devolvo o jornal ao careca e ele arrasta a carcaça de volta até a cadeira no canto da varanda. O menino se espreguiça e senta-se nos degraus outra vez. Retomo o livro e leio mais um trecho grifado: o professor Schianberg diz que a natureza do amor, de não nos permitir escolher por quem nos apaixonamos, é uma rota que pode conduzir à ruína. Entendo por que Schianberg escreveu isso. E dou razão a ele. Alguns amores levam à ruína. Eu soube disso desde a primeira vez que Lavínia entrou na minha casa
(Aquino, 2005AQUINO, Marçal (2005). Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios. São Paulo: Companhia das Letras., p. 25).

Neste trecho, o olhar do narrador — que, embora narre em primeira pessoa, comporta-se como um narrador câmera — vai percorrendo os elementos e, com isso, mudando seu foco de enquadramento e registro: do jornal devolvido ao careca até o menino espreguiçando-se nos degraus, até, por fim, o livro que ele tem em mãos. Nesse momento, o narrador, como num close, reproduz as páginas do livro para dar voz à citação do professor. Notamos, portanto, como o trecho se inicia em um plano geral para se voltar ao livro e, por fim, à reflexão do narrador: “Entendo por que Schianberg escreveu isso. E dou razão a ele” (Aquino, 2005AQUINO, Marçal (2005). Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios. São Paulo: Companhia das Letras., p. 25). É evidente que, numa transposição midiática da obra para o cinema, esse recurso só se faria possível pelo procedimento da narração em off, por exemplo, não sendo possível reproduzir por imagens as reflexões feitas pela consciência do narrador.

Isso prova que se, por um lado, o romance constantemente reverbera o cinema enquanto linguagem, por outro, não se afasta por completo de sua configuração enquanto literatura. Essa configuração também está presente na antecipação que o narrador faz, ao leitor, de que o desfecho dele com Lavínia o levará à ruína, sem, contudo, entregar o todo dessa informação.

Com relação à história narrada, outro fio narrativo que o narrador entrecruza com a narração sobre o desfecho de sua história amorosa com Lavínia é a morte trágica de Chang, ex-dono da loja de fotografias para quem Cauby prestava serviços e de quem se tornou amigo. Chang costumava envolver-se com rapazes mais jovens, por isso, adquiriu fama de pedófilo na cidade. Em decorrência disso, Guido, um criminoso justiceiro, assassinará Chang, e o assassinato é visto pelos habitantes da cidade como uma espécie de justiça com as próprias mãos:

O delegado garantiu que Guido não ficaria preso, ia apenas prestar depoimento e depois sairia. Mas ninguém debandou até a hora em que ele deixou a delegacia, e só faltou aplaudirem e carregarem Guido pelas ruas. Soltaram até fogos. Quem viu conta que ele ficou meio constrangido com a festa. Um herói desajeitado. O assassino confesso de Chang nem chegou a sentir o cheiro de mijo velho do xadrez local. Eu tive esse privilégio
(Aquino, 2005AQUINO, Marçal (2005). Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios. São Paulo: Companhia das Letras., p. 148).

O narrador encerra o fragmento com outra antecipação: a de que ele também havia sido preso. Logo o recurso da prolepse fará com que os constantes deslocamentos temporais consigam manter o interesse do leitor em descobrir o que aconteceu até o fim da narrativa — procedimento bastante comum nas obras cinematográficas.

Vejamos:Anoitece devagar. Os insetos aparecem, pontuais como funcionários de uma fábrica de relógios. O careca esbofeteia a caneca. E também entra, para pegar o repelente.
Fico sozinho na varanda, pensando em Guido Girardi: sua rendição, de certa maneira, encerra um ciclo de brutalidade iniciado com a morte de Chang. Estava no ar, pronto para explodir, faltava só alguém acender o estopim. E o assassinato do chinês, a quem metade da cidade odiava por dever-lhe dinheiro e a outra metade gostaria de esfolar por conta de seus folguedos com meninos, serviu de mote. Atiçou as feras.
E eu Lavínia fomos tragados por esse turbilhão
(Aquino, 2005AQUINO, Marçal (2005). Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios. São Paulo: Companhia das Letras., p. 150).

O narrador oscila entre narrar de forma não interferente, limitando-se a registrar elementos externos, descrições, que soam como notações cênicas, como em “Anoitece devagar. Os insetos aparecem” (Aquino, 2005AQUINO, Marçal (2005). Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios. São Paulo: Companhia das Letras., p. 150), aproximando-se, portanto — embora narre em primeira pessoa — de um narrador-câmera. Em outros momentos, esse narrador utiliza uma linguagem metafórica, com divagações e reflexões que o afastam de uma tentativa de narrar com neutralidade, como na comparação acerca dos insetos, “pontuais como funcionários de uma fábrica de relógios” (Aquino, 2005AQUINO, Marçal (2005). Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios. São Paulo: Companhia das Letras., p. 150). Além disso, há o constante uso da prolepse, que evidencia a função metalinguística do romance e o afasta de certa ideia mimética de representação do real.

Na primeira parte do trecho, predomina o showing: a descrição inicia o fragmento, por isso o traço de “roteirização” da escrita, que se constrói pela caracterização espacial, o que lembra as rubricas cinematográficas. No entanto, o narrador acessa também os seus pensamentos, como em “fico sozinho, pensando”, o que hibridiza a voz desse narrador em primeira pessoa com um modo de registro análogo ao cinematográfico. As referências ao cinematográfico coexistem, portanto, com aquilo que é próprio da linguagem verbal.

Um dado interessante é quando o narrador atribui diversos motivos para explicar a morte de Chang:

Matou Chang porque descobriu que seu filho caçula cabulava aula para passar a tarde enfurnado no quartinho dos fundos da loja, entregue a farras muito bem documentadas pelo chinês numas fitas VHS que a polícia encontrou no local. Essa é uma boa perspectiva para se analisar o caso. Mas não a única.
Guido destripou Chang porque devia muito dinheiro ao chinês, herança de antigos projetos malsucedidos. É também uma maneira de explicar o crime. Há até quem aposte nisso. Num giro rápido pelos botecos da cidade, você não terá dificuldade para encontrar gente que fale na soma das duas motivações.
Porém, se você se aprofundar um pouco mais na ferida gangrenada que é a noite neste lugar, se subir as escadas rangentes de madeira e penetrar, sem medo ou nojo, na luz incerta do submundo dos bordéis, surgirão outras versões. Uma delas: Guido assumiu a autoria, mas, na verdade, quem matou Chang foi seu filho. Crime passional, briga de amor. O galãzinho desafinado do karaokê — o chinês tinha instalado um aparelho de som no quarto e o garoto aparecia num vídeo, só de cueca, cantando e dançando “Maria-Fumaça”, um hit da guitarrada, um gênero local.
É difícil saber com exatidão o que aconteceu. Só posso falar do que vi. E o que vi foi brutal
(Aquino, 2005AQUINO, Marçal (2005). Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios. São Paulo: Companhia das Letras., p. 161).

Aqui o narrador estabelece, pelo menos, três versões para o assassinato de Chang:

  • na primeira delas, Guido o assassinou por não suportar saber do envolvimento dele com o seu filho;

  • na segunda, Guido assassina Chang porque este lhe devia muito dinheiro;

  • na terceira versão, quem assassina Chang não é, na verdade, Guido, que apenas assume a culpa, mas seu filho, em uma “briga de amor” — o crime seria, portanto, passional.

O narrador diz, então, não saber com exatidão o que aconteceu, o que é explicado pela limitação do seu foco narrativo — já que se trata de um narrador em primeira pessoa, ele narra apenas sobre o que vê. Apesar da “escrita roteirizada”, há aqui também uma discussão sobre a limitação do foco narrativo.

Em seguida, o narrador descreve, detalhadamente, o estado do corpo de Chang quando é encontrado, e a descrição faz-nos pensar em como a violência é representada no romance e em quais efeitos de sentido isso resulta:

Um enxame de moscas se alvoroçou no quarto. Chang estava sentado no chão, só de camiseta, as costas apoiadas na cama, cabisbaixo, estripado, com as mãos pousadas abaixo do umbigo, como se tivesse morrido tentando impedir que os intestinos transbordassem para fora do ventre. Tinha defecado e urinado. Sua boca aberta deixava ver as fileiras de dentinhos de rato trancados numa dor derradeira. Já era o terceiro dia de sua ausência no mundo. O fedor da morte empesteava o quarto
(Aquino, 2005AQUINO, Marçal (2005). Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios. São Paulo: Companhia das Letras., p. 161).

Percebemos como o narrador nos dá uma série de detalhes cruéis sobre o estado do corpo de Chang ao ser encontrado: as moscas no quarto, a barriga estripada, a informação de que ele “tinha defecado e urinado” (Aquino, 2005AQUINO, Marçal (2005). Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios. São Paulo: Companhia das Letras., p. 161), além da imagem final de sua boca aberta, que “deixava ver as fileiras de dentinhos de rato trancados numa dor derradeira” (Aquino, 2005AQUINO, Marçal (2005). Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios. São Paulo: Companhia das Letras., p. 161). Todo o trecho, imagético, vale-se dessa representação brutal da violência com o intuito, certamente, de provocar espanto no leitor. Segundo Tânia Pellegrini (2018)PELLEGRINI, Tânia (2018). Realismo e realidade na literatura brasileira: um modo de ver o Brasil. São Paulo: Alameda., a presença da violência na ficção contemporânea constitui-se não apenas de um recurso utilizado para a compreensão da dinâmica social brasileira, isto é, de seus conflitos, problemas e fendas, mas também como representação, “nutrindo a movimentação específica da produção cultural e literária, servindo a interesses e ideologias” (Pellegrini, 2018PELLEGRINI, Tânia (2018). Realismo e realidade na literatura brasileira: um modo de ver o Brasil. São Paulo: Alameda., p. 223):

Enquanto representação, afirma-se como elemento discursivo e estilístico peculiar à contemporaneidade; brota com ímpeto e incidência antes insuspeitados, traduzindo, inclusive, subjetividades diferentes das tradicionalmente envolvidas com arte e literatura, e indicando, em letras e imagens, uma espécie de normalização estética do lado mais trágico da sociedade brasileira, por meio da insistente reiteração do conflito e do confronto, da crueldade e da barbárie.

A representação da ideia da violência nas narrativas contemporâneas, que também deriva de certa representação violenta na ficção de modo geral, sobretudo em filmes e séries televisivas, que apelam a ela como recurso meramente decorativo, parece sugerir, além de uma “normalização estética do lado mais trágico da sociedade brasileira” (Pellegrini, 2018PELLEGRINI, Tânia (2018). Realismo e realidade na literatura brasileira: um modo de ver o Brasil. São Paulo: Alameda., p. 223), que a violência é tratada como um produto de circulação cultural — uma mercadoria sempre pronta para ser comercializada pela indústria da cultura, por isso, a violência remete a uma dualidade simbólica — e latente — entre a civilização e a barbárie presente em nossa sociedade.

O desfecho do envolvimento amoroso de Lavínia e Cauby passa por uma reviravolta trágica. O pastor Ernani é assassinado, e os devotos da igreja, cientes da relação extraconjugal de Cauby e Lavínia, automaticamente atribuem a culpa da morte do pastor ao fotógrafo, partindo em busca de fazer justiça com as próprias mãos. É revelado, pois, o destino trágico do narrador, que simbolicamente perde o olho direito, justamente o olho que era usado para fotografar, e alegoricamente, narrar:

Sou um sobrevivente.
Tenho no corpo dezessete ossos que precisaram de reparos. Fora o crânio. Meus ouvidos comprometidos de modo irreversível, é como se alguém tivesse baixado o volume do mundo. Não me faz falta nenhuma a algaravia mundana, mas confesso que sofro com a ausência de certas nuances quando escuto música, em especial, e veja só a ironia, o velho Ludwig. Parece que suprimiram alguns instrumentos das gravações, tudo soa oco, incompleto. Minha cabeça dói de forma crônica desde que acordo. E desconfio que meu olfato e paladar também mudaram. Tenho pesadelos e ereções com a mesma frequência à noite, mas isso não me assusta, já acontecia desde a adolescência.
O dano maior, contudo, foi que perdi um olho, o direito, o que para um fotógrafo, habituado a privilegiá-lo na hora de olhar a vida ao redor, pode ser considerado um problema sério
(Aquino, 2005AQUINO, Marçal (2005). Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios. São Paulo: Companhia das Letras., p. 188).

Toda a cena do linchamento de Cauby é narrada de modo imagético: as frases curtas e justapostas, tais como os fotogramas na montagem cinematográfica, aceleram a narração. Os moradores, incitados pelos discursos evangelizantes do pastor Ernani — afinal, naquele contexto de precariedade material e exploração, a religião funciona como alento e alienação —, são instigados a fazer justiça com as próprias mãos. Faz-se interessante observar que a opção pelo apedrejamento faz alusão às punições pelo “pecado da carne” relatadas na Bíblia, ou seja, não é gratuita essa escolha dos fiéis.

Não sei quanto tempo corri ou até quando teria resistido. Eu já não tinha mais energia, porém continuava do mesmo jeito. O medo me empurrava. Mas comecei a perder terreno, tive a sensação de que passei a ouvir, além do tropel e dos gritos, a respiração feroz nos meus calcanhares. Ao olhar para trás, pisei num buraco e torci o tornozelo. Perdi o equilíbrio. Não cheguei a cair, mas tive de parar. E, no desespero, cometi um erro estratégico fatal: me refugiei, mancando, num terreno baldio. Um descampado.
Num segundo, fui cercado. Homens e mulheres. Não dava para saber quantos eram, talvez uns vinte. Me olhavam com hostilidade e não diziam nada. Apenas se aproximavam, ofegantes. Eu estava exausto demais, não consegui falar. E nem me manter em pé direito — sentia uma dor aguda no tornozelo.
A primeira pedra me atingiu no peito.
Ergui as mãos para me proteger e tentei falar, imagine, que estavam cometendo uma grande injustiça. Mas faltou fôlego. E tempo. E sobrou dor. Uma segunda pedra bateu no meu ombro. A terceira no meu rosto. Eu me ajoelhei. E sofri um baque na cabeça — alguém me golpeou por trás. Foi nesse instante que caí. Então choveram pedras. Uma acertou meu olho direito. Um clarão de fogo. Foi a última imagem que vi com ele. Eu já não sentia os impactos. E não me lembro de mais nada.
Dona Jane traz para a varanda a bandeja com a garrafa térmica
(Aquino, 2005AQUINO, Marçal (2005). Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios. São Paulo: Companhia das Letras., p. 210).

Aqui notamos como as frases curtas, que descrevem o momento do apedrejamento, como se observa na sequência: “Uma segunda pedra bateu no meu ombro. A terceira no meu rosto. Eu me ajoelhei. E sofri um baque na cabeça — alguém me golpeou por trás. Foi nesse instante que caí” (Aquino, 2005AQUINO, Marçal (2005). Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios. São Paulo: Companhia das Letras., p. 210), cumprem a função de, ao unir essas frases como enquadramentos/tomadas de câmera, imprimir velocidade ao texto, por um processo análogo ao da montagem. Contudo, se essa é a principal função da montagem no plano cinematográfico (estabelecer continuidade e fluidez ao filme, ao mesmo tempo em que é responsável pela sua progressão), aqui as constantes associações metafóricas rompem a lógica da fluidez, como quando o narrador diz “Mas faltou fôlego. E tempo. E sobrou dor” (Aquino, 2005AQUINO, Marçal (2005). Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios. São Paulo: Companhia das Letras., p. 210). Aquilo que se assemelharia a cortes de câmera, rápidos, objetivos, é mesclado a um discurso que se vale do lirismo e da subjetividade. O narrador oscila, portanto, entre a simulação de um roteirista e a inserção de um discurso poético no texto.

Usando esse recurso, o narrador coloca, novamente em primeiro plano, a temática da violência — no caso do fragmento em análise, a violência que ele sofre no próprio corpo, como punição da população local pela sua paixão proibida com a mulher do pastor. Sobre a representação da violência na literatura, Lukács (1965)LUKÁCS, György (1965). Narrar ou descrever? Tradução de Giseh Vianna Konder. In: LUKÁCS, György. Ensaios sobre literatura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. p. 43-94., em “Narrar ou descrever?”, critica o naturalismo do século XIX, uma vez que entende que as descrições exageradas da violência, da pobreza, da miséria e da sexualidade proporcionam uma visão deformada e alienada da realidade. De forma análoga, na literatura brasileira contemporânea, o termo “neonaturalismo” é utilizado, frequentemente, para indicar essa mesma crueza que transforma a representação da miséria, da violência e da sexualidade em espetáculo, isto é, em objeto de consumo alienante. Pellegrini (2018)PELLEGRINI, Tânia (2018). Realismo e realidade na literatura brasileira: um modo de ver o Brasil. São Paulo: Alameda. também critica a literatura contemporânea por transformar a violência em um espetáculo criado pela indústria cultural ao afirmar: “A violência direta ou simbólica é um dos autores mais bem pagos” (Pellegrini, 2018PELLEGRINI, Tânia (2018). Realismo e realidade na literatura brasileira: um modo de ver o Brasil. São Paulo: Alameda., p. 48). E acrescenta:

Quase sem retoques ou mediações, traduz realidade em ficção com frases breves, secas, diálogos certeiros [...]. Utilizando com habilidade as tradicionais categorias estruturantes da narrativa, desenha uma arquitetura sombria, com personagens sempre envolvidos em alguma disputa ou vingança, que ocorre em tempos e lugares concretos, embora indeterminados num eterno presente sem futuro, ratificando a ideia de escombros do mundo. Por isso, estão ausentes as descrições minuciosas [que] aqui não são mais necessárias, pois a realidade de que partiriam é de todos sobejamente conhecida e parece aspirada diretamente para dentro da narrativa. Tudo bastante cinematográfico e reconhecível por qualquer leitor
(Pellegrini, 2018PELLEGRINI, Tânia (2018). Realismo e realidade na literatura brasileira: um modo de ver o Brasil. São Paulo: Alameda., p. 43).

O que Pellegrini (2018)PELLEGRINI, Tânia (2018). Realismo e realidade na literatura brasileira: um modo de ver o Brasil. São Paulo: Alameda. chama de cinematográfico é justamente a ausência de descrições detalhadas. No caso do romance de Aquino, não seriam, porém, as descrições que estão ausentes, mas a análise do narrador sobre a sua realidade circundante. O narrador, ainda que narre em primeira pessoa, não analisa aquilo que narra; os comentários dele são, quase sempre, desimportantes — a narração acontece pelos recuos temporais. Com isso, se por um lado a crítica tem considerado essa absorção dos mass media pela literatura, isto é, a incorporação de uma linguagem análoga à dos meios audiovisuais, como traço indicador de uma literatura de consumo alienante, é possível pensar, por outro lado, que os escritores estão atentos ao contexto histórico do qual fazem parte. Além disso, é possível que, ainda que o conteúdo esteja entregue em uma forma de fácil absorção, de leitura ágil e de consumo voraz, questões sociais e estéticas importantes podem ser mobilizadas.

Em Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios, temas como violência sexual, a exploração de terras ou a omissão do Estado, embora pareçam subjacentes à temática central da obra, vão se revelando fundamentais para uma compreensão crítica dessa temática e do contexto em que ela se manifesta.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O signo da fotografia mobilizado pelo romance certamente pode ser lido como uma reflexão sobre a época contemporânea e sua permeação pela imagem, além de uma tentativa de a literatura dialogar com o seu contexto de produção. Com isso, percebe-se que há, na literatura produzida na contemporaneidade — exemplificada aqui pelo romance de Marçal Aquino (2005)AQUINO, Marçal (2005). Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios. São Paulo: Companhia das Letras. —, uma persistente incorporação de procedimentos característicos da linguagem do cinema, pela própria vinculação de seus autores à profissão de roteirista ou mesmo de escritores munidos do desejo de aproximar-se do cinema como, simultaneamente, experimentação estética e possibilidade de diálogo com o mercado. Parece-nos evidente que esse romance ocupa esse entrelugar característico da produção literária contemporânea, que só se faz possível numa aproximação da literatura, da mídia e do mercado, ora como desejo de experimentação estética e renovação, ora como produção de uma literatura de consumo voraz, que dialoga com o cinema e a forma do roteiro como possibilidade de que o texto literário obtenha uma projeção maior, por isso, o aceno ao mercado não está ausente nesse horizonte. No entanto, Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios utiliza recursos próprios do cinema sem abrir mão de sua constituição enquanto literatura para afirmar-se enquanto uma narrativa híbrida que dialoga com o complexo horizonte contemporâneo.

Com isso, a escrita roteirizada de Aquino (2005)AQUINO, Marçal (2005). Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios. São Paulo: Companhia das Letras. demonstra como a literatura, por meio de uma série de procedimentos, procura criar a ilusão do simultâneo e do cinematográfico, o que não deixa de ser uma convenção, uma simulação, ou seja, um trabalho de criação, uma opacidade produzida de maneira consciente. Isso explica, por exemplo, que o traço cinematográfico presente no texto literário nem sempre corresponde a uma tradução no cinema, como ocorre com a ausência da narrativa intercalada na adaptação fílmica do romance dirigida por Beto Brant. Embora repleto de elementos próprios da linguagem do cinema, o livro não funciona inteiramente como um roteiro cinematográfico, mas se vale de uma escrita roteirizada, constituindo-se como um texto que nasce em uma sociedade saturada pelo audiovisual em seu cotidiano, por meio da qual ele ainda ambiciona ser lido como romance.

Notas

  • 1
    É o que observam, por exemplo, os pesquisadores Eduardo Leone e Maria Dora Mourão (1993LEONE, Eduardo; MOURÃO, Maria Dora (1993). Cinema e montagem. São Paulo: Ática., p. 16): “Não resta a menor dúvida de que no nosso século o cinema influenciou a literatura, assim como essa jovem expressão dramática foi influenciada por escritores que possuíam o ‘cinematográfico’, antes mesmo de o cinema ter sido inventado”. No entanto, é importante ressaltar que os modos cinematográficos só podem ser observados, na prática literária, no Brasil e na França, no último quartel do século XIX.
  • 2
    O conceito de interinfluência foi utilizado em nossa tese de doutorado para caracterizar as relações que se estabelecem entre literatura e cinema. Ao nomearmos esse fenômeno como interinfluência, estamos a considerar que os dois campos artísticos — literatura e cinema — se influenciam mutuamente, com o intuito de nos afastarmos da problemática noção de influência, que pressupõe, em geral, uma relação hierárquica. Assim, ao dizer que os campos artísticos se interinfluenciam, consideramos que ambos se defrontaram com um paralelismo estético no século XX, cujas características se manifestam tanto para a literatura quanto para o cinema.
  • 3
    Este é, por exemplo, o ponto de partida de Andrew Shail (2014)SHAIL, Andrew (2014). The cinema and the origins of literary modernism. Nova York: Routledge. em The cinema and the origins of literary modernism.
  • 4
    Steven Price (2013)PRICE, Steven (2013). A history of the screenplay. Londres: Palgrave Macmillan. argumenta que a configuração adotada pelos roteiros atualmente ocorreu depois da tentativa de homogeneizar seu formato pela indústria cinematográfica nos anos 1930. Os roteiros no mercado hoje seguem o modelo “master-scene” que, em linhas gerais, abrange cinco elementos: cabeçalho de cena (em geral, indicação de tempo ou localidade), ação, indicação de personagens, diálogos e transições (em geral, indicação de cortes e mudanças de planos). Price (2013)PRICE, Steven (2013). A history of the screenplay. Londres: Palgrave Macmillan. ressalva que essa compreensão atual do roteiro como um documento com requisitos formais muito precisos não decorre da prática industrial, mas do efeito da publicação de manuais de roteiristas no fim da década de 1970.
  • 5
    Emmanoel dos Santos (1994)SANTOS, Emmanoel (1994). O roteiro cinematográfico: seu status linguístico e literário. In: CONGRESSO ABRALIC, 4., 1994, São Paulo. Anais [...]. p. 279-283. questiona, de modo provocativo, quantos estudiosos de literatura estariam familiarizados com a carreira de roteiristas de escritores do porte de William Faulkner e mesmo Fitzgerald, e ainda quantos críticos estariam dispostos a considerar seriamente como objeto de estudo a obra para o cinema desses escritores para um levantamento exaustivo de seus achados e seu acabamento literário, isso porque, embora num tom jocoso, o autor considera possível que esses escritores escrevessem roteiros não porque se empenhavam na construção de um texto para o cinema com a mesma meticulosidade com que escreviam seus romances, mas porque, afinal, consideravam suas tarefas de escritores para o cinema um trabalho secundário, que lhes providenciava o sustento necessário para escrever suas grandes obras-primas literárias.
  • 6
    Neste artigo, assume-se como “contemporânea” a literatura produzida nos anos 2000, o que Schøllhammer (2009)SCHØLLHAMMER, Karl Eric (2009). Ficção brasileira contemporânea. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. chamará de “os OO”, isto é, quando se acentua a interação da palavra escrita com os meios de comunicação em massa. Embora entendamos que o termo “contemporâneo” seja controverso e motivo de não consensualidade entre críticos literários — Massaud Moisés (2018)MOISÉS, Massaud (2018). História da literatura brasileira, volume III: desvairismo e tendências contemporâneas. São Paulo: Cultrix., por exemplo, intitula de “tendências contemporâneas” a literatura produzida desde 1945 —, estabelecemos aqui esse período por compreender que, conforme também afirma Schøllhammer (2009SCHØLLHAMMER, Karl Eric (2009). Ficção brasileira contemporânea. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira., p. 147), a “diversidade de temas e soluções criativas, que só fez aumentar durante a última década, ao mesmo tempo que não se produziu qualquer ruptura mais significativa entre quem despontou na década de 1990”.
  • 7
    O cinema, assim como o gênero dramático, que “é o método de apresentação direta e visa dar ao leitor a sensação de estar presente, aqui e agora, na cena da ação” (Beach, 1932, p. 148 apud Mendilow, 1972MENDILOW, Adam Abraham (1972). O tempo e o romance. Tradução de Flávio Wolf. Porto Alegre: Globo., p. 124), dá-nos a sensação de presente que é criada pela correspondência entre o tempo da narração e o tempo da história narrada.
  • 8
    Os termos “telling” e “showing” são utilizados por Norman Friedman (2002)FRIEDMAN, Norman (2002). O ponto de vista na ficção. Tradução de Fábio Fonseca de Melo. Revista USP, São Paulo, n. 53, p. 166-182. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9036.v0i53p166-182
    https://doi.org/10.11606/issn.2316-9036....
    , cujo ensaio “Point of view in fiction: the development of a critical concept” foi publicado originalmente em 1967 (conforme nota da tradução de Fábio Fonseca para a revista USP), e essa terminologia foi criada por Percy Lubbock (1921)LUBBOCK, Percy (1921). The craft of fiction. Londres: Jonathan Cape Thirty Bedford Square. em The craft of fiction. Por um lado, contar (telling) é próprio da forma narrativa, que se constrói, majoritariamente, em uma dimensão temporal — condição fundamental de toda narrativa, que está atrelada a uma sequência temporal, não importa se linear ou não. No caso das imagens do cinema, elas não contam, mostram (showing), até porque aquilo que há de “narração” no cinema não está propriamente nas imagens que ele representa, mas na progressão temporal dessas mesmas imagens, o que, no caso da literatura, é feito com palavras.
  • 9
    Sumário é “a concentração em narrativa relativamente curta de fatos que ocorreram em períodos de tempos mais longos” e cena caracteriza-se como “a narrativa dos fatos na sua sequência temporal imediata, podendo incluir diálogos ou não” (Carvalho, 2012CARVALHO, Alfredo Leme Coelho de (2012). Foco narrativo e fluxo de consciência: questões de teoria literária. São Paulo: Editora Unesp., p. 47).
  • 10
    Prolepses são “antecipações no tempo, que permitem a anteposição, no plano do discurso, de um fato ou situação que só aparecerá mais tarde no plano da diegese. Corresponde ao que, em linguagem cinematográfica, é chamado de flashforward” (Franco Junior, 2009FRANCO JUNIOR, Arnaldo (2009). Operadores de leitura da narrativa. In: BONNICI, Thomas; ZOLIN, Lúcia O. (org.). Teoria literária: abordagens históricas e tendências contemporâneas. Maringá: Eduem. p. 33-56., p. 47).
  • 11
    Na adaptação fílmica desse romance para o cinema, o personagem Benjamin Schianberg está ausente. No entanto, Beto Brant realizou um argumento que converteu em filme, em 2010, intitulado “O amor segundo B. Schianberg”, inspirado nesse personagem.
  • 12
    No filme The fatal hour (1908)THE FATAL HOUR (1908). Direção: D. W. Griffith. Estados Unidos. 1 filme (14 min.)., há uma sequência que se inicia com um homem prendendo uma mulher num quarto e apontando uma arma para ela, amarrada a um relógio que faria disparar a pistola a determinada hora. O homem sai e é capturado pela polícia, ao que se segue uma sequência de planos alternados entre a mulher no quarto, amarrada em frente à arma, e a carroça com os policiais cruzando velozmente as ruas da cidade em direção ao que se presume ser o resgate da mulher. Em The lonely Villa (1909)THE LONELY VILLA (1909). Direção: D. W. Griffith. Estados Unidos. 1 filme (12 min.)., temos uma estrutura semelhante: há uma família em perigo e a tensão é criada por meio de ações paralelas, isto é, uma linha narrativa centra-se no que acontece na casa e a outra na tentativa de o homem chegar à casa para salvar sua mulher e filhas.

Referências

  • AQUINO, Marçal (2005). Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios São Paulo: Companhia das Letras.
  • BROWER, Jordan (2017). Written with the movies in mind: twentieth-century American literature and transmedial possibility. Modern Language Quarterly, v. 78, n. 2, p. 243-273. https://doi.org/10.1215/00267929-3812618
    » https://doi.org/10.1215/00267929-3812618
  • CARVALHO, Alfredo Leme Coelho de (2012). Foco narrativo e fluxo de consciência: questões de teoria literária. São Paulo: Editora Unesp.
  • FRANCO JUNIOR, Arnaldo (2009). Operadores de leitura da narrativa. In: BONNICI, Thomas; ZOLIN, Lúcia O. (org.). Teoria literária: abordagens históricas e tendências contemporâneas. Maringá: Eduem. p. 33-56.
  • FRIEDMAN, Norman (2002). O ponto de vista na ficção. Tradução de Fábio Fonseca de Melo. Revista USP, São Paulo, n. 53, p. 166-182. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9036.v0i53p166-182
    » https://doi.org/10.11606/issn.2316-9036.v0i53p166-182
  • LEONE, Eduardo; MOURÃO, Maria Dora (1993). Cinema e montagem São Paulo: Ática.
  • LUBBOCK, Percy (1921). The craft of fiction Londres: Jonathan Cape Thirty Bedford Square.
  • LUKÁCS, György (1965). Narrar ou descrever? Tradução de Giseh Vianna Konder. In: LUKÁCS, György. Ensaios sobre literatura Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. p. 43-94.
  • MÁRQUEZ, Gabriel García (2019). Crônica de uma morte anunciada Rio de Janeiro: Record.
  • MARTIN, Marcel (2003). A linguagem cinematográfica Tradução de Paulo Neves. São Paulo: Brasiliense.
  • MENDILOW, Adam Abraham (1972). O tempo e o romance Tradução de Flávio Wolf. Porto Alegre: Globo.
  • MOISÉS, Massaud (2018). História da literatura brasileira, volume III: desvairismo e tendências contemporâneas. São Paulo: Cultrix.
  • PELLEGRINI, Tânia (2018). Realismo e realidade na literatura brasileira: um modo de ver o Brasil São Paulo: Alameda.
  • PRICE, Steven (2013). A history of the screenplay Londres: Palgrave Macmillan.
  • RAJEWSKY, Irina (2012). A fronteira em discussão: o status problemático das fronteiras midiáticas no debate contemporâneo sobre intermidialidade. In: DINIZ, Thaïs Flores Nogueira; VIEIRA, André Soares (org.). Intermidialidade e estudos interartes: desafios da arte contemporânea. Belo Horizonte: Rona. p. 51-73.
  • SANTOS, Emmanoel (1994). O roteiro cinematográfico: seu status linguístico e literário. In: CONGRESSO ABRALIC, 4., 1994, São Paulo. Anais [...]. p. 279-283.
  • SCHØLLHAMMER, Karl Eric (2009). Ficção brasileira contemporânea Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
  • SHAIL, Andrew (2014). The cinema and the origins of literary modernism Nova York: Routledge.
  • THE FATAL HOUR (1908). Direção: D. W. Griffith. Estados Unidos. 1 filme (14 min.).
  • THE LONELY VILLA (1909). Direção: D. W. Griffith. Estados Unidos. 1 filme (12 min.).
  • XAVIER, Ismail (2005). O discurso cinematográfico: a opacidade e a transparência. São Paulo: Paz e Terra.

Editor:

Paulo César Thomaz

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    30 Abr 2024
  • Aceito
    20 Jun 2024
Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea, Programa de Pós-Graduação em Literatura da Universidade de Brasília (UnB) Programa de Pós-Graduação em Literatura, Departamento de Teoria Literária e Literaturas, Universidade de Brasília , ICC Sul, Ala B, Sobreloja, sala B1-8, Campus Universitário Darcy Ribeiro , CEP 70910-900 – Brasília/DF – Brasil, Tel.: 55 61 3107-7213 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: revistaestudos@gmail.com